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Espinosa e sua demonstração

geométrica de Deus
Baruch de Espinosa foi um filosofo holandês, nascido de uma família de
portugueses. Extremamente conhecido por ser um dos principais
racionalistas ao lado de Descartes e Leibniz. Em razão da descendência
portuguesa, era chamado de Bento de Espinosa por seus pais (em vez de
Baruch) e teve muito de seus escritos em português (sim, ele
compartilhou da mesma língua que a nossa!), como muitas de suas
correspondências e seu texto sobre seu banimento.
Seu caminho como filosofo começou como cartesiano em seu Princípios
da Filosofia de Descartes, onde ele procura demonstrar a filosofia de
Descartes à um modo euclidiano (isto é, com definições, axiomas,
proposições e etc). Esta sua primeira obra possui um apêndice, que é
justamente onde o filosofo toma a liberdade de expor suas ideias que
começam a engatinhar em direção contrária do caminho de Descartes.
Sua principal obra é a Ética, neste livro, Espinosa se distancia ainda mais
da filosofia de Descartes afirmando “O maior erro de Descartes e Bacon
consistiu em estarem distantes do conhecimento da causa primeira e
origem de tudo que existe” ¹. O filosofo holandês não era apenas filosofo,
ele fez muitos trabalhos matemáticos e até gramáticos (que mostram a
origem do gosto pelo método geométrico) como o Tratado sobre o Cálculo
das Probabilidades, o Tratado sobre o Cálculo Algébrico do Arco-íris e o
Compêndio de Gramática da Língua Hebraica, além das correspondências
trocadas entre o físico Huygens (conhecido pela dita primeira teoria
ondulatória da luz) e o matemático Hudde onde estudaram e muito sobre
a construção de lentes de aproximação.
Pretendo demonstrar de maneira sucinta nesse texto os principais pontos
da exposição geométrica de Deus no Ética de Espinoza.
Antes de mais nada é necessário entender que Espinosa como racionalista
atribui validade intrínseca ao pensamento, um pensamento verdadeiro
sempre convém ao ideato, noutras palavras, ele não é verdadeiro por
concordar com a coisa (como dizem os escolásticos), mas concorda com a
coisa por ser verdadeiro, então o filosofo por ter estabelecido a priori esta
identidade entre a ordem logica (ordo idearum) e a real (ordo rerum) dá
preferencia ao método geométrico, ora, se o pensamento verdadeiro
consegue convir ao ideato, então é necessário um método com rigor logico
e definições restritas para definir o pensamento verdadeiro, por isso, a
escolha do método geométrico de Euclides, afinal, Euclides conseguiu
com este método estabelecer proporções e relações para tudo quanto é
forma geométrica, por que não estabelecer a existência de Deus?
“A única regra a observar é que
cumpre achar uma definição a
qual tudo possa deduzir-se...
Propondo-me a tirar do conceito
de uma coisa tudo o que dele é
possível deduzir, é bem de ver que
o que vem depois é mais difícil do
que o que está antes” ²
Axioma 1: Tudo o que existe, existe em si ou noutra coisa Este axioma é o
resumo de sua ontologia da dualidade substancia/modos. As substancias,
que seria aquilo que “existe por si, e por sí é concebido”³, agora há de se
notar que esta definição não é meramente ontológica em razão do
conceito racionalista de verdade de Espinosa, podemos então dizer
também que substancia é aquilo cujo conceito não carece do conceito de
outra do qual deva ser formada. Além das substancias existem os modos,
que existem em outra coisa e dependem de seu conceito para serem
explicados ou formado, sua existência ontológica e logica não é autônoma.
Portanto, tudo que existe, existe em si ou noutra coisa.
Axioma 3: De uma dada causa determinada segue-se necessariamente um
efeito; se não existisse qualquer causa é impossível seguir-se qualquer
efeito.
Axioma 4: O conhecimento da efeito depende do conhecimento da causa e
envolve-o Esse axioma é a culminação do Axioma 3 com a identidade
lógica e ontológica espinosana, sendo assim, a causa além de pura causa
de ser, é a razão de ser, é também, fundamento lógico, então o conceito do
causado depende do conceito da causa, como diz Suarez em seu
Disputações Metafísicas “Para a justificação de um principio não basta
que seja anterior a outro, mas é necessário que entre eles uma conexão,
ou sequencia de um por outro, o que se denomina princípio”. Daqui se
infere logicamente o axioma 5.
Axioma 5: Coisas que nada tenham de comum entre si também não
podem ser entendidas uma pelas outras. Se não podem ser entendidas
uma pelas outras é por quê o conceito de um não envolve o conceito da
outra, assim sendo, ela também não pode ser causa, pois para ser causa o
conceito de uma deve envolver o conceito de outra.
- Principais proposições - - e explicações -
Proposição 2: Duas substancias que tenham atributos (o que constitui a
essência) diferentes, nada tem de comum entre si. Ora, se possuem
essências diferentes e a essência sendo o que define o conceito, elas não
terão nada de comum, pois a substancia não carece conceitos (definição
III); sendo assim, se o conceito for em outro (modo) eles podem coexistir,
se for em si (substancia) nada terão de comum.
Proposição 3: Das coisas que nada tenham de comum entre si, uma não
pode ser causa da outra. É obvio pela definição III e os axiomas IV e V,
entretanto, ainda exige explicação. Para algo ser causado, o conceito de
uma deve envolver o conceito de outra, então duas substancias não
podem ser causadas uma por outra, visto que as duas devem ter atributos
diferentes (se fossem atributos iguais, seriam a mesma substancia) e
tendo atributos diferentes, nada tem de comum entre si (pela proposição
II). Daqui se infere também que tudo que é causado por uma substancia
deve ser semelhante a ela, pois o conceito do causado deve ser entendido
pelo conceito da causa (axioma IV).
Proposição 6: Uma substancia não pode ser produzida por outra
substancia. Ora, na natureza não podem se dar duas substancias do
mesmo atributo, elas são a mesma substancia, pois o atributo define a
essência, se são os mesmos atributos, possuem a mesma essência,
portanto, são uma coisa só. Sendo assim, se existe outra substancia, ela
possui outro conceito que existe por si e que nada tem de comum com as
outras substancias então não pode ser causada por elas (axioma IV)
Proposição 7: A natureza da substância pertence o existir. A substância
claramente não pode ser produzida por outra coisa, então é de sua
natureza existir, é inconcebível se não como existente , em razão disso que
é necessária.
Proposição 8: Toda substancia é necessariamente infinita. De início
percebemos que não pode ser finita, visto que aquilo que é finito é finito
pois é limitado por outro de mesma natureza que pode ser considerado
maior, todavia já vimos pela proposição VI que as substancias não podem
ter o mesmo gênero, pois teriam os mesmos atributos; o infinito sendo
aquilo que não é limitado por nada ou por nenhum conceito, aquilo do
qual não se pode conceber outro maior, e a substancia sendo aquilo que é
absoluta em seu gênero, pode-se dizer então, que a substancia é infinita.
“Daqui podemos concluir, de outra maneira, que não é dada senão uma
única substancia da mesma natureza. Pensei que isto merecia ser exposto
neste lugar, mas para proceder com ordem cumpre notar: I. Que a
verdadeira definição de cada coisa não envolve nem exprime senão a
natureza da coisa definida. Donde resulta: II. Que nenhuma definição
envolve ou designa um número determinado de indivíduos, visto exprimir
apenas a natureza da coisa definida. Por exemplo: a definição do triângulo
exprime somente a simples natureza do triangulo e não um número
determinado de triângulos. III. É de notar que há necessariamente para
cada coisa que existe uma causa determinada pela qual existe. IV.
Finalmente, cumpre notar que esta causa pela qual a coisa existe deve
estar contida na própria natureza e definição da coisa existente ou deve
existir fora dela. [...] Se por exemplo, existem na Natureza vinte homens,
não será suficiente indicar a causa da natureza humana em geral, porque
além dessa é forçoso indicar a causa pela qual não há mais nem menos de
vinte homens. Ora, esta causa não pode estar contida na própria natureza
humana, dado que a verdadeira definição de homem não envolve o
número 20; por conseguinte a causa pela qual existe cada um deles deve
necessariamente existir fora de cada um deles. Por isso, se pode concluir,
de modo absoluto, que em tudo aquilo cuja natureza podem existir vários
indivíduos, deve necessariamente haver uma causa externa pela qual
esses indivíduos existam. Sendo assim, visto que a natureza da substancia
pertence o existir, a definição dela deve envolver sua existência
necessária, e, por consequência, é somente da sua definição que se deve
concluir a respectiva existência. Ora, da própria definição não pode
resultar a existência de várias substâncias; por conseguinte, resulta desta
definição que somente existe uma substância como propusemos a
mostrar” Em síntese, o que Espinosa tenta aqui é mostrar a substância
como única, afinal, sendo toda substância da mesma natureza, ela é a
mesma no final de contas, toda argumentação espinosana pretende
remover objeções contrarias à redução das substancias a uma só: Deus.
Proposição 10: Cada atributo de uma substancia deve ser concebido por si.
Proposição importantíssima, embora pareça simples, daqui se segue que
embora existam dois atributos diferentes, elas não necessariamente
seriam dois entes diferentes. Como ja foi mostrado até aqui, só existe uma
substância, então todo atributo embora distinto deve vir dela; ademais, é
da natureza da substância que sua essência não dependa de nada além de
si mesma, se atributo é o que constitui a essência, então todo atributo é
concebido por si, por serem ontologicamente autônomas elas podem
coexistir numa única substância infinitamente. - As 4 provas espinosanas
de Deus -
Proposição 10: Deus, ou por outras palavras, a substância que consta de
infinitos atributos, cada um dos quais exprime sua essência eterna e
infinita, existe necessariamente. Demonstração 1 (primeira prova): Sua
negação é rejeitada a priori por definição, Deus é substância, sendo assim,
ela é concebível apenas como existente.
Demonstração 2 (segunda prova): Para cada coisa deve-se designar causa
ou razão pela qual a coisa existe ou não, esta razão ou causa deve estar
contida na coisa ou fora dela, a saber, a mera natureza do circulo inibe a
existência (por contradição) de um circulo quadrado. Espinosa segue
dizendo que aquilo que não é dada qualquer razão ou causa que lhe
impeça a existência, existe necessariamente; não pode ser dada qualquer
razão ou causa que impeça que Deus exista, portanto, ele existe
necessariamente. Se existisse qualquer causa que iniba a existência de
Deus deveria ser dada fora de Deus (noutra substância) ou na própria
natureza dele; se fosse outra substância da mesma natureza de Deus
conceder-se-ia que Deus existe, se fosse de Natureza diferente, nada teria
de comum com Deus (pela proposição II e III) sendo assim, não
envolveria nem o conceito nem a natureza de Deus para lhe impedir de
algo (axioma 4). Portanto Deus existe.
Demonstração 3 (terceira prova): Não ter poder para existir é impotência e
pelo contrario, ser capaz de existir é potência. Por conseguinte, se o que
agora existe é constituído apenas por entes finitos, segue-se que os entes
finitos têm mais poder que o ente absolutamente infinito - o que é
absurdo. Portanto, ou não existe coisa alguma, ou um ente absolutamente
infinito tem necessariamente de existir. Ora, nós existimos ou em nós ou
noutra coisa que exista necessariamente (axioma I e proposição VII); por
conseguinte, existe necessariamente um ente absolutamente infinito, isto
é, Deus. Esta prova é dita ser a prova a posteriori de Espinosa, onde ele
deduz do finito ao infinito. Escólio (quarta prova): Com efeito, se o poder
existir é potência, segue-se que quanto mais realidade é própria da
natureza de alguma coisa tanto mais potencialidade ela tem em si mesma
para existir; por isso, o ente absolutamente infinito, tem em si mesmo o
poder absolutamente infinito para existir. Esta quarta prova remete a
primeira prova, mas de forma direta, é a expressão positiva do argumento
ontológico.
1 – Epístola XI 2 – Epístola LX 3 - Ética; definição III

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