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Novas regras para domésticos podem valer só em contratos futuros, diz OAB

As novas regras para empregados domésticos podem valer apenas para contratos
futuros, segundo o presidente da comissão nacional de estudos constitucionais da
OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Valmir Pontes Filho (...)
Pontes diz que, em geral, as leis passam a valer apenas a partir do momento em que
são criadas e não podem reger as relações jurídicas estabelecidas antes de sua
existência -caso dos contratos trabalhistas anteriores à PEC.
Uma pessoa não pode, por exemplo, cobrar possíveis direitos não reconhecidos no
passado após a criação das novas regras. Segundo o advogado, não pode haver a
retroatividade do pagamento (...)
‘Quem já tem um contrato de trabalho com [empregado] doméstico fixando horário e
normas de trabalho de forma diferente ao que a emenda diz, esse contrato é um ato
jurídico perfeito. Pode uma emenda ferir um ato jurídico perfeito?” (...)
Um ato jurídico perfeito é um ato realizado de acordo com a legislação existente -antes
da promulgação da PEC, portanto- e que cumpriu os requisitos formais para ser válida
(...)
Para o presidente em exercício da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados
do Trabalho), João Bispo, dificilmente a questão vai chegar ao Supremo, ainda que a
possibilidade exista.
‘Do ponto de vista da técnica jurídica, os contratos de trabalho são relações de
natureza continuativa. É natural que, ao longo do cumprimento de um contrato, haja
alterações a partir do momento em que novas leis entram no mundo jurídico. Isso
ocorre frequentemente e ninguém questiona se a mudança vai ocorrer só para os
contratos posteriores’, diz o juiz”

Para entender a polêmica é necessário, primeiro, entendermos o que é uma relação


jurídica continuada.

Quando compramos uma televisão ou um sanduíche na lanchonete, o contrato


celebrado entre as duas partes – comerciante e consumidor, no caso – é um contrato
que será satisfeito assim que o dinheiro for pago e a televisão ou sanduíche for
entregue. As duas partes honraram suas obrigações. O contrato ainda existe, mas
deixa de ter qualquer relevância porque ele exauriu seus objetivos.

O mesmo vale, por exemplo, quando você contrata um pedreiro para erguer o muro de
sua casa: tão logo o muro esteja pronto e o pagamento feito, o objeto do contrato foi
exaurido.

Mas quando você forma um contrato com a empresa de eletricidade, ela entrega a
energia elétrica em sua casa de forma contínua, por meses ou anos. A relação entre
você e a companhia elétrica é uma relação que se estende ao longo do tempo. Logo,
continuada.

O mesmo vale para o seu contrato de trabalho com o seu empregador: ainda que ele
só pague seu salário no fim de cada mês e você só trabalhe cinco dias por semana,
você tem uma relação permanente de trabalho com seu empregador. Apenas quando
você deixar aquele emprego (ou for demitido) é que seu contrato deixará de existir.

Quando estabelecemos um contrato de acordo com as leis vigentes, ele vale, mesmo
que as leis depois sejam mudadas. Se mais adiante a lei disser que a venda de
sanduíches é proibida, o contrato que você celebrou no passado não será afetado
porque ele já foi exaurido.

Mas para a grande parte da doutrina, quando o a relação jurídica é continuada, uma
alteração na Constituição normalmente obriga que a relação seja atualizada para
corresponder às mudanças da Constituição. Caso contrário, poderíamos formar
relações jurídicas hoje que seriam absurdas no futuro, mas ainda assim continuariam
válidas.

Pense, por exemplo, no senhor de engenho que comprou seu escravo de acordo com
as leis então vigentes. Ainda que seu ato jurídico fosse perfeito de acordo com as leis
vigentes quando ele comprou seu escravo, ele não pode alegar, depois da abolição,
que continuaria tendo escravos. A relação jurídica precisou se adaptar, ainda que ela
fosse perfeita no momento em que ela foi criada.

O mesmo vale, por exemplo, para propaganda de cigarro. A empresa tabagista não
pode alegar que vai continuar a fazer propaganda de cigarro porque tem um contrato
com a emissora de TV se a lei passou a proibir esse tipo de propaganda. Não importa
que, quando o contrato foi firmado, ele estivesse dentro da lei e fosse perfeito: agora
ele já não está mais.

O problema fica mais complicado porque é fácil confundirmos ato jurídico perfeito e
direito adquirido. Ato jurídico perfeito é aquele que seguiu todos os passos impostos
pela lei no momento de sua formação. Não lhe falta nada para que ele gere os efeitos
que as partes desejam que ele gere.

Já o direito adquirido é o direito que temos e não nos pode ser tomado. Mesmo que a
Constituição mude mais adiante.

A relação entre o trabalhador e a previdência é um ato jurídico perfeito, mas ele só tem
direito adquirido depois que tiver trabalhado o tempo suficiente para pedir a
aposentadoria. Antes disso, ele tem apenas uma expectativa de direito. E se sua
relação jurídica com a previdência não fosse perfeita, ele sequer teria essa expectativa
de direito.

Pois bem, no caso dos empregados domésticos, o representante da OAB diz que eles
só adquiririam direitos se rompessem suas relações de trabalho agora e firmassem
novas relações de trabalho. Ou seja, a vasta maioria dos atuais trabalhadores
domésticos não teriam os novos direitos.

Já o magistrado do trabalho disse que essa interpretação não faz sentido. O fato de o
contrato ter atendido todas as formalidades quando a lei era diferente não o torna
imune às mudanças que da Constituição. Afinal, o patrão não tem um direito adquirido
sobre o trabalhador. Por outro lado, se a interpretação do magistrado está correta, se
a lei mudar para pior para o trabalhador (por exemplo, abolir aviso prévio), quem já
estava empregado não estaria protegido, já que ele também não teria direito adquirido.

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