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PENSAR
LOGOTECTONICAMENTE1

Heribert Boeder

Num dos seus Four Quartets, designadamente em East Coker, pergunta T. S.


Eliot: «What is the late November doing with the disturbance of the spring?». Pensa-se
logo no passar dos anos – nas suas primeiras inflexões, no murchar e cair. O meio do
seu regresso – se pudesse haver um – detém aí a morte. Que poderia ainda ter o fim a
ver com a excitação do início – contanto que alguma vez emirja? Se se aplicasse aqui
uma palavra, ela teria de recordar a diferença entre fim e consumação. Os antigos
conheceram-na e muito bem a meditaram. Como Sófocles, como o seu amigo Heródoto
com a história de Cléobis e Biton. A morte, tal como é consentida a partir de uma tarefa
completa. Englobando uma vida inteira. Com uma plenitude de significado definitivo.
Teria este também hoje apenas a actualidade de uma sombra?
O modelo disso foi sempre a pretensão de uma diferenciação do homem em
relação a si mesmo. A isso, ao estilo de Oxford, poder-se-ia logo retorquir: This is not
very clear. É, de facto, paradoxal. Para quem? Kant compreendeu-o muito bem, e
Rousseau antes dele. Para não falar dos ouvintes do Novo Testamento, do saber das
Musas. Mas onde falaria ainda uma tal palavra?
No poema mencionado, o próprio Eliot deixou cair o seu discurso acerca do
Novembro tardio: «That was a way of putting it – not very satisfactory: / a periphrastic
study in a worn-out poetical fashion. / Leaving one still with the intolerable wrestle /
with words and meaning». Numa palavra: com o instrumento da linguagem.
Compreendida modernamente. A partir de que modernidade? A partir daquela que,
diante da sabedoria dos antigos, deixa perguntar: «Had they deceived us / or deceived
themselves, the quiet-voice elders. / bequeathing us merely a receipt for deceit?».
Assim, os desiludidos são também aqueles que estão hoje sob a coerção de desmascarar
as indicações tradicionais como instruções públicas para a auto-ilusão. Os iluministas
viram-nas claramente: «The wisdom only a knowledge of dead secrets / Useless in the
darkness, into which they peered / or from which they turned their eyes». Contudo,
também Eliot aprendeu a vê-las com outros olhos. Com quais? São eles ainda os
nossos?
Para uma resposta deve o pensar “logotectónico” fornecer as necessárias
diferenciações. Antes de mais, parece aqui pertinente uma explicação do nome:
contudo, aquilo que é visado não é conhecido nem a partir do habitual uso da
linguagem, nem a partir da terminologia tradicional. Aí, deixar-se-ia recordar alguma
coisa do Mundo Grego. Com Píndaro, o tectónico traço fundamental do poetar. Com
Heraclito, o do falsificar. Tal esclarecimento teve os seus momentos e a sua

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Conferência pronunciada pelo autor por ocasião da sua jubilação na Universidade de Osnabrück, a 29 de
Novembro de 1996. O original alemão, intitulado Logotektonisch Denken, está publicado em Sapientia,
LIII, Buenos Aires, 1998, pp. 15-24.
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fecundidade. Por agora, retém-nos a diferença que a modernidade [Moderne] fez. Um


dos seus, designadamente Ezra Pound – Eliot dedica-lhe, enquanto miglior fabbro, o seu
«Ash-Wendnesday» – dirige-se-nos com a indicação: poetar é, segundo a palavra,
densitare. Também deve ser esse o nosso exercício ao lidar com aquilo que é pensado –
e tanto mais com a nossa actualidade. Mesmo ainda aí, onde Beckett paradoxalmente
encontra: «Imagination dead imagine». O que falta aí a quem?
Deixamos de lado a explicação do nome do nosso título. Ele deve exprimir o seu
direito no seguinte construir de figuras a partir de rationes ou lovgoi. Estas são relações
triádicas de termos cujos nomes retiramos da expressão heideggeriana «a destinação da
coisa do pensar» [die Bestimmung der Sache des Denkens]. A referida ratio terminorum
capta aquilo que foi a razão na história da filosofia. Todo o construir, no sentido da
logotectónica, repousa nas diferenças que, à partida, sobressaem na história da filosofia
como uma formação fechada.
O olhar sobre este todo brotou da sua diferenciação em relação à sofiva,
enquanto saber – prévio à filosofia – da destinação do homem em se diferenciar de si.
Destinação que chegou à intuição – indispensável para uma sofiva – com as diferenças
epocais que são próprias do saber das Musas, das anunciações cristãs e daquela poesia
que se ligou com os nomes de Rousseau, Schiller e Hölderlin. A filosofia, em cada uma
das suas épocas, e de cada vez por um princípio próprio, permanece referida a todas
estas figuras da sabedoria. Enquanto formação fechada, por seu lado, esta história
liberta o mundo, dela separado, das figuras modernas da meditação. E, depois delas,
articulam-se finalmente aquelas formas de reflexão segundo as quais se pode diferenciar
a nossa actualidade. Mas, diante destas afirmações, quem não sente logo uma imensa
necessidade de argumentação? Deixemos aqui descansar este sentimento sobre si – se
de todo puder encontrar descanso. Esta necessidade é, por toda a parte, infinita.
Três totalidades, de cada vez a partir de três articulações, abriram uma passagem
através de tudo aquilo que foi pensado que faz uma diferença no todo. Em qual? A
filosofia pensou-o, em sentido último, como o todo da natureza física e espiritual. A
meditação da modernidade despediu explicitamente o seu conceito.
Já a passagem através deste tudo da história tinha de aparecer, hoje em dia,
como a intenção de um sentido de ordem abstruso. Não se tornaria aí historiografada a
história do ser pensada por Heidegger, ou mesmo imitado o desenvolvimento que Hegel
concebeu na história? E, então, respondia assim um colega americano à minha primeira
tentativa de abrir a lógica histórica da filosofia grega antiga, com a sincera observação:
«So what?». Ele via aqui uma actualização da mais antiga filosofia, a qual –
independentemente de uma prova da sua correcção – nunca alcança a actualidade do
pensar. A sua pergunta permaneceu para mim inesquecível, pois livrei-me de lhe
responder.
A partir do instinto de que razão? Da que se diferencia. Em primeiro lugar, ela
corta a sofiva, para se afirmar como natural – isso com a intelecção [Einsicht] do
carácter de perspectiva [Auffassungs-Charakter] de qualquer progresso de
conhecimento. Enquanto outra em relação a esta, designadamente enquanto mundana,
ela constrói não com base no pensar, mas na sua coisa [Sache], tal como é racional em
si mesma ou kovsmo". A terceira figura da razão, em relação a ambas, é a conceptual:
ela encontra-se com o saber da sofiva, para albergar a sua verdade numa certeza que,
em sentido último, seja a da Filosofia Primeira. Toda a história da filosofia deixa-se
abrir segundo o padrão destas diferenças da razão. Não é um projecto, mas algo feito.
Correlativamente, o mundo da modernidade. A meditação própria separou-o da
dita história, e isso de tal modo que a arquitectónica que lhe é peculiar escapa, pelo
menos, à razão conceptual. O sucessor desta razão, designadamente a razão
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hermenêutica, sentenciou: a antiga Filosofia Primeira passou de vez. Ela cede lugar a
uma meditação que tem, em vez de um Fundamento Primeiro, um solo originário na
vida e na vivência pré-racionais. Que a razão conceptual seja diferente ao ter levado a
cabo as suas tarefas, tal permanece para a meditação moderna inexplicável – apesar da
intelecção nietzschiana de que todas as coisas grandes só por si mesmas perecem.
Se, por outro lado, permanecer traduzível a asseveração kantiana de que a razão
pura tem a ver com totalidades manifestas, então também aquém da sua arquitectónica,
ou seja, na modernidade, será válido que a meditação incide sobre totalidades. Estas são
história, mundo e linguagem, mas de tal modo que não podem ser interpretadas nem
como substância nem como sujeito. Estas três totalidades não são em si mesmas
quaisquer objectos – mesmo que elas se deixem objectivar. Não são da identidade de
algo, mas determinam-se como totalidades apenas na diferenciação umas das outras –
tal como Hesíodo diferenciou os reinos do habitar segundo o padrão do domínio.
Para reproduzir, por agora, apenas os cortes iniciais a partir dos quais a
modernidade se constituiu:
Em primeiro lugar, está a tentativa de Dilthey não de imitar, mas de simular a
Ciência Primeira.
A destinação originária repousa, enquanto mundana, no contexto vital dos
indivíduos; enquanto linguística, no contexto de significação do seu ser interpretado;
enquanto histórica, nos fados [Schicksalen] dos singulares e dos povos.
O pensar correspondente torna-se, por seu lado, histórico, na medida em que se
torna interior à sua vivência, aos seus impulsos, tomando, na meditação, uma
determinada direcção e abrindo voluntariamente o seu mundo.
Por fim, o pensar concretiza-se num entendimento configurado como linguagem,
o qual também anteriormente conseguia configurar como vivência aquilo que era
vivenciado.
É precisamente nessa base que a coisa do pensar é o objecto configurado como
linguagem nas expressões da vida vivenciada.
Historicamente, ele é na emancipação daquilo que valia anteriormente, através
das forças de progresso da sociedade. Isto num mundo do combate vital, do destruir e
criar de valores.
Passamos aqui por cima do empurrão da razão hermenêutica, cunhado por
Husserl e por Wittgenstein, para recordar, à partida, os seus vizinhos que meditam
“tecnicamente”. E isso na sua cunhagem por Frege.
A sua tradução da razão natural toma conta, em primeiro lugar, do pensar, uma
vez que ele está ameaçado de pensar não apenas com a linguagem, mas, antes disso,
dentro da linguagem. Ele só pode escapar da sua sedução numa linguagem acabada de
fórmulas da matemática logicizada e da sua escrita artificial na medida,
designadamente, em que no seu mundo os signos estão imediatamente referidos a
conteúdos – com a exclusão da mediação pelo representar e, assim, pela consciência.
O chamado signo do enunciado afirma a sua logicidade no juízo e no referir de
conteúdos que lhe é peculiar – já não segundo a diferenciação habitual de sujeito e
predicado, mas de função e argumento.
Este rompimento com a tradição gramatical demonstra a sua fecundidade
histórica na destinação recíproca de ciência logicizada e linguagem técnica.
A coisa do pensar artificializado encontra-se, em primeiro lugar, como histórica,
e isso numa crítica a toda a clarificação tradicional da natureza dos princípios
matemáticos. Juntamente com o conceito de número.
Para provar a sua génese, ele desenrola-se num mundo de objectos autónomos.
Partindo do conceito, pode-se de cada vez verificar que objecto é por ele abrangido. Só
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numa função é que ele se aguenta como objecto, e isso como o seu argumento. Na
medida em que sacia uma função, ele tem “um valor”.
Finalmente, a coisa compreendida linguisticamente: o pensamento afirmado no
enunciado é o seu sentido, o objecto assinalado nele é o seu significado.
Mas no que diz respeito à destinação sob a qual esta coisa está, ela é, enquanto
destinação compreendida à partida linguisticamente, o conteúdo da palavra
“verdadeiro”, tal como é dito conjuntamente em todos os enunciados. Nele, enuncia-se a
referência daquilo que afirma ao pensamento essencialmente objectivo. Deve decidir-se
aí o que vale um juízo unicamente em respeito à sua verdade, designadamente se ele é
verdadeiro ou falso.
Historicamente, a destinação vem a ser na medida em que ela corta com a versão
tradicional da verdade no sentido da adequação. Já a separação do conceito em relação à
representação lhe retirou o solo. Até uma definição está aqui excluída. A vida e a sua
vivência são sem verdade; e, com ela, toda a poesia, que só aparentemente fala em
enunciados afirmativos. Quão pouco trivial é este juízo, é o que se pode ler na arte da
modernidade.
Os objectos são, sem limitação, valores funcionais, e isso vale também, bem
entendido, quando o objecto é uma pessoa. Aqui, a destinação de Frege chega ao
mundo. Não há nada que se lhe possa furtar.
A meditação moderna sobre as ciências completa-se, no que ao seu mundo e à
sua história diz respeito, através de Schlick e de Kuhn. Em que vizinhança actua aí a
razão técnica, é o que, à partida, ressalta na posição marxiana.
Em primeiro lugar, aparece aí já não o objecto, mas a coisa. Em que mundo?
Isso é o que ela mostra enquanto mercadoria de determinado valor. No uso, ainda mais
na troca e sobretudo na compra, ele esconde a sua essência de ser trabalho dispendido.
O processo de troca das mercadorias no mercado põe em obra a linguagem do
calcular, as suas equações, como linguagem universal.
Contudo, aquilo que, em sentido último, aí movimenta é a venda e a compra da
mercadoria peculiar que é a força de trabalho ela mesma produtora de mercadorias. O
trabalhador assalariado está aí obrigado a exteriorizar esta sua essência.
A versão histórica da mercadoria revela a destinação sob a qual está a produção,
enquanto produção capitalista: a auto-valorização em que o capital se mantém, e isso
através da produção da mais-valia.
Ele torna-se construtor de mundo, na medida em que exorta à progressiva
divisão do trabalho e à cooperação crescente no processo de produção.
A linguagem que lhe é própria é o cálculo, o qual não apenas mantém em
marcha não só o processo de produção, mas o todo do seu processo de circulação.
Corresponde-lhe o pensar enquanto não meramente económico, mas
economizante. Um “discurso” [Rede], um logismov", sobre a universalidade concreta.
Depois, este pensar, enquanto histórico, é exortado a trazer à consciência a
oposição de classes.
Contudo, ele só chega à concreção mundana através de esta consciência ser
elaborada na forma de ciência e, só assim, fixar a crítica à forma da sociedade
previamente dominante, assim como o repensar o futuro do outro ser humano. Visando-
o, o pensamento marxiano vale para nós, juntamente com o de Nietzsche e o de
Heidegger, como uma formação da razão apocalíptica – desvelando o destino
[Geschick] do capital, da moral cristã e do ser técnico – numa regressão do fim, através
do meio até ao início da história do pensar ocidental.
A recordação das posições inaugurais da modernidade devia apenas salientar as
configurações dos momentos nos quais o nosso mundo, com um primeiro empurrão, se
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despediu da sua história. A respectiva completude destas figuras permite, pelo menos,
suspeitar: a meditação da modernidade fez a sua obra. E se é assim, volta a surgir a
pergunta: «So what?». O pensar ainda não alcançou a diferença que faz a actualidade;
ele permanece, à partida, apenas actualizador. A actualidade só se abre com a
desistência do pensar apocalíptico, tal como a cumpriu o pensar anárquico.
Este é responsável propriamente por suprimir os ajrcai não apenas no sentido
dos princípios metafísicos, mas também no sentido de qualquer domínio. Já as
manifestações correspondentes, mas sobretudo, antes de mais, a relação de Merleau-
Ponty, de Foucault e de Derrida à meditação nuclear da modernidade permite-nos falar
aqui da submodernidade. Ela constitui-se na medida em que também a versão moderna
do pensamento de uma diferenciação futura do homem em relação àquela que foi até
agora a sua essência se suprime passo a passo – seja através da transformação para a
sociedade comunista, seja através da particularização do senhor da terra, seja através da
singularização do mortal próprio do acontecimento de apropriação [ereignishafte
Vereinzelung des Sterblichen]. E com ela, o vestígio das mencionadas figuras da
sabedoria.
O empurrão que aí se exprime inaugura uma esfera que constitui as suas
diferenciações paradigmáticas na totalidade da linguagem. Assim, os respectivos termos
inaugurais são de determinação linguística. Para o compreender, é preciso reparar no
significado fundamental dos chamados “outros” na submodernidade.
Apresentemos aqui apenas a versão da sua primeira ratio através de Merleau-
Ponty. Ele traduz a meditação marxiana de regresso a uma filosofia e às suas questões
convencionais. Pois, para ele, as relações de produção tornam-se nas de comunicação,
relações de corpos que se encontram uns aos outros e são para si a partir daquilo que, de
cada vez, é um outro – não a partir de um eu inicial. Ou seja, que devem abrir-se não a
partir da inter-subjectividade, mas da “inter-corporeidade”. O outro que, à partida, se
exprime corporalmente encontra-se nos seus gestos. Os outros respectivos como que
expõem uns para os outros – no mais expressivo, numa conduta provocante. Não por
último dos corpos sexuados.
Ressalta aqui: com a linguagem corpórea submoderna, não é apenas a diferença
antiga entre a coisa e a imagem que se dissolve, mas também ainda entre a imagem
objectual e o chamado “objecto”. Para ela, a relação a um sujeito – até mesmo ao sujeito
das vivências – tornou-se inessencial. Na medida em que ambos os lados devem ser
compreendidos como um acto de fala, eles fazem parte de um campo homogéneo do
quotidiano da linguagem. Não apenas o discurso acerca do belo, mas até mesmo acerca
da obra de arte perde aí o seu significado diferenciador: pois ele tinha de se tornar num
discurso excludente. O desgaste daquilo que na modernidade é dito é aí esclarecido, o
mais vivamente possível, com a “reflection” de Roy Lichtenstein sobre o “Grito” de
Munch – a sátira, com o ruidoso bebé de um comic-strip.
No termo inaugural da primeira ratio, a comunicação entra em cena, em
primeiro lugar, em versão linguística, depois em versão histórica: todos os estratos do
sentido, sedimentado nos modos do comportamento, tendem a tornar-se liquefeitos e
porosos – ilimitados em expressões multiculturais. No solo da linguagem corpórea,
comum a todos, perdem-se – tal como no mercado mundial marxiano – as diferenças
históricas, e até a sua demarcação de formações pré-históricas e pós-históricas.
Finalmente, no que diz respeito ao singular, tal como a nossa história o
conheceu, ele está aqui já sempre de tal modo socializado que as prévias fronteiras fixas
com o eu puro – e assim também aquelas entre o meu e o não-meu – se tornam porosas.
Enquanto encarnado, o eu é descentrado, e isso de um modo tão decidido que é
originariamente a gente [Man] que percebe em mim.
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Sob que destinação está este a gente e o seu mundo? Submodernamente já não
sob a do capital, mas do chamado “social”. É então aqui também que o mal, no sentido
social, encontra o seu novo sítio: ser insocial é mau. Com a consequência de uma
retrospectiva da moral que a meditação nuclear da modernidade tinha despedido.
Em primeiro lugar, o social como exigência mundana – já não no sentido da
cooperação crescente no processo de produção, mas da vida pública [Öffentlichkeit] sem
barreiras das afecções da gente encarnada.
Compreendido linguisticamente, o social, e o seu dever-ser [Sollen], só se
mantém no discurso, de alcance mundial, da solidariedade da gente com os seus
semelhantes. Contudo, ela só encontra a sua eficácia peculiar na linguagem do protesto
de massas.
Finalmente, o social afirma-se na concreção histórica, e isso com a exigência de
eliminar qualquer circunscrição social e de deixar valorizar-se no ser predominante dos
outros, para os outros, pelos outros. Isso faz toda a diferença não apenas em relação à
liberdade de se formar da personalidade civil burguesa, mas também ainda em relação à
liberdade do capital de se valorizar no processo de produção.
No que diz respeito ao pensar correspondente, deve recordar-se antes de mais: a
perception e o seu traço fundamental “carnal” coincidiram no termo da coisa. É por isso
que o pensar consegue – diferentemente da existência encarnada – retirar-se
“reflectidamente” diante da sua coisa.
Isso, em primeiro lugar, com uma crítica provocada historicamente – não em si
mesma, mas à sua proveniência anti-social a partir do espírito da tradição cartesiana. É
também ainda na sua versão moderna, sobretudo husserliana, que ela quer ser elaborada.
É por isso que o pensar crítico tem de se comportar filosoficamente – de modo diferente
ao marxiano.
Depois, o pensar desenrola no significado mundano o seu traço fundamental
emancipador. Ele politiza-se numa permanente excitação. Só aparentemente na
prossecução do iluminismo anterior, na verdade a partir do desejo submoderno de uma
socialização integral das relações de comunicação.
Enquanto compreendido linguisticamente, este pensar preenche-se na chamada
criatividade do falar hodierno, tal como se pode ler, não em último lugar, nos produtos
de uma figura desregulada segundo cada perspectiva. Pois a linguagem falada é
retomada “deformativamente” na linguagem falante.
Este esboço da primeira ratio submoderna bastaria como testemunho da abertura
também de um pensamento que exclui, a partir de si, cada tectónica. Com Foucault e
Derrida, ele desenrola-se numa figura fechada – penetrando os contemporâneos, mesmo
ainda na sua resistência. Não é discutindo, mas apenas construindo, que a logotectónica
pode ir ao encontro do ataque ao logocentrismo do pensar ocidental.
A outra desta primeira dimensão da submodernidade desenrola-se no chamado
estruturalismo. Este descendente, o silêncio de Wittgenstein pode passar por cima da
meditação hermenêutica. Aquilo de que não se pode falar – isso já nem sequer se
considera com sentido. O termo da destinação é aqui não apenas de um significado em
desaparecimento, mas desaparecido. Assim, também as tentativas modernas de uma
Filosofia Primeira. O seu estatuto é assumido por uma nova Ciência Primeira, e
justamente – tal como a fundamentou Roman Jakobson – pela Linguística Geral.
Começa aqui a operar a referência simples de pensar e coisa.
O pensar configurado como linguagem determina-se, à partida, a partir da
diferenciação de selection e combination (remissão a equivalence e contiguity), depois a
partir dos factores e funções daquilo que é dito (centrada na message e na poetic
function), finalmente a partir do explicar meta-linguístico e de um dizer da message por
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causa dela mesma. Por outro lado, no que diz respeito à coisa deste pensar, ela brota «da
coisificação de uma mensagem poética e daquilo que a constitui» (Language in
Literature, Cambridge, Mass., 1987). Contudo, uma lida livre com tal coisa anuncia-se,
por um lado, na metonímia; por outro, na metáfora.
Esta ciência positiva traz consigo uma tematização da linguagem na sua
expansão para semiologia (Barthes), depois para a concreção de uma antropologia
estruturalista (Lévi-Strauss). Com ela, completa-se o esclarecimento submoderno da
relação entre o signo e o objecto.
A logotectónica abre ainda, no entanto, uma terceira dimensão dentro da
actualidade – apenas em vista da última contracção da sua ratio terminorum sobre o
pensar. E isto na chamada Filosofia Analítica.
Para compreender que diferença ela faz no todo da actualidade, ela deve, antes
de mais, ser separada daquela fase conclusiva da meditação hermenêutica, tal como foi
levada a cabo no essencial por Wittgenstein. Trata-se aqui não de uma continuação da
obra da razão “hermenêutica”, mas da tradução da razão “técnica” que a meditação
moderna transmitiu às ciências.
Na esfera que tem como sua tarefa peculiar já não a abertura do mundo, mas a
totalidade da linguagem, mostra-se nos temas da Filosofia Analítica um estranho andar
para trás, na medida em que aí surge, à partida, um interesse histórico que se junta, ao
contrário do que se passa com Kuhn, à filosofia anterior. Assim com Philosophy of
Mind de Ryle, e a sua crítica a Descartes, assim como também a Platão. Um segundo
empurrão, à partida dado por Austin, alcança um mundo do falar que remete o das
ciências para um segundo plano do interesse filosófico. Contudo, esta ordinary
language philosophy é finalmente, sobretudo por Dummett, abandonada em favor dos
esboços de Frege que já em Carnap e Quine tinham formado uma tradição.
A Filosofia Analítica já não se compreende como análise de sentido dos
enunciados científicos, mas como um empreendimento independente. Para falar como
Dummet: como uma analysis of the structure of thought (Thruth and Other Enigmas,
Worcester, 1978). Ainda ressaltando de processos de pensamento representados
psicologicamente, mas desligada da diferenciação rigorosa de Frege da linguagem
logicizada em relação à habitual. Contudo, qualquer coisa que seja dita pode-se
configurar segundo o padrão do logicismo. A ele está subjacente não apenas a
mencionada contracção da ratio de Frege, mas também uma deslocação inaparente para
os momentos do seu primeiro termo. A estrutura do pensar representada analiticamente
abre-se – diferentemente do pensamento de Frege – a uma philosophy of mind.
É aí que estaríamos. E onde? Numa terra de ninguém – também ainda para além
da articulação esboçada da submodernidade? Então – talvez in the middle of nowhere.
Não deveríamos finalmente falar da nossa própria coisa? Ou não temos nenhuma? Será
que temos a ver apenas com o edifício daquilo que já foi pensado? Se ele o for – onde
permanece o contributo para a discussão cultural analítica? Depois de já nada ter
contribuído para os resultados do pensar anárquico ou estruturalista.
Um pensamento que não tem nem peleja com uma coisa, nem sequer está sob
uma destinação. Que pobreza em comparação com as rationes também ainda da
modernidade, e até da submodernidade! Um pensamento cujo único trabalho é a
ejpochv, a conduta diante daquilo que se produziu pensando – numa progressão do
diferenciar que todavia se consuma. Será que esta aberta pobreza se deve diferenciar,
pelo menos, ainda da indigência dissimulada que cultiva na filosofia esta ou aquela
preferência?
Que indicação segue o nosso caminho? Aí apareceu, por fim, a contracção das
rationes submodernas no termo do pensar. Em que significado? Não como organon de
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um ser racional, mas como órgão do género humano. Em particular, a estrutura do


logicismo em questão compreende-se com base na sua aplicabilidade universal.
Contudo, ainda aparentemente no sentido daquela razão técnica que Frege tinha trazido
ao seu conceito. Do mesmo modo, ainda aparentemente com base na essência técnica de
Heidegger e nos seus fenómenos. Na reflexão analítica, encontramos um modo de
ponderação que os gregos diferenciaram da dovxa, da perspectiva [Auffassung], e
chamaram mhcanhv; traduzido para a submodernidade: prestações úteis do pensar
daqueles que, em primeiro lugar, são outros para outros – e reflectem a sua
racionalidade precisamente neste ser. Precisamente aí alcança o pensar submoderno
«the point of no return». Depois de uma inversão se ter tornado pura e simplesmente
sem sentido, poder-se-ia perguntar: e porque não?
Todas as figuras da sofiva segundo as quais as épocas históricas da filosofia se
diferenciaram repousam na diferenciação do homem em relação a si mesmo. Quem se
irritar com a contradição nesta expressão pode-se tranquilizar na definição do zero por
Frege. Em vista da submodernidade, sobretudo da tematização da linguagem que lhe é
própria, pode-se acrescentar mais um paradoxo: a diferenciação da linguagem em
relação a si mesma, quer dizer, em relação à palavra de significado singular. Em relação
à palavra dada. Precisamente em relação àquela que pronuncia o seu diferir na
expressão: «tal como não tem de ser e, no entanto, é». Aí fala a provocação do início
feito não pela filosofia, mas pela sabedoria em cada uma das suas épocas.
Mas como pode a actualidade destes livres inícios soltar-se do banimento para o
qual ela arrastou consigo a razão conceptual? Em nenhuma época da filosofia o seu
modo de pensar essencialmente paradoxal, estranho à dovxa ou perspectiva, podia
surgir imediatamente, mas apenas na diferenciação, à partida, daquilo que é pensado na
razão mundana, e por último na razão natural que a modernidade traduziu na razão
técnica. Não se trata de o querer reprimir – para não falar da razão “mecânica”. A
própria razão técnica afirmou o direito da dovxa, e isso na delimitação de todo o
conhecimento de experiência sobre o provável. Mas isso valia já para a razão natural no
início da filosofia.
Na sua última contracção, o pensar da submodernidade, ao contrário do que se
passa ainda com o pensar técnico, não se deixa abrir a nenhuma ratio terminorum, e daí
também não a nenhum prosseguimento da destinação dentro de uma figura que lhe
pertença. Ele como que permanece fora de si e aí prossegue até ao infinito –
impulsionado por necessidades que se tornam válidas de um modo qualquer. Servo de
inquietações ou “problemas” que o dia lhe leva. Um simples instrumento e
abstractamente apresentável como tal – só aparentemente “para si”.
Pelo contrário, a tectónica das figuras racionais diferenciadas à partida pode
reconhecer-se: elas são construídas desde o começo da filosofia com a razão natural em
sentido contrário à sofiva. Este estado de coisas incita, pela primeira vez, a sua abertura
logotectónica. Já não da linguagem que ela mesma fala, mas da palavra já dita, a qual
permite pensar na diferenciação do homem em relação a si mesmo. Mais claramente:
que “adverte” (cf. Monere, menisci) para ela. Ela quer ser uma diferenciação suscitada.
Poderia ela ter o seu próprio eco mesmo ainda no pensar anárquico? Ou seja, entre nós?
Dar a pensar aquilo que faz uma diferença no todo. A razão conceptual da nossa
história tem, no sentido literal, para-doxo, no que não se pensa contra, mas à margem do
perspectivar natural. Foi-se nela de encontro à palavra da sofiva. Esta conseguiu
sempre, em primeiro lugar, abalar o hábito do habitar. Assim, na palavra de Rousseau:
«A terra das quimeras é, neste mundo, a única digna de ser habitada». Precisamente
nessa base falou Hölderlin do habitar poético – seja na cabana ou naquilo que em
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Inglaterra se chama uma «house»: seja como for, não na caverna do homme sauvage
submoderno, do novo selvagem cuja infinita actualidade Lévi-Strauss reconheceu.
A partir do direito do diferenciar-se que se consuma no tudo da nossa história,
do nosso mundo, da nossa linguagem, ouvir a palavra das figuras da sabedoria. É aí que
a logotectónica tem a sua última tarefa. Uma tarefa inteiramente actual, designadamente
a de diferenciar a própria actualidade, na medida em que ela sobretudo reúne os
momentos linguísticos de uma figura epocal da sabedoria numa única ratio. Disso se
falou noutro lugar.
Montmorency, Connétable de France,  faz cunhar nos seus livros uma divisa,
pintando-a mesmo no soalho da sua biblioteca:  ajplanw'". Esta palavra grega diz: sem
errância – completamos: tomar o seu caminho. E ouvimos aí o conselho: não te percas
em nenhum caminho interminável. Menos que tudo por medo do erro. Se ele te atingir,
então, se porventura for possível, não como erro em algo, mas em tudo.

Trad. de Alexandre Franco de Sá*

*
Agradeço ao meu amigo e colega Hélder Lourenço a disponibilidade generosa para comigo rever a
presente tradução.

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