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Verdades e mentiras

no ecossistema digital
Caio Túlio Costa
Arte sobre foto de Marcos Santos
resumo abstract

A partir de exemplos retirados do From examples taken from Facebook


Facebook e do Google, o artigo and Google, this article questions and
questiona e analisa formas de garantir examines ways to ensure the access to
o acesso de todos à informação e à information to everyone and diversity of
diversidade de opiniões e de como opinions, and how to keep and promote
manter e incentivar o pluralismo das the plurality of sources without being
fontes, sem incorrer no risco das fake diverted to fake news. According to the
news. Segundo o autor, a equação não author, solving such equation is far from
é nada fácil desde que entramos na era being easy as we have entered the era of
da pós-verdade. post-truth.

Palavras-chave: imprensa; pós-verdade; Keywords: press; post-truth; plurality; fake


pluralismo; fake news. news.
Marcos Santos/USP imagens
N
inguém discute mais que sensacionalistas. Como se nunca houvesse
qualquer indivíduo tem existido a imprensa marrom – ou amarela,
hoje à mão, num clique, como se diz em inglês.
muito mais informação Para as pessoas de bem, o problema é
do que qualquer sábio como distinguir a verdade e a mentira na
da Antiguidade ou da barafunda de informações. Como convencer
Modernidade. Milhões um partidário de Donald Trump, à direita,
de informações mais e outro de Luiz Inácio Lula da Silva, à
do que tiveram Sócra- esquerda, de que ambos estejam mentindo
tes, Santo Agostinho, em uma determinada questão? Evidentemente
Galileu, Newton, Kant, que o partidário vai pesar argumentos – e
Darwin, Einstein, Freud os de seu líder vão prevalecer, mesmo que
ou Wittgenstein, talvez não sejam factualmente verdadeiros.
o último dos filósofos. Ao mesmo tempo, como garantir o
Discute-se, sim, a qualidade dessa infor- acesso de todos à informação e à diversi-
mação. Não de todas, mas de boa parte
delas. Gasta-se energia na discussão como
se a humanidade nunca houvesse convi- Parte do presente texto foi produzida para o projeto Con-
vido com informações erradas. Como se centração na Internet e Seus Efeitos sobre a Liberdade de
Expressão, realizado pelo Observatório Latino-Americano
a humanidade nunca tivesse lidado com de Regulação, Meios e Convergência (Observacom), com
apoio da Fundação Ford. O texto original foi atualizado
boatos. Como se os humanos nunca tives- para esta publicação.
sem inventado mentiras.
Ou, para ficar no tema que faz tremer os
profissionais da imprensa tradicional, como
se o jornalismo nunca tivesse deparado com CAIO TÚLIO COSTA é jornalista, professor de
notícias falsas, plantadas por terceiros nos Jornalismo na Era Digital da ESPM-SP e doutor
em Comunicação pela USP, com pós-doutorado
meios tradicionais de comunicação. Como na Universidade Columbia, além de fundador
se não existissem, desde sempre, tabloides do Torabit, empresa de inteligência de dados.

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dade de opiniões? Como manter e incentivar pós-impressão, voltamos a uma época em


o pluralismo das fontes? A equação não é que é bastante provável ouvir e acreditar em
nada fácil desde que entramos na era da informações tanto certas quanto erradas. Não
pós-verdade. há mais a solidez do papel para garantir a
Num estudo publicado em 20141 sobre os verossimilhança de uma afirmação qualquer.
modelos de negócio digitais para o jorna- Se é que havia essa garantia.
lismo pós-industrial, eu chamava a atenção Para Thomas Pettitt, a maneira como
para a Teoria do Parêntese de Gutenberg, se pensa agora seria uma reminiscência do
elaborada pelo professor Thomas Pettitt, da modo de pensar de um camponês medieval,
Universidade do Sul da Dinamarca. Para com base em fofocas, boatos e muita con-
ele, a web nos faz regressar a um estado versa. “O novo mundo é, em alguns aspectos,
pré-Gutenberg, que se define por informa- o velho mundo, o mundo antes da impres-
ções em fluxos e efêmeras. Eu dizia também são”, afirma ele.
que o diagnóstico ecoava, de certa forma, Encontra-se eco das reflexões de Pettitt
a Teoria da Modernidade Líquida de Zyg- no diagnóstico do sociólogo alemão Niklas
munt Bauman, outro pensador fundamental Luhmann, citado por Fernando Haddad, ex-
no entendimento de nossa realidade. Para ele, -prefeito de São Paulo, em artigo recente,
os conceitos, antes sólidos, na atualidade se lamuriento, no qual analisa a maneira como
amoldam a cada situação, assim como os seu governo foi acompanhado, ou mal-acom-
líquidos se ajustam e tomam a forma de panhado, pela mídia tradicional.
seus receptáculos. Diz Haddad: “De acordo com Luhmann,
A estranha novidade é que esse não seria o advento da rede social representa uma rup-
um movimento novo, e sim um retorno às tura radical entre a emissão e a recepção da
culturas orais de séculos atrás. Os cerca de mensagem. É uma ideia contraintuitiva numa
560 anos da era Gutenberg seriam apenas época em que tudo se tornou instantâneo e
um parêntese no percurso das civilizações. tudo parece interligado. O ponto, segundo
Na teoria de Pettitt, todo o período pós- ele, é que hoje a reputação do emissor, a
-invenção da imprensa – entre o século XV origem da informação, perdeu relevância.
e o começo do século XXI – foi apenas uma A técnica, diz Luhmann, anula a autoridade
pausa, uma interrupção no fluxo normal da da fonte e a substitui pelo irreconhecível
comunicação humana. da fonte”2.
É evidente que, no formato fixo tradi- Essa fala de um Haddad professor de
cional da imprensa, havia uma razoável ciência política que se tornou político vem
probabilidade de que aquilo que você lia em contraponto às reflexões de Jürgen Haber-
fosse uma versão confiável da verdade, de mas, o teórico mais longevo da Escola de
alguma verdade. No entanto, agora, na era Frankfurt. Para Haddad, a esquerda se ilu-
diu em relação ao potencial emancipatório

1 Conforme acessado em 24/5/17 na versão em portu-


guês: https://drive.google.com/file/d/0B17Kzd_mFt-
zrdVF4dEFQMnJWakE/edit ou então na versão em 2 Conforme acessado em 6/6/2017: http://piaui.folha.
inglês: https://drive.google.com/file/d/0B17Kzd_mFt- uol.com.br/materia/vivi-na-pele-o-que-aprendi-nos-
zraTRQMm5tNXFlT1U/edit -livros/

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da internet. Ele acha que Habermas estaria • Walt Disney não desenhou o Mickey –
exagerando quando enfatiza as possibilidades nem sabia desenhar.
de participação política proporcionadas pelo • Sherlock Holmes nunca disse: “Elementar,
advento da comunicação digital. meu caro Watson”.
Assim – agora digo eu –, a informação • A guilhotina não é um invento francês,
produzida por um jornal dito de qualidade os romanos já a usavam.
pode ser recortada, retrabalhada, reescrita • Van Gogh não cortou a orelha, mas sim
e compartilhada de forma absolutamente um pedacinho do lóbulo esquerdo.
diferente, e até deformada, em relação a • A Marcha das Mulheres (1789) foi formada
seu conteúdo original. Mais do que isso, por homens.
ninguém precisa se abastecer numa fonte de • A Bastilha não tinha presos políticos.
informação tradicional para criar, inventar • As 11 mil virgens nunca existiram.
e distribuir uma informação desprovida de • Marco Polo não introduziu a massa na
lastro na realidade. E não há nada, ou quase Europa.
nada, que se possa fazer em relação a isso. • O general Custer nunca disse: “Índio bom
Correndo o risco de contar mentiras, é índio morto”.
uma simples busca via Google3 nos mostra • Robin Hood não era um bandido generoso,
o quanto os humanos acreditam em mentiras nem roubava os ricos para dar aos pobres.
históricas e nada os faz rever afirmações • Catarina II da Rússia não morreu tendo
completamente equivocadas. Tais como: relações com um cavalo.
• Não há provas de que Galileu tenha dito:
• Na verdade, as três caravelas de Colombo “E, no entanto, move-se”.
eram duas. Pinta e Nina. A terceira era • Os piratas não enterravam seus tesouros.
uma nau, um barco de maior tamanho. • Os imperadores romanos não levantavam
• Bin Laden não foi o primeiro a atacar os nem baixavam o polegar para decretar a
EUA em seu próprio território. morte ou o indulto de um gladiador.
• As Bruxas de Salem não foram queimadas • Os reis magos não eram três.
na fogueira. • A data do nascimento de Jesus Cristo não
• Napoleão não era baixinho, media 1,68 é exata, provavelmente ele nasceu dia 16
de altura. de abril.
• Bogart nunca pronunciou a frase: “Toque • Adão e Eva nunca comeram a maçã.
outra vez, Sam”. A frase exata é: “Toque,
Sam, toque As Time Goes By”. Pueris os exemplos? Foi o que encontrei
• Os vikings não usavam capacetes com na internet sem o menor esforço e sem a
chifres. menor indicação precisa, detalhada e com-
• A Guerra dos Cem Anos durou 116 anos. provada de que essas mentiras históricas
• George Washington não foi o primeiro sejam mentiras. É o primeiro resultado
presidente dos EUA. para uma busca sobre as “maiores menti-
ras da história”. Achei 42 exemplos, mas
desconfiei de alguns e não os reproduzi
3 Disponível em: https://ahduvido.com.br/42-grandes-
-mentiras-da-historia-mundial. Acesso em: 23/5/2017. acima. No entanto, o que na realidade tem

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importância é que, sejam falsas ou verda- tituições, empresas em geral e empresas


deiras, sempre vai existir quem acredite que jornalísticas em particular.
a notícia falsa seja verdadeira e vice-versa. Do ponto de vista do acesso à informa-
A internet apenas e tão somente amplificou ção, de sua democratização e da liberdade
o alcance dos boatos, das mentiras e tam- de escrita, o fim do Parêntese de Gutenberg
bém das verdades. Apenas e tão somente? significou que ninguém mais precisa de
Eis a questão. poder econômico para publicar o que lhe
O problema se avoluma à medida que a der na telha. Este é o ponto positivo. Na
imprensa tradicional não consegue digerir era de Gutenberg, só quem tinha poder
a disrupção pela qual passa desde que a econômico, ou seja, algum dinheiro para
internet entrou em sua fase comercial, em montar uma emissora de rádio ou de tele-
1995. A “velha” mídia se agarra a seus visão, comprar papel, tinta e impressoras
conteúdos, tenta permitir que apenas quem para publicar jornais e revistas, é que tinha
lhe paga algum dinheiro tenha acesso a poder de mídia. Agora, qualquer indiví-
eles e bloqueia sua superdistribuição, o que duo, instituição ou empresa, por menor que
poderia ser feito por milhões de internau- seja, tem tal poder. Se vai ter alcance, é
tas em redes caso não fossem continuada- outra história.
mente barrados pelos obstáculos criados O ponto negativo é que, ao largo da
por inumeráveis paywalls. abulia dos barões da imprensa tradicional,
Essa velha indústria se vê apenas como foram-se formando empresas, de escala
um conjunto de empresas que fabrica notí- mundial, que passaram a usar a mão de
cias e análises. Enfiou a cabeça na areia. obra alheia – e gratuita – para criar mega-
Enquanto isso, correndo por fora, criaram- conglomerados globais, como no caso do
-se as duas maiores empresas de mídia Google e do Facebook.
mundiais sem que nenhuma delas produza Ao mesmo tempo em que engolem as
uma linha sequer de conteúdo – Facebook receitas de publicidade – antes destinadas
e Google, esta última a empresa de mídia às empresas tradicionais de mídia –, as duas
que tem o maior valor de mercado e o veem essa mão de obra facilitar a amplifica-
maior faturamento 4. ção tanto de boatos e notícias consideradas
Ambas vivem do conteúdo graciosamente falsas quanto de informação considerada ver-
despejado em sua rede (no caso do Face- dadeira. Sem falar no acervo de planilhas,
book) ou capturado dos outros (no caso do documentos, papers, livros, bases de dados
Google). Quem alimenta esse receptáculo ou operações de comércio cuja digitalização
de tentáculos mundiais são pessoas, ins- Google e Facebook incentivam, facilitam e
dos quais retiram proveitos.
A boa notícia é que Facebook e Google
4 Conforme levantamento do Business Insider, em 2015, passaram a se mover na direção de tentar
as cinco maiores empresas de faturamento com mídia impedir a publicação de notícias conside-
eram: 1) Google; 2) Disney; 3) Comcast; 4) 21st Cen-
tury Fox; e 5) Facebook. Disponível em http://www. radas falsas.
businessinsider.com/the-30-biggest-media-owners-
-in-the-world-2016-5/#6-bertelsmann--1004-billion-
No centro das iniciativas do Facebook
-in-media-revenue-25. Acesso em: 24/5/2017. contra as notícias falsas apareceu primei-

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ramente o Projeto Jornalismo. Lançado no estranho podem ser sinais de falsidade. Veja
fim de 2016, tinha como objetivo criar um com atenção a maneira como se apresentam
ecossistema de notícias saudáveis na​​ plata- essas notícias.
forma. Criou-se a disputed tag ao lado do
feed de notícias do Facebook. Se um usuário Fique atento às fotos
relatava uma notícia como falsa, e isso era
conferido caso a caso, aquela notícia pas-
Notícias falsas fazem-se acompa-
sava a ser marcada por um selo vermelho. O
nhar de imagens ou vídeos falsos. Esteja
Facebook contava, portanto, com a ajuda dos
atento à manipulação que pode ocorrer
internautas para denunciar notícias que con-
nessas situações. O conteúdo pode até ser
siderasse falsas, e com isso proporcionasse
verdadeiro, todavia pode estar fora de con-
elementos para impedi-los de dar relevância
texto ou ter o significado enviesado.
a elas. O Facebook chegou a publicar anún-
cios (como fez na imprensa inglesa em maio
de 2017) com a lista de dicas para detectar Confirme a data
notícias fraudulentas. As dicas continuam
na sua área de ajuda. Vamos a elas. Notícias falsas podem ter datas sem sen-
tido ou alteradas.
˝Seja cético com as manchetes
Confirme as provas
As notícias falsas vêm normalmente
acompanhadas de grandes manchetes. Verifique se as fontes do autor são confi-
Desconfie sempre se as afirmações das áveis. Fatos insuficientes ou menção a espe-
manchetes parecerem chocantes. cialistas desconhecidos podem ser outro sinal
de falsidade.
Fique atento ao endereço web em
questão (URL) Procure outros artigos

Estranhe se nenhum outro meio de


Um endereço web semelhante ao de outro
imprensa tiver publicado o mesmo assunto.
site pode ser um sinal de que se está na
presença de fake news. Verifique se o URL
corresponde à fonte autêntica. Verifique se a história é
uma piada ou uma brincadeira
Investigue a fonte
Algumas vezes é difícil de distinguir o
Certifique-se de que quem escreveu é conteúdo satírico ou humorístico de uma notí-
uma fonte confiável e com boa reputação. cia. Verifique se a fonte é conhecida por esse
Veja se há uma formatação pouco estilo e se os detalhes e o tom das histórias
comum. Erros ortográficos ou um layout sugerem que podem ser apenas brincadeiras.

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Redobre a atenção porque comparou o engajamento delas em relação


ao ano anterior. O engajamento nada mais
algumas histórias são
é do que a soma de curtidas, comentários e
intencionalmente falsas compartilhamentos. Foram 23,5 milhões de
engajamentos em 2017, contra 21,5 milhões
Seja crítico com aquilo que lê e com- em 2016, dois milhões de diferença, quase
partilhe apenas aquilo que se sabe ser ver- 10% a mais. O site decretou: “O esforço
dadeiro e credível.” do Facebook para conter a propagação de
matérias falsas em sua plataforma não deu
Fiel à sua vocação, o Facebook contava resultado”6.
com terceiros (sempre mão de obra gratuita) O fato é que em 12 de janeiro de 2018
para determinar se uma notícia marcada o Facebook anunciou o que o jornal The
seria falsa ou verdadeira. Um ano depois, New York Times considerou a mais signifi-
em dezembro de 2017, o Facebook admi- cativa revisão em seu feed de notícias em
tiu que a estratégia não estava dando muito muitos anos. A empresa decidiu que os usu-
certo. O selo acabava chamando ainda mais ários passariam a ver menos vídeos virais
atenção ao conteúdo considerado falso e a e menos artigos de notícias compartilhados
quantidade tanto de denúncias quanto de por empresas de mídia. Em compensação, o
agências especializadas parceiras em detectar conteúdo produzido por amigos e familiares
fake news era pouca. A rede decidiu então seria priorizado.
exibir análises de mais agências de checagem O próprio Mark Zuckerberg, fundador
de fatos junto às publicações suspeitas, num e CEO da empresa, justificou as mudanças
sistema de links para artigos relacionados. dizendo que elas destinavam-se a maximi-
Também foi aberta uma caixa de alerta para zar a quantidade de conteúdo com “intera-
quando alguém quiser compartilhar uma notí- ção significativa” que as pessoas consomem
cia que pode ser falsa. Aparece uma janela no Facebook. A rede social queria reduzir
perguntando se o usuário tem certeza de aquilo que Zuckerberg chamava de “conte-
que quer compartilhar a história ou quer dar údo passivo”, vídeos e artigos que exigem
uma olhada no que agências de checagem apenas que o usuário os assista ou os leia7.
têm a dizer5. Ou seja, para combater as notícias falsas,
No entanto, no mesmo dezembro, o site o Facebook decidiu punir também as notícias
BuzzFeed descobriu que as notícias falsas corretas. De quebra, vai ganhar mais receita
cresceram em relação a 2016. O BuzzFeed com as empresas que precisarem impulsio-
selecionou as 50 maiores notícias falsas e

6 Disponível em: http://w w w1.folha.uol.com.br/


colunas/nelsondesa/2017/12/1946741-no-facebook-
5 Disponível em: https://olhardigital.com.br/noticia/
-fake-news-volta-a-crescer-em-2017-com-sexo-e-
facebook-muda-estrategia-contra-noticias-falsas-
-menos-politica.shtml?loggedpaywall. Acesso em:
-porque-a-primeira-deu-errado/73081. Acesso
29/12/2017.
em: 28/12/2017. E ainda publicação do próprio Fa-
cebook disponível em: https://newsroom.fb.com/ 7 Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/01/11/
news/2017/12/news-feed-fyi-updates-in-our-fight- technology/facebook-news-feed.html. Acesso em:
-against-misinformation/. Acesso em: 20/12/2017. 12/1/18.

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nar seus posts, agora pagos, para ganhar são administrados e alojados na Escola de
audiência entre seus fãs. Jornalismo da Cuny.
Evidentemente, o Facebook não está se Adam Mosseri, vice-presidente responsá-
mexendo por altruísmo ou laivos de respon- vel pelo News Feed do Facebook, garantiu
sabilidade social. que a empresa também procuraria inter-
Um bom resumo de suas razões está em romper incentivos econômicos para quem
texto publicado na Investopedia e assinado publicasse material falso. “Notícias falsas e
por Donna Fuscaldo8. O combate às notícias brincadeiras são prejudiciais à nossa comu-
falsas teria se tornado prioridade depois que nidade e tornam o mundo menos informado.
a empresa foi acusada de difundi-las durante Todos nós temos a responsabilidade de conter
a campanha para as eleições presidenciais a propagação de notícias falsas”, disse ele.
de 2016 nos Estados Unidos. No Google, as investidas vieram num
O mais relevante para o Facebook, porém, contexto que envolve processos contra a
foi acompanhar o boicote de anunciantes ao empresa na Comunidade Econômica Euro-
YouTube, do Google, em razão da inserção peia por questões fiscais e anticoncorren-
de anúncios com conteúdo controverso. Na ciais, publicação de anúncios de publicidade
realidade, o Facebook se mexeu para evitar junto a conteúdos extremistas no YouTube e
o mesmo erro do YouTube e antecipou-se iniciativas para fazer a empresa pagar pelo
para não perder anunciantes. conteúdo de imprensa tradicional que apa-
Na ocasião, Martin Sorrell, presidente da rece em suas páginas de busca.
WPP, um dos maiores grupos de publicidade Para o Google, o gato subiu de verdade
do planeta, saiu a público para dizer que o no telhado em fevereiro de 2017, com a reve-
Facebook e o Google têm a responsabilidade lação na Inglaterra, pelo jornal The Times,
de garantir que as notícias compartilhadas de que a publicidade de grandes anuncian-
em suas redes sejam reais, caso contrário, tes e do governo britânico aparecia nas
se arriscam a perder milhões de dólares em mesmas páginas que veiculavam conteúdos
anúncios. ligados a grupos extremistas, homofóbicos
O Facebook também colocou algum e antissemitas no YouTube. Em cerca de
dinheiro para ajudar a resolver o problema. 30 dias, o Google já havia perdido mais
Juntou-se à Iniciativa de Integridade de Notí- de 250 anunciantes. O boicote começou na
cias, um fundo de US$ 14 milhões que inclui Europa (Volkswagen, GlaxoSmithKline) e
entre seus participantes, além dele próprio, chegou rapidamente aos EUA, com a ade-
o Mozilla e a Universidade da Cidade de são de PepsiCo, Walmart, AT&T, Johnson &
Nova York (Cuny). Este consórcio financia Johnson, Verizon e Starbucks, entre outros.
pesquisas para desenvolver ferramentas que O Google pediu desculpas e, no final de
ajudem os indivíduos a identificar notícias março de 2017, prometeu policiar melhor
reais para ler e compartilhar. Os projetos seus sites, elevar o número de funcionários
para checar as anormalidades e revisar
suas políticas.
8 Disponível em: http://www.investopedia.com/news/
facebooks-declares-total-war-fake-news/. Acesso em:
Em abril de 2017, a empresa comuni-
29/5/17. cou ter alterado algoritmos de busca para

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se proteger contra fake news e conteúdo Foi em fevereiro de 2017 que o selo de
ofensivo. Três grandes medidas foram ado- verificação chegou à América Latina: Brasil,
tadas: 1) mudanças no ranqueamento de Argentina e México. No Brasil, o Google fez
buscas; 2) alterações nas ferramentas de parcerias com a Agência Lupa, Aos Fatos
feedback; e 3) mudanças nas práticas de e Agência Pública. Operação lançada em
transparência9. outubro de 2016 nos EUA, no Reino Unido,
A própria empresa explicou no seu blog na Alemanha e na França veio no rastro da
ter percebido que aproximadamente 0,25% do eleição de Donald Trump e, especialmente,
total de buscas diárias na ferramenta retorna- para ajudar a encontrar fake news nas elei-
vam “conteúdo ofensivo ou claramente enga- ções da França e da Inglaterra em 2017.
noso”. “Para ajudar a prevenir que conteúdos Usuários do Google Notícias passaram a
desse tipo se espalhem, melhoramos nossos ver, em algumas notícias buscadas, um selo
métodos de avaliação e atualizamos nosso específico chamado “Verificação de Fatos”.
algoritmo a fim de que traga conteúdos mais No Brasil, o selo tem sido inserido em repor-
confiáveis”, explicou o Google. tagens que aparecem na seção expandida
Para tanto, o Google atualizou as dire- dentro do site news.google.com.br, na busca
trizes de classificação da qualidade do con- por notícias dentro do próprio Google e tam-
teúdo mostrado nos resultados a partir do bém nos aplicativos do Google Notícias e
trabalho dos seus avaliadores. Clima para os sistemas iOS e Android. Mas
Em dezembro de 2016, a empresa já seu aparecimento é raro.
tinha sido alvo de críticas por exibir páginas Um ponto a mais, e relevante para a ques-
de grupos de supremacia branca entre os tão da preocupação em relação às notícias
primeiros resultados para pesquisas sobre falsas, é que elas se tornaram também uma
o Holocausto. questão para os investidores. Reportagem
Em relação à melhoria do feedback, foi do Financial Times informou, no final de
introduzido um novo mecanismo para que maio de 2017, que acionistas do Facebook e
o público pudesse denunciar conteúdos con- do Google querem que as duas empresas se
troversos. Desde então, os usuários podem dediquem ainda mais à contenção de notícias
informar esses problemas diretamente pela falsas. “Ambos preferem se ver como pla-
página de resultados de busca. Em vários taformas de tecnologia neutras, mas foram
países, o Google também fez parceria com transformados em plataformas de mídia – é
checadores de fatos, as agências indepen- por isso que estamos tão preocupados”, disse
dentes que praticam a checagem minuciosa Natasha Lamb, diretora do fundo de investi-
de fatos divulgados na mídia e que também mento Arjuna Capital, ao Financial Times10.
são parceiras do Facebook. A operação é A mesma reportagem menciona uma pes-
chamada de fact checking, em inglês. quisa sobre notícias falsas a qual dá conta de
que “apenas 16% das empresas de mídia pes-

9 D isp o ní ve l e m: ht t p: // i d g n ow.co m . b r/ inte r-


net/2017/04/25/google-altera-algoritmos-de-busca- 10 Disponível em: https://www.ft.com/content/be-
-contra-fake-news-e-conteudo-ofensivo/. Acesso em: e006a2-4593-11e7-8519-9f94ee97d996. Acesso em:
31/5/2017. 7/6/2017.

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quisadas estão bem preparadas para gerenciar de 2017, em reunião realizada na Sicília,
os riscos relevantes de governança de conte- Itália, grave preocupação com o uso da inter-
údo”. Quer dizer: “possuem medidas adequa- net por terroristas mundo afora. De alguma
das para garantir a integridade de informação forma reconhecendo seus limites, aprovei-
criada ou distribuída por empresas de mídia”. taram o encontro para chamar as empresas
Google e Facebook não marcaram muitos de tecnologia a ajudar a remover conteúdos
pontos nesse tipo de governança. Ficaram extremistas das redes sociais.
atrás de Sky, ITV, Vivendi, Thomson Reu- “O G7 pede que os provedores de servi-
ters, RTL Group e The New York Times, ços de comunicação e as empresas de mídia
mas à frente de CNN, Twitter e Fox News. social aumentem significativamente seus
Os problemas do fact checking são tanto esforços para administrar conteúdo terro-
de tempo (a demora na checagem) quanto rista”, solicitaram em comunicado conjunto.
de falta de recursos para a contratação A primeira-ministra britânica, Theresa May,
de mão de obra especializada em quanti- fez questão de frisar: “Não se enganem, o
dade suficiente para conferir tudo o que combate está se movendo do campo de bata-
de relevante se publica na internet. Tarefa lha para a internet”.
de Sísifo – obviamente. O fato, facilmente checável, é que neste
Essa é a situação com a qual o jornalista momento, conforme registrei no paper12
e as empresas jornalísticas, sejam pequenas sobre o modelo de negócio na comunica-
ou grandes, se obrigaram a conviver porque ção digital, existem dois grandes obstáculos
tiveram (e ainda têm) medo de canibalizar no caminho das publicações tradicionais de
seus próprios negócios. Também por isso, o imprensa – ou duas soluções, dependendo
desejo de controle, como se tem visto tanto do ponto de vista. Um se chama Google e
da parte da mídia tradicional quanto dos o outro, Facebook.
legisladores, dos mecanismos de busca e das Os dois possuem ferramentas poderosas
redes sociais é cada vez maior. Contudo, se de distribuição de notícias, ou de hiperdis-
o problema estivesse apenas na esfera dos tribuição, para ficar no termo técnico usado
boatos e das notícias falsas, poderia ser algo pelo pessoal do Tow Center for Digital Jour-
um tanto mais fácil de enfrentar. Não está. nalism, em especial pela professora Emile
Veja a questão do terrorismo internacional. Bell. Ambos contam com a ajuda (gratuita,
Organizações criminosas se comunicam via repito) de milhares de usuários para ter uma
internet e recrutam militantes por meio dos notícia compartilhada em rede.
mais criativos artifícios digitais, como passar Google e Facebook são useiros e vezeiros
instruções durante jogos de videogame on-line. no emprego de informações da mídia tradi-
Tardiamente apreensivos, os líderes do G7, cional para oferecer resultados de busca
que representam as sete principais economias (Google), distribuir notícias (Facebook) e
do planeta11, expressaram, no dia 26 de maio lucrar com a venda de publicidade sem pagar

11 Participaram desta reunião do G7 Donald Trump (EUA),


Angela Merkel (Alemanha), Emmanuel Macron (Fran- 12 Disponível em: http://caiotulio.com.br/2014/04/um-
ça), Theresa May (Reino Unido), Shinzo Abe (Japão), -modelo-de-negocio-para-o-jornalismo-digital/.
Justin Trudeau (Canadá) e Paolo Gentiloni (Itália). Acesso em: 13/1/18.

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nenhum direito autoral. Aliás, o tradicional digital. Foi quando lançou um produto que
conceito de direito autoral vem ruindo no lhes permite publicar notícias diretamente
ecossistema noticioso, mesmo e apesar da na plataforma, ficar com 100% da receita
luta de jornais e revistas em todo o mundo de publicidade vendida ali e ainda ganhar
com a implantação de paywalls e venda de 30% da receita veiculada naquele conteúdo
assinaturas digitais. pelo próprio Facebook. São os chamados
Sem capacidade de ganhar escala mundial instant articles.
– como conseguem os players digitais puros, Não dá para saber, ainda, o quanto a
produtos jamais imaginados pela ficção cien- mudança no news feed do Facebook, privi-
tífica –, ninguém vai conseguir competir em legiando conteúdo de amigos e familiares,
pé de igualdade com os gigantes digitais. vai abater de fato os conteúdos da mídia
Abraçá-los ou descartá-los? Como tirar pro- tradicional, mas há um esforço inegável
veito dessas plataformas? Em que medida das plataformas de alcance mundial em
elas ajudam? Essas são questões impostas preservar, de alguma forma, a produção
tanto à mídia tradicional, que se digitalizou, de conteúdo jornalístico de qualidade.
quanto à mídia nascida digital. Porém, esse esforço de forma alguma vai
O Google tem-se mostrado amigável em inibir, por si só, a criação de conteúdos
relação à mídia, seja tradicional, seja nascida falsos ou radicais – porque também há uma
digital. Vejam as iniciativas que vem tomando verdadeira indústria por trás disso, capaz
há tempos, desde o Zeitgeist (literalmente de se aproveitar da liberdade de publica-
“espírito do tempo”, uma maneira de saber o ção inerente ao meio digital. Haja vista o
que o mundo busca na internet) até o recente uso exponencial de fake news tanto nas
Newsgeist (“espírito das notícias”), quando eleições americanas quanto europeias nos
reúne pessoal da imprensa tradicional e aca- últimos anos.
dêmicos para debater problemas e soluções A despeito do avanço fantástico das fer-
para o ambiente digital. A empresa abriu os ramentas digitais, ou mesmo por conta delas,
braços para o mercado de conteúdo. Até que retornamos à era pré-Gutenberg e temos de
ponto tais iniciativas podem ser entendidas conviver com isso. Os produtores de conteúdo
como legítimas ou demagógicas vai depender que souberem ler esta realidade, adaptarem-
do que cada veículo ou instituição retira de -se à disrupção que enfrentam, não tiverem
sua participação – mas a iniciativa é séria. medo de canibalizar a si próprios e domi-
Desde 2015 o Facebook tenta conquis- narem as artimanhas do big data, estes sim,
tar a confiança de veículos de comunicação sobreviverão.

18 Revista USP • São Paulo • n. 116 • p. 7-18 • janeiro/fevereiro/março 2018

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