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Introdução

Os estudos acerca dos problemas ambientais e os meios para mitigá-los, ou até menos, saná-los,
ocupam atualmente um papel de relevância dentro do meio social, científico e jurídico. Com efeito, a
magnitude dos fenômenos naturais como o aquecimento global, o buraco na camada de ozônio, a
escassez de água potável, o processo de desertificação e erosão do solo, o assoreamento dos rios, a
perda da biodiversidade, dentre outros, passaram a desperta a consciência de todos os cidadãos para a
preservação dos elementos biótico e abióticos do planeta, a fim de garantir o seu equilíbrio ecológico, e
a própria existência da Humanidade.

A tomada de consciência da população aos apelos dos cientistas quanto à finitude dos recursos naturais
e a degradação ambiental, fez eco junto aos governantes para a criação de normas que disciplinassem
as atividades antrópicas lesivas ao meio ambiente, seja nos ordenamentos internos ou junto à
comunidade internacional.

Os desastres ecológicos ocorridos na década de 40 como, por exemplo, o caso da Fundição Trial (1941) e
do Estreito de Corfu (1949), despertaram a Humanidade para existência de uma poluição que não
respeita as fronteiras geográficas dos Estados, mas que as ultrapassam. É a partir da compreensão da
existência de uma poluição transfronteiriça, que os Estados, considerados sujeitos originários da
sociedade internacional e titulares plenos de direitos e deveres, passam a celebrar tratados, convenções
e encontros relativos à temática ambiental.

Diante dessa premissa, o presente estudo objetiva apresentar algumas considerações acerca de uma das
maiores convenções internacionais voltada a discutir a proteção do meio ambiente e o desafio do
desenvolvimento econômico, qual seja a Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, esta sediada no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, em 1992, depois de transcorrido
vinte anos da primeira Conferência internacional de cunho ambiental, a Conferência das Nações Unidas
sobre o Ambiente Humano, concebida em Estocolmo, capital da Suécia, em 1972.

Utilizando-se da metodologia dedutiva, a abordagem do tema se desenvolve em três capítulos. O


primeiro apresenta algumas considerações sobre a inserção da tutela ambiental no plano internacional,
assim como sobre as razões queculminaram na realização da Conferência de Estocolmo e as principais
discussões durante o evento.

Em seguida, o estudo é direcionado para uma análise acerca da segunda megaconferência ambiental, a
já referenciada Conferência do Rio de 1992, também denominada ECO-92, Cúpula da Terra, Estocolmo +
20, etc., da qual se pretende expor alguns comentários sobre o processo preparatório que lhe deu
origem, este vinculado as conclusões, às vezes alarmantes, do Relatório Our Common Future (mais
conhecido como Relatório Brundtland), elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento.

Posteriormente, realizasse uma análise sobre os documentos aprovados ao final do evento, quais sejam:
a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o programa de ação chamado
Agenda 21, a Declaração sobre as florestas, a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção
Quadro sobre Mudanças Climáticas.

Por fim, no terceiro capítulo, objetiva-se expor de forma sucinta, os avanços e retrocessos da tutela
ambiental no plano internacional após a ECO-92, tecendo alguns comentários sobre as fragilidades que
ainda pairam sobre o futuro do Direito Internacional do Ambiente.Finalmente, à guisa de conclusão,
procura-se apresentar uma síntese das idéias apresentadas ao longo do presente trabalho.

1. A internacionalização da temática ambiental

1.1. O ambiente como objeto de preocupação do Direito Internacional

Desde os primórdios de sua existência, o ser humano exerce sua ação predatória sobre os recursos
naturais. Contudo, foi com o inicio da Revolução Industrial que se observou um aumento nas ações de
degradação ambiental em virtude da intensificação da exploração dos elementos naturais para atender
as necessidades da demanda populacional, o que contribuiu para que houvesse um desequilíbrio no
meio ambiente.

Desequilíbrio este que reflete diretamente na qualidade de vida do ser humano, tendo em vista que o
mesmo consiste em apenas mais um elemento da teia da Terra, assim como a fauna, a flora, o solo, a
água e o ar constituem outros. Ao levar tal facto em consideração, pode se afirmar que a ação exercida
sobre um desses componentes reflete nos demais, porque todos estão interligados entre si[1].

A gravidade desse desequilíbrio gerou a necessidade de se estabelecer normas jurídicas, seja nos
ordenamentos internos, seja na comunidade internacional, para disciplinar a maneira como o homem
integare com o meio natural que o circunda, a fim de preservá-lo, não só para as presentes gerações,
mas para as futuras.

No plano internacional, o Direito do Ambiente não é um ramo autônomo da Ciência jurídica,


notadamente pelo fato de não se constituir de regras e princípios próprios, mas por funcionar à base
dos institutos tradicionais do Direito Internacional Público e Privado. Como Valério Mazzuoli[2] afirma,
“as características do Direito Internacional do Meio Ambiente não se desprendem por qualquer maneira
do Direito Internacional Público, nem do Direito Internacional Privado”, embora apresente traços
específicos, com objeto próprio e técnicas jurídicas particulares[3].

De acordo com o referido autor, esse ramo especial do Direito Internacional, caracteriza-se por ser um
“conjunto de regras e princípios criadores de direitos e deveres de natureza ambiental para os Estados,
para as organizaçõesinternacionais intergovernamentais e, também, para os particulares (indivíduos e
organizações privadas)”[4], com o escopo de assegurar a proteção da biosfera ( litosfera, hidrosfera e
atmosfera), uma vez que a mesma se encontra ameaçada pela ação antrôpica, sobretudo pela
poluição[5].

Essa proteção se dar a partir do momento em que os elementos do meio ambiente de importância para
a saúde e qualidade de vida do ser humano[6] são tutelados pelos Estados, os quais agem como
executores de políticas estabelecidas por tratados bilaterais ou multilaterais, que lhes empõem a
obrigação geral de implementar e supervisionar as medidas de proteção ambiental.

Conforme aduz Cretella Neto[7], “o Direito Internacional do Meio Ambiente visa prevenir e punir ações
ou omissões de indivíduos ou de Estados que ameacem causar ou efetivamente causem desequilíbrio ao
ecossistema.” Ressalta-se, que a tutela jurídica do meio ambiente seja em âmbito interno ou
internacional, tem por base normas e princípios que autorizam, proíbem, incentivam ou não
determinadas condutas, conjugadas à medidas coercitivas nos casos de descumprimento dos preceitos
legais.
No entanto, é importante ressaltar, que “a preocupação com o meio ambiente e a formação de um
corpus juris de proteção ambiental são fenômenos bastante recentes na História da
Humanidade.”[8] Antes do direito ambiental chegar a esse patamar em que se encontra atualmente, o
mesmo passou por um longo processo de evolução e aceitação.

Segundo a mais abalizada doutrina[9], o final dos anos 60 é considerado o marco inicial para o
surgimento das políticas públicas internacionais voltadas a temática ambiental. Contudo, isso não
significa dizer, que no período anterior a referida década as convenções com incidências ambientais
fossem inexistentes.

A verdade, é que os textos legais existentes no século XIX e início do século XX, considerado como o
período Pré-histórico[10] ou Era tradicional[11] desse segmento do direito internacional, conferiam ao
meio ambiente uma proteção legal esparsa, fragmentada, com um viés meramente utilitarista, de
caráter preponderantemente econômico.

Tratou-se de uma fase em que não existia de facto uma preocupação com o meio ambiente, a não ser
por alguns dispositivos isolados, os quais se limitavam a preservação de um ou outro elemento da
natureza, a exemplo de determinados espaços naturais[12], a proteção de algumas espécies da fauna e
flora[13] ou a regulamentação de atividades econômicas específicas[14].

É importante ressaltar, que esses instrumentos tinham por objetivo proteger determinados elementos
do ambiente enquanto recursos naturais, não como bens ambientais[15], ou seja, os textos legais eram
destinados a proteção dos elementos naturais dotados de algum valor econômico, a fim de evitar a sua
escassez, não tendo assim à compreensão, da interdependência dos elementos naturais.

De facto, durante esse período, os Estados ainda não possuíam uma visão holística consolidada acerca
da proteção ambiental, ou seja, o entendimento da proteção simultânea dos elementos bióticos e
abióticos da natureza. Na verdade, pode se considerar um direito com um discurso de proteção setorial,
onde cada Estado concentrava suas atenções apenas para proteger de forma individualizada os seus
recursos naturais, bem como para solucionar os problemas ambientais que surgissem em suas fronteiras
territorias.

Conforme aponta Jorge Sampaio[16], é entre a década de quarenta e a década de setenta do século
passado, que se observa um avanço no desenvolvimento do Direito Internacional Ambiental. Com
efeito, a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e suas agências especializadas em 1945, bem
como os desastres ecológicos ocorridos no referido período como, por exemplo, o caso da Fundação
Trail (Trail Smelter, 1941), o Estreito de Corfu (1949) e, anos mais tarde, o naufrágio do petroleiro Torrey
Canyon (1967)[17], possibilitaram um aperfeiçoamento da Era Tradicional, em virtude do
reconhecimento por parte da comunidade internacional da existência de uma poluição que não respeita
as fronteiras geográficas dos Estados, mas que as ultrapassam. Bem como, pela tomada de consciência
aos apelos dos cientistas quanto à finitude dos recursos naturais e da degradação ambiental.

É a partir da compreensão da existência de uma poluição transfronteiriça[18], que os Estados,


considerados sujeitos originários da sociedade internacional e titulares plenos de direitos e deveres,
passam a celebrar tratados, convenções e encontros relativos à temática ambiental.

Da mesma forma, as Organizações Internacionais, em especial a ONU e suas agências especializadas (das
quais se destacam o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (PNUMA), Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO),
a Organização Marítima Internacional (OMI), etc.) passaram a atuar de forma efetiva na proteção do
meio ambiente, cita-se, por exemplo, as conferências mundiais concebidas no seio da ONU como a
Conferência de Estocolmo (1972), a Conferência do Rio de Janeiro (1992), a Conferência de
Johannesburgo (2002), e por fim, a RIO + 20 (2012), as quais serão, posteriormente, abordadas no
presente trabalho com mais detalhes.

Não menos importante que esses sujeitos internacionais (Estados e Organizações Internacionais) têm se
a figura do individuo, o qual passou a ser considerado ator internacional a partir da Declaração de
Direitos de 1948, onde se concebeu a internacionalização dos direitos humanos. Conforme aduz Sidney
Guerra[19], “em matéria ambiental, tem se apregoado uma mudança de comportamento da pessoa
humana, transformando-a em sujeito ativo na proteção e preservação do meio ambiente,” tendo em
vista que a responsabilidade pela implementação das normas ambientalistas recai sobre a mesma.

Ressalta-se, também o papel desempenhado pelas Organizações Não Governamentais (ONG’s)[20] e as


empresas transnacionais[21], que embora não sejam sujeitos plenos do direito internacional, atuam
como atores importantes na defesa do meio ambiente, uma vez que influenciam de forma positiva no
comportamento dos Estados ao introduzirem e defenderem posições junto à opinião pública.

Além dos sujeitos, são também comuns ao Direito Internacional do Meio Ambiente as fontesdo Direito
Internacional clássico, mas com as especificidades que são inerentes a temática ambiental. Conforme
aponta Maria Luísa Duarte[22], “as fontes designam os procedimentos e modos de criação do Direito
Internacional Público”. No mesmo sentido, Valério Mazzuoli[23] enfatiza que, “o conceito de fonte deve
ser entendido em seu sentido técnico-jurídico, a significar o lugar de onde emana ou nasce a norma
jurídica em questão. Assim, as fontes do Direito Internacional do Meio Ambiente são aquelas capazes de
criar regra de direito ambiental no plano internacional.”

Com efeito, as fontes do Direito Internacional do Meio Ambiente encontram-se alicerçadas nas fontes
gerais do Direito Internacional Público, constantes do art. 38 do Estatuto do Tribunal Internacional de
Justiça (ETIJ), quais sejam os tratados internacionais, os costumes e os princípios gerais, além da
jurisdição e da doutrina, essas duas últimas consideradas meios auxiliares para determinação das regras
de Direito.

Os tratados[24] podem ser entendidos como todo acordo formal concluído entre Estados e
Organizações Internacionais destinados a produzir efeitos jurídicos no plano internacional. De acordo
com Valério Mazzuoli[25], uma das particularidades nos tratados ambientais que os distinguem dos
tratados em geral diz respeito á sua estrutura, uma vez que em muitas ocasiões tais tratados são
celebrados sob a forma de "convenções-quadro" ou “tratado-quadro”, ou seja, acordos internacionais
em que se estabelecem (ou se "emolduram") as grandes bases jurídicas do acordo, assim como os
direitos e obrigações das partes, postergando para um momento futuro sua regulamentação detalhada,
através de protocolos adicionais sobre temas específicos que se queiram tratar[26].

De acordo com Geraldo Silva[27], os tratados ambientais recebem inúmeras críticas, seja em razão de
não adotar regras objetivas, seja por não apresentar uma estrutura muito clara, sendo considerados soft
law(ou droitmou, em francês; direito flexível, ou direito suave, na tradução em português).[28]
Como explica Guido Soares[29], o que se convencionou chamar de soft law consiste em normas que não
alcançam um status de normas jurídicas, mas que “representariam uma obrigação moral aos Estados
(obrigações imperfeitas, porém, de qualquer forma, com alguma normatividade) e têm dupla finalidade:
a) fixar metas para futuras ações políticas nas relações internacionais; b) recomendar aos Estados
adequarem as normas de seu ordenamento interno às regras internacionais contidas na soft law.”[30]

São, indiscutivelmente, preceitos normativos mais flexíveis e menos formais do que as normas jus
cogens, porém, conforme aponta Carla Amado Gomes[31], o fenômeno do soft law não é forçosamente
negativo, uma vez que “é melhor uma declaração de intenções que reúne um vasto consenso, embora
com acatamento de reduzido número de Estados, do que um Tratado entre um número restrito de
Estados que não merece qualquer observância”.

A segunda fonte do Direito Internacional geral com reflexo no Direito Internacional do Meio Ambiente é
o costume, este enunciado no parágrafo 1º, alínea b), do artigo 38 do ETIJ como “uma prática geral
aceita como sendo direito”, ou seja, é um conjunto de normas consagradas pelo longo uso e observadas
nas relações internacionais como obrigatórias[32].

Por ser uma disciplina recente no meio jurídico, até parece paradoxal mencionar o “costume” em
relação ao Direito Internacional Ambiental. Com efeito, o tratamento jurídico costumeiro do ambiente
é, ainda, rudimentar, disso resulta certa dificuldade em visualizar, com contornos bem definidos, uma
prática constante e uniforme dos Estados. Entretanto, a doutrina menciona alguns casos paradigmáticos
que remetem a prática costumeira como os casos do Lago Lanoux (1956), GutDam (1969) e, do já
mencionado, caso da Fundição Trail[33].

Diferentemente do costume, no que tange aos princípios gerais de direito aplicáveis ao meio ambiente,
já é possível visualizar um quadro bem mais preciso de sua aplicação prática, tendo em vista que os
mesmos se encontram consubstanciados em várias declarações internacionais sobre meio ambiente, a
exemplo das Declarações de Estocolmo (1972) e do Rio de janeiro (1992).

Ressalta-se, que há princípios do Direito Internacional clássico, absolutamente inaplicáveis ao Direito


Internacional do Meio Ambiente, como é o caso do princípio da reciprocidade. No entanto, há outros
que são freqüentemente invocados como o princípio da soberania dos Estados de explorar os seus
recursos naturais, desde que não causem danos a outros Estados.[34]

Quanto aos princípios ambientais, a doutrina especializada na área[35] faz menção aos princípios da
prevenção, da precaução, da reparação e do ambiente ecologicamente equilibrado. Assim como, ao
princípio do desenvolvimento sustentável, princípio do poluidor-pagador e do usuário-pagador, da
responsabilidade comum, mas diferenciada, o princípio do limite, da participação, da informação, da
equidade intergeracional, do direito à sadia qualidade de vida, do acesso equitativo aos recursos
naturais, da solidariedade ambiental, dentre outros.

Ainda no que tange ao disposto no artigo 38 do ETIJ, especificamente, no parágrafo 1º, alínea d, o qual
se refere à doutrina e a jurisprudência internacional (que são, nos termos do referido artigo "meios
auxiliares" para a exata determinação das regras do Direito), não são consideradas fontes de Direito
Internacional, uma vez que “não estão habilitadas a criar ou a recriar normas internacionais, mas delas
se pode esperar uma ajuda fundamental e diferenciada no processo de determinação e de prova sobre
normas contidas em tratados, normas costumeiras ou princípios de Direito. ”[36]
No âmbito da tutela ambiental a doutrina comumente se manifesta nos colóquios e trabalhos das
comissões internacionais, na maioria das vezes, sob os auspícios das Nações Unidas, bem como pelos
trabalhos desenvolvidos no seio das ONG’s. No que toca à jurisprudência internacional, merece
destaque o papel da Corte Internacional de Justiça e do Tribunal Internacional do Direito do Mar, cuja
competência em à matéria ambiental é inquestionável (abordagem em assunto relativo aos mares e
oceanos, poluição desses espaços e pesca internacional).[37]

Realizada essa prévia exposição acerca da inserção da tutela ambiental no plano internacional,
apresenta-se a seguir breves considerações sobre o primeiro evento mundial de cunho ambiental no
cenário internacional, qual seja a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano.

1.2 O despertar ecológico: a Conferência de Estocolmo, 1972

1.2.1 As razões da convocação

O final dos anos 60 do século XX, conforme dito anteriormente, foi palco do despertar ecológico na
seara jurídica internacional. Neste período, os alertas lançados por cientistas sobre a degradação
ambiental encontraram forte repercussão junto às sociedades civis, especialmente nos países
desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos.[38]

A pressão exercida sobre os políticos pela opinião pública, aliada a criação de centenas de Organizações
Não Governamentais (ONG’s) voltadas à defesa do meio ambiente, fez com que proliferassem normas
destinadas à tutela ambiental, à medida que as atividades humanas que apresentavam risco a biosfera
passaram a ser regulamentadas.

É no ano de 1968 que se observa o verdadeiro despertar da consciência ambiental, a chamada era
ecológica[39], jusecológicaou direito internacional verde[40]. No referido ano, as questões ambientais
ganharam maior notoriedade, cita-se, por exemplo, a atuação do Conselho da Europa[41], a criação do
Clube de Roma[42] e a aprovação da Convenção Africana para a Conservação da Natureza e dos
Recursos Naturais[43].

Esse prenúncio de consciencialização ao nível da comunidade internacional na luta pela preservação do


meio ambiente, fez com que, em 03 de dezembro de 1968, a Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU), por meio da Resolução 2.398 (XXIII), convocasse a Conferência das Nações Unidas
sobre o Ambiente Humano, essa concebida em Estocolmo, capital da Suécia, no ano de 1972[44]. Esta
foi uma das primeiras e mais importantes tentativas de estabelecimento de normas internacionais de
proteção ambiental[45].

A visão de proteção setorial dos elementos naturais sofreu uma ruptura após a Conferência de
Estocolmo, a qual marcou o início da chamada Era Moderna[46]. A referida conferência iniciou uma
nova maneira de abordar o meio ambiente, constituindoassim um marco no ambientalismo mundial.
Segundo as lições de McCormick “[...]pela primeira vez a humanidade foi despertada para a verdade
básica de que a natureza é finita e que o uso equivocado da biosfera ameaça, em ultima análise, a
própria existência humana.”[47]

1.2.2 A realização da Conferência e os seus resultados


A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, entre 05 e 16
de junho de 1972, mais conhecida como “Conferência de Estocolmo”, representa no plano jurídico,
tanto normativo como doutrinário, o verdadeiro marco para a compreensão a nível global do meio
ambiente, uma vez que, o encontro promovido pela ONU, marcou a inserção dos Estados no âmbito de
um debate acerca das principais questões ambientais da época.

A conferência contou com a participação de 113 países[48], representantes de inúmeras organizações


intergovernamentais, personalidades convidadas a título individual, representantes da sociedade civil
enviados por quase 400 ONG’s, e cerca de 1.500 jornalistas credenciados para cobrir o evento, o que
gerou expressiva repercussão na mídia[49].

Conforme aponta Sidney Guerra[50], as questões discutidas no evento versaram sobre assuntos
relativos à poluição atmosférica[51] e dos recursos hídricos, o uso inadequado do solo e os danos que
os fenômenos da industrialização e do crescimento demográfico causam no meio ambiente. Bem como,
sobre temas voltados ao desenvolvimento tecnológico, combate a pobreza, planejamento de ações,
etc[52].

A fim de tratar desses assuntos, foram criados seis eixos fundamentais, estes debatidos em três
Comitês, sendo cada um responsável por analisar dois temas. Assim, o primeiro Comitê cuidou de
discutir os temas relacionados a “Regulamentação e gestão dos agrupamentos humanos, com vistas a
assegurar a qualidade do meio ambiente” e “ Aspectos educativos sociais e culturais dos problemas do
meio ambiente e a questão da informação”, o segundo Comitê foi encarregado de estudar “A gestão de
recursos naturais sob o ponto de vista do meio ambiente” e “ Desenvolvimento e meio ambiente”. Por
fim, o terceiro Comitê encarregou-se de discutir os temas sobre a “Identificação dos poluentes de
importância internacional e a luta contra os mesmos” e as “Incidências internacionais, no plano da
organização, de propostas de ação” [53].

Apesar da Conferência de Estocolmo ter sido anunciada para discutir o quadro negativo de degradação
ambiental presente na segunda metade do século XX, a mesma também foi palco de divergências, estas
decorrentes do conflito entre os interesses econômicos dos países do hemisfério Norte e Sul versus a
obrigação dos mesmos de protegerem os seus recursos naturais.

O desentendimento se deu em virtude da forte pressão exercida pelos países desenvolvidos em impor
limites ambientais aos países subdesenvolvidos, os quais tinham temor de assumirem obrigações
ambientais que comprometessem o seu desenvolvimento econômico[54].

Conforme aponta Tiago Zanella[55], as discussões durante o evento em Estocolmo tiveram como bases
duas teses: a do crescimento zero e a desenvolvimentista. A primeira corrente tinha como defensores
aqueles que apoiavam as idéias apresentadas no relatório “Limites do Crescimento”, elaborado pelo
Clube de Roma, o qual estabelecia que apenas uma estagnação do crescimento econômico, em conjunto
com políticas de controle de natalidade, salvaria o planeta da degradação ambiental. Por sua vez, os
adeptos da corrente desenvolvimentista pregavam que o crescimento econômico e industrial era
fundamental para proporcionar o desenvolvimento dos países pobres, sendo a tese do crescimento zero
(com uma conotação ambientalista) vista como uma ameaça a esse propósito.

No entanto, essas divergências acabaram sendo superadas, e ao final da conferência a posição


desenvolvimentista saiu vitoriosa. Destarte, o resultado final, também foi positivo para os integrantes
dos movimentos ambientalistas, uma vez que o evento colocou pela primeira vez em pauta mundial as
questões ambientais, possibilitando uma nova era de estudos, análises e debates internacionais[56].

Como resultado da Conferência teve-se dois documentos principais, quais sejam a Declaração sobre
Meio Ambiente Humano, mais conhecida como Declaração de Estocolmo, e um Plano de Ação para o
Meio Ambiente. Além de inúmeras Resoluções[57] sobre a questão ambiental e a instituição de um
organismo especialmente dedicado ao meio ambiente, o Programa das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente (PNUMA)[58].

A Declaração, embora de natureza recomendatória, abriu caminho para a criação de vários outros
documentos internacionais acerca da temática ambiental. O referido documento contem um
Preâmbulo, com 7 pontos, e 26 princípios, os quais podem ser sistematizados da seguinte forma: “a)
direitos do homem e dos Estados (Princípios 1 e 21); b) conservação dos recursos naturais (Princípios 2 a
5); c) poluição (Princípios 6 e 7); d) questões vinculadas ao desenvolvimento (Princípios 8 a 12); e)
planejamento (Princípios 13 a 17); f) instrumentos de política de meio ambiente (Princípios 18 a 20); h)
cooperação internacional (Princípios 22 a 25); i) eliminação dos meios de destruição em massa (Princípio
26)”.[59]

Ressalta-se, que nenhum princípio apresenta de forma explicita o papel a ser desempenhado pelos
Estados na proteção do meio ambiente, exceto o Princípio 7, a qual reporta-se aos mares, este
explicitamente reiterado pelo Artigo 192 da Convenção de MontegoBay, de 1982[60].

O plano de ação, por sua vez, é um extenso documento, composto por 109 resoluções, que, segundo
José Ruiz[61], pode ser classificado sob três vertentes, quais sejam, as relativas à avaliação do meio
ambiente, o denominado ‘Plano Vigia’ (Earthwatch); as referentes à gestão do meio ambiente, esta
concernente à identificação dos problemas ambientais e o estabelecimento de critérios de atuação
frente aos mesmos, e por fim, as relacionadas às medidas de apoio como a informação, educação
ambiental, formação de especialistas e a criação de instituições internacionais apropriadas para
concretizar o ambicioso programa de ação.

Embora os instrumentos adotados durante a Conferência de Estocolmo não detenham caráter


juridicamente obrigatório, são notórios os avanços que o evento proporcionou ao Direito Internacional
do Ambiente, uma vez que o mesmo alcançou objetivos profícuos. Não apenas por ter conseguido trazer
para o âmbito internacional a discussão sobre a temática ambiental, mas também por ter estimulado a
criação de órgãos nacionais voltados à tutela ambiental em países que ainda não os tinham[62], por
proporcionar o fortalecimento de ONG’s e estimular a participação da sociedade civil nas questões
ambientais.

2. Os 20 anos seguintes: de Estocolmo ao Rio de Janeiro (1972-92)

2.1 As razões para uma nova Conferência

No primeiro decênio após a Conferência de Estocolmo (1972), observou-se uma sensível evolução na
mentalidade de como a humanidade deveria resolver os problemas ambientais, que já não se limitavam
ao espaço geográfico de um Estado, mas que ultrapassavam suas fronteiras. Essa mudança de
percepção, fez com que os problemas ambientais passassem a ser mais percebidos pelos governos e
pela opinião pública, e os efeitos da poluição e degradação ambiental combatidos com maior empenho.
Alexandre Kiss, em artigo de síntese[63], afirma que na década que se seguiu à Conferência de
Estocolmo, o Direito Internacional do Ambiente apresentou um extraordinário desenvolvimento, com a
aprovação de diversos instrumentos internacionais, dentre os quais pode-se citar, a título
exemplificativo, na área marítima, a Convenção Internacional para Prevenção da Poluição do Mar por
Navios, de Londres, de 02.11.1973 (Convenção MARPOL), e a Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar, de 10.12.1982, a qual dedica a Parte XII à proteção e à preservação do meio marinho.

No que diz respeito à poluição do ar, o principal resultado do decênio foi a assinatura, em Genebra, em
13.11.1979, da Convenção sobre Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância. Bem como, a
preparação, durante essa primeira década, de textos relativos à tutela jurídica da Camada de
Ozônio[64].

Registraram-se progressos, também, no campo da conservação da fauna e da flora selvagens, onde se


destaca a Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, concluída em Paris,
em 23.11.1972, a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens
em Perigo de Extinção (Convenção CITES), assinada em Washington, em 03.03.1973.

Entretanto, apesar dos dez anos seguintes a Conferência apresentarem significativa evolução na tutela
internacional do meio ambiente, as medidas apresentadas ainda se mostravam insuficientes para
mitigar, ou até mesmo, reverter, a degradação ambiental que já existia no planeta.

É no segundo decênio após o evento de 1972, precisamente no ano de 1987, com a emissão do
Relatório Bruntland, que se comprovou a “ineficácia” das recomendações adotadas na Declaração de
Estocolmo e das medidas preconizadas pelo Plano de Ação, tendo em vista a constatação do
agravamento dos problemas ambientais.

A seriedade dos problemas ambientais, a ampliação do conhecimento científico e a percepção sobre as


ameaças que o planeta viria a enfrentar caso medidas efetivas não fossem adotadas, só aumentaram o
grau de mobilização da sociedade internacional para organizar um segundo evento de âmbito mundial, a
Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, esta voltada inteiramente para
discutir à proteção do meio ambiente e o desafio do desenvolvimento econômico[65].

O referido evento aconteceu transcorrido vinte anos da Conferência de Estocolmo, no Brasil, na cidade
do Rio de Janeiro, em 1992. No entanto, antes de nos atermos acerca das discussões durante essa
megaconferência e os seus resultados, faz necessário apresentar breves considerações quanto ao
processo preparatório que lhe deu origem.

2.2. A preparação: O relatório Brundtland

O Relatório Brudtland, oficialmente denominado Our Common Future (Nosso Futuro Comum, em
português; NotreAvenir à Tous, em francês), examinado durante a 47ª Sessão da Assembleia Geral da
ONU, em 1987, constituiu o primeiro documento para os trabalhos preparatórios da Conferência
Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento[66], a qual é conhecida pelas denominações
“Estocolmo + 20”, “Conferência do Rio”, “Rio 92”, “Eco 92”, “Cúpula do Rio” e “Cúpula da Terra”[67].

O referido relatório foi elaborado pela a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a
qual foi instituída em 1983, através da Resolução 38/161 da Assembleia Geral[68]. A Comissão
Bruntland, como ficou conhecida, em homenagem a ex-primeira Ministra da Noruega,
GroHarlemBrutland, responsável por chefiar os trabalhos, tinha por objetivo fazer uma avaliação dos
dez anos após a Conferência de Estocolmo. Assim como, elaborar uma estratégia de longo prazo, para o
ano de 2000, envolvendo a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento econômico[69].

Segundo PhilippSands[70], os assuntos analisados pela Comissão recaíram sobre questões fundamentais
como as perspectivas de população, do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, segurança
alimentar, perda de espécies e recursos genéticos, energia, indústria, aglomerações humanas,
agricultura e florestas, mecanismos de apoio a tomada de decisões e cooperação internacional. Outras
questões também foram analisadas, como os oceanos e mares, o espaço sideral e a diversidade
biológica

Decorridos alguns anos de estudos, a Comissão apresentou o resultado dos trabalhos desenvolvidos. As
conclusões, às vezes alarmantes, mostraram a intensificação dos problemas já existentes, os quais
foram divididos em três grandes grupos: poluição ambiental, diminuição dos recursos naturais e
problemas de natureza social[71].

Apesar de o Relatorio ser um texto não legal, o mesmo constituiu um marco na relação do pensamento
moderno sobre os problemas ambientais, ao trazer à tona a percepção que as varias crises globais
existentes (ambiental, de desenvolvimento, energética, etc) estão todas interligadas. [72]

De facto, a ideia que as atividades antrôpicas e os seus efeitos sobre o ambiente estavam localizadas no
espaço territorial dos Estados, divididas em setores (energia, agricultura, comércio,etc) e em áreas
especificas (ambiental, social, econômica), acabou por ser superada. Uma vez que, a percepção da inter-
relação entre os fatores sociais, ambientais e econômicos passou a ser percebida.

Com efeito, essa nova percepção deu origem à tese do desenvolvimento sustentável, este definido
como “o desenvolvimento que atende às necessidades da presente geração sem comprometer a
capacidade de as gerações futuras satisfazerem suas necessidades”.[73]

Conforme aponta José Ruiz, o Relatório propicia o inicio do movimento chamado “ecodesarrollo”
(ecodesenvolvimento, em português), o qual tem por objetivo conciliar o desenvolvimento econômico
com a proteção dos valores ambientais e sociais.[74]

Foi em 22.12.1989, por meio da Resolução 44/228, que a Assembleia Geral, convocou a ECO-92, esta
realizada no Brasil, na Cidade do Rio de Janeiro, em 1992[75]. A fim de tratar acerca dos trabalhos que
seriam discutidos no evento, a Resolução estabeleceu a criação de um Comitê Preparatório
(PrepCom)[76].

O Comitê, sempre de acordo com o que estabelecia na resolução, reuniu-se inicialmente na sede da
ONU, em Nova York, entre 05 e 16.03.1990. Posteriormente, em Nairóbi (PrepCom I, entre 06 e
31.08.1990) e outras duas vezes em Genebra (PrepCom II, entre 18.03 e 05.04.1991; e PrepCom III,
entre 19.08 e 04.09.1991). Uma ultima sessão ocorreu novamente na sede da ONU, em maio de 1992,
onde finalmente foram fechados os principais textos a serem discutidos na Rio 92[77].

É importante ressaltar, que a Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, foi o
culminar de mais dois processos de negociações além da PrepComm, quais sejam o Comitê
Intergovernamental de Negociação para uma Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas, o qual
realizou cinco sessões de reuniões entre Fevereiro de 1991 e maio de 1992, e o Comitê
Intergovernamental de Negociação para um Convenção sobre Diversidade Biológica, que se reuniu o
mesmo número de vezes, mas entre o período de Junho de 1991 a Maio de 1992[78].

2.3. A Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento

2.3.1. As discussões durante a Conferência

A cidade do Rio de Janeiro, em junho de 1992, foi durante os dias 3 a 14 de junho, palco de dois grandes
eventos voltados à temática ambiental. O primeiro, e mais importante, foi a Conferência Mundial sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, e o segundo, a conferência das ONGs, o Globo Forum 2000[79].

O Global Forum 2000 ocorreu paralelamente à conferência oficial intergovernamental, e contou com a
participação não apenas de ONGs, mas também de sindicatos, de setores da indústria e do comércio,
artistas, organizações de jovens, indígenas, mulheres e de associações religiosas, místicas e espirituais,
todos debatendo acerca da questão do desenvolvimento sustentável[80].

Enquanto, os representantes dos movimentos sociais, tomaram as ruas e se encontraram no Aterro do


Flamengo, os chefes de Estados e Governos, se reuniram no centro de Convenções Riocentro para
celebrar o que viria a ser a mais importante conferência sobre meio ambiente da história, a ECO-92.

A ECO-92, diferentemente da Conferência de Estocolmo de 1972, teve um caráter especial em razão da


presença de inúmeros chefes de Estado, demonstrando assim a importância da questão ambiental no
início dos anos 90, sendo considerada a primeira reunião de magnitude após o fim da Guerra Fria[81]. O
encontro contou com a participação de 178 Estados, dos quais 114 foram representados por Chefes de
Estado e/ou Governo[82], mais de cinquenta organizações intergovernamentais e milhares de empresas
e organizações não-governamentais[83].

A Conferência do Rio teve por objetivo elaborar estratégias para sanar e reverter os efeitos da
degradação ambiental que se intensificaram no pós-Estocolmo[84]. As principais ações estavam
assentadas no estabelecimento de acordos internacionais que mediassem as ações antrópicas no
ambiente, mudanças climáticas e manutenção da biodiversidade[85]. Além da elaboração de estratégias
direcionadas ao fomento do desenvolvimento sustentável, seja em âmbito nacional como internacional.

A questão dos recursos financeiros foi um dos pontos de divergência entre os participantes, o qual
ficou aquém das expectativas dos países em desenvolvimento, uma vez que os mesmos acharam
insuficiente o apoio financeiro de 0,7% do PNB[86] concedido pelos países desenvolvidos para a adoção
de um modelo de desenvolvimento sustentável, com a redução dos padrões de consumo,
especialmente de combustíveis fósseis (petróleo e carvão mineral).

Quanto ao aspecto das inovações institucionais, a conferência aceitou a criação da Comissão do


Desenvolvimento Sustentável (CDS), e atendendo aos apelos dos países afetados com o fenômeno da
desertificação, aprovou a convocação de uma conferência intergovernamental para discutir acerca do
assunto. Dessa conferência resultou, em 1994, a Convenção Internacional de Combate à Desertificação
nos Países Afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África, concluída em
Paris[87].

O evento também foi palco para a aprovação de três importantes instrumentos, embora de caráter
não vinculativos: a Declaração do Rio de Janeiro sobre meio ambiente e desenvolvimento, o programa
de ação chamado Agenda 21 e a Declaração sobre as florestas. Bem como, o local escolhido para a
assinatura de duas importantes convenções internacionais, que já vinham sendo negociadas desde o
inicio da década de 1990, quais sejam, a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas e a Convenção
sobre Diversidade Biológica[88].

De acordo com os ensinamentos de José Ruiz[89], os instrumentos adotados na ECO 92 são


complementares, tendo em vista que, embora versem sobre temas diferenciados, os mesmos se
propõem a alcançar um mesmo objetivo, qual seja, o desenvolvimento sustentável a partir da
conciliação do desenvolvimento econômico com a obrigação de proteger o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações.

O referido autor expõe ainda, que os textos aprovados possuem uma áurea evolutiva, uma vez que
contém um quadro jurídico abrangente, que deve ser desenvolvido e implementado progressivamente
no decorrer dos anos. A seguir serão apresentadas algumas considerações acercas dos documentos
aprovados no seio da ECO-92.

2.3.2. Os documentos aprovados na ECO-92

2.3.2.1. As Declarações

Conforme dito anteriormente, ao final da ECO-92 duas Declarações foram adotadas, a Declaração do Rio
de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, mas conhecida como a Declaração do Rio e, a
Declaração sobre os princípios florestais. A primeira declaração, foi inicialmente planejada para ser
chamada “Carta da Terra”, entretanto, o texto em negociação, mostrou-se de difícil aprovação por ser
abrangente e ambicioso. O documento final acabou sendo plasmado por uma visão político-jurídico,
contendo um Preâmbulo e 27 princípios, os quais estabelecem os critérios para conciliar a estreita
articulação entre a proteção ambiental e o desenvolvimento econômico, a fim de assegurar o
desenvolvimento sustentável[90].

A Declaração do Rio, assinada por 176 Estados, reafirma a continuidade das recomendações
apresentadas na Declaração de Estocolmo das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano de 1972, com
o objetivo de estabelecer uma nova e justa parceria global por meio do estabelecimento de novos níveis
de cooperação entre os Estados, a sociedade civil e os indivíduos, com o escopo de fomentar acordos
internacionais que respeitem os interesses de todos e a integridade do sistema global de meio ambiente
e desenvolvimento, reconhecendo a interdependência de todos na terra.

Ressalta-se, que tanto a Declaração de Estocolmo como a do Rio encontram-se permeadas por uma
visão antropocêntrica protecionista[91], uma vez que os instrumentos de proteção ambiental concedem
relevo à proteção à pessoa humana[92]. Com efeito, a Declaração do Rio prevê, em seu Princípio 1 que
“os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável” e, no
Princípio 4, determina que “ a proteção do meio ambiente deverá constituir parte integrante do
processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada isoladamente”. Observa-se assim, que a
tutela ambiental é condicionada a proteção dos seres humanos, e não como um fim em si mesma.

A Declaração do Rio não apenas reitera algumas concepções já preconizadas em Estocolmo como, o
Princípio 21 da Declaração de 1972, reafirmado como o Princípio 2 da Declaração do Rio de Janeiro[93],
o qual estabelece a soberania do Estado para explorar seus recursos naturais de acordo com suas
políticas ambientais e de desenvolvimento, desde que não causem danos ao ambiente de Estados
terceiros. Porém, inova ao criar outros princípios ainda não previstos. A doutrina majoritária[94] faz
menção à relevância dos princípios da equidade intergeracional (Princípio 3), da responsabilidade
comum, mas diferenciada (Princípio 7), da precaução (Princípio 15), do poluidor pagador (Princípio
16) e da avaliação de impacto ambiental (Princípio 17).

Outras questões abordadas pela Declaração do Rio incluem a relação entre a protecção do ambiente e
as obrigações do comércio livre (Princípio 12); o desenvolvimento do direito nacional e internacional em
matéria de responsabilidade e compensação para as vítimas de poluição e outros danos ambientais
(Princípio 13); a necessidade de erradicar pobreza e diminuir as disparidades nos padrões de vida
(Princípio 5); e a redução e eliminação de padrões insustentáveis de produção e consumo, através da
promoção de políticas demográficas adequadas (Princípio 8).

O texto também ressalta a necessidade dos Estados cooperarem no fortalecimento do conhecimento


científico e tecnológicos (Princípio 9). Bem como, em iniciativas para promover a participação dos
cidadãos na solução dos problemas ambientais (Príncipio10) e a contribuição de certas categorias
específicas de pessoas na defesa do meio ambiente, como as mulheres (Princípio 20), os jovens
(Princípio 21) e os povos indígenas (Princípio 20).

Conforme aponta José Ruiz[95], a declaração do Rio consagra em seus últimos artigos a idéia da paz
ecológica, a qual se encontra alicerçada na concepção que a guerra é, por definição, prejudicial ao
desenvolvimento sustentável (Princípio 24) e que a paz, o desenvolvimento e a protecção do ambiente
são interdependentes e indivisíveis (Princípio 25), cabendo aos Estados resolverem seus conflitos
ambientais por meios pacíficos, utilizando-se dos meios apropriados, de conformidade com a Carta das
Nações Unidas (Princípio 26).

Por fim, o Princípio 27, que encerra a Declaração, estabelece que a cooperação entre os Estados e os
povos deverá ser realizada de boa fé e com um espírito de solidariedade para o desenvolvimento
progressivo do direito internacional no campo do desenvolvimento sustentável.

Vale salientar, que a Declaração do Rio inclui disposições mais específicas do que aquelas adotados na
Declaração de Estocolmo e fornece uma base sólida para desenvolvimento da legislação ambiental a
nível nacional e internacional, contribuindo assim, para o aperfeiçoamento das regras do direito
consuetudinário.

Em relação as florestas[96], a discussão no encontro foi marcada por fortes divergências entre os
países, o que impossibilitou a concretização de uma convenção acerca da matéria. Consegui-se,
contudo, aprovar um texto não vinculativo, mas “dotado de autoridade”, a Declaração sobre as
Florestas[97]. Conforme aduz Alexandre Kiss[98], essa autoridade lhe é reconhecida pelo fato de conter
os pontos sobre os quais a comunidade internacional está de acordo, e que poderiam servir de base
para uma futura convenção multilateral, embora o documento em comento não formule declarações
claras dos Estados quanto a uma futura convenção internacional de natureza obrigatória.

Contendo, um Preâmbulo, com 8 pontos, e 15 princípios na forma de recomendações, a Declaração


sobre as Florestas, reafirma alguns Princípios da Declaração do Rio, no entanto, com um viés voltado a
temática do desenvolvimento econômico, a proteção ambiental dos recursos florestais e sua exploração
e utilização pelo homem.
Com efeito, o texto contém essencialmente declarações de princípios de gestão através de
aconselhamento, afim de não ferir a soberania dos Estados quanto à exploração dos seus recursos
madeireiros. Bem como, a previsão de fornecimento de recursos financeiros aos países em
desenvolvimento, especialmente aqueles com extensas áreas florestais, para estimular as atividades
econômicas e sociais que venham a substituir o modelo exploratório e, consequentemente, permitir a
conservação das florestas naturais[99].

Vale ressaltar, que embora a Declaração apresente um avanço quanto a percepção dos Estados para a
proteção dos recursos florestais, a mesma apresenta graves deficiências, como a de se aplicar a todos os
tipos de florestas, sem levar em consideração as peculiaridades dos biomas existentes, sendo um
documento genérico e exortativo[100]. Além de não ser dotada de eficácia jurídica, conforme dito
anteriormente, tampouco contém elementos de eventual norma jurídica internacional que possa ser
invocada perante órgãos jurídicos ou políticos internacionais[101].

2.3.2.2 O Plano de Ação

O terceiro instrumento não obrigatório emanado da Conferência do Rio é um extenso documento, o


qual consiste em um plano de ação (Agenda 21) com o objetivo de assegurar a realização dos
compromissos assumidos durante o evento para o século XXI, ou seja, consiste num texto que
estabelece os programas que a sociedade internacional deve adotar para alcançar o desenvolvimento
sustentável no novo milênio.

O plano de ação está dividido em quarenta capítulos, os quais versam sobre quatro áreas especificas,
quais sejam: a) as dimensões sociais e econômicas, estas relacionadas à luta contra a pobreza, a
alteração dos padrões de consumo, a dinâmica demográfica e saúde; b) a conservação e gestão dos
recursos para o desenvolvimento, o qual compreende à luta contra a poluição e a preservação da
diversidade biológica; c) o reforço do papel dos principais grupos envolvidos na efetivação do
desenvolvimento sustentável como as mulheres, os jovens, os povos indígenas, as organizações não-
governamentais, etc. e, por último, d) os meios de execução, estes referentes aos mecanismos de
financiamento, transferência de tecnologia ambiental, de informação para a tomada de decisões, de
arranjos institucionais internacionais, instrumentos e mecanismos jurídicos, dentre outros. [102]

É baseado nesse Plano de Ação que os governos devem traçar seus objetivos, propor ações que
mitiguem ou eliminem as dificuldades sociais e criar modelos de desenvolvimento com bases ambientais
mais sustentáveis. José Ruiz [103], tece críticas positivas ao documento em comento, ao afirmar que o
mesmo constitui um estudo completo e bem elaborado, tendo em vista que os seus capítulos
descrevem com precisão os objetivos, as atividades e os meios necessários para atingir o
desenvolvimento sustentável nos campos de atuação para os quais foram propostos. Sendo assim, um
documento valioso como fonte de informação para a organização e execução de ações em âmbito
nacional e internacional.

Entretanto, para o autor citado, a efetividade do programa de ação encontra-se comprometida, em


virtude de aspectos limitadores como a ausência de obrigatoriedade para os Estados executarem as
ações propostas e a falta de prazos para o cumprimento das metas e a ausência de mecanismo de
controle eficaz. Porém, a que sublinhar, que tanto o Conselho Econômico e Social da ONU, como a
própria Assembleia Geral, mantêm uma vigilância continua sobre a aplicação do programa.
Em 22 de dezembro de 1992, a Assembleia Geral mediante a Resolução 47/190 decidiu convocar uma
sessão especial com o escopo de revisar a execução da Agenda 21. Esta seção foi realizada entre os dias
23 a 27 de junho de 1997, a qual no final decidiu convocar para o ano de 2002 uma nova reunião, a fim
de discutir o avanço das ações propostas. Ressalta-se, que a seção realizada em junho de 1997, foi
precedida por um fórum internacional (RIO+5), celebrado na cidade do Rio de Janeiro, entre os dias 13 a
19 de março de 1997[104].

2.3.2.3 As Convenções

Além dos três documentos não obrigatórios, a Cúpula da Terra foi escolhida para ser o local de
assinatura de duas importantes convenções internacionais que já vinham sendo articuladas desde o
início da década de 1990, sejam elas a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção-Quadro
sobre Mudança Climática.

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) deriva de um texto proposto inicialmente pelo
Conselho de Administração do PNUMA, por meio da Resolução 15/34. O processo de negociação
deveria terminar com a adoção da convenção em 22.05.1992, no quadro da Ata Final de uma
conferência intergovernamental realizada na sede do PNUMA, em Nairóbi. No entanto, a mesma acabou
por ser assinada no Rio de Janeiro, um mês depois (05.06.1992), por 155 Estados e a União Européia
como Partes Contratantes originais[105][106].

A CDB trata-se de um documento complexo constituído por um Preâmbulo contendo 23 pontos e um


texto com 42 artigos e 2 anexos (I-Identificação e Monitoramento; II - Arbitragem), cujo o objetivo é
promover a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a
repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos (Artigo 1º). O
texto proposto buscou alcançar um equilíbrio entre os interesses dos países desenvolvidos e em
desenvolvimento[107].

Nos primeiros pontos do Preâmbulo, já se observa a menção ao valor intrínseco da diversidade biológica
e dos seus valores ecológicos, genético, social, econômico, cientifico, educacional, cultural, recreativo e
estético. Bem como, sobre a importância da diversidade biológica para a evolução e para a manutenção
dos sistemas necessários à vida da biosfera, estabelecendo posteriormente, que a diversidade biológica
é uma preocupação comum à Humanidade.

Conforme aduz Carla Amado Gomes[108], a tutela da diversidade biológica é vista comopreocupação
comum da humanidade (common concernofmankind), e não como patrimônio comum da humanidade
(common heritageofmankind), tendo em vista que a “diversidade biológica se encontrar, numa larga
escala, em territórios sob jurisdição estadual, vinculaçãosituacional que entraria certamente em choque
(jurídico, mas, sobretudo político) com a noção de patrimônio comum da Humanidade”.

Reina o celebre princípio da soberania dos Estados sobre os seus recursos naturais (Artigo 3º). Afinal,
conforme aponta Marta Chantal[109], não é de se admirar “a manipulação com pinças do dever de
proteção da biodiversidade”, tendo em vista o contexto de oposições entre os países desenvolvidos e os
em via desenvolvimento em que a convenção foi realizada.

Contudo, é importante salientar, que apesar da soberania dos Estados quanto à exploração dos seus
recursos naturais, a Convenção não deixa de assinalar o direito de acesso de Estados terceiros a estas
riquezas, ainda que sujeito a consentimento prévio fundamentado do Estado detentor das mesmas
(artigo 15). Assim como, estabelece a partilha justa e equitativa dos resultados das pesquisas e do
desenvolvimento de recursos genéticos e os benefícios derivados de sua utilização comercial.

Observa-se, que a CDB, adota uma postura mais antropocêntrica do que conservacionista[110]. Não se
pode olvidar que o "valor intrínseco da diversidade biológica" foi referenciado, ou seja, o seu valor per
si, por uma valia própria que lhe é inerente, contudo, esse valor perde força ao longo do texto, uma vez
que a valoração atribuída pelo seu uso direto e indireto para atender as necessidades humanas (valor
instrumental)[111], torna-se mais presente.

Apesar de algumas fragilidades características da própria natureza de Convenção-quadro[112], com


objetivos amplos, os quais não estão regulamentados minuciosamentetodas as questões acerca da
matéria, mas com uma perspectiva futura de negociação no âmbito das Conferências das Partes (COP), é
inegável o contributo da Convenção para a apreensão da percepção holística dos elementos naturais, ou
seja, da compreensão da interdependência dos elementos naturais, ao contrário do que ocorria nas
convenções internacionais anteriores, as quais possuiam uma visão de tutela parcelar, direcionadas a
proteção de uma determinada espécie, habitat ou ecossistema[113].

É no artigo 2º que se encontra plasmado o conceito de diversidade biológica, que embora já fosse
utilizado no seio da comunidade científica dos biólogos, desde a década de 80[114], apenas ganhou
respaldo internacional após Convenção, a qual a define como “a variabilidade entre os organismos vivos
de todas as origens, incluindo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos, outros ecossistemas
aquáticos e os complexos ecológicosde que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de
espécies, entre espécies e de ecossistemas”.

Seguindo a lição de Nicolas de Sadeleer e Charles Hubert Born[115], pode se afirmar que a
biodiversidade encontra-se alicerçada em três níveis conceituais, sejam eles: diversidade genética, de
espécies e ecossistemas, os quais têm como núcleo fundamental para a sua existência a capacidade de
variabilidade, ou seja, a aptidão para variar dentro deles e entre eles[116].

Como Marta Ribeiro[117] aduz, o conceito proposto pela CDB apreende o mundo vivo de uma forma
ampla, incluído desde o material genético até a interação dos elementos bióticos e abióticos, contexto
do qual o ser humano não se encontra desvinculado.

Dentre os vários assuntos abordados no texto da Convenção, destaca-se a conservação in situ[118] da


biodiversidade, a conservação exsitu[119] e a utilização sustentável[120] dos seus componentes. Bem
como, o estabelecimento de procedimentos adequados que exijam a avaliação de impacto ambiental
em projetos que possam causar efeitos negativos na diversidade biológica (Artigo 14), a gestão da
biotecnologia[121] e a distribuição de seus benefícios (Artigo 19).

Vale salientar, que as disposições da Convenção não afetam os direitos e as obrigações das Partes
Contratantes decorrentes de qualquer acordo internacional existente, salvo se o exercício desses
direitos e o cumprimento dessas obrigações causem graves danos ou ameaças à diversidade biológica
(Artigo 22).

Destarte, cabe frisar que embora a CDB tenha deixado questões controvertidas para serem detalhadas
em negociações posteriores, por meio de protocolos próprios, todavia, o texto comporta definições,
princípios e compromissos suficientes para, pelo menos, nortear uma solução negociada sobre a
proteção da biodiversidade, como também sobre os conflitos oriundos dos interesses opostos entre as
nações consumidoras e protudoras de biodiversidade.

Outro marco na ECO-92, conforme dito anteriormente, foi a Convenção-Quadro das Nações Unidas
sobre Mudança do Clima (CQNUMC), a qual começou a ser elaborada pelo Comitê Intergovernamental
de Negociações (CIN), este criado a partir da aprovação da Resolução 45/212, pele Assembleia Geral da
ONU, em 21.12.1990. O CIN atuou com base nas recomendações de um Comitê Intergovernamental de
Especialistas, criado pelo PNUMA e pela Organização Metrológica Mundial (OMM), que avaliou os
elementos aptos a serem incluídos numa convenção-quadro sobre mudanças climáticas. Em 09.05.1992,
o CIN adotou o texto por consenso, o qual foi submetido para assinatura durante a ECO-92, um mês
depois[122].

O documento compõe-se de um Preâmbulo, contendo 23 pontos e 26 artigos. O Preâmbulo inicia-se


reconhecendo que “a mudança do clima[123] da Terra e seus efeitos negativos[124] são uma
preocupação comum da humanidade”, e que “as atividades humanas estão aumentando
substancialmente as concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa”[125], o que está
intensificando o efeito estufa natural e, conseqüentemente, provocando o aquecimento da superfície e
da atmosfera da Terra, o que resulta em efeitos negativos aos ecossistemas naturais e a Humanidade.

O texto também reconhece que, até aquela época, os países desenvolvidos tinham sido os maiores
emissores de Gases de Efeito Estufa (GEE), no entanto, as emissões provenientes dos países em
desenvolvimento tenderiam acrescer, tendo em vista que os mesmos iriam satisfazer suas necessidades
sociais e de desenvolvimento. O documento também faz menção, a Convenção de Viena sobre Proteção
da Camada de Ozônio, de 1985, e o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada
de Ozônio, de 1987, conforme emendado em 29.06.1990. Assim como, faz referência a Declaração
Ministerial da Segunda Conferência Mundial sobre o Clima, adotada em 07.11.1990.

A Convenção estabeleceu como seu objetivo principal estabilizar as concentrações de GEE na atmosfera
em um nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático, devendo esse nível
ser alcançado num prazo suficiente que permita aos ecossistemas adaptarem-se naturalmente à
mudança do clima, que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita que o
desenvolvimento econômico prossiga de maneira sustentável (Artigo 2º).

Para tanto, foram definidos compromissos e obrigações para todos os países signatários (Artigo 4º), e,
levando em consideração o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, foram
determinados compromissos específicos para os países desenvolvidos, os quais estão listados no Anexo I
e II da Convenção.

Dentre as obrigações dos países industrializados, destacam se a adoção de políticas e medidas nacionais
para reduzir as emissões GEE, buscando reverter as emissões antrópicas desses gases aos níveis de
1990, até o ano 2000. Assim como, transferir recursos tecnológicos e financeiros para países em
desenvolvimento e auxiliar os mesmos, particularmente os mais vulneráveis à mudança do clima, a
implementar ações de adaptação a fim de reduzir os seus impactos.

Conforme aduz Cretella Neto[126], especial atenção foi dada aos países insulares, que possuem costas
baixas em relação ao nível do mar, bem como aos países que possuem zonas áridas, com climas (semi)
desérticos ou sujeitos ao desaparecimento de áreas florestais, vulneráveis ao processo de desertificação
e ecossistemas frágeis.

Vale salientar, que aConvenção tem em sua estrutura, além da Conferência das Partes (CoP), cujas
funções constam no Artigo 7, a qual cabe entre outras atividades adotar Protocolos (Artigo 17), um
secretariado (Artigo 8), e dois Órgãos Subsidiários, quais sejam de Assessoramento Científico e
Tecnológico (Artigo 9) e de implementação (Artigo 10). O primeiro, como o nome sugere, é responsável
por auxiliar em assuntos direcionados a questões científicas, tecnológicas e metodológicas. Por sua vez,
o segundo, tem como objetivo assessorar a CoP em assuntos referentes à implementação da
Convenção, tal como, o acompanhamento da assistência financeira que deve ser repassada às Partes
não-Anexo I para ajudá-las no cumprimento dos compromissos assumidos na Convenção[127].

Entre os Protocolos que incumbe a CoP elaborar, um dos mais importantes é o denominado
Protocolo à Convenção-Quadro sobre Mudança Climática (mais referenciado como Protocolo de
Quioto), o qual mais adiante será abordado no presente trabalho com mais detalhe.

Inegavelmente, os documentos acordados na Conferência do Rio de 1992, proporcionaram o


amadurecimento do Direito ambiental no cenário internacional, desde Estocolmo, em 1972. A seguir
serão apresentadas algumas considerações acerca do desenvolvimento da tutela ambiental após a
Cúpula do Rio. Bem como, sobre as fragilidades que ainda imperam neste ramo especial do Direito
Internacional.

3. A tutela ambiental após a ECO-92: breves reflexões

3.1 Da ECO-92 a Rio + 20: avanços e retrocessos

Após a Conferência do Rio, a conscientização das sociedades civis e dos governantes resultou em
alguns progressos com a ampliação de instrumentos convencionais, como por exemplo, a Convenção
Internacional de Combate aDesertificação nos Países Afetados por Seca Grave e/ou Desertificação,
particularmente na África, assinado em Nova York, em 17.07.1994 e o Acordo Internacional sobre
Madeiras Tropicais, concluído em Genebra, em 26.01.1994.

Na área marítima destaca o Acordo Relativo à Implantação da Parte XI da Convenção das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar, concluído em Nova York, em 28.07.1994, a Convenção Internacional sobre a
Responsabilidade e a Indenização por Danos ligados ao Transporte pelo Mar de Substâncias Nocivas e
Potencialmente Perigosas, assinado em Londres, em 03.05.1996, e a Convenção Interamericana para a
Proteção e Conservação das Tartarugas Marinhas, em 01.12.1996.

Apesar das iniciativas para frear o cenário devastador que assolava o planeta, a degradação ambiental
continuou a ser uma constante no cenário global, com o aumento das emissões dos gases de efeito
estufa, a diminuição da diversidade biológica e o aumento dos índices de desflorestamento.[128]. A
aglomeração humana nas grandes cidades também continuou a ser fator agravante, uma vez que
fomentava a geração de resíduos sólidos e deterioração da qualidade das águas superficiais e
subterrâneas, as quais são, muitas vezes, lançadas em corpos hídricos sem o tratamento prévio
adequado, gerando a contaminação das águas e provocando o fenômeno da eutrofização com
conseqüência na mortandade de peixes.
Em dezembro de 2000, a Assembleia Geral da ONU, “profundamente preocupada, ao constatar que o
meio ambiente e a base de recursos naturais que sustentam a vida no planeta continuam a se degradar
a um ritmo alarmante”[129], decidiu convocar por meio da Resolução 55/199, a Conferência Mundial
sobre Desenvolvimento Sustentável (CMDS), também referenciada como Rio + 10, Cúpula da Terra 2002
(World SummitonSustainableDevelopment – WSSD, ou Earth Summit 2002), dedicada a avaliar as metas
propostas pela Agenda 21 e direcionar ações efetivas para os pontos em que os esforços suplementares
fossem necessários[130].

O evento teve lugar na cidade de Johannesburgo, na África do Sul, entre os dias 26 de agosto a 4 de
setembro de 2002, e resultou numa Declaração sobre Desenvolvimento Sustentável e num Plano de
implementação (Plano ofImplementation)[131]. A Declaração reconhece que o meio ambiente mundial
encontra-se frágil, que a perda de biodiversidade prossegue, com os estoques pesqueiros a diminuir e a
desertificação avançar sobre terras outrora férteis. Assim como, perfilha que os efeitos adversos das
mudanças climáticas já são evidentes e os desastres naturais mais freqüentes e devastadores, estando
os países em desenvolvimento mais vulneráveis aos seus efeitos[132].

A poluição do ar, da água e do meio marinho também ganharam notoriedade no evento, o qual
reconhece que a poluição dos elementos naturais impedia milhões de pessoas de alcançar um nível de
vida digna. Diante desse quadro de deterioração dos recursos naturais, os Estados assumiram metas
específicas, porém sem caráter de obrigatoriedade. Algumas das metas contidas no Plano de Ação são:
“reduzir significativamente, até o ano de 2010, a taxa de perda de biodiversidade; reduzir a proporção
de pessoas sem acesso à rede de saneamento básico pela metade, até 2015; manter e restaurar os
estoques de peixes a níveis que poderiam produzir o máximo rendimento de forma urgente e onde
possível, até 2015; e usar e fabricar produtos químicos de forma a não causar efeitos adversos à saúde
humana e ao meio ambiente, até 2020” [133].

É evidente que o sucesso ou o fracasso das medidas propostas irá depender do cumprimento das metas
por parte dos Estados signatários. Infelizmente, quanto à meta acordada pelos governos para reduzir
até a 2010 a taxa de perda de biodiversidade em níveis global, regional e nacional, não foi alcançada. De
acordo com a publicação do relatório Global Biodiversity Outlook 3 (GBO 3)[134], houve um decréscimo
de quase um terço das espécies de vertebrados (mamiferos, pássaros e peixes) entre os anos de 1970 e
2006, com declínios especialmente graves nas regiões tropicais e entre as espécies de água doce.

No entanto, “ações em prol da biodiversidade tiveram resultados significativos e mensuráveis em


determinadas áreas e entre espécies-alvo e ecossistemas. Isso sugere que, com recursos adequados e
vontade política, existem ferramentas para reduzir a perda da biodiversidade em escalas mais
amplas”[135]. O relatório expõe que 170 países já possuem estratégias nacionais de biodiversidade e
planos de ações específicos para a sua conservação, sendo a criação de áreas protegidas (tanto em terra
quanto nas águas costeiras) uma das medidas amplamente utilizadas pelos Estados para garantir essa
conservação.

Meses depois, mais precisamente, em outubro de 2010, entre os dias 18 a 29, na cidade de Nagoya, no
Japão, ocorreu a 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, o qual teve
como resultado final a aprovação de “um pacote de medidas para reduzir o crescente ritmo de
destruição da biodiversidade. Entre elas, o Protocolo sobre o Acesso a Recursos Genéticos e a Justa e
Equitativa Repartição dos Benefícios Oriundos da sua Utilização”[136], este mais conhecido como o
Protocolo de Nagoya.
O Protocolo de Nagoya estabelece a repartição dos benefícios provenientes da exploração comercial dos
recursos da biodiversidade. Reconhece o direito soberano dos países sobre a exploração dos recursos
genéticos de sua diversidade biológica, e que o acesso de Estados terceiros a essa biodiversidade só
poderá ocorrer mediante o consentimento das nações donas dos recursos, devendo os lucros gerados
pela comercialização dos produtos fabricados serem repartidos por ambos. Dito de outro modo, “se da
fauna e da flora alheia, por exemplo, resultarem novos produtos, como fármacos ou cosméticos, os
lucros terão de ser repartidos entre quem os desenvolveu e o país de origem do recurso, conforme
contrato prévio (royalties)”[137].

É importante ressaltar, que o documento não determina que a forma de repartição seja exclusivamente
financeira, assim como não estabelece as porcentagens de divisão de lucros, deixando margem para que
a repartição de benefícios seja realizada por compensações não financeiras, como transferência de
tecnologias.

O encontro também resultou num Plano Estratégico para a Biodiversidade para o período 2010-2020, o
qual estabelece metas para evitar a perda da biodiversidade. Um dos objetivos mais ambiciosos é
transformar 17% das áreas terrestres e 10% das zonas marinhas, em reservas naturais. Outro ponto que
apresentou um significativo avanço foi o compromisso assumido pelos os países desenvolvidos em
financiar ações de preservação da diversidade ecológica[138].

Em 2012, foi à vez do Brasil sediar, novamente, mais uma conferência internacional de cunho
ambiental, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, mais conhecida
como a Rio + 20, em virtude de o evento ter ocorrido vinte anos após a Conferência do Rio de 1992.
Ressalta-se, que a proposta para o Brasil sediar a conferência foi aprovada pela Assembléia-Geral das
Nações Unidas, em sua 64ª Sessão, em 2009[139].

A conferência contou com a participação de 193 países, os quais se reuniram entre os dias 13 a 22 de
junho de 2012, para renovar o compromisso político com o desenvolvimento sustentável, através “da
avaliação do progresso e das lacunas na implementação das decisões adotadas pelas principais cúpulas
sobre o assunto e do tratamento de temas novos e emergentes”[140].

No ano de 2012 outro acontecimento foi alvo de olhares da comunidade internacional, referimos ao
termino de Protocolo de Kyoto, este adotado no ano de 1997 como Protocolo à Convenção Quadro das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o qual entrou em vigor somente em 16 de fevereiro de 2005,
com a adesão da Rússia[141]. O documento é constituído por 28 artigos e dois Anexos[142].

O Protocolo estabelece metas individuais para os Países listados no Anexo B, referentes à emissão dos
gases do efeito estufa, ou seja, Dióxido de carbono (CO2) Metano (CH4) Óxido nitroso (N2O)
Hidrofluorcarbonos (HFCs) Perfluorcarbonos (PFCs) Hexafluoreto de enxofre (SF6). Os países listados no
referido Anexo do Protocolo correspondem ao Anexo I da Convenção Quadro de Mudanças Climáticas,
estes deveriam reduzir suas emissões totais de gases de efeito estufa, chegando a uma média de 5,2%
abaixo das emissões de 1990, no período entre os anos de 2008 a 2012, fase definida como o primeiro
período de cumprimento do Protocolo[143].

Uma das grandes polêmicas quanto à inefetividade da redução de gases do efeito estufa no planeta é
facto dos Estados Unidos, responsável por 36% total das emissões mundiais, não aderirem ao Protocolo
com a justificativa que o acordo traria prejuízos a sua economia, uma vez que o cumprimento implicaria
na reestruturação do sistema energético do país, este baseado no uso de combustíveis fósseis, o que
seria caro demais para modificá-lo.[144]

As metas propostas pelo Protocolo para o primeiro período não foram atingidas, sendo o período de
validade do mesmo prorrogado desde o dia 1º de janeiro de 2013 até o ano de 2020, conforme decisão
dos 195 países reunidos na 18ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-18), que
ocorreu em Doha, no Catar, entre 26 de Novembro a 08 de dezembro de 2012[145].

Porém o Japão, Nova Zelândia, Canadá e Rússia não aderiram ao novo período do Protocolo de Kyoto,
estando o grupo comprometido com as metas de redução dos gases do efeito estufa reduzido a
Austrália, Noruega, Suíça, Ucrânia e todos os integrantes da União Europeia, que juntos respondem por
apenas cerca de 15% do total de emissões de gases estufa de todo o mundo. Poucos avanços também
foram vistos quanto ao financiamento dos países desenvolvidos para com os países em
desenvolvimento na luta contra as mudanças climáticas, já que os governos desenvolvidos alegaram a
crise econômica como motivo para retardar o planejamento da ajuda financeira as nações em
desenvolvimento[146].

No final desse ano, está prevista uma reunião na França, para discutir o futuro do Protocolo após o seu
término em 2020. Um dos assuntos da pauta é o estabelecimento de metas para todas as nações, bem
como os meios para incitar os maiores poluidores do planeta a assinarem o acordo: China e Estados
Unidos[147].

Apesar de algumas fragilidades, a importância da preservação e conservação do meio ambiente nas


décadas seguintes a ECO-92, ganhou respaldo junto o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), a qual
enfatizou a importância de alguns princípios ambientais apresentados no âmbito da Declaração do Rio
de 1992, como o princípio da prevenção, do desenvolvimento sustentável e da avaliação de impacto
ambiental no caso Gabcíkovo-Nagymaros, em decisão proferida em 1997[148].

O princípio da avaliação de impacto ambiental, também ganhou respaldo junto a Corte Internacional de
Justiça, com o caso das fábricas de celulose sobre o Rio Uruguai (Argentina vs. Uruguai)[149] julgado
pelo Tribunal Internacional no ano de 2010. Por sua vez, o Tribunal Internacional do Direito do Mar, em
2011, acolheu o princípio no Parecer sobre a responsabilidade do Estado por concessão de operações
desenvolvidas na Área (Caso 17).[150]

3.2 Um futuro ainda frágil

Diante das breves considerações apresentadas fica claro que as décadas posteriores a Conferência do
Rio de Janeiro de 1992, apresentaram alguns avanços, com a proliferação de instrumentos normativos e
o reforço da tomada de consciência por parte da sociedade civil e dos líderes estatais quanto à proteção
do ambiente. Porém, alguns retrocessos ainda se mostram latentes nesse segmento especial do Direito
Internacional, alguns deles relacionados com os fatores socioeconômicos. Dito de outro modo,
influenciados pela economia capitalista supressoras de nações menos desenvolvidas e motor para
ascensão dos países desenvolvidos.

As Conferências de cunho ambiental realizadas no seio da ONU trouxeram para o mundo o


conhecimento acerca da problemática ambiental, porém, ainda não foram capazes de sanar as
disparidades entre os países do Norte e Sul, as quais persistem em assombra as relações diplomáticas.
Os instrumentos acordados nas Conferências, na grande maioria, configuram como manuais de
recomendações, nos quais expõem os problemas, mostram as diretrizes, mas pecam quanto à
efetividade e as sanções quanto ao descumprimento dos acordos. A responsabilidade pelos danos
ambientais ainda configura como algo incerto, embora os Tribunais internacionais elevem a
preocupação da manutenção do equilíbrio ecológico nas decisões proferidas.

Os avanços são inquestionáveis, os retrocessos persistentes e o futuro incerto. Utopia o


desenvolvimento sustentável? Talvez não. Os avanços científicos e tecnológicos mostram que é possível
manter o desenvolvimento econômico e preservar o meio ambiente, no entanto, essa compreensão da
articulação entre esses fatores deve ser disseminada, a cooperação entre os Estados configura-se como
o meio indispensável para isso.

Com efeito, os países desenvolvidos possuem capital financeiro e tecnológico, por sua vez, os países em
via de desenvolvimento concentram em seus territórios a maior parte da biodiversidade do mundo, a
ajuda mutua para a conservação dos recursos naturais e o equilíbrio do planeta é uma questão de
consciência por parte dos governantes quanto ao comprometimento de políticas públicas e ambientais
eficazes. A sociedade civil também constitui uma peça fundamental para resolver esse quebra cabeça
ambiental. A realização de ações simples pode, sim, fazer a diferença na luta contra a degradação
ambiental.

Contudo, não seria incorreto afirmar, que a preocupação ambiental ainda encontra-se em segundo
plano na agenda governamental. A economia ainda dita as regaras do jogo e, um equilíbrio com os
aspectos sociais e ambientais, ainda parece ter um longo caminho pela frente.

Conclusão

Com base nas exposições acima delineadas, conclui-se que a descoberta do meio ambiente, como
objeto de proteção contra atividades humanas prejudiciais a biosfera, é recente. Começando de forma
tímida em meados do século XIX, e consolidando-se apenas a partir da segunda metade do século XX.
Este novo ramo derivado do direito internacional público, busca vir em socorro do ambiente planetário
ameaçado, por meio da elaboração de dispositivos jurídicos que atuem na prevenção e reparação dos
elementos naturais.

Embora seja inegável o seu avanço ao longo dos anos, são evidentes as fragilidades que ainda
perduram sobre essa seara do direito internacional, em especial no que diz respeito à responsabilidade
internacional em relação aos danos causados ao ambiente.

À concepção tradicional de responsabilidade, alicerçada na existência de um dano, na identificação


de seu causador, na existência do nexo de causalidade entre o ato e o dano, na identificação das vítimas
e análise sobre se a vítima pode ou não requerer a responsabilização, confrontam-se com as exigências
na matéria ambiental. Uma vez que existe um descompasso entre os conceitos tradicionais acerca da
responsabilidade e as condições particulares que cercam a preservação da biosfera. Uma das
dificuldades evidentes na responsabilização por danos ao meio ambiente reside na identificação do
autor da ação e do espaço temporal que pode decorrer entre os factos e a manifestação da deterioração
do ambiente.

Outro empecilho para a efetividade do direito ambiental na esfera global é a inércia da comunidade
internacional em não adotar medidas para responsabilizar os Estados dentro de suas próprias
jurisdições quanto a pratica de ilícitos ambientais, mediante a prerrogativa do princípio da soberania
dos Estados.

Estabelecendo um paralelo com a visão de Paulo Castro[151], o qual faz uma alusão do
desenvolvimento do direito internacional do meio ambiente com as fases de vida de um ser humano,
pode-se dizer que o período correspondente ao término da década de sessenta e toda a década de
setenta, equivale ao período da infância do ser humano. Com efeito, o direito ambiental é um direito
incipiente, com passos tímidos, como uma criança nos seus primeiros anos de vida, que não consegue
caminhar com autonomia, porém já consegue mostrar o desenvolvimento de suas destrezas.

O facto de os Estados começarem a ter percepção de regulamentar os temas relacionados aos


aspectos ambientais, a fim de evitarem a poluição transfronteiriça, embora de forma incipiente e com
normas de conteúdos meramente antropocêntricas, de pouco dever obrigacional, abstratas, genéricas
ao ponto de serem muitas vezes utópicas, já apresentavam um avanço incontestável na percepção da
necessidade de mudar o cenário entre a relação homem versus natureza. Sendo assim, impossível negar
o legado normativo durante essa fase inicial.

Por sua vez, a segunda fase, referente à maior parte dos anos oitenta até a década de noventa, é
marcada por uma fase de grande desenvolvimento, porém contraditório e incerto, como é observado na
fase da juventude do ser humano, onde há o crescimento e amadurecimento, mas não ao ponto de se
atingir a maturidade plena (a fase adulta), estando assim, na adolescência. De facto, o direito
internacional do ambiente cresceu e se aperfeiçoou. Os tratados bilaterais foram sendo substituídos
pelos multilaterais, tornaram-se mais específicos, restritivos, menos genéricos quando comparados aos
da fase inicial.

Observou-se também a criação de inúmeros textos normativos em combate a poluição aos diversos
elementos da natureza, seja a nível global ou regional. Nessa fase a comunidade internacional, adota
uma visão holística dos recursos naturais, reconhecendo a existência de uma unidade fundamental, a
biosfera.

Lançado um olhar sobre o atual estágio do direito internacional do ambiente, já em sua fase adulta,
pode-se dizer que o mesmo equipara-sea um adulto, o qual, apesar de ter consciência de seu papel na
sociedade, ainda encontra-se inerte, ocioso frente às ações que deve adotar para pôr em pratica os seus
anseios de vida. Dito de outro modo, constitui um direito vigoroso e bem intencionado, com um grande
futuro promissor, mas ainda tímido, que não se impõe de forma efetiva para solucionar os problemas
que se propôs a resolver. Um direito com uma longa jornada pela frente, com uma responsabilidade
imensa sobre si, que não pode viver de ilusões.

É desse direito que depende o equilíbrio do planeta e a sobrevivência de todas as espécies que o
compõem.

Informações Sobre o Autor

Thayga Emmanuela Barbosa Galdino de Lira

Formada em Direito e Engenharia Ambiental. Mestranda em Ciências Jurídico-ambientais pela


Universidade de Lisboa Faculdade de Direito. Mestranda em Tecnologia Ambiental pelo Instituto de
Tecnologia de Pernambuco -ITEP. Pós graduada em Auditoria Perícia e Gestão Ambiental e Pós
graduanda em Engenharia de Segurança do Trabalho.

Do ecodesenvolvimento ao conceito de
desenvolvimento sustentável no Relatório
Brundtland, da ONU, documento que coloca
temas como necessidades humanas e de
crescimento econômico dos países, pobreza,
consumo de energia, recursos ambientais e
poluição

As energias eólica, solar e a produzida por biomassa são apontadas


por especialistas como ecologicamente sustentáveis (Foto: Guerito)
As primeiras referências a desenvolvimento sustentável começaram a surgir em 1972, durante a primeira
conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, em Estocolmo, na Suécia. O termo utilizado então
foi “ecodesenvolvimento”.
Em 1983, a ONU indicou a então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, para chefiar a Comissão
Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que deveria aprofundar propostas mundiais na área ambiental.
Quatro anos depois, em 1987, a comissão apresentou o documento Nosso Futuro Comum, mais conhecido como
Relatório Brundtland.
O conceito de desenvolvimento sustentável foi consagrado em 1987,
com
o lançamento do relatório da ONU que levou o nome da primeira-
ministra
da Noruega, Brundtland (Foto: P. Virot/OMS)
O documento passou a utilizar a expressão “desenvolvimento sustentável”, com a seguinte definição: forma como
as atuais gerações satisfazem as suas necessidades sem, no entanto, comprometer a capacidade de as gerações
futuras satisfazerem suas próprias necessidades.
“Em essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a
direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam
e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas”, resume o
Relatório Brundtland.
Em princípio, o conceito aponta para uma bela utopia que, se não irá se realizar plenamente, poderia, pelo
menos, “corrigir” os rumos socioeconômicos e ambientais da Humanidade. Mas, ao explicá-lo, o texto do Relatório
Brundtland se torna confuso, indicando, naquele momento, uma atitude vacilante diante dos grandes impasses que
o tema colocava, e ainda coloca, para o sistema econômico vigente e para os países, tanto os desenvolvidos
quanto os em desenvolvimento.
De acordo com o relatório, as limitações ao desenvolvimento sustentável estariam, por exemplo, não no modelo de
crescimento, baseado na exploração dos recursos naturais e no estímulo ao consumo, mas nas “limitações impostas
pelo estágio atual da tecnologia e da organização social, no tocante aos recursos ambientais, e pela capacidade da
biosfera de absorver os efeitos da atividade humana”. Mas, continua o documento, “tanto a tecnologia quanto a
organização social podem ser geridas e aprimoradas a fim de proporcionar uma nova era de crescimento
econômico”.
Outra causa para a degradação ambiental, segundo o Relatório Brundtland, é a pobreza, pois “um mundo onde a
pobreza é endêmica estará sempre sujeito a catástrofes, ecológicas ou de outra natureza”. Para atender às
necessidades básicas de todos, o documento recomenda, então, “um crescimento potencial pleno, e o
desenvolvimento sustentável exige claramente que haja um crescimento econômico em regiões onde tais
necessidades não estão sendo atendidas”.
A ideia segue sendo desdobrada em uma lógica circular: onde as necessidades básicas já são atendidas, há
desenvolvimento sustentável; se há desenvolvimento sustentável, ele é compatível com o crescimento econômico.
E continua: “Mas o simples crescimento não basta. Uma grande atividade produtiva pode coexistir com a pobreza
disseminada, e isto constitui um risco para o meio ambiente. Por isso, o desenvolvimento sustentável exige que as
sociedades atendam as necessidades humanas, tanto aumentando o potencial de produção, quanto assegurando a
todos as mesmas oportunidades”.
No artigo “Do ecodesenvolvimento ao desenvolvimento sustentável: evolução de um conceito?”, o professor de
Gestão Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) Philippe Pomier Layrargues afirma que a ênfase sobre as
consequências da pobreza para o meio ambiente encobre outras causas que, segundo ele, seriam mais relevantes.
Na avaliação de Layrargues, o Relatório Brundtland acentua “o círculo vicioso da pobreza” para justificar a
continuidade do crescimento econômico e do consumo excessivo praticado pelos países desenvolvidos, que
produzem o que ele chama de “a poluição da riqueza”.
Pôr do sol em Xangai: poluição causada pela intensa atividade
econômica da China, que, em 2010, apresentou uma taxa de
crescimento acima de 10% (Foto: Eigenes Werk/Wikipedia)
O professor também contesta a crença de que o crescimento econômico poderá continuar no mesmo ritmo sem
afetar o meio ambiente desde que ocorra uma evolução tecnológica que torne mais eficiente a matriz energética
mundial. “Um indivíduo numa economia industrial de mercado consome 80 vezes mais energia que um habitante
da África Subsaariana”, afirma ele. Para que todos possam usufruir de uma quantidade parecida de energia, é
preciso, nos cálculos de Layrargues, não só um melhor rendimento energético, mas uma mudança de cultura nas
sociedades de consumo, que têm no desperdício uma de suas principais características.
Semelhante é o pensamento do professor de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina Gilberto
Montibeller Filho. No artigo “Ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável”, ele chama a atenção para as
contradições que diversos autores apontaram no conceito tal qual ele aparece no Relatório Brundtland.
Segundo Montibeller Filho, a tese básica de “produzir mais com menos” presente no documento implica aceitar
que o padrão de consumo vigente no mundo industrializado pode ser mantido, expandido e difundido globalmente;
que o status do consumidor permanece sagrado; e que a tecnologia é capaz de produzir cada vez mais, utilizando
cada vez menos recursos, em uma espécie de “otimismo tecnológico”. “Ao mesmo tempo em que a questão é
assim colocada, o relatório expressa a preocupação com as consequências globais da atividade humana em relação
à poluição, exaustão de recursos e aos perigos da degradação ambiental para as gerações futuras”, completa o
professor, salientando as contradições do texto.

A “governança internacional” ambiental: o


Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (Pnuma) e o fortalecimento das
instituições mundiais para o desenvolvimento
sustentável

Sede da ONU, em Nova York: entidade propõe duas soluções


para estrutura institucional, apoiar o Pnuma ou criar uma agência
para o meio ambiente (Foto: Wikipedia)
Entre as recomendações do relatório Rumo a uma Economia Verde: caminhos para o desenvolvimento sustentável
e a erradicação da pobreza, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), está o fortalecimento
da estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável ou, simplesmente, da “governança internacional”
ambiental.
Governança significa a capacidade de instituições governamentais e não governamentais de, por meio de órgãos,
regras e processos, orientar condutas de Estados e empresas em torno de valores e objetivos de longo prazo para a
sociedade. Em audiência na CRE, a professora de Direito Ambiental da UnB Márcia Leuzinger assinalou que, no caso
do meio ambiente, o conjunto de atores estatais e não estatais que formam a governança mundial tem como
finalidade a superação da crise ambiental que atinge o planeta.
Professora Márcia Leuzinger ressalta que a
governança na área ambiental envolve atores
estatais e não estatais (Foto: Ana Volpe/Agência Senado)
No caso do meio ambiente, as questões são internacionais, atravessam fronteiras. De acordo com o Pnuma, a
efetiva implementação de acordos ambientais multilaterais já firmados “se vê desafiada pela complexa e
fragmentada arquitetura de governança ambiental internacional que conta com um elevado número de instituições
que lidam com a questão dentro ou fora do sistema das Nações Unidas”.
É o que afirma também o documento Governança Ambiental Internacional, produzido pelo Fórum Brasileiro de
ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS) e pelo Vitae Civilis Instituto para o
Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz. “Uma primeira questão, em debate há anos, é se os desafios e
responsabilidades ambientais deveriam estar articulados e organizados no âmbito de uma instituição única, ágil e
eficiente, de respaldo global, vinculada ao sistema ONU, ou se, como atualmente, os regimes multilaterais
ambientais podem cumprir seus objetivos a partir de esquemas fragmentados. Durante os anos, as
responsabilidades ambientais, em vez de se consolidar dentro do Pnuma, têm se espalhado através de muitas
organizações”, questiona o documento.
Entre as instituições envolvidas com governança ambiental internacional estão várias agências especializadas da
ONU, como a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a Organização Mundial de
Meteorologia; programas da ONU como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e o Programa
Mundial de Alimentação; comissões econômicas e sociais regionais da ONU; Banco Mundial (Bird) e Fundo Monetário
Internacional (FMI); Organização Mundial do Comércio (OMC); e Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF). “Esta
fragmentação resultou em sobreposições, brechas e dificuldades do sistema em responder a problemas ambientais
globais”, conclui o texto.

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