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Universidade Estadual Vale do Acaraú

Centro de Filosofia, Letras e Educação


Curso de Filosofia
Disciplina: Estética
Professor: Jefferson Aquino
Acadêmico: Oliver Gandhi Lima Sá

EXEMPLOS DE OBRAS E ARTISTAS QUE EXPRESSAM AS FACULDADES


COGNITIVAS INFERIORES
O objetivo deste trabalho é justificar e descrever as manifestações artísticas de acordo com os
talentos descritos pelo filósofo Baumgartem em sua obra O Belo Autônomo, que defendia a
estética enquanto ciência do belo, pensando este último como conhecimento inferior, ou seja,
uma ciência do sensível, a sensibilidade.
Ocupo-me neste trabalho em dialogar com referências contemporâneas no campo da arte, como
forma de mostrar a atualidade (da presença) das características listadas pelo autor, embora
(felizmente) a arte contemporânea se concretize a partir de rompimentos de normas e discursos
que outrora se pretendiam absolutos universais e da descentralidade no próprio fazer estético e
artístico.
Percepção aguda:
Sobre percepção aguda, me faz lembrar de Lygia Clark (1920-1988), artista que trabalhou com
esculturas, instalações e body art. Lygia chamava o público para a construção de suas, e tal
relação do espectador como atuante na obra construída e apresentada é, ao meu ver, um exemplo
de percepção, que se (re)faz constantemente, em conjunto e a partir do outro, tornando o
experimento a própria obra. Tais experimentos são configurados como terapia, numa tentativa
de unir arte e terapia, que para a artista, o desenvolvimentos das pessoas envolvidas nos
trabalhos valia muito mais do que o resultado, ou mesmo do que a proposta em si. Em uma de
suas obras, Baba Antropofágica(1973) por exemplo, trabalho que a artista desenvolve junto
com os alunos da Sorbonne, onde os participantes colocam um fio de linha de carretel na boca,
e na medida em que tiram a linha da boca coloca num corpo de uma pessoa deitada no chão.
Em Roupa –corpo – roupa(1967), onde os participantes cobertos de macacões com cavidades
e buracos tocam um ao outros, possibilitando o reconhecimento sensorial tátil, a partir do corpo
do outro e de se reconhecer enquanto um outro do outro.
Também coloco como exemplo de percepção A Casa é o Corpo: Labirinto(1968), onde o
espectador experimenta uma série de sensações necessariamente referentes à criação não só do
humano, da vida como um todo: penetração, ovulação, germinação e expulsão.
Perspicácia:
Hélio Oiticica (1937-1980), ao meu, perspicaz em duas de suas obras diante da completude de
seus trabalhos artísticos, principalmente se considerarmos a conjuntura social e política em que
esteve inserido. Nesse sentido, além de percepção (como na Lygia Clark), suas obras carregam
uma dimensão ética, social e política, dando vazão a redefinição de comportamentos e
dissolução de padrões estabelecidos na vida social, onde o espectador, além de participante,
experimenta a liberdade no exercício do trabalho exposto.
Seu engajamento perspicaz torna-se explícito na obra B33 Bólide Caixa 18(1965). Na obra,
além do espectador –atuante ter uma experiência com o objeto desvinculado da utilidade, o
diferencial de Hélio Oiticica está na referência a morte do Cara-de-Cavalo, criminoso amigo do
artista como uma subversão dos valores, desconformidade com o poder estabelecido através
das atrocidades do estado. Se Cara-de-Cavalo é considerado criminoso, é barbárie a “produção”
constante de corpos criminosos pelo estado, que não garante condições para a sobrevivência
humana, que por sua vez, tal “produção” torna-se lucrativa para o (a manutenção do) poder. O
corpo de Cara-de-Cavalo também compõe a obra Seja marginal, seja herói(1968), uma
bandeira serigrafada com tal frase de efeito como resposta ao jargão “bandido bom é bandido
morto”.
Poética(criatividade):
A poética da drag queer Alma Negrot está necessariamente na quebra da normativade de
determinados contextos, pensada para além de binarismos: belo/feio, 0/1, luxo/precário,
masculino/feminino, homem/mulher. O estranho, o esquisito e a dúvida estão presentes em suas
montações, portanto, Queer . Uma não-Queen.
A criatividade acompanha rompimentos. Ora, o criar só é possível a partir de um ultrapassar.
Ultrapassando as barreiras a criatividade se presentifica. A arte Drag (Drag enquanto re-
construção de sentidos), ao meu ver, ultrapassa significados simbólicos permeados no
cotidiano, nas ações e nos discursos. A vida humana permeada pelo gênero se configura como
uma batalha constante de lip sync.
Memória:
Os autorretratos de Frida Kahlo (1907-1954) representam memória, lembranças e sobretudo,
sua realidade. As pinturas da artista revelam, nesse sentido, um horizonte entre o real e o
imaginado, onde a invenção está para a expressão de suas vivências, evocando sentimentos,
emoções e pensamentos, e dessa maneira, o apreciador de suas obras toma conhecimento da
história de Frida, e de sua própria história. Se a história da artista é retrato do seu trabalho, a
memória torna-se, portanto, dinâmica, prevalecendo a ligação entre vivência de Frida retratada
com o passado de quem visualiza uma obra da pintora. Em A Coluna Partida(1944) e O Veado
Ferido(1946) estão representados sofrimentos de Frida, ao mesmo tempo que instigam o
público a compartilhar feridas, dores físicas e emocionais, a relação conturbada com o artista
Diego Rivera retratada em outras obras provocando reflexões sobre a fragilidade dos
relacionamentos sobre constantes oscilações... Contemplar as obras de Frida é necessariamente
adentrar nas biografia de Frida.
Ouso colocar também como exemplo de memória a performance La Bête, apresentada desde
2015 pelo artista performer Wagner Schwartz. A performance foi alvo de polêmica nas redes
sociais após em uma das apresentações o corpo do artista ser manipulado por uma criança,
acompanhada pela mãe, uma artista presente durante a apresentação de Wagner. A obra é
inspirada no trabalho de Lygia Clark Os Bichos, de 1960, onde o corpo do artista é manipulado
de acordo com a forma do que o objeto manipulável (o bicho da Lygia), onde o bicho ganha
vida através do corpo presente, também manipulável. Mas a manipulação final veio através da
reação da população, da vazão constante dos discursos fundamentalistas, da grande mídia e
finalmente, do Ministério Público. O espaço vazio do MAM onde a performance seria dias após
a polêmica é, necessariamente, a memória de um corpo ressignificado naquela situação. O
mesmo corpo constituído de normas, valores e símbolos para a utilidade da vida humana, no
momento de realização através da manipulação do outro carrega novos significados na medida
da interação dinâmica com o público, desnudando-se e vestindo constantemente.
Pressentimento:
A aptidão de prever encontro na performance Afrontando Ideias, da artista peformer Rosa Luz
(nome artístico de Rosa Maria). Em seu trabalho, retrata a marginalização das Travestis e
Transexuais através do corpo presente no cotidiano em meio a vários, na correria do dia-a-dia.
A performance realizada na Rodoviária de Brasília, a artista sobe a escadaria e retira suas vestes
superiores (blusa e sutiã), mostrando permanecendo no local, imóvel, em meio aos transeuntes.
O pressentimento encontra-se no momento do desnudar da artista a presença da expectativa de
“choque” da reação do público. A atitude de estar ali, mesmo sabendo o que pode acontecer. E
aconteceu. Exclusão, Indiferença, marginalização... Uns pasmados, alguns demostrando
compaixão... “Uma troca de experiências”, como define Rosa após a realização do trabalho,
evidenciando a atitude dos discursos, do exercício do poder cotidiano e institucional (quando
há intervenção da polícia nesses casos) diante da ocupação dos espaços. Quando um corpo
marginalizado ganha voz, outras vozes, outrora dominantes, intervém com a finalidade da
obliteração do outro. Porém, essas outras vozes constituem apenas de meras reproduções,
discursos prontos em corpos colonizados. “Uma troca de experiências entre corpos
marginalizados e corpos colonizados”, ressalva.
Performance Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=_kms4WYxTD4&has_verified=1
Fantasia:
A faculdade de fingir, de falsear a realidade encontro extremamente expressa em Um Cão
Andaluz(1928), filme surrealista dirigido e escrito por Salvador Dalí e Luiz Buñel. Uma mão
decepada perdida no meio da rua, um homem abrindo as pálpebras do olho de uma moça e
cortando-lhe o globo ocular... O curta-metragem fala basicamente sobre sonhos, desejos
inconscientes que, quando expressos, pode ser considerados “loucos” pela norma. A fantasia,
ao meu ver, atinge na própria forma de como a “narrativa” é construída, sem a preocupação
com uma linearidade, isento de qualquer estrutura lógica dos fatos “narrados”. Trata-se,
portanto, de uma desnarrativa do tempo real e da presentificação do tempo inserido no sonho.
Fineza de gosto:
Jean-Pierre Jeune não apenas expressou, como atingiu no público a fineza apurada através da
sutileza e de detalhes minimalistas em O Fabuloso Destino de Amélie Poulain(2001). A cor
predominantemente vermelho, amarelo e verde (inspirado nas obras do artista brasileiro Juarez
Machado), a fotografia, a narrativa, o ritmo e a ambientação garantem à obra lugar de
provocação de emoções diante da situação da personagem. O prazer pelas coisas simples é,
portanto, a fineza que se encontra presente no dia-a-dia conturbado e que nos atravessa de forma
desapercebida.
Expressividade:
Finalmente, mas não menos importante, em referência a última faculdade cognitiva ouso fazer
referência não um artista, uma obra, mas um MOVIMENTO. O Poetry Slam (ou Slam de
poesias) é um movimento poético, sobretudo político na medida em que a palavra e a
performance ganha potência e afirmação. Um movimento de poesia marginal e original,
construído através de disputas e batalhas poéticas, que objetiva dar voz e expressão a sujeitos
silenciados pelo poder. Nesse sentido, a diversidade da existência de slams de diversos tipos
garante um espaço de ocupação na arte, mas uma arte que se afirma não-institucional, a
contraversão do que se afirma dominante como forma de resistir as estruturas dominantes na
sociedade. Slam da periferia, Slam das Minas, Slam do Corpo, Slam das Bixas... Todas as vozes
atravessam ganham expressividade, vida.
Facebook (páginas): Slam Resistência e Slam da Quentura (Sobral). Bicha Poética (Blogayra
nordestina).
Referência:
DUARTE, Rodrigo(Org.): O Belo Autônomo: textos clássicos de estética. 2.ed. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2012.

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