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Avaliagdo da Educagao Superior Regulagao e emancipacdo José Dias SoBRINHO” * Professor titular, aposentado, colaborador voluntério: UNICAMP. Recebimento: 12/03/03 Aprovagao: 22/05/2003 Resumo: O texto apresenta a contradicdo bastante comum entre duas concepgdes ¢ priticas de aval educagio superior. De um lado, a avaliagao é principalmente regulagao e controle. Por outro lado, a avaliagio & concebida e praticada como instrumento de emancipaco. Na segunda parte, so propos- tas algumas idéias de premissas e ages para um eventual programa de avaliago da educagio supe- rior, com base nos princfpios da emancipagio e dos compromissos pablicos. Palavras-chave: Avaliagio institucional; Transformagées da educagao superior; Transnacionalizagio; Economizagao da educacio; Avaliacio reguladora; Avaliagao emancipadora. Abstract: The text discusses a common contradiction between two conceptions and practices of higher education evaluation. On the one hand, evaluation is basically regulation and control. On the other, evaluation is conceived and practiced as an instrument of emancipation. On the second part of the text, some ideas about principles and actions are presented for a possible program for evaluation of higher education, based on the principles of emancipation and public commitment. Key-words: Institutional evaluation; Changes in higher education; Transnationalization; Economization of education; Regulatory evaluation; Emancipatory evaluation, I. Avaliagéo: controle ou emancipacgdo? Introdugéo Sob 0 dominio do “Estado avaliador” dos tltimos anos, a avaliagio da edu- cacao superior tem sido praticada como instrumento privilegiado de regula Portanto, vem exacerbando sua dimens4o burocrdtico-legalista de controle, modelag4o, ajustamento e fiscalizag4o. A primeira parte deste trabalho procura estabelecer 0 cenério explicativo da concepgao e dos usos da “avaliagio” como regulacdo e controle. As agdes de regulagdo — entendida equivocadamente como Avaliagao - Revista da Rede de Avaliacao institucional da Educagao Superior 31 Jose Dias Soanino “avaliagfio” - se desenvolvem como parte essencial da agenda de modernizagao e privatizacao, em que as instituigdes educativas séo levadas a adotar mentalida- des, praticas e formas de organizagGes voltadas a seus interesses proprios e priva- dos. Duas outras caracterfsticas tém af papel de grande importAncia: a transna- cionaliza¢ao e a funcionalizagio econémica da educacao e, portanto, da avalia- ¢4o da educacio superior. Na segunda parte do texto, sao apresentados premissas € elementos operacionais como sugest&o para uma pratica social de avaliacio na perspectiva da emancipacio dos individuos, das instituigdes de educagao superior e da sociedade. E 0 que est4 esquematicamente tratado nos pontos que se seguem. 1. Avaliagdo, reformas e poder. Toda avaliacao tem um forte significado politico e uma importante dimensio ética, nao apenas técnica. Ela sempre se pro- duz num espaco social de valores e disputas de poder, que aliés constituem o centro das discussGes ptblicas que a seu respeito se instauram. Para além dos problemas técnicos, sdo os sentidos éticos e polfticos das concepgdes de educa¢ao superior e da propria sociedade que estdo essencialmente em questao. H4 de se reconhecer a forga transformadora da avaliagio, ou seja, seu papel central nas novas configuragées desejadas para os sistemas de educagdo superior em conexdo com as reformas da sociedade. Com esta visio, muitos pafses desenvolvidos cria- ram suas agéncias de avaliag4o vinculadas ao nucleo mais duro do poder. No caso da Franga, por exemplo, a avaliac¢4o cumpre um papel importante na reforma da administragao publica e modernizacao do Estado, Em relatério apresentado pelo Conseil National d’ Evaluation ao Presidente da Reptblica, em 1999, o Ministro Zuccarelli, encarregado da “Fungao Publica, da Reforma do Estado e da Descentralizagio”, expressou com clareza as relagOes entre avaliagio, poder e reformas: “A avaliagdo é um instrumento fundamental da reforma do Estado. Nenhum Estado moderno desenvolvido pode abrir mao da avaliacdo” (CNE, 2000: 56). Essa avaliacgio, entendida como mecanismo de regulaco e controle, tem centralidade nas reformas da educagio superior. Por sua vez, as mudangas na educago superior esto sendo produzidas para aumentar a capacidade operacional deste subsistema educacional relativamente as transformagées da sociedade e, particularmente, do mercado. Nos processos de modernizacéo dos Estados, as reformas da educag4o superior so fundamentais e, por sua vez, usam determina- dos mecanismos ditos de avaliagdo como instrumento central. 2. Instituigdo social ou organizagdo? Toda reflexdo sobre avaliagao de ins- tituigdes ¢ do subsistema do terceiro grau requer uma precisao prévia a respeito dos significados moventes e em muitos casos de 4mbito transnacional que se ope- ram na educacio superior e em suas relagdes com as transformagées da socieda- de. Neste texto, me parece oportuno comegar por uma disting4o entre instituigao ES v8 1 mar.2003 AVALIAGKO DA EDUCAGKo Surenion ~ REGULAGKO B EMANCIPAGKO social e organizacao, relativamente a educa¢ao superior. A distingéo aqui apre- sentada segue basicamente as idéias elaboradas a esse respeito por Michel Freitag. Segundo este autor sufco, professor de sociologia na Universidade do Québec, © que caracteriza uma instituigao é a natureza de sua finalidade, que é definida no plano global ou universal da sociedade. A instituigdo, enquanto pratica social, tem como fim o desenvolvimento dos valores da sociedade. Isto requer 0 reconhe- cimento publico de sua legitimidade e autono- mia. Uma instituigao universitaria se distingue, | A avaliagdo entendida Por sua autonomia, das demais instituigdes so- como mecanismo de ciais, mas precisa ser referendada e reconheci- regulagao e controle da externamente, ou seja, socialmente. Ela est4 tem centralidade nas comprometida com os fins coletivamente reco- reformas da educacdo nhecidos ¢ os valores que os sustentam. | superior. Por outro lado, o que caracteriza uma or- ganizacao € a instrumentalidade, ou seja, a légica da adaptacao dos meios ao fim Particular a que visa. Uma organizacao se basta a si mesma, é auto-referencial. As prioridades de uma instituigdo social e de uma organizagao apresentam uma diferenga essencial: “O aspecto institucional reenvia a Prioridade dos fins, 0 as- pecto organizacional, a prioridade dos meios”, diz Freitag (1995: 32). Uma organiza¢ao social tem compromisso com o saber-fazer instrumental e 0 resultado prdtico. Por isso, para ela contam prioritariamente a gestao, a planifi- cagdo, a eficdcia, 0 sucesso; para ela, a eficiéncia se torna uma finalidade em sie por si mesma e uma justificativa auto-suficiente. (Freitag, 1995: 32). Marilena Chauf, também com base neste texto de Michel Freitag, completa: “Nao lhe com- pete (4 organizagao) discutir ou questionar sua propria existéncia, sua funcio, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que para a instituigéo social universitaria é crucial, 6, para a organizagao, um dado de fato, Ela sabe (ou julga saber) por que, para que e onde existe.” (Chauf, 1999: 219), Af j4 se instaura uma distingaio importante dos possiveis significados da ava- liagdo. Segundo a concepcao de instituigao social, a avaliacdo instaura a reflexdo € 0 questionamento, ou seja, a produgo de sentidos; por outro lado, do ponto de vista da organizago, a “avaliacdo”, sendo mais propriamente controle e regulacdo, prescinde de qualquer exercicio de reflexdo e de interrogacio: os sentidos (da eficiéncia, éxito, lucro e seus meios, como o planejamento organizacional, a ad- ministracdo eficaz...) j4 sio dados e seus sentidos se completam em si mesmos. Portanto, nao havendo questées, o que resta a fazer é quase s6 medir. Dito isto, 6 preciso j4 nesta altura declarar a idéia que constituir 0 eixo destas reflexdes: a avaliag4o tem sido um poderoso instrumento, utilizado por governos de distintos quadrantes, para transformar as instituigdes educativas, por natureza orientadas as dimensdes sociais e publicas, em organizages auto-centradas e voltadas aos Avallagao ~ Revista da Rede de Avaliagao institucional da Educagao Superior 33

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