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ISSN 1517-4115

REVISTA BRASILEIRA DE

ESTUDOS
publicação da associação nacional de pós-graduação

URBANOS
e pesquisa em planejamento urbano e regional

E REGIONAIS
REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS
Publicação semestral da ANPUR
Número 6-7, maio-novembro de 2002

ISSN 1517-4115
EDITOR RESPONSÁVEL
Marco Aurélio A. de Filgueiras Gomes (UFBA)
COMISSÃO EDITORIAL
Ana Clara Torres Ribeiro (UFRJ), Maria Flora Gonçalves (Unicamp),
Norma Lacerda (UFPE), Roberto Monte-Mór (UFMG)
CONSELHO EDITORIAL
Ana Fernandes (UFBA), Carlos Bernardo Vainer (UFRJ), Carlos Roberto M. de Andrade (USP/São Carlos),
Circe Maria da Gama Monteiro (UFPE), Clélio Campolina Diniz (UFMG), Flávio Magalhães Villaça (USP),
Frank Svensson (UnB), Frederico de Holanda (UnB), Jan Bitoun (UFPE), Lícia Valladares (IUPERJ),
Marcus André B. C. de Melo (UFPE), Marta Ferreira Santos Farah (FGV/SP), Martim Smolka (UFRJ),
Maurício Abreu (UFRJ), Tania Bacelar (UFPE), Tânia Fischer (UFBA), Wilson Cano (Unicamp), Wrana Panizzi (UFRGS)
ASSISTENTES DE EDIÇÃO
Nelma Gusmão, Rosângela de Campos Faperdue
COLABORADORES DESTE NÚMERO
Paola Berenstein Jacques (UFBA), Yara Vicentini (UFPR)
PROJETO GRÁFICO
João Baptista da Costa Aguiar
CAPA
Ana Basaglia
COORDENAÇÃO E EDITORAÇÃO
Ana Basaglia
REVISÃO
Fernanda Spinelli
FOTOLITOS
Join Bureau de Editoração
IMPRESSÃO
GraphBox Caran

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. A3, n.6-7


2002. – : Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional; editor
responsável Marco Aurélio A. de Filgueiras Gomes : A Associação, 2002.
v.

Semestral.
ISSN 1517-4115
O nº 1 foi publicado em maio de 1999.

1. Estudos Urbanos e Regionais. I. ANPUR (Associação


Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento
Urbano e Regional). II. Gomes, Marco Aurélio A. de Filgueiras

711.4(05) CDU (2.Ed.) UFBA


711.405 CDD (21.Ed.) BC-2001-098
REVISTA BRASILEIRA DE

ESTUDOS
publicação da associação nacional de pós-graduação

URBANOS
e pesquisa em planejamento urbano e regional

E REGIONAIS
S U M Á R I O

DOSSIÊ ENSINO E PESQUISA EM ARTIGOS


ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS
75 H ISTÓRIA U RBANA – A C ONSTITUIÇÃO DE UMA
9 S OBRE O W ORKSHOP DE AVALIAÇÃO DO E NSI - Á REA DE C ONHECIMENTO – Luís Octávio da Silva
NO E DA P ESQUISA EM E STUDOS U RBANOS E R E -
91 O MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE NI-
GIONAIS – Maria Cristina da Silva Leme e Suza-
TERÓI , RJ – U MA E STRATÉGIA DE P ROMOÇÃO DA
na Pasternak IMAGEM DA CIDADE – Joana Sarmet Cunha Bruno

17 A U NIVERSIDADE P ÚBLICA EM D EBATE NO 107 C RESCIMENTO U RBANO , S ALDOS M IGRATÓ -


C ENÁRIO I NTERNACIONAL – Wrana Maria Panizzi RIOS E ATRATIVIDADE R ESIDENCIAL D OS D ISTRI -
TOS DA C IDADE DE S ÃO PAULO : 1980-2000 – Pau-
25 A P OLÍTICA DE F OMENTO À P ESQUISA U RBA - lo de Martino Jannuzzi e Nicoláo Jannuzzi
NA – S UBSÍDIOS PARA UMA AVALIAÇÃO DAS AVA -
129 ¿LA INTEGRIDAD TERRITORIAL ARGENTINA EN PE-
LIAÇÕES DO CNP Q – Linda M. P. Gondim
LIGRO? LA INTEGRACIÓN NORPATAGÓNICA Y LA HIS-
TORIA POLÍTICA – Orietta Favaro e Graciela Iuorno
37 A AVALIAÇÃO DA P ÓS -G RADUAÇÃO NO B RA -
SIL – A LGUNS P ONTOS PARA SUA C OMPREENSÃO E
D ISCUSSÃO – Mauricio de Almeida Abreu RESENHAS

45 R ETRATANDO OS AVALIADOS NAS Á REAS B ÁSI - 141 Globalização & desigualdade, de Márcio M. Va-
CAS DA C APES EM 2001 – A P ESQUISA NOS P RO - lença e Rita de Cássia da C. Gomes (Orgs.) – por Mar-
GRAMAS B RASILEIROS DE P ÓS -G RADUAÇÃO S E -
coni Gomes da Silva
144 Planning Latin America’s Capital Cities – 1850-
GUNDO UMA “Á REA A NPUR ” – Philip Gunn
1950, de Arturo Almandoz (Org.), prefácio de An-
thony Sutcliffe – por Eloísa Petti Pinheiro
63 O ENSINO DO P LANEJAMENTO U RBANO E R E - 147 Experiências de Orçamento Participativo no Brasil
GIONAL – P ROPOSTAS À A NPUR – Ana Clara Tor- – período de 1997 a 2000, de Ana Clara Torres Ribeiro
res Ribeiro e Grazia de Grazia – por Rosa Maria Cortês de Lima
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL – ANPUR

PRESIDENTE
Maria Cristina da Silva Leme (FAU/USP)
SECRETÁRIA EXECUTIVA
Suzana Pasternak (FAU/USP)
DIRETORES
Heloísa Soares de Moura Costa (UFMG)
Leila Christina Dias (UFSC)
Rainer Randolph (UFRJ)
Sarah Feldman (USP/São Carlos)
CONSELHO FISCAL
Eva Machado Barbosa Samios (UFRGS)
Paulo Castilho Lima (UnB)
Virgínia Pitta Pontual (UFPE)

Apoios
EDITORIAL
A Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais chega ao seu quarto ano
de circulação trazendo algumas novidades; entre elas a mais importante é a pu-
blicação de um dossiê temático sobre a situação atual do ensino e da pesquisa
na área dos estudos urbanos e regionais no Brasil, no qual estão reunidas algu-
mas das principais contribuições apresentadas no Workshop Avaliação do Ensi-
no e da Pesquisa em Estudos Urbanos e Regionais, organizado pela Anpur em
São Paulo, em agosto de 2002.
Os textos que dele fazem parte fornecem-nos um excelente panorama da
situação atual da área, seus avanços, impasses, desafios e perspectivas, com con-
sistentes contribuições para (re)pensarmos as políticas institucionais – para a
área, para a associação e para os programas que a compõem. O texto de Maria
Cristina da Silva Leme & Suzana Pasternak constitui uma apresentação cir-
cunstanciada das questões que fundamentaram a organização do workshop e
que se encontram no cerne dos desafios que a área deve enfrentar. Ele desem-
penha não só o papel de fio articulador entre os textos que se seguem, mas
também cumpre o importante papel de sistematizar uma agenda de questões
incontornáveis para a área. Trilhando esse caminho, Wrana M. Panizzi discute
a questão do ensino público e privado, apresentando um panorama da evolu-
ção do debate internacional recente sobre a questão da Universidade como ins-
tituição e da educação como bem público; Linda M. P. Gondim examina as-
pectos dos processos decisórios do CNPq – sobretudo na concessão das bolsas
de Produtividade em Pesquisa – e traça um panorama da produção científica
nas áreas reunidas no Comitê de Ciências Sociais Aplicadas e Educação daque-
la agência; Maurício de Almeida Abreu apresenta a estrutura do processo de
avaliação dos programas de pós-graduação pela Capes, indicando seus aspectos
positivos e suas incongruências; Philip Gunn analisa a base institucional para
pesquisa nos programas de pós-graduação da área, mostrando principalmente
seus vínculos históricos com a arquitetura. Fechando o dossiê, Ana Clara Tor-
res Ribeiro discute os desafios do ensino, formulando propostas à Anpur com
o objetivo de favorecer o debate, dentro da área, sobre a transmissão do conhe-
cimento e a formação de novos pesquisadores.
Além do dossiê, compõem este número quatro outras contribuições. A
de Luís Octávio da Silva discute a emergência da história urbana como uma
área de conhecimento específica, entre os anos 1960 e 1990, tendo como re-
ferência as literaturas britânica e americana devido ao papel de vanguarda que
elas desempenharam no desenvolvimento das análises históricas sobre a cida-
de e ao potencial de difusão internacional dado pela própria língua inglesa.
Esse texto ganha particular relevo quando se constata que, apesar do grande
desenvolvimento dos estudos na área de história da cidade e do urbanismo no
Brasil, a partir dos anos 90, a literatura brasileira ainda é bastante reduzida no
que diz respeito a revisões de literatura como a que nos propõe Luís Octávio
e, mais ainda, no que diz respeito ao confronto entre a produção brasileira e

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E D I T O R I A L

a de outros países, comparação que poderá, em muito, ser facilitada por tra-
balhos como esse.
O texto de Joana Sarmet Cunha Bruno vem contribuir para o estudo do
papel das instituições culturais, e em particular dos museus, nos atuais proje-
tos de renovação urbana, detendo-se na discussão de um dos casos mais para-
digmáticos em que o museu se torna símbolo e “marca registrada” da cidade
em que ele foi construído: o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, RJ.
Apesar da atualidade do tema, ele ainda é objeto de poucas publicações no Bra-
sil. A publicação desse artigo na RBEUR representa também um estímulo à pro-
dução dos jovens pesquisadores da área, já que ele sintetiza uma dissertação de
mestrado recentemente defendida no Prourb-UFRJ.
Sobre crescimento urbano e mobilidade residencial, o artigo de Paulo de
Martino Januzzi & Nicoláo Januzzi analisa mudanças recentes no padrão re-
distributivo da população do município de São Paulo, apresentando as tendên-
cias de crescimento demográfico dos 96 distritos paulistanos nas duas últimas
décadas, ponto de partida para a discussão da tese de crescimento radiocêntri-
co, do centro para a periferia, proposta na literatura como padrão histórico da
distribuição espacial no século XX.
Finalmente, o artigo de Orietta Favaro e Graciela Iuorno propõe uma re-
flexão sobre a dimensão política da questão regional na Argentina da atualida-
de, tocando em pontos de particular interesse para o planejamento regional.
Sua publicação expressa também o interesse da RBEUR em estreitar laços com
pesquisadores de outros países, ampliando as possibilidades de interlocução
propostas pela revista.
Completando as contribuições oferecidas neste número, foram incluídas
três resenhas de livros publicados recentemente: Globalização & desigualdade,
organizado por Márcio M. Valença e Rita de Cássia da C. Gomes; Planning
Latin America’s capital cities, 1850-1950, organizado por Arturo Almandoz; e
Experiências de orçamento participativo no Brasil, período de 1997 a 2000, de
Ana Clara Torres Ribeiro e Grazia de Grazia. Essas obras foram resenhadas, res-
pectivamente, por Marconi Gomes da Silva, Eloísa Petti Pinheiro e Rosa Ma-
ria Cortês de Lima.
Finalizando, gostaria de ressaltar a importância das participações da Finep
e do CNPq no financiamento desta edição, sem as quais não teria sido possível
dar continuidade a um projeto editorial que, pela vitalidade da área que repre-
senta, já demonstrou plenamente sua viabilidade.

MARCO AURÉLIO A. DE FILGUEIRAS GOMES


Editor responsável

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D OSSIÊ
E NSINO E PESQUISA
EM E STUDOS U RBANOS
E R EGIONAIS
SOBRE O WORKSHOP
DE AVALIAÇÃO DO ENSINO
E DA PESQUISA EM ESTUDOS
URBANOS E REGIONAIS

M A R I A C R I S T I N A D A S I LVA L E M E
SUZANA PASTERNAK

R E S U M O O artigo introduz os temas abordados no Workshop de Avaliação do


Ensino e da Pesquisa em Estudos Urbanos e Regionais, colocando as inquietações básicas so-
bre o papel do ensino do terceiro grau e da pós-graduação em estudos urbanos e regionais: o
debate entre ensino público e ensino privado, entre a formação acadêmica e a formação pro-
fissionalizante, a questão da avaliação do ensino e da política de pesquisa. O workshop foi
organizado em palestras, sessões de trabalho e mesas-redondas. O texto descreve as palestras
de Wrana Panizzi, que se refere à discussão sobre o ensino público, e o de Marco Lisboa, so-
bre a experiência da FGV/RJ. Relata também as palavras dos key-note speakers das sessões
de trabalho, tanto a introdução à experiência didática na área, por Ana Clara Torres Ri-
beiro, como o processo de avaliação dos cursos, por Maurício de Abreu. Na sessão de traba-
lho sobre pesquisa os key-note speakers foram Philip Gunn, comentando as linhas de pes-
quisa privilegiadas pelos programas em planejamento urbano e regional, e Linda Gondim,
sobre o mecanismo de avaliação das pesquisas e pesquisadores. O texto apresenta também as
conclusões do evento, incorporando as sugestões da sessão final de enceramento.

P A L AV R A S - C H AV E Ensino e pesquisa; política de pesquisa; avali-


ação de ensino.

INTRODUÇÃO
Fundada em 1983 por cinco programas, a Anpur desde então ampliou significativa-
mente o número e o espectro das instituições associadas e filiadas. Reúne, em 2002, 36 pro-
gramas nas áreas de planejamento urbano, arquitetura e urbanismo, geografia, economia,
administração pública, ciências sociais, engenharia e direito. É uma associação pluridisci-
plinar e aberta, cujas finalidades principais abrangem: o incentivo ao ensino e à pesquisa;
a divulgação de informações e a troca de experiências; a promoção de reuniões científicas
objetivando a reflexão e o intercâmbio de informações entre os integrantes das institui-
ções associadas e também com outras instituições congêneres, nacionais ou estrangeiras.
Percebe-se que a diversidade das instituições que compõem a pós-graduação na área
reunida pela Anpur traz uma riqueza de visões e de posturas. “Estudos urbanos e regio-
nais” são os termos comumente utilizados como referência ao conhecimento gerado por
áreas ligadas, principalmente, às ciências humanas e ciências sociais aplicadas. Consti-

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tui-se tanto como objeto de estudo de um programa específico, como muitas vezes dis-
persa-se por distintos departamentos acadêmicos.
Os objetivos dos programas ligados aos estudos urbanos e regionais são também dis-
tintos: em alguns casos, como nos cursos de economia, sociologia e geografia, tanto o ob-
jeto como o objetivo dos programas representam o entendimento de processos econômi-
cos e sociais que estruturam as cidades e as regiões e o estudo dos diferentes arranjos
institucionais que intervêm nesses processos. De outro lado, programas de planejamento
urbano e regional têm o duplo objetivo: ao mesmo tempo que se propõem ao entendi-
mento de tais processos, procuram capacitar os estudantes a atuar de forma propositiva.
Essa especificidade dos campos de conhecimento e atuação profissional confere de-
safios importantes para os programas de pós-graduação e cria uma interrogação sobre os
contornos e conteúdos nas áreas de ensino e pesquisa.
O Workshop Avaliação do Ensino e da Pesquisa em Estudos Urbanos e Regionais foi
realizado em São Paulo, nos dias 29 e 30 de agosto de 2002, com o patrocínio do CNPq
e da Finep. Participaram do Workshop os coordenadores ou representantes de todas as as-
sociações filiadas e associadas à Anpur, além de representantes de outras associações cien-
tíficas. O evento contou ainda com a participação de responsáveis pela direção de órgãos
de fomento ao ensino e à pesquisa do CNPq, da Finep e da Capes.

QUESTÕES PRIORIZADAS PARA A DISCUSSÃO


As questões que organizaram a pauta do Workshop tiveram diversos níveis de abran-
gência, combinando teoria e prática. Foram formuladas a partir de um diagnóstico do ca-
ráter didático e da pesquisa em cada programa e de uma visão comparativa das distintas
perspectivas implementadas pelos programas de pós-graduação em âmbito nacional.
Foram colocadas as inquietações básicas sobre o papel do ensino do terceiro grau e
da pós-graduação; sobre o financiamento ao ensino público e privado; sobre a política de
fomento à pesquisa; e sobre a questão da avaliação.

ENSINO PÚBLICO E ENSINO PRIVADO

Nesse debate são abordados os impasses atuais da ampliação da formação de tercei-


ro grau, que tipo de universidade se deseja. A formação deve ser, como se pensava nos
anos 60, essencialmente crítica? Ou, como nos anos 80, “autônoma e democrática, capaz
de equilibrar as exigências do rigor acadêmico e as demandas de uma sociedade marcada
pela carência, pela miséria e pela violência” (Chauí, 1994, p.54)? Ou ainda, segundo o
discurso atual de eficiência e competitividade, deverá pautar-se pelos interesses do merca-
do e produzir profissionais que interessam à chamada sociedade civil? O ideal seria a com-
binação das duas tarefas, a formação para o mercado e uma formação seletiva? O que se-
ria uma universidade participativa?
A relação ensino e pesquisa, entre formação de recursos humanos e produção do co-
nhecimento, é fundamental, ou pode existir ensino sem pesquisa, difusão do conheci-
mento sem produção? Eunice Durham (2002, p.41) identifica formas diferenciadas de
ensino superior: “Institutos tecnológicos (como os Fachhochschulen alemães), escolas es-
pecializadas em formação profissional de alto nível (como as grandes écoles francesas) ou
institutos de formação geral básica (como os colleges americanos) nos quais a atividade de
ensino é fundamental e a pesquisa, mais de cunho pedagógico e aplicado”.

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O reconhecimento dessas formas diferenciadas abre a possibilidade de coexistência


entre escolas profissionalizantes e centros de pesquisa na pós-graduação? Como seria
a pesquisa numa universidade não-pública, onde o orçamento não é público, e portanto
os resultados dos trabalhos poderiam não ser “publicizados” e não se destinariam à so-
ciedade toda?
Como encarar parcerias com entidades privadas sem transformar a universidade pú-
blica numa mera prestadora de serviços? Como tornar públicos resultados de investiga-
ções em universidades públicas e privadas, quando os recursos que deram origem a essas
investigações não têm origem pública? Como mesclar de forma adequada docência e pes-
quisa, formação e reprodução do conhecimento?

FORMAÇÃO PROFISSIONAL X FORMAÇÃO ACADÊMICA

Procura-se esclarecer temas candentes na formação científica e profissional de pes-


quisadores e planejadores urbanos e regionais: qual o perfil desejado para os pós-graduan-
dos na área de estudos urbanos e regionais: um perfil profissionalizante, como o pensado
no MBA, ou o perfil acadêmico, ligado à formação de quadros docentes e de pesquisa?
Pergunta-se, mesmo, o que seria “um perfil profissionalizante” nessa área.
Até que ponto os atuais cursos preparam o profissional para atuar na prática concre-
ta do planejamento e da gestão urbana e regional, nos distintos organismos intervenien-
tes, tais como Ongs, órgãos públicos, assessorias a movimentos sociais etc.? Como prepa-
rar um profissional de forma a equipá-lo com instrumentação técnica, sem que perca a
capacidade de análise crítica? Quais os quesitos necessários para possibilitar uma reflexão
crítica sobre a atuação profissional?

PROCESSO DE AVALIAÇÃO

É inegável que toda instituição pública deve prestar contas de sua atuação à socieda-
de. No caso da formação de quadros por instituições não-públicas que prestam esse ser-
viço por delegação e com o aval de representantes da sociedade, também a avaliação das
atividades universitárias é necessária e indispensável. Repensar continuamente essa avalia-
ção auxilia na orientação da política universitária, tanto por parte das próprias universi-
dades, como pelos organismos de fomento. Como a presente avaliação dos programas de
pós-graduação e dos pesquisadores têm influído na estruturação dos cursos e pesquisas?
Os critérios de avaliação dos pesquisadores têm se pautado por “indicadores de pro-
dutividade”. Esses indicadores têm sido os mesmos para todas as áreas, não levando em
conta a diversidade dos campos de conhecimento. Como já lembrou Chauí (1994), em
Humanidades geralmente um livro tem maior relevância do que artigos, que costumam
ser partes deste livro. Em Ciências dá-se exatamente o contrário. Pior que isso: em Hu-
manidades o critério publicação de artigos tem resultado na proliferação de publicações
de um mesmo artigo em versões variadas. Além disso, as condições do mercado editorial
brasileiro costumam ser bastante precárias. De outro lado, não existe consenso quanto ao
que se chama “produção científica regular”, que serve como parâmetro na classificação
dos pesquisadores por meio da plataforma Lattes. Qual seria a média de orientações, pu-
blicações e participação em seminários e congressos na nossa área? Inserção internacional
pode ser medida apenas por publicação em periódico internacional? Existe algum critério
de avaliação da docência, além da pesquisa?

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 11


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Em relação à avaliação dos programas, nota-se também que os parâmetros utilizados


para sua avaliação têm norteado as exigências dos distintos cursos. Esses parâmetros me-
dem de forma adequada a excelência dos programas? Como levar em conta a diversidade
presente na universidade? Como o processo de avaliação atual tem influenciado a própria
dinâmica dos programas?

POLÍTICA DE FOMENTO À PESQUISA

Os órgãos de fomento têm, ultimamente, criado novas modalidades de financia-


mento à pesquisa. Antes, a demanda espontânea e a pesquisa individual eram as únicas
modalidades examinadas. Agora, grupos de excelência, pesquisa induzida e fundos seto-
riais são termos recorrentes. O que a comunidade de estudos urbanos tem a dizer sobre
isso? Quando se fala em indução, que temas induzir e quem deve resolver esse ponto?
Quais os temas que têm sido privilegiados para pesquisa nos diversos centros?

ESTRUTURA DO WORKSHOP

O Workshop foi organizado em palestras, sessões de trabalho e mesas-redondas, e foi


1 Como atividade prévia, foi encerrado com uma sessão síntese de relatos das sessões de trabalho.1
proposto um questionário
aos coordenadores dos pro-
Os temas de caráter mais geral, como a discussão do ensino público e privado, o pa-
gramas. Por meio desse ins- pel da universidade pública e das instituições privadas de ensino e a política de pesquisa
trumento, procurou-se enca-
minhar os pontos mais foram objeto de palestras para todos os participantes. Assim, o texto de Wrana Panizzi, ao
importantes de discussão retomar historicamente a discussão internacional sobre os destinos do ensino superior,
previamente aos participan-
tes, ao mesmo tempo que aponta, por um lado, o avanço em 1998 quando se aprovou em Paris a definição de edu-
se pediam sugestões sobre cação como bem público, dever do Estado e direito de todos, e, por outro, expõe as inves-
outros pontos de importân-
cia que não estivessem con- tidas da Organização Mundial do Comércio – OMC que propõem a regulamentação da
templados. Com as respos-
tas, pôde-se completar a
educação superior como serviço comercial, focalizando sobretudo essa discussão nos en-
agenda de discussão. contros periódicos de reitores de universidades públicas ibero-americanas. Marcos Lisboa,
então diretor de ensino da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV-RJ, discorreu
sobre os desafios e limites da experiência da Fundação Getúlio Vargas no desenvolvimen-
to de um ensino acadêmico em ambiente altamente competitivo e a manutenção do fi-
nanciamento (privado) da produção acadêmica.
As sessões de trabalho versaram sobre ensino e sobre pesquisa. Foram simultâneas e
previamente escolhidas pelos participantes. As sessões de trabalho contaram com key note
speakers, que colocaram os pontos básicos para a discussão. Assim, na sessão de ensino a te-
mática sobre a formação acadêmica foi objeto de reflexão, assim como a formação profissio-
nalizante, o processo de avaliação da pós-graduação e a política governamental de ensino.
Na sessão de trabalho sobre “Avaliação e perspectivas do ensino de pós-graduação em
estudos urbanos e regionais”, o texto de Ana Clara Torres Ribeiro tratou dos desafios do
ensino do planejamento urbano e regional. Segundo a autora, essa área “relativamente jo-
vem, encontra-se configurada como um campo de estudos em permanente transforma-
ção, seja pela agregação de novas disciplinas e temáticas, seja por ajustes teórico-concei-
tuais e metodológicos trazidos pela expansão de suas fronteiras, o que desafia fortemente
o ensino. Em síntese, essa é uma área particularmente sensível a mudanças no teor de pro-
jetos sociais; bastando citar, nessa direção, a recente inclusão, em seu cerne, da questão
ambiental e daquelas questões que têm origem na atual centralidade das políticas urba-

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nas, em seus vínculos com velozes alterações na base técnica da vida coletiva”. De outro
lado, adverte para o risco do crescente pragmatismo no ensino. Alerta que justamente nes-
sa área os frutos são esperados para além do presente imediato. Ana Clara coloca em seu
texto cinco desafios: o desafio da pedagogia, tão ausente como critério de avaliação da
qualidade de ensino; o desafio da interdisciplinaridade, tratada mais como somatória de
temáticas, sem que as visões de mundo de cada disciplina sejam devidamente incorpora-
das; o desafio da formação; o desafio dos fundamentos da área; e os desafios institucio-
nais. Conclui o texto com propostas de atuação para a área e para a Anpur.
As diferenças entre a formação profissional e acadêmicas foram abordadas por Tânia
Fischer, que se baseou na própria experiência como coordenadora de programa de pós-
graduação e como membro de comissão, especialmente criada pela Capes para estudar os
formatos do mestrado profissional. Observa que a formação profissional vem avançando
em campos de conhecimento diversos, não apenas – como era do senso comum – às áreas
de ciências aplicadas. Um exemplo é a formação de professores, um desafio pedagógico
que o mestrado acadêmico não estava conseguindo enfrentar.
Apresentou a grande diferenciação de ofertas, desde o ensino artesanal de boa qua-
lidade até o ensino de massa, em grande escala, inclusive com a participação internacio-
nal. A imagem utilizada é a do “ensino McDonald’s”, em que se desenvolve um produto
padronizado para aplicação em qualquer parte do mundo. Tânia Ficher observa que esse
é o mercado de interesse da Organização Mundial do Comércio. O investimento maior é
na produção do material didático e o professor atua como difusor de um conteúdo esta-
belecido. Salientou o fato de os programas serem submetidos a múltiplas avaliações, não
apenas à da Capes, mas de revistas especializadas e de organismos internacionais. Levan-
ta-se, inclusive, a possibilidade de as associações científicas – como a Anpur – implanta-
rem sistemas de creditação dos cursos de pós-graduação.
Alerta para a natureza diferenciada da formação profissional, que exige uma metodo-
logia adequada, tanto para o aluno que vem em busca de uma reflexão teórica para a sua
prática profissional, como para o que vem em busca de um novo campo de atuação. Ao
enfrentar a questão extremamente importante do financiamento público ou privado é ne-
cessário levar em conta também os aspectos diversos e complexos desse tipo de formação.
Maurício de Abreu, representante da área de geografia e da grande área de ciências
humanas na Capes, discorreu sobre o processo de avaliação da pós-graduação no Brasil.
Enfatiza a importância desse processo complexo, mas necessário e importante. Sublinha
que o processo é realizado pela própria comunidade de pós-graduação, e cada área de co-
nhecimento pode estabelecer seus próprios critérios e parâmetros de julgamento. Trata-se,
portanto, de uma avaliação por pares. Em seu texto Maurício explica a composição da
Capes, os critérios de avaliação, o Qualis (classificação hierárquica dos veículos de publi-
cação), a importância dos relatórios anuais dos programas, entre outros pontos.
Na sessão “Avaliação e perspectivas da pesquisa em estudos urbanos e regionais”, en-
fatizou-se a dicotomia pesquisa pura e pesquisa aplicada e as políticas de fomento e ava-
liação da pesquisa. Nessa sessão, Philip Gunn discute a base institucional para a pesqui-
sa, vista pela ótica dos programas membros da Anpur. A intenção do trabalho foi “a de
apresentar um retrato resumido das prioridades de pesquisa em cada programa, com ba-
se no ‘Censo’ anual de dados e informações coletadas pela agência de fomento e de regu-
lação do MEC – a Capes – responsável pela avaliação dos programas”.
Ao recuperar a formação dos programas ele estabelece os vínculos históricos entre
graduação e pós-graduação. Um exemplo é a marca do movimento moderno em arquite-

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 13


S O B R E O W O R K S H O P

tura e urbanismo, que influenciou no ensino de graduação a existência de três linhas te-
máticas clássicas: história, projeto e tecnologia. A radiografia abrangeu basicamente os
programas ligados à arquitetura e urbanismo, planejamento urbano e regional, e, tangen-
cialmente, à demografia, em cerca de vinte programas. Outras áreas de atuação no cam-
po da Anpur não foram contempladas. Sua inclusão possivelmente acrescentaria novos
aportes e novos problemas à visão geral delineada.
Linda Gondim, do Comitê Assessor de Planejamento Urbano e Regional do CNPq,
divulga, entre os pesquisadores que se dedicam aos estudos urbanos, informações sobre os
mecanismos de fomento e avaliação das pesquisas do CNPq. Em seu texto, enfoca priori-
tariamente a concessão de bolsas de produtividade (PQ). Detalha o processo de avaliação
dos pesquisadores para a concessão dessa bolsa e discute cada um dos critérios de avalia-
ção utilizados. Termina seu paper com uma tabela, na qual a “produtividade” dos pesqui-
sadores da área de ciências sociais aplicadas entre 1997 e 2000 é mostrada em índices
quantitativos. Para a área onde se inclui o planejamento urbano e regional (geografia hu-
mana, demografia, planejamento e arquitetura e urbanismo), a média de artigos em pe-
riódicos nacionais foi de 1,8 por pesquisador/ano; a de artigos em periódicos internacio-
nais, de 0,40; a de livros publicados no período, de 0,37; a de capítulos de livros, de 1,21.
Apenas a publicação de trabalhos completos em anais atingiu uma média maior, de três
trabalhos por pesquisador por ano. Os critérios para a classificação hierárquica do pesqui-
sador em níveis que vão do 2 C até 1 A colocam como critério “produção científica
regular”, além de participação na formação de doutores e mestres. A média de orientações
de doutores tem sido de 0,35 por orientador, e a de mestrandos, de 1,30. É a primeira vez
que o CNPq mensurou esses parâmetros. Vale a pena ressaltar que não são valores altos,
muito pelo contrário. Mas é dentro dessa realidade que trabalhamos. Linda enfatizou que
essa é a menor área do CNPq, com apenas 153 bolsistas.
O segundo dia do Workshop iniciou com a palestra de Carlos Pacheco sobre os fun-
dos setoriais de pesquisa que constituíram o novo modelo de política de financiamento à
pesquisa implantada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. Seguiram-se os trabalhos
das mesas-redondas com o relato de experiências como o ensino a distância, as demandas
extra-universitárias no ensino e pesquisa em planejamento, a possibilidade de articulação
entre pesquisas acadêmicas e políticas públicas, os desafios da pesquisa aplicada nos insti-
tutos não-acadêmicos.
A sessão final “Formulação de uma agenda de ensino e pesquisa” possibilitou uma
troca de idéias fecunda entre representantes de organismos de fomento federais (CNPq,
Capes e Finep) e a comunidade acadêmica presente.

CONCLUSÕES

Os participantes do Workshop reafirmaram a convicção de que a universidade que as-


socia o ensino à pesquisa é indispensável para garantir o desenvolvimento científico tec-
nológico do País. Reconhecer a importância e apoiar a continuidade dessa relação como
política dos órgãos de fomento foi uma conclusão unânime.
Por outro lado, reconheceu-se a necessidade de abrir o debate para uma avaliação da
pertinência da diversificação de formas do ensino superior. Pretende-se que essa avaliação
das experiências em curso no País venha a incorporar informação sobre formas de ensino
em andamento no exterior.

14 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


M A R I A C R I S T I N A D A S I LVA L E M E , S U Z A N A PA S T E R N A K

Foram apontadas observações finais que se constituem como propostas e recomen-


dações para a continuidade do trabalho iniciado neste Workshop. A primeira sugestão en-
caminhada foi a realização de um balanço da pesquisa em planejamento urbano e regio-
nal que possibilite uma visão das principais áreas temáticas, contemplando o conjunto de
programas, suas especificidades e diferenças.
Esse balanço representa um elemento importante de reconhecimento da identidade
da área e possibilita a formulação de uma agenda prospectiva de questões a serem abor-
dadas. Pode servir de parâmetro para a Anpur discutir as políticas institucionais de pes-
quisa, tanto das agências como dos programas.
Em relação aos processos de avaliação os coordenadores de programas reconheceram
a importância de atribuir à Anpur a coordenação de grupos de trabalho para o estabele-
cimento de valores próprios à área para estabelecer os critérios de excelência.
A interlocução entre os programas, no campo do ensino, abre a perspectiva de pro-
posição de novos formatos de ensino, como também para a reavaliação das práticas didá-
ticas em curso.
As informações apresentadas pela Capes sobre a produção científica da área revelam
que os esforços de tornar públicos os resultados dos trabalhos científicos esbarram conti-
nuamente com a dificuldade de encontrar veículos disponíveis de publicação com perio-
dicidade e formato adequados. Revistas arbitradas, com conselho editorial atuante, que
demarcariam a área de forma paradigmática, têm tido dificuldade de sobreviver sem al-
gum tipo de subsídio. Afirmou-se a necessidade de garantir a permanência de publicações
no mercado editorial, de forma a tornar públicos resultados de trabalhos. Constata-se que
a política editorial dos órgãos de fomento, ao adotar a periodização como um dos crité-
rios de financiamento, encerra hoje uma contradição interna de difícil superação. É im-
portante alertar que as revistas técnicas raramente são auto-suficientes financeiramente e Maria Cristina da Silva
sem financiamento não conseguem manter a periodização. A constatação do estrangula- Leme, arquiteta, é profes-
sora da Faculdade de Arqui-
mento específico das publicações na área do Comitê de Ciências Sociais Aplicadas torna- tetura e Urbanismo da USP
se clara ao se comparar a média de publicações de artigos em periódicos nacionais, de ape- e presidente da Anpur.
E-mail: crisleme@usp.br
nas 1,8 por ano durante o período 1997-2000, sensivelmente menor que a média do
Comitê de Sociologia (2,27), Educação (2,17) e Economia e Direito (1,93). Nota-se que Suzana Pasternak, arqui-
teta, é professora da Facul-
a média de publicações em periódicos internacionais é semelhante, mostrando que a pro- dade de Arquitetura e Urba-
dução das áreas se equivale quanto à publicação em periódicos, e a média inferior nos na- nismo da USP e secretária
executiva da Anpur. E-mail:
cionais pode ser explicada pelo menor número de veículos de divulgação. suzanapasternak@uol.com.br
Houve unanimidade quanto à necessidade de continuidade dessa discussão, tendo Artigo recebido para publica-
sido proposta a criação de um Grupo de Trabalho permanente na Anpur. ção em novembro de 2002.

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

CHAUÍ, M. USP: a terceira fundação. Estudos Avançados, São Paulo, 8(22), p.49-68,
1994.
DURHAM, E. A Universidade e o ensino no Brasil. Revista Novos Estudos Cebrap, São
Paulo, n.63, p.31-50, julho 2002.

A B S T R A C T The article introduces the workshop Evaluation of Teaching and


Research in Urban and Regional Studies, questioning the basic interrogations about the under

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 15


S O B R E O W O R K S H O P

graduate and graduate studies in urban and regional research: the debate between public and
private school, between academic or professional education, and about the problem of
evaluation of instruction and the research policy in the area. The workshop was organized in
conferences, work sessions and round tables. The text describes the conference of Wrana
Panizzi, about the discussion on the public school, and the conference of Marcos Lisboa,
relating the FGV/RJ experience of private grants for research. The paper also reports the lectures
of the key-note speakers, as the discourse about didactics experiences, by Ana Clara Torres
Ribeiro and the problems of courses evaluation, by Maurício de Abreu. In the research working
session, the key-note speakers were Philip Gunn, talking about the research themes chosen by
the programs in urban and regional planning, and Linda Gondim, about the evaluation of
the research and the researchers. The article also includes the workshop conclusions, taking in
account the suggestions made in the closing session.

K E Y W O R D S Research and teaching; research policy; instruction evaluation.

16 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


A UNIVERSIDADE
PÚBLICA EM DEBATE NO
CENÁRIO INTERNACIONAL
WRANA MARIA PANIZZI

R E S U M O Há décadas o mundo universitário brasileiro mantém boas relações de


cooperação e intercâmbio acadêmicos no plano internacional. Tais relações têm se revelado
de grande importância, proporcionando aos nossos professores e pesquisadores condições de
diálogo e trabalho visando a exploração das fronteiras do conhecimento. Desse ponto de vis-
ta, a dimensão internacional da educação e da pesquisa parece absolutamente evidente. O
mesmo não se pode dizer a propósito do debate envolvendo a Universidade como institui-
ção. O artigo apresenta um panorama da evolução desse debate na cena internacional des-
de a Conferência Mundial sobre Educação Superior, realizada em Paris em 1998.

P A L A V R A S - C H A V E Universidade pública; educação superior; in-


ternacionalização da educação superior; Conferência Mundial sobre Educação Supe-
rior; Organização Mundial do Comércio.

A educação e o conhecimento sempre foram estratégicos para o desenvolvimento das


nações. Os Estados Unidos, a União Européia e o Japão gastam 80% de tudo o que se in-
veste em pesquisa no mundo. Isso não acontece, evidentemente, por acaso, nem foi resul-
tado de um movimento gestado da noite para o dia. Entretanto, na última década, o va-
lor econômico e a importância da educação e do conhecimento para as sociedades
ganharam notável visibilidade – trata-se de um debate que, definitivamente, não mais se
restringe ao intramuros dos campi universitários.
Há várias décadas, pesquisadores e professores universitários brasileiros mantêm
boas relações de cooperação e intercâmbio acadêmico no plano internacional, particular-
mente com universidades norte-americanas, inglesas e francesas, responsáveis pela forma-
ção de parcela significativa dos nossos doutores, mas também com universidades alemãs
e japonesas e, mais recentemente, por paradoxal que isso possa parecer, com universida-
des do mundo ibero-americano – Portugal, Espanha, México, Uruguai, Argentina, Chile
e outros países. Para a Universidade pública brasileira, historicamente, a cooperação aca-
dêmica internacional tem-se revelado de grande importância, tanto por atualizar nossos
professores e pesquisadores como por lhes proporcionar condições de diálogo e trabalho
visando a exploração das fronteiras do conhecimento. Desse ponto de vista, a dimensão
“internacional” da educação e da pesquisa parece absolutamente evidente. O mesmo não
se pode dizer, lamentavelmente, no que se refere à reflexão sobre a Universidade como
“instituição”. Nesse aspecto, o debate internacional ainda é pouco conhecido no Brasil,
inclusive nos meios universitários.
A concepção da Universidade como instituição não é tema “para especialistas” e de-
veria interessar vivamente ao conjunto da comunidade universitária. Infelizmente, é pre-

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 17


A U N I V E R S I D A D E P Ú B L I C A E M D E B A T E

ciso admitir isso com franqueza, não é o que está acontecendo. O propósito dessa minha
breve comunicação é compartilhar com os colegas um pouco do que tenho apreendido
sobre o tema nos últimos seis anos, período em que, na condição de reitora de uma Uni-
versidade pública brasileira, tive oportunidade de participar de uma série de encontros e
reuniões organizados justamente com o propósito de tratar dos destinos do ensino supe-
rior no mundo “globalizado”.

1998: CONFERÊNCIA MUNDIAL DE PARIS E OMC

O ano de 1998 foi marcado por dois episódios de grande relevância. No início de
outubro daquele ano realizava-se em Paris, sob os auspícios da Unesco, a Conferência
Mundial sobre Educação Superior. Naquela ocasião, mais precisamente no dia 9 de outu-
bro, representantes de mais de 180 países aprovaram a “Declaração Mundial sobre Edu-
cação Superior no Século XXI: Visão e Ação”. Cabe lembrar que a Conferência de Paris
foi precedida por reuniões preparatórias (Havana, novembro de 1996; Dakar, abril de
1997; Tóquio, julho de 1997; Palermo, setembro de 1997; Beirute, março de 1998) e
que, tanto a Conferência Mundial como a Declaração então aprovada sistematizaram
uma concepção de “educação superior” amplamente debatida por pesquisadores, profes-
sores e dirigentes universitários das mais diferentes partes do mundo. No centro da De-
claração de Paris encontram-se, sem dúvida, as definições do conhecimento como patri-
mônio social e da educação como bem público – “dever do Estado e direito de todos”,
podemos ler na Declaração. Entretanto, desde setembro do mesmo ano de 1998, quan-
do se ultimavam os preparativos para a realização da Conferência de Paris, o secretariado
da Organização Mundial do Comércio – OMC propunha a regulamentação da educação
superior como serviço comercial – objeto de negociação no âmbito do Acordo Geral sobre
1 A iniciativa do secretaria- o Comércio de Serviços (General Agreement on Trade in Services).1
do da Organização Mundial
do Comércio é tratada em
Enquanto a concepção de educação superior definida pela Conferência de Paris é re-
detalhes por Marco Antônio tomada em diversos outros encontros internacionais, como veremos a seguir, a OMC dá
Rodrigues Dias, ex-diretor
da Divisão de Ensino Supe- curso a sua iniciativa e articula adesões, encontrando apoio particularmente entre univer-
rior da Unesco e um dos or- sidades dos Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia. De fato, no contexto brasileiro e
ganizadores da Conferência
Mundial de Paris: “Educação mesmo latino-americano, a regulamentação da educação superior como serviço comercial
Superior: bem público ou somente passou a ser mais amplamente debatida recentemente, mais precisamente a par-
serviço comercial regula-
mentado pela OMC?”, in tir de abril de 2002, quando da realização da III Reunião de Reitores de Universidades Pú-
Wrana Maria Panizzi (Org.),
Universidade – Um lugar fo-
blicas Ibero-Americanas2 – a “Cumbre”, como é conhecida entre os seus participantes.
ra do poder, Porto Alegre,
Ed. da UFRGS, 2002, p.31-
109.
2 Essa reunião teve lugar na DA CONFERÊNCIA DE PARIS À III CUMBRE
Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, entre 25 e
27 de abril de 2002, envol- Algumas das conclusões da Conferência Mundial de Paris merecem ser aqui brevemen-
vendo a participação de
quase cinqüenta reitores, re- te relembradas, como também o fato de que elas resultaram de um debate que envolveu
presentando universidades a participação de 115 ministros de Estado e cerca de quatro mil especialistas em Educação:
de 13 países. Um excelente
resumo desse encontro foi • fazer valer, também no que se refere ao ensino superior, a Declaração Universal dos Di-
organizado por Sílvia Maria
Rocha e Carlos Alexandre
reitos Humanos, afirmando que ela é um direito de todos;
Netto: Universidade pública, • reforçar a relação entre ensino e pesquisa, observando as demandas do desenvolvimen-
educação e desenvolvimen-
to – III Cumbre, Porto Ale-
to local, regional e nacional;
gre, UFRGS, 2002. • promover, no âmbito das instituições de ensino superior, o respeito da ética, do rigor
científico e do trabalho inter e transdisciplinar;

18 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


W R A N A M A R I A P A N I Z Z I

• promover iniciativas concretas com o propósito de diminuir a distância entre os países


desenvolidos, países em desenvolvimento e países pobres no domínio do ensino supe-
rior e da pesquisa.
A educação, além de estratégica para o desenvolvimento das nações, é um “direito
humano”, afirmava a Declaração de Paris. Não há ensino superior de qualidade sem in-
vestimento em pesquisa. A ética é condição para o rigor científico. Patrimônio da huma-
nidade, o conhecimento não pode portanto ser prisioneiro do “mercado”, indicava a mes-
ma Declaração. Daí a importância da presença do Estado nesse domínio, como agente
financiador do “serviço público da Educação”, reconheciam os participantes da Conferên-
cia. Estaríamos diante de mais uma declaração de “boas intenções”? É provável que tenha
sido esse o significado da Declaração de Paris para uma parcela de seus signatários. Para
outros, entretanto, ela representou uma grande oportunidade, na medida em que estabe-
lecia uma vigorosa agenda de compromissos e reorientava o debate sobre o ensino supe-
rior e a produção do conhecimento em direção diversa daquela então apontada pelos crí-
ticos da presença do Estado na economia e em outros setores da sociedade, incluindo o
âmbito da educação.
A importância da agenda de compromissos construída em Paris ficou evidente já
no encontro Universidade, Globalização e Identidade Ibero-Americana, realizado nos
dias 20 e 21 de novembro de 1998, em Córdoba, na Argentina, por ocasião das come-
morações dos oitenta anos do célebre Manifesto de Córdoba. A Declaração de Paris seria
tomada por muitos participantes daquele encontro como uma espécie de atualização do
Manifesto publicado em 1918. Do encontro realizado na Argentina resultou a chamada
“Declaração de Córdoba”, na qual, fazendo eco aos compromissos estabelecidos em Pa-
ris, o ensino superior é abordado como, entre todos, um dos mais importantes “direitos
humanos”.3 O encontro foi importante porque deu impulso à nascente articulação uni- 3 A Declaração de Córdoba
e o encontro realizado na-
versitária ibero-americana, levada adiante por organizações como a Associação de Uni- quela cidade foram objeto
versidades Grupo Montevidéu (AUGM), sob a liderança de Jorge Brovetto, e o Centro Ex- de extensa reportagem reali-
zada pelo jornal da Universi-
tremeño de Estudios e Cooperación con Iberoamérica (CEXECI), dirigido por Miguel dade Federal do Rio Grande
Rojas Mix. do Sul – “A revolta de Córdo-
ba”; “De Paris a Córdoba”,
Poucos meses depois, em 20 de fevereiro de 1999, na Espanha, em Cáceres, capital Jornal da Universidade, no-
da província de Extremadura, novamente a comunidade universitária encontra motivos vembro de 1998, p.4-5.

para reafirmar os compromissos de Paris: a chamada “Declaração de Extremadura”, do-


cumento lá firmado por reitores e autoridades universitárias, expressa a vontade de coo-
peração para debater e implementar aqueles compromissos no contexto ibero-americano.
Passados alguns anos, não me parece um exagero afirmar que, a partir dos encontros
de Córdoba e Cáceres, articulou-se um novo espaço de intercâmbio internacional, volta-
do para o debate da Universidade como instituição. Um dos resultados desse processo se-
ria a realização das “Cumbres” – dos encontros periódicos de reitores de universidades pú-
blicas ibero-americas.
A primeira Cumbre teve lugar entre os dias 3 e 5 de agosto de 1999, na mais tradi-
cional das universidades públicas do Chile, a Universidade de Santiago. Vale a pena men-
cionar aqui pelo menos um ponto do “Acordo de Santiago”:4 “o público é o que perten- 4 Ver “Universidades públi-
cas ibero-americanas rea-
ce a todo povo; a universidade pública é a que pertence à cidadania e está a serviço do firmam sua identidade e
bem comum; a universidade estatal é a que pertence ao Estado-nação, ela pode não ser missão”, Jornal da Universi-
dade (UFRGS), agosto de
pública se não cumprir seu compromisso social, mas, em contrapartida, a universidade 1999, p.4.
pública sempre será estatal ou pública e autônoma por lei”, define o documento firmado
no Chile, aprofundando os termos da Declaração de Paris e refletindo sobre as singulari-

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 19


A U N I V E R S I D A D E P Ú B L I C A E M D E B A T E

dades da vida universitária no mundo ibero-americano, que contempla os mais diversos


vínculos institucionais.
Pouco antes da primeira Cumbre de Reitores, realizava-se em Budapeste, entre os
dias 26 de junho de 1º de julho de 1999, a Conferência Mundial sobre Ciência e Tec-
nologia, promovida pela Unesco com propósitos semelhantes aos da Conferência Mun-
dial sobre Educação Superior. Os documentos firmados durante a Conferência de Buda-
peste não contestaram os termos dos compromissos assumidos em Paris um ano antes.
Bem ao contrário disso, aqueles compromissos foram então mais uma vez claramente
reafirmados quando, por exemplo, recomenda não apenas que as nações destinem “pe-
lo menos” 1% do Produto Interno Bruto para investimentos em ciência e tecnologia
mas também quando sugere que, para tais fins, devem ser destinados preferencial-
mente “recursos próprios”, como expressão de soberania – e não dinheiro originado de
financiamentos externos. Os resultados da Conferência de Budapeste logo serão reper-
cutidos pela comunidade universitária no encontro Universidade e Ciência na América
Latina, realizado nos dias 18 e 19 de novembro de 1999 em Porto Alegre, na Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul. A declaração final desse encontro é mais um teste-
munho de que, mesmo em contexto adverso, é possível construir uma sólida agenda
5 Sobre essa reunião e suas de compromissos.5
conclusões, ver “Universida-
de e Ciência na América La-
É interessante finalmente observar que, na segunda Cumbre de reitores de univer-
tina”, Jornal da Universidade sidades públicas ibero-americanas, realizada na Universidade de Buenos Aires em outu-
(UFRGS), novembro de
1999, p.3; “Falta de vonta- bro de 2000, o tema da regulamentação do ensino superior como serviço comercial es-
de política detém avanço da teve absolutamente ausente do debate. Com efeito, a reunião de Buenos Aires ainda se
ciência no continente”, Jor-
nal da Universidade (UFRGS), caracterizaria pela sistematização e aprofundamento das resoluções e compromissos esta-
dezembro de 1999, p.4. belecidos nos encontros anteriores. Assim, embora a iniciativa da OMC já fosse do conhe-
cimento de alguns especialistas bem informados, ela somente chamará maior atenção da
comunidade universitária a partir da terceira Cumbre, realizada em Porto Alegre em
abril de 2002. A marcha desses acontecimentos nos parece, por si só, motivo para in-
quietação. Ainda mais se considerarmos que as negociações da OMC prosseguem e que o
tema, embora mais visível, ainda não despertou o interesse que merece. Quanto à pro-
posta da OMC, a sucinta “Carta de Porto Alegre”, firmada no dia 27 de abril de 2002 por
reitores de quase cinqüenta universidades de 13 países do mundo ibero-americano, é
bastante clara:

Reitores, diretores de instituições e associações de educação superior e autoridades aca-


dêmicas, reunidos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, por oca-
sião da III Cumbre Ibero-americana de Reitores de Universidades Públicas, manifestam sua
profunda preocupação frente às políticas implementadas pela Organização Mundial do Co-
mércio (OMC), que favorecem a comercialização internacional dos serviços de educação, as-
semelhando-os a simples mercadorias. Os poderosos interesses que sustentam estas políticas
pressionam pela transformação da educação superior num lucrativo mercado de âmbito
mundial e pela desregulamentação e eliminação de todo controle de qualidade de natureza
legal, política ou fiscal.
A proposta de entregar ao livre comércio a educação superior se inscreve num proces-
so continuado de drásticos cortes no financiamento público e de fomento à globalização da
educação privada, levando a que os Estados abandonem sua função política específica de
orientação, direção e gestão em áreas de sua responsabilidade social. Estas proposições fe-
rem seriamente as políticas de eqüidade, indispensáveis para o equilíbrio social, em especial

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W R A N A M A R I A P A N I Z Z I

nos países em desenvolvimento, e necessárias para corrigir as desigualdades sociais, tendo


sérias conseqüências para nossas identidades culturais. Elas perturbam, igualmente, a con-
solidação e a transmissão dos valores éticos e culturais, afetando nossas aspirações de alcan-
çar uma sociedade mais democrática e justa através de um desenvolvimento sustentável,
compromissos da educação superior, cuja missão específica se assenta na concepção do co-
nhecimento como bem social destinado à melhoria da qualidade de vida de nossos povos –
função esta que o ensino superior, em hipótese alguma, poderá cumprir se for transforma-
do em simples mercadoria ou objeto de especulação no mercado, através de sua comercia-
lização internacional. Entre os graves problemas que acarretam tais proposições, cabe men-
cionar ainda a uniformização acrítica da educação e o grave dano que isso significa para a
soberania nacional e dos povos.
Por estas razões, os reitores e acadêmicos ibero-americanos aqui reunidos, lembrando os
compromissos assumidos pelos governos e pela comunidade acadêmica internacional em ou-
tubro de 1998, na Conferência Mundial do Ensino Superior de Paris, no sentido de consi-
derar a educação superior como um bem público, alertam a comunidade universitária e a so-
ciedade em geral sobre as conseqüências nefastas dessas políticas, e requerem aos governos de
seus respectivos países que não subscrevam acordos nessa matéria no contexto do Acordo Ge-
ral sobre o Comércio de Serviços (GATS) da OMC.

O ensino superior e a pesquisa científica movimentam, hoje, bilhões de dólares.


Também por isso vivemos um tempo em que as universidades públicas, responsáveis por
mais de 90% da pesquisa realizada no Brasil, tornaram-se elas próprias objeto da chama-
da globalização. A elaboração da “Carta de Porto Alegre” teve o propósito de chamar a
atenção para uma negociação que, até o momento, se faz à margem das universidades.

DESAFIOS DA UNIVERSIDADE PÚBLICA

As resoluções da Conferência Mundial de Paris e a abordagem do ensino superior


como “serviço comercial” definem concepções que, independentemente do andamento
das negociações conduzidas pela OMC, irão balizar o debate sobre o destino da Universi-
dade Pública brasileira nos próximos anos.
A Universidade pública brasileira tem muitos problemas e, como sabem os que têm
a responsabilidade de dirigi-la, estes não serão resolvidos somente através do – absoluta-
mente necessário! – aumento de recursos. Nos últimos anos, nossas dificuldades agrava-
ram-se no plano financeiro (ver Gráfico 1) e também institucional. Parte dessas dificul-
dades devem-se a fatores externos à vida universitária; outra parte, entretanto, importante
admitir isso claramente, encontra razões em nossos próprios disfuncionamentos e, sobre-
tudo, na fragmentação crescente e na perda de legitimidade da Universidade pública co-
mo “projeto social”.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 21


A U N I V E R S I D A D E P Ú B L I C A E M D E B A T E

Gráfico 1 – Total de recursos para efetiva manutenção das IFES (1990-2001), excluindo-
se recursos diretamente arrecadados.

Fonte: Execução Orçamentária apurada pela STN (1990-1994) e Execução Orçamentária da União (1995-
2001), apud Nelson Cardoso Amaral, Tese de Doutorado.

De uma perspectiva histórica ampla, o sistema de ensino superior brasileiro nasceu


fragmentado, consolidou-se a partir dos anos 50 como sistema público e expandiu-se de
maneira notável na última década do século XX sob a hegemonia do setor privado. Para
citar um único exemplo, entre os anos de 1994 e 1999, isto é, em apenas meia década, o
número de vagas oferecidas pelo ensino privado quase duplicou. Em 1998, somando-se
universidades, associações de faculdades e instituições isoladas, o Brasil contava com 973
instituições de ensino superior, entre as quais somente 209 eram públicas. A despeito des-
sa notável expansão do sistema, calcula-se que, hoje, somente 13% da população brasilei-
ra com idade entre 18 e 24 anos freqüenta algum curso superior. O que nos parece ainda
mais desafiador é que, no ano 2000, apenas 68% das matrículas oferecidas pelo setor pri-
vado foram de fato ocupadas (ver Tabela 1).

Tabela 1 – Graduação: vagas oferecidas, candidatos inscritos e estudantes matriculados


em instituições de ensino superior brasileiras em 2000
Instituições de ensino
Ensino de graduação Total Públicas Privadas
Vagas oferecidas 1.216.287 245.632 970.655
Candidatos inscritos 4.039.910 2.178.918 1.860.992
Estudantes matriculados no 1º ano 897.557 233.083 664.474
Fonte: Censo do Ensino Superior – Inep/MEC – Brasília (2001).

A história nos mostra que, no Brasil, o ensino público e o privado sempre foram,
por assim dizer, “complementares”, na medida em que o setor público jamais pode ou te-
ve o propósito de mobilizar recursos para financiar integralmente a educação superior.
Contudo, diante da expansão verificada na última década e ante as desigualdades sociais
existentes no País, não é difícil concluir que a sociedade brasileira não dispõe de um sis-
tema de ensino superior verdadeiramente acessível “a todos”.
Para os que pensam que o ensino superior e o conhecimento são estratégicos pa-
ra o desenvolvimento das nações, para os que acreditam que a Universidade pública bra-

22 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


W R A N A M A R I A P A N I Z Z I

sileira é uma experiência que merece ser continuada e fortalecida, a década que se inicia
reserva, portanto, grandes desafios. Por um lado, para ampliar sua legitimidade como pro-
jeto social, a Universidade pública precisa voltar a crescer, precisa retomar a liderança na
expansão do conjunto do sistema – e isso não irá acontecer sem o apoio da sociedade. Por
outro lado, a Universidade pública precisa se repensar profundamente como instituição,
abrindo-se ainda mais para a sociedade, escutando suas demandas, construindo um novo
projeto acadêmico, questionando processos de avaliação que privilegiam o mérito indivi-
dual em detrimento do trabalho coletivo. Se não enfrentar tais desafios, a Universidade
pública, que ontem deixou de ser referência para a expansão do sistema de ensino supe-
rior, amanhã poderá perder o que possui de mais precioso: o reconhecimento da socieda-
de brasileira como referência de qualidade.
Tenho insistido na idéia de que a Universidade pública é fundamental para a socie-
dade brasileira, não somente porque ela é depositária do melhor que produzimos no ter-
reno das artes, da cultura e das ciências, mas sobretudo porque é lugar da diversidade
cultural e da pluralidade ideológica, do debate e do diálogo que constroem sujeitos e co-
letividades, da crítica comprometida com a ética, que busca ser verdadeira e justa. Creio
que o “novo” encontra-se precisamente nesta valorização da Universidade como res publi-
ca – como construção coletiva que atravessa governos e gerações. Se de fato é assim, cabe
à Universidade pública a iniciativa de propor uma profunda reflexão sobre o destino da
pesquisa e do ensino superior no País, reunindo em torno de si amplas forças sociais, eco-
nômicas e políticas. Empreender tal iniciativa, promover uma reflexão “pra valer” sobre o
conjunto de suas atividades, envolver neste debate a comunidade universitária e a socie-
dade, parece-me ser esse o grande desafio da Universidade pública brasileira. Se enfren-
tarmos este desafio, nos libertaremos do “conjuntural” e a Universidade pública encon-
trará forças para se refazer como projeto social.
Para enfrentar nossos problemas, precisamos, antes, defini-los com clareza, por- 6 Ver Tania Franco Carvalhal
(Org.), Saramago na Univer-
que assim nos tornamos mais conscientes daquilo que queremos e de nossas responsabi- sidade, Porto Alegre, Edito-
lidades. José Saramago, em 1999, quando recebeu o título de doutor honoris causa de nos- ra da UFRGS, 1999.

sa Universidade,6 pronunciou uma frase que, mais do que qualquer outra, resume meu Wrana Maria Panizzi é rei-
sentimento diante do horizonte que se descortina para a Universidade pública brasileira: tora da Universidade Fede-
ral do Rio Grande do Sul.
“Reivindiquemos os nossos direitos, sim senhor, reivindiquemo-los todos os dias, aqui e E-mail: reitora@ufrgs.br
onde quer que seja, mas reivindiquemos também, para os assumir completamente, os Artigo recebido para publica-
nossos deveres”. ção em novembro de 2002.

A B S T R A C T The Brazilian universities have had good relations of cooperation


and academic exchange at international level for decades. These relations are of paramount
importance to advance the conditions of dialogue and work of our professors and researchers,
aiming at exploring the frontiers of knowledge. From this standpoint, the international
dimension of education and research is quite obvious. However, this does not seem to be the
case when the debate involves the University as an institution. This article presents a view of
the evolution of this discussion in the international scene since the World Conference on Higher
Education, held in Paris in 1998.

K E Y W O R D S Public university; higher education; internationalization of higher


education; World Conference on hHigher Education; World Trade Organization.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 23


A POLÍTICA DE FOMENTO
À PESQUISA URBANA
SUBSÍDIOS PARA UMA AVALIAÇÃO DAS AVALIAÇÕES DO CNPQ 1
1 Esse artigo constitui uma
versão revista e ampliada
de texto apresentado no
workshop promovido pela
Associação Nacional de
L I N D A M . P. G O N D I M Pós-Graduação e Pesquisa
em Planejamento Urbano e
Regional (Anpur), em São
Paulo, nos dias 29 e 30 de
R E S U M O Este trabalho discute aspectos dos processos decisórios do Conselho Na- agosto de 2002. Agradeço
a Suzana Pasternak pelas
cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), relativos à concessão de bolsas críticas e sugestões, as
quais, na medida do possí-
de Produtividade em Pesquisa. Aborda o papel dos Comitês de Assessoramento e dos consul- vel, foram incorporadas à
tores ad hoc, considerando os critérios para a classificação de pesquisadores em níveis (1 e presente versão. Também
recebi valiosos subsídios
2) e categorias (C, B e A), a partir da análise da produção científica nas áreas de Ciências dos técnicos do CNPq, par-
Humanas e Sociais Aplicadas, registrada no Diretório dos Grupos de Pesquisa de 2002. Dis- ticularmente Maria Ângela
Cunico e Ricardo Lourenço,
cute-se o formulário utilizado por consultores ad hoc, apontando-se a necessidade de uma bem como de Lícia Vallada-
melhor explicitação de critérios avaliativos de projetos de pesquisa, a fim de se obter deci- res, Lidia Medeiros e Sue-
lyemma Franco, respectiva-
sões pautadas por maior rigor e objetividade. mente, coordenadora e pes-
quisadoras do Urbandata.
Infelizmente, não houve tem-
P A L A V R A S - C H A V E Avaliação; fomento à pesquisa; pesquisa po hábil para incluir todas
essas contribuições, mas
urbana. pretendo retomá-las num
próximo trabalho.

O objetivo desse trabalho é divulgar, entre os pesquisadores que se dedicam aos es-
tudos urbanos, informações sobre mecanismos de fomento à pesquisa, em especial no que
se refere à atuação do Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
por meio dos seus Comitês de Assessoramento (CAs). A análise tem por base documentos
que normatizam essa atuação, dados divulgados pela Internet ou publicados, e minha ex-
periência como membro do CA de Ciências Sociais Aplicadas (CA/SA), que reúne as áreas
de Geografia Humana, Demografia, Arquitetura e Urbanismo e Planejamento Urbano e
Regional, da qual sou representante, desde junho de 2001.
Devido a limitações de tempo e recursos, não foi possível delinear um quadro mais
amplo e aprofundado sobre a pesquisa urbana no Brasil, nem sobre as várias instituições
de fomento. Ressalto, ainda, que não pretendo discutir o conjunto das políticas e progra-
mas realizados pelo CNPq; esse texto enfoca, prioritariamente, a concessão de bolsas de
Produtividade em Pesquisa (PQ), dada a sua importância e natureza peculiar. Trata-se de
um dos raros, senão único, auxílios concedidos diretamente ao pesquisador no Brasil, sem
exigência de orçamento ou prestação de contas. A grande maioria das instituições de fo-
mento prioriza a concessão de recursos para despesas com atividades de pesquisa, de acor-
do com orçamentos aprovados – modalidade que também tem sido contemplada pelo
CNPq, mediante Editais Universais.
Na impossibilidade de uma abordagem mais abrangente, optei por analisar a siste-
mática de concessão das referidas bolsas PQ evitando especulações e recomendações de
pouco alcance prático. Na medida do possível, procurei inserir meus comentários num
panorama mais amplo, considerando necessidades e prioridades qualitativamente defini-
das, levando em conta, também, alguns indicadores quantitativos. Espero, assim, contri-

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 25


A P O L Í T I C A D E F O M E N T O À P E S Q U I S A U R B A N A

buir para o aprofundamento da discussão sobre o fomento à pesquisa, especialmente no


campo dos estudos urbanos.

O COMITÊ ASSESSOR E OS CONSULTORES


“AD HOC” DO CNPQ COMO AGENTES
DECISÓRIOS DA AVALIAÇÃO DE PESQUISAS

Como se sabe, o CNPq recorre a especialistas nas diversas áreas do conhecimento pa-
ra auxiliar seus dirigentes e seu corpo técnico na apreciação de solicitações de recursos
para a pesquisa e formação de recursos humanos: além das bolsas PQ e dos recursos con-
cedidos por meio dos Editais Universais, já mencionados, concede outros tipos de auxí-
lios (para a promoção ou participação em eventos científicos, para publicação de periódi-
cos científicos etc.) e bolsas (de iniciação científica, para alunos de graduação; de apoio
técnico à pesquisa, para graduados ou técnicos de nível médio; de mestrado, doutorado
no País ou no exterior, doutorado sanduíche e pós-doutorado). Esses especialistas, esco-
lhidos entre nomes indicados pela comunidade científica, são organizados em Comitês de
Assessoramento (CAs), os quais têm entre suas principais funções analisar as solicitações,
avaliando o mérito científico e a viabilidade técnica de projetos de pesquisa, bem como a
qualificação do solicitante e da instituição à qual está vinculado.
Cada CA é constituído por representantes de áreas afins do conhecimento, definidas
a partir de três grandes áreas: Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; Ciências da Vida; e
Engenharias, Ciências Exatas e da Terra. A primeira subdivide-se em duas, cada uma de-
las vinculada a uma coordenação: a Coordenação de Ciências Humanas e Sociais (que en-
globa os comitês AC – Artes, Comunicação e Ciência da Informação; HF – História e Fi-
losofia; LL – Letras e Lingüística; PH – Psicologia e Serviço Social); e a Coordenação de
Ciências Sociais Aplicadas e Educação (que inclui os comitês: CS – Arqueologia, Antro-
pologia, Sociologia e Ciência Política; ED – Educação; CE – Economia, Administração e
Direito; e SA – Geografia Humana, Demografia, Planejamento Urbano e Regional e Ar-
quitetura). Esse último é composto por dois representantes da subárea de Arquitetura –
um deles indicado por pesquisadores da área de patrimônio – e um para cada uma das de-
2 Para mais informações mais subáreas, perfazendo um total de cinco pessoas.2
sobre os comitês de asses-
soramento e as áreas do co-
Cada solicitação é enviada para apreciação por um determinado CA, em decorrência
nhecimento, consultar a pá- da classificação da proposta numa área do conhecimento, feita pelo próprio solicitante no
gina do CNPq na Internet
(www.cnpq.br). formulário-padrão do CNPq, disponível na Internet. Em geral, essa classificação leva em
conta o tema da investigação proposta, a formação acadêmica, o campo de atuação pro-
fissional e, ainda, a disciplina à qual é afeto o centro ou programa de pós-graduação em
que o pesquisador atua.
Antes de serem apreciadas pelo CA, as solicitações são analisadas, em seus aspectos
formais, por funcionários das áreas administrativa e técnica do CNPq, os quais conferem
a documentação requerida (formulário-padrão, Curriculum Lattes, projeto de pesquisa e
relatório – em caso de renovação, entre outros), cadastram o processo por área do conhe-
cimento, verificam se o histórico do proponente no sistema acusa alguma pendência etc.
Em seguida, encaminham os documentos para consultores ad hoc – em geral, dois – os
quais emitirão parecer sobre o mérito do projeto ou plano de trabalho, bem como sobre
a qualificação e experiência do solicitante e da respectiva instituição. Esses consultores são
escolhidos pelos técnicos do CNPq entre bolsistas ou ex-bolsistas; em caso de dúvida so-

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L I N D A M . P . G O N D I M

bre a pertinência da escolha – por exemplo, quando o projeto aborda um tema muito es-
pecífico – os membros dos CAs são ouvidos para a indicação de nomes.
A propósito, vale mencionar que, no workshop realizado pela Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur), em agosto de
2002, apontou-se a necessidade de se organizar uma relação de pesquisadores e suas res-
pectivas áreas de atuação – uma espécie de “quem é quem” na pesquisa urbana no Brasil,
que poderia ser fonte para a identificação de consultores. Na verdade, já se dispõe de um
levantamento desse tipo, realizado pelo Urbandata, banco de dados organizado na Uni-
versidade Cândido Mendes (Ucam), no Rio de Janeiro, sob a coordenação da professora
Licia Valladares. Um catálogo de pesquisadores (Sant’Anna & Lima Junior, 2001) foi ela-
borado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) e do
CNPq, por intermédio do CA/CS (Arqueologia, Antropologia, Sociologia e Ciência Políti-
ca). Seria importante manter esse trabalho atualizado e, sobretudo, divulgá-lo amplamen-
te entre os pesquisadores com atuação em estudos urbanos, mas ligados a outros CAs: ob-
viamente, o CA/SA (Geografia Humana, Demografia, Planejamento Urbano e Regional e
Arquitetura), mas, também, o CA/CE (Economia, Direito e Administração) e o CA/HF
(História e Filosofia).
É bom lembrar que os estudos urbanos constituem um campo eminentemente
transdisciplinar que se desenvolveu, no Brasil, a partir de trabalhos de Geografia Urbana,
desde a década de 1930 (Valladares & Coelho, 1995). A consolidação desse campo – me-
diante o crescimento do número de pesquisadores, centros de pesquisa e programas de
pós-graduação – acarretou uma expansão cada vez maior da transdisciplinaridade, agre-
gando, primeiramente, disciplinas como a Sociologia, a Antropologia, a Administração
Pública, a Economia, a História, a Demografia, o Urbanismo e o Planejamento. Mais re-
centemente, registra-se a presença, nesse campo temático, de pesquisadores das discipli-
nas de Direito Urbano, Ciência Política e Medicina Social (Valladares & Coelho, 2001).
Daí a necessidade de uma maior interação entre os CAs que agrupam essas disciplinas, in-
clusive no que se refere à escolha de consultores ad hoc.
Em princípio, o sistema de apreciação pelos pares, já consagrado em instituições de
fomento, permite que cada proposta receba adequada atenção por parte de especialistas,
ao mesmo tempo que viabiliza a análise, pelos CAs, de um grande número de solicitações,
em pouco tempo. Infelizmente, porém, nem sempre as avaliações dos pareceristas forne-
cem elementos suficientes para fundamentar as decisões do corpo de assessores, como se-
rá visto adiante.
As reuniões dos assessores acontecem na sede do CNPq, em Brasília, com duração
máxima de cinco dias e frequência média de três vezes ao ano. Embora os CAs atuem co-
mo órgãos colegiados, cada representante costuma analisar separadamente os pedidos
classificados na sua respectiva subárea e indicar os que devem ser atendidos ou negados.
Via de regra, se forem favoráveis os pareceres de ambos os consultores ad hoc, o pedido é
julgado favoravelmente, e, negado, se os dois forem desfavoráveis. Quando há discordân-
cia entre os pareceristas, o representante da subárea do CA exerce o voto de Minerva. En-
tretanto, ele tem autonomia para tomar decisão divergente dos pareceres, desde que a jus-
tifique. Em qualquer caso, os demais membros devem ser ouvidos antes de se chegar às
decisões relativas ao conjunto de solicitações encaminhadas ao CA.
Ressalte-se, porém, que nem todas as solicitações que recebem julgamento favorável
no CA são contempladas, pois as decisões finais dependem das quotas de bolsas e auxílios,
previamente alocadas a cada área e subárea pela direção do CNPq. Tais quotas variam de

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 27


A P O L Í T I C A D E F O M E N T O À P E S Q U I S A U R B A N A

acordo com a disponibilidade de recursos orçamentários, e sua distribuição entre os CAs


e respectivas subáreas leva em conta o histórico da demanda. Como, geralmente, o nú-
mero de pedidos aprovados no mérito é superior ao número de bolsas disponíveis, tais pe-
didos são classificados pelo CA por ordem de prioridade.
Uma reflexão sobre o funcionamento efetivo desse sistema permite identificar dois
aspectos que merecem especial atenção: o perfil dos integrantes do CA e dos consultores
ad hoc; e os critérios que norteiam as decisões e os pareceres relativos à concessão de bol-
sas e auxílios.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PERFIL DOS


ASSESSORES E CONSULTORES “AD HOC”

Tomando por base os dados incluídos no diretório dos Grupos de Pesquisa do


CNPq publicado em 2002, pode-se ter uma idéia do universo no qual são escolhidos os
membros e os consultores ad hoc do CA/SA: são apenas 153 detentores de bolsas PQ, para
um total de 594 pesquisadores-doutores que integram grupos de pesquisa nas áreas de
Geografia Humana, Demografia, Arquitetura e Urbanismo e Planejamento Urbano e Re-
3 Considerou-se o total de
pesquisadores doutores for-
gional (CNPq, 2002, p.380-2).3 Trata-se de uma área pequena, quando comparada, por
necido na tabela relativa à exemplo, ao CA/CS (Antropologia, Arqueologia, Ciência Política e Sociologia), que conta
produção científica (CNPq,
2001, p.379). Evidentemen-
com 256 bolsistas e 1.055 pesquisadores, e às outras áreas aplicadas, como Educação (206
te, os números citados po- bolsistas, 1.533 pesquisadores), e as que integram o CA/CE – Economia, Administração e
dem estar subestimados,
pois existem pesquisado- Direito –, ao qual se vinculam 183 bolsistas e 1.050 pesquisadores (CNPq, 2002, passim).
res, incluindo bolsistas, não É preocupante o tamanho reduzido do universo no qual são escolhidos os represen-
registrados em grupos de
pesquisa ou registrados em tantes e consultores das subáreas diretamente ligadas aos estudos urbanos (agrupadas no
áreas do conhecimento não CA/SA), pois limita as possibilidades de democratização das decisões pertinentes ao fomen-
diretamente afetas aos estu-
dos urbanos. to da pesquisa nesse campo temático. Uma vez que assessores e consultores são escolhidos
4 Não foi possível obter da-
dos globais confiáveis para
entre bolsistas ou ex-bolsistas, o problema está associado à crescente desproporcionalida-
as reuniões do CA realiza- de entre a demanda e a quota de bolsas PQ: tal relação tem piorado para o CA/SA todo,
das em maio e novembro de
2002: no primeiro caso, por
passando de 2,31 em junho de 1999, para 2,38 em junho de 2001, e para 4,95 em no-
não ter tido acesso ao rela- vembro de 2001.4
tório sobre a referida reu-
nião; no segundo caso, devi- Na medida em que se tem priorizado manter o apoio a pesquisadores produtivos,
do à dupla contagem de por meio da concessão de renovações, cria-se um certo “engessamento” do sistema, invia-
algumas solicitações, prova-
velmente associada a pro- bilizando-se, praticamente, a entrada de novos pesquisadores. Além disso, as decisões são
blemas nos procedimentos tomadas por um número relativamente restrito de pessoas, sobrecarregando os consulto-
de transmissão de dados
via Internet. De qualquer mo- res ad hoc e limitando as oportunidades para uma participação mais ampla da comunida-
do, há indícios de que a rela-
ção demanda–quota de bol-
de científica.
sas PQ tende a se manter A composição do CA é particularmente afetada, uma vez que, à distorção quantita-
alta: na reunião do CA/SA
de maio de 2002, a subárea
tiva decorrente do número restrito de bolsas adiciona-se outra, proveniente da classifica-
de Planejamento Urbano e ção de pesquisadores nas categorias 2 ou 1 e, dentro dessas, nos níveis C, B ou A (a or-
Regional foi contemplada
com apenas três bolsas PQ, dem é decrescente). Cabe, aqui, um parêntesis, para explicar brevemente esse sistema
para uma demanda de 17 classificatório, cujos critérios não parecem ser suficientemente conhecidos pela comuni-
pedidos – 5,6 pedidos por
bolsa disponível. Na reunião dade científica.
de novembro, a situação foi A classificação dos pesquisadores compete ao CA, na oportunidade do julgamento de
um pouco melhor, mas este-
ve longe de ser confortável: solicitações. É pertinente transcrever, aqui, as definições do CNPq quanto às categorias e
11 bolsas, para trinta solici-
tações (2,72 pedidos por
níveis utilizados:
bolsa disponível).

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L I N D A M . P . G O N D I M

Categoria 2
- Nível C: atribuído a pesquisador doutor com produção científica regular há, pelo menos,
2 (dois) anos.

- Nível B: atribuído a pesquisador doutor titulado há, no mínimo, 1 (um) ano e que apre-
sente produção científica/tecnológica regular há, pelo menos, 3 (três) anos. É desejável sua
participação no processo de formação de mestres, quando vinculado à instituição de ensino
pós-graduado.

- Nível A: atribuído a pesquisador doutor titulado há, no mínimo, 2 (dois) anos e que apre-
sente produção científica/tecnológica regular há, pelo menos, 4 (quatro) anos. Deverá estar
participando do processo de formação de mestres ou na orientação de dissertações de mes-
trado, quando vinculado à instituição de ensino pós-graduado.

(…)
Categoria 1
- Nível C: atribuído a pesquisador doutor titulado há, no mínimo, 5 (cinco) anos, que apre-
sente produção científica/tecnológica regular há, pelo menos, 7 (sete) anos e tenha compro-
vada independência científica/tecnológica. É desejável sua participação na orientação de te-
ses de doutorado, quando vinculado à instituição de ensino com esse nível de escolaridade.

- Nível B: atribuído a pesquisador doutor titulado há, no mínimo, 5 (cinco) anos, que apre-
sente produção científica/tecnológica regular há, pelo menos, 7 (sete) anos e tenha compro-
vada independência científica/tecnológica, pela publicação de trabalhos em periódicos reno-
mados. Deverá estar participando do processo de formação de doutores e da orientação de
doutorado, quando vinculado à instituição de ensino com esse nível de escolaridade.

- Nível A: atribuído a pesquisador doutor titulado há, no mínimo, 5 (cinco) anos, com pro-
dução científica/tecnológica regular há, pelo menos, 7 (sete) anos e que tenha comprovada
independência e liderança na sua área de atuação, demonstrada pela publicação de trabalhos
em periódicos de reconhecida importância e pela participação na formação de novos douto-
res e nucleação de grupos de pesquisa. (CNPq, Instrução de Serviço, 1996, 002/96, p.2-3.)

Para a classificação inicial (2C), o tempo máximo de permanência é de quatro anos,


e, de seis anos, para a 2B. Caso o desempenho do pesquisador não justifique sua promo-
ção para 2B ou 2A, respectivamente, o bolsista será excluído do sistema. Não há previsão
quanto ao limite de tempo para permanência nas categorias 2A, 1C e 1B, mas o docu-
mento citado indica que aqueles que não apresentarem, a cada dois anos, produção cien-
tífica compatível com a sua classificação devem ser advertidos pelo CA do risco de serem
excluídos do sistema (CNPq, 1996).
Como somente os bolsistas classificados na categoria 1 (nível C, B ou A) podem ser
indicados para integrarem CAs, o universo no qual são escolhidos os representantes da
subárea de Planejamento Urbano e Regional fica restrito a cerca de cinqüenta pesquisa-
dores, conforme o diretório dos grupos de pesquisa (CNPq, 2002). Ocorre, porém, que a
atual classificação dos pesquisadores do CA/SA, ao qual é afeta aquela subárea, reflete uma
situação anterior à vigência da norma anteriormente mencionada, como reiterou o rela-
tório da reunião de junho de 2001:

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 29


A P O L Í T I C A D E F O M E N T O À P E S Q U I S A U R B A N A

Como, numa certa época, os pesquisadores que entravam no sistema eram sempre clas-
sificados como 2C, e noutros momentos isto não aconteceu, isto resultou em critérios de
classificação não equivalentes para os membros do sistema. De outro lado, não existe con-
senso quanto ao que se chama “produção científica regular”. Os indicadores de produção
científica/tecnológica/artística são distintos para as diferentes áreas … O CA/SA tem procu-
rado corrigir este dado, sempre que algum pesquisador pede e consegue bolsa de produtivi-
dade. Mas sua atuação tem sido restrita. (Pasternak, 2001.)

A fim de que se proceda a uma ampla reclassificação dos pesquisadores, seria re-
comendável, também, proceder a uma revisão dos critérios e divulgá-los na comunida-
de científica. Sem pretender levantar, de forma exaustiva, todos os aspectos que care-
cem de revisão, chamo atenção para a necessidade de se definir, com mais clareza, os
indicadores de uma “produção científica regular”, bem como de se ter um maior rigor
quanto às exigências relativas a pesquisadores de nível 1. A vinculação a programas de
pós-graduação, por exemplo, deveria ser condição sine qua non para a ascensão a esse
nível, a não ser em casos muito especiais, como, por exemplo, na área de Artes. Defi-
nições desse tipo seriam relevantes, também, para subsidiar os consultores ad hoc no jul-
gamento da qualificação dos solicitantes, de sua produção científica e de sua capacida-
de de formar pesquisadores.
Como ponto de partida, sugere-se considerar a produção científica de pesquisadores
doutores, registrada no Curriculum Lattes e divulgada no diretório de grupos de pesqui-
sa. A Tabela 1 dá uma idéia aproximada dessa produção, para o conjunto das subáreas in-
tegrantes do CA/SA (Geografia Humana, Demografia, Planejamento Urbano e Regional e
Arquitetura), no período de 1997 a 2000 – último para o qual se dispõe de dados publi-
cados (CNPq, 2002).
Predominam trabalhos completos publicados em anais de eventos científicos (média
de 3,0 por pesquisador no período, ou seja, 1,0 por ano). De um modo geral, para qual-
quer outro tipo de produção científica, a média anual por pesquisador é inferior a 1,0 tra-
balho publicado. Dividindo-se por três os valores da Tabela 1, tem-se 0,60 trabalhos pu-
blicados em periódicos nacionais/ano; 0,13 no caso de periódicos internacionais; 0,37
livros; 0,40 capítulos de livros. Quanto às dissertações e teses orientadas, as médias anuais
são, respectivamente, 0,43 e 0,06 – e esse último valor reflete a implantação relativamen-
te recente de cursos de doutorado na área.
Em termos comparativos, o desempenho dos pesquisadores do CA/SA é bastante se-
melhante àquele relativo ao CA/CE (Economia, Administração e Direito). Também nesse
caso predominam trabalhos completos publicados em anais de eventos científicos (média
de 3,09 – ou aproximadamente 1,0 por pessoa/ano, também no período de 1997 a 2000).
As demais médias anuais são próximas daquelas aferidas para o CA/SA, situando-se um
pouco acima – nos casos de artigos publicados em periódicos nacionais (0,64) e orienta-
ções de dissertações (0,49) –, ou um pouco abaixo – nos casos de artigos publicados em
periódicos internacionais (0,11), livros (também 0,11) e capítulos de livros (0,28). Quan-
to a orientações de teses, a média por pesquisador/ano é a mesma (0,06), refletindo situa-
ção análoga quanto ao caráter recente dos cursos de doutorado.
Os CA/CS e CA/ED apresentam perfil semelhante entre si, no que respeita a uma
maior concentração da produção na forma de artigos publicados em periódicos nacionais
(respectivamente, 0,75 e 0,72 por pesquisador/ano). Em relação ao CA/SA, ambos apre-
sentam produção ligeiramente superior quanto a capítulos de livros (0,49 por pesquisa-

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dor/ano para o CA/CS; e 0,44 para o CA/ED). Não há diferenças significativas no que se re-
fere a publicações internacionais, livros e orientações.
Ressalte-se que, provavelmente, esses dados subestimam a produção científica do
conjunto do CA/SA, já que, como foi mencionado, existem pesquisadores não registrados
em grupos de pesquisa do diretório do CNPq, ou registrados em outras áreas do conheci-
mento. Além disso, seria mais apropriado considerar separadamente a produção científi-
ca dos pesquisadores que são bolsistas do CNPq, desagregando-os de acordo com a classi-
ficação deles.5 Tabulações específicas para a produção dos líderes de grupos de pesquisa 5 Tabulações desses dados
me foram gentilmente envia-
poderiam fornecer parâmetros mais adequados para classificar pesquisadores de nível 1. das por Ricardo Lourenço,
De qualquer forma, a avaliação quantitativa da produção científica dos grupos de do CNPq, quando esse tra-
balho estava em fase final.
pesquisa parece sinalizar a necessidade de esforços que busquem melhorar os indicadores
do CA/SA. Para uma análise mais qualitativa, seria preciso não apenas hierarquizar os veí-
culos de divulgação, como os encontros e os periódicos científicos – a exemplo do que
tem feito a Capes, com o programa Qualis –, mas, também, definir quais os tipos de veí-
culos mais eficientes para a divulgação de trabalhos em cada área ou subárea, tendo em
vista suas especificidades. Por exemplo, nos casos de Arquitetura e Planejamento Urbano
e Regional – campos nos quais é particularmente forte a influência do conhecimento téc-
nico e a presença de profissionais não-vinculados à Academia – é provável que trabalhos
completos publicados em anais de eventos sejam mais difundidos para o público-alvo, do
que aqueles veiculados em revistas científicas especializadas.
Enquanto não se chega a um consenso sobre esses parâmetros, sugere-se que as mé-
dias registradas atualmente sejam tomadas como piso para aqueles que desejarem entrar
no sistema.

Tabela 1 – Produção científica de pesquisadores doutores por Comitês de Assessoramento


(CA) de Ciências Sociais Aplicadas e Educação* 1997 / 2000
Tipos de produção CA/SA CA/CS CA/ED CA/CE
N = 594 N = 1055 N = 1533 N =1050
Total Média Total Média Total Média Total Média
Artigos periódicos nacionais 1.070 1,8 2.402 2,27 3.333 2,17 2.027 1,93
Art. periódicos internacionais 238 0,40 440 0,41 539 0,35 355 0,33
Trab. Completos em anais 1.817 3,0 1.410 1,33 3.680 2,40 3.252 3,09
Livros 221 0,37 481 0,45 732 0,47 373 0,35
Capítulos de livros 723 1,21 1.564 1,48 2.063 1,34 912 0,86
Orientações de teses 212 0,35 317 0,30 508 0,33 198 0,18
Orientações de dissertações 778 -1,30 1.262 1,19 2.690 1,75 1.571 1,49
* Os CAs que integram a Coordenação de Ciências Sociais Aplicadas e Educação são os seguintes:
CA/SA – Geografia Humana, Demografia, Planejamento Urbano e Regional e Arquitetura;
CA/CS – Arqueologia, Antropologia, Sociologia e Ciência Política;
CA/ED – Educação;
CA/CE – Economia, Administração e Direito.
Fonte: CNPq, 2002, p. 379, 222, 51 e 111.

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A P O L Í T I C A D E F O M E N T O À P E S Q U I S A U R B A N A

O PARECER DE CONSULTOR “AD HOC”


COMO INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO

A atividade de pesquisa, seja ela aplicada ou não, está sempre ligada, implícita ou ex-
plicitamente, a uma atividade avaliativa. Não caberia, aqui, aprofundar a discussão sobre
as conseqüências sociais que tem toda e qualquer investigação científica, as quais não de-
pendem, necessariamente, dos propósitos explícitos dos pesquisadores e das instituições
que os apóiam. Importa destacar, porém, os diferentes aspectos em que a avaliação deve
ser pensada.
Na pesquisa aplicada, que busca intervir direta e imediatamente para solucionar um
problema de uma instituição ou grupo social, torna-se necessário julgar se as conclusões
e os resultados alcançados, em termos das transformações desejadas, são condizentes com
os objetivos estabelecidos. As pesquisas levadas a efeito no contexto acadêmico, em geral,
não têm um compromisso específico ou imediato com a transformação da realidade pes-
quisada – ainda que possam, a médio ou longo prazo, provocar mudanças (ou reforçar o
status quo), sendo inadequado, portanto, chamá-las de “puras”.
Nesse segundo tipo de investigação, exige-se, em primeiro lugar, o acompanhamen-
to do próprio processo de trabalho do qual resultarão monografias, dissertações, teses e
relatórios de pesquisa. Quando se trata de pesquisadores em formação, ocorre um moni-
toramento direto, por meio da supervisão exercida pelo orientador, e um julgamento pú-
blico por uma banca de especialistas, após a conclusão do trabalho. Em se tratando de
pesquisadores já formados, o mais comum é o acompanhamento e a avaliação serem fei-
tos de forma mais indireta e intermitente, por meio da apreciação de relatórios parciais
ou finais pelos pares (pesquisadores da própria instituição na qual se realiza o trabalho, ou
indicados por órgãos de financiamento). Qualquer que seja o caso, o ponto de partida é
um projeto de pesquisa ou plano de trabalho, o qual constitui, juntamente com a quali-
ficação do pesquisador, o principal foco do julgamento, quando se trata de decidir sobre
a alocação de recursos para o fomento à atividade científica.
Tudo isso parece óbvio, já que esses procedimentos avaliativos fazem parte do coti-
diano das universidades, dos centros de pesquisa e das instituições de fomento. Entretan-
to, precisamente por esse motivo, corre-se o risco de aceitar como evidentes e imutáveis
os critérios que norteiam tais avaliações, ou de não explicitá-los, nem fundamentar sua
aplicação. Daí a pertinência de uma reflexão sobre o formulário utilizado pelos consulto-
res ad hoc do CNPq para analisar projetos de pesquisa, o qual apresenta os seguintes ele-
mentos principais:

Análise do Projeto
• Relevância do tema.
• Adequação da metodologia e fundamentação teórica.
• Viabilidade de execução no contexto institucional previsto.
• Adequação do cronograma à duração da bolsa.

Qualificação do solicitante
• Qualidade e regularidade da produção científica divulgada em publicações especializa-
das arbitradas ou por outros meios mais eficientes da área.
• Capacidade comprovada de formar pesquisadores.

32 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


L I N D A M . P . G O N D I M

Cabe ressaltar que, ao preencherem esse formulário, os pareceristas, em princípio,


estariam obrigados a justificar suas avaliações. Contudo, não é raro encontrar pareceres
formulados em termos extremamente vagos ou contendo opiniões não fundamentadas,
limitando-se, por exemplo, a afirmar que “o tema é relevante”, “a metodologia é ade-
quada” ou “o pesquisador é qualificado”. Tal problema tem sido constatado mesmo em
reuniões recentes do CA/SA, o que torna pertinente a recomendação expressa em relató-
rio de reunião ocorrida em 2000: os pareceristas lacônicos, assim como aqueles que não
enviam nenhum parecer, deveriam ser advertidos pelo CNPq e, em caso de reincidência,
sofrerem algum tipo de sanção, como suspensão de seus processos e inabilitação para
novas solicitações.
Cabe, porém, uma ressalva: no julgamento ocorrido em novembro de 2002, o nú-
mero de processos sobre os quais somente um ou nenhum consultor ad hoc se pronun-
ciou foi consideravelmente mais alto do que em outras ocasiões. Essa baixa resposta po-
de ser atribuída, pelo menos em parte, a dificuldades decorrentes da informatização
recente do sistema, como atestaram alguns pesquisadores consultados. Em vários casos,
foi demorado e problemático o acesso, pela Internet, à documentação submetida pelo so-
licitante, sobretudo quando seu projeto ou relatório de pesquisa continha arquivos com
muitos gráficos e figuras – como é comum em trabalhos da área de estudos urbanos.
Refletir sobre a aplicação dos critérios contidos no formulário para consultores ad
hoc é tanto mais relevante quando se considera sua utilidade possível como modelo para
nortear a própria elaboração de projetos de pesquisa, sobretudo por parte de pesquisado-
res em formação, que não participam do sistema de consultores do CNPq. Na medida em
que, como foi visto, tal sistema está longe de permitir acesso amplo, mesmo a pesquisa-
dores relativamente experientes, divulgar os critérios de avaliação pode servir para uma re-
flexão mais abrangente sobre os julgamentos, particularmente no que se refere a seu grau
de objetividade e rigor. Nesse sentido, poderia contribuir, também, para aprimorar os jul-
gamentos realizados não só pelas bancas examinadoras de dissertações e teses, como na se-
leção de candidatos a programas de pós-graduação, a qual, geralmente, toma por base um
projeto de investigação.
Note-se que a própria definição do objeto de pesquisa supõe uma pré-avaliação da
situação a ser pesquisada, em termos de sua relevância para constituir um problema cien-
tífico. É preciso ir além de constatar a importância do tema em termos sociais, e demons-
trar por que se deve investigá-lo por meio de uma determinada abordagem e num “recor-
te” empírico específico (Gondim, 1999). Como advertiu Bourdieu (1989, p.20), não se
deve confundir a relevância social do problema a ser investigado com a relevância da pes-
quisa proposta. Essa última tem que ser aferida, também, em termos da contribuição ino-
vadora para a compreensão de uma questão social, ou em termos do estudo dessa ques-
tão de um ponto de vista (teórico ou empírico) pioneiro, ou ainda, por sua contribuição
para um maior aprofundamento e sistematização do conhecimento existente (Gondim &
Lima, 2002).
A consideração de todos esses aspectos requer uma visão de conjunto do campo te-
mático, que será tanto mais acurada quanto maior for o acesso dos avaliadores a instru-
mentos de análise fundamentados em procedimentos sistemáticos, como levantamentos
sobre o estado atual dos estudos técnicos e acadêmicos realizados. Nesse âmbito, o Urban-
data pode ter um papel estratégico, tendo subsidiado a realização de importantes balan-
ços temáticos sobre os estudos urbanos: o mais recente deles é o Mapeamento geral da pes-
quisa urbana no Brasil, de Licia Valladares e Magda Prates Coelho (2001), que amplia

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 33


A P O L Í T I C A D E F O M E N T O À P E S Q U I S A U R B A N A

análise apresentada em texto anterior (Valladares e Coelho, 1995), identificando as prin-


cipais tendências da produção sobre o urbano no período de 1989 a 1995.
Dada a abrangência de temas e correntes dentro de cada área temática – especial-
mente no caso dos estudos urbanos, cujo caráter nitidamente transdisciplinar já foi subli-
nhado –, os julgamentos exigem a participação de especialistas não só em termos do te-
ma da investigação, como da própria abordagem teórico-metodológica adotada. Outra
vez, evidencia-se a importância de se contar com um espectro mais amplo de consultores
ad hoc, recrutados em mais de um CA.
A questão da transdisciplinaridade, por vezes, coloca dificuldades adicionais, quando
os projetos envolvem técnicas especializadas, sobre as quais consultores que não tenham
formação ou experiência específica pouco podem opinar. Por outro lado, os especialistas
técnicos carecem de uma visão mais abrangente, que só a formação transdisciplinar pode
fornecer. É o caso, por exemplo, de propostas relativas a cadastro multifinalitário e geo-
processamento, as quais deveriam ser submetidas, também, a consultores de áreas discipli-
nares específicas, mesmo que não atuem em instituições de pesquisa acadêmica.
Os demais itens do formulário dizem respeito, mais diretamente, às condições do
pesquisador e da instituição na qual ele trabalha – aspectos que deveriam ser considera-
dos, também, na apreciação sobre a adequação do cronograma proposto. A avaliação das
condições de infra-estrutura e da experiência técnica e acadêmica das instituições seria fa-
cilitada mediante a divulgação da respectiva produção de trabalhos científicos. Nesse sen-
tido, mais uma vez a consulta a bancos de dados é pertinente, assim como a elaboração,
pelas associações científicas de cada subárea específica, de perfis instituicionais.
Obviamente, a viabilidade de execução da pesquisa não depende apenas das condi-
ções da instituição, mas da formação e experiência do pesquisador. Daí que o item qua-
lificação do solicitante reveste-se da maior importância, expressando-se por meio de uma
produção científica regular e de sua capacidade de formar pesquisadores – como especi-
fica o formulário do CNPq –, mas, também, por sua experiência em trabalhos de inves-
tigação empírica. Embora haja, em geral, estreita relação entre esses aspectos, é preciso
lembrar que muitos trabalhos publicados resultam de estudos teóricos ou de cunho en-
saístico, sem embasamento em pesquisa strictu sensu. A qualificação do proponente deve-
ria ser aferida, também, por meio do exame de sua experiência em trabalhos empíricos,
técnicos ou acadêmicos, constantes do Curriculum Lattes.
Os critérios incluídos no formulário para parecer de consultores ad hoc estiveram
presentes, com algumas modificações e acréscimos, no Edital Universal 01/2001, relati-
vo à chamada para apresentação de propostas de auxílio individual, julgadas em junho
de 2001:

1 originalidade ou caráter de inovação;


2 resultados esperados e benefícios potenciais para a respectiva área do conhecimento;
3 adequação da metodologia;
4 composição da equipe para execução do projeto;
5 competência e experiência prévia do coordenador na área do projeto de pesquisa;
6 interdisciplinaridade ou multidisciplinaridade da proposta;
7 relevância para o desenvolvimento científico e tecnológico do país;
8 contribuição para a superação de desigualdades regionais;
9 resultados esperados e benefícios potenciais para a sociedade brasileira;
10 adequação do orçamento aos objetivos do projeto;

34 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


L I N D A M . P . G O N D I M

11 necessidade real dos recursos do CNPq, face a recursos recebidos (ou solicitados) de ou-
tras fontes;
12 adequação do cronograma físico e qualidade dos indicadores do progresso técnico-cientí-
fico do projeto;
13 contribuição para a formação de recursos humanos;
14 consistência da natureza da proposta com a infra-estrutura disponível e os recursos hu-
manos envolvidos. (CNPq, 2001, p.3-4.)

Os critérios mencionados nos itens 1, 2, 6 e 7 substituem – a meu ver, de modo mais


apropriado – a “relevância do tema”, já que explicitam de maneira detalhada os aspectos
em que tal relevância deve ser aferida. Já os itens 8 e 9 constituem uma especificação do
critério referente à importância do problema de pesquisa, do ponto de vista dos benefí-
cios que podem advir diretamente para a sociedade.
Chamo atenção para o critério “contribuição para a superação de desigualdades re-
gionais”, que mereceria uma reflexão mais aprofundada por parte da comunidade cientí-
fica. Freqüentemente, é difícil, quando não impossível, avaliar, em termos regionalizados,
o impacto potencial de uma investigação. Talvez fosse mais oportuno pensar num siste-
ma de pesos que incentivasse a desconcentração de recursos para o fomento à pesquisa,
do ponto de vista da localização regional da instituição onde será realizado o trabalho.

CONCLUSÃO

Esse trabalho apresentou algumas reflexões sobre os mecanismos de suporte aos pro-
cessos decisórios do CNPq, especialmente no que diz respeito à concessão de bolsas PQ. Foi
levantada a necessidade de se ampliar o número de consultores ad hoc, o que está relacio-
nado à quantidade de bolsas PQ disponibilizadas. A classificação dos pesquisadores em ní-
veis e categorias (2C, 2B, 2 A e 1C, 1C e 1 A) está a merecer uma revisão, norteada por
critérios mais claramente definidos para a apreciação da produção científica. Isso poderia
ser feito com base em indicadores levantados no diretório dos grupos de pesquisa, em re-
lação aos pesquisadores do CA/SA e de outras áreas afins. É importante que tais parâme-
tros sejam divulgados – não só pelo CNPq, como pela Anpur –, para que os consultores
tomem como ponto de partida a média de publicações de pesquisadores da área, sem es-
quecer de referenciá-la à classificação do solicitante (categorias 1 e 2, níveis A, B ou C).
Tendo em vista a importância do CNPq como agente de fomento e o papel-chave de-
sempenhado pelos CAs na implementação de suas políticas e programas, considerei opor-
tuno discutir os critérios e as condições que têm sido, efetivamente, observados na atuação
Linda M. P. Gondim, soció-
do CA/SA. Foi analisado o formulário para consultores ad hoc, chamando-se a atenção para loga, é professora da Uni-
a necessidade de estabelecer um mecanismo que obrigue os pareceristas a fundamentarem versidade Federal do Ceará
e representante de Planeja-
os seus julgamentos. De um modo geral, a explicitação de critérios avaliativos de projetos mento Urbano e Regional no
de pesquisa se faz premente, já que nem sempre tais critérios são elaborados e aplicados Comitê de Assessoramento
de Geografia Humana, De-
com a clareza, o rigor e a objetividade desejáveis, mesmo quando se trata de avaliar pesqui- mografia, Planejamento Ur-
sadores em formação (candidatos ao mestrado e ao doutorado, por exemplo). bano e Regional e Arquitetu-
ra do CNPq. E-mail:
Nesse quadro, a realização e divulgação de balanços dos trabalhos de pesquisa reali- lgondim@secrel.com.br
zados torna-se tarefa da maior relevância, que pode ser viabilizada com o apoio de ban- Artigo recebido para publica-
cos de dados e da análise da produção neles registrada. ção em novembro de 2002.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 35


A P O L Í T I C A D E F O M E N T O À P E S Q U I S A U R B A N A

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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World – Latin America. Toronto: Centre for Urban & Community Studies, 1995.
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__________. Mapeamento geral da pesquisa urbana no Brasil. S.l.: s.n., Relatório de pes-
quisa, 2001. cap.1. (Mimeo.)

A B S T R A C T This paper discusses aspects of evaluation processes concerning the


concession of research grants by CNPq (Brazil’s funding agency for scientific research and
technology). It approaches the role of advisory committees and ad hoc consultants, considering
criteria applied to classify researchers in different ranks (1 and 2) and categories (C, B, and
A). The discussion of this classificatory system is based on the analysis of researchers’ scientific
production presented in the Directory of Research Groups, published in 2002. An analysis of
the form used by ad hoc consultants is also presented, pointing out the need for spelling out
the criteria applied to assess research proposals, in order to reach more rigorous and objective
decisions.

K E Y W O R D S Evaluation; research funding; urban research.

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A AVALIAÇÃO DA
PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL
ALGUNS PONTOS PARA SUA COMPREENSÃO E DISCUSSÃO

MAURICIO DE ALMEIDA ABREU

R E S U M O No Brasil, os programas de pós-graduação strictu sensu são avaliados


anualmente pela Capes. Trata-se de processo complexo, necessário e importante, que vem
sendo aprimorado a cada ano. A atividade de avaliação possui a grande vantagem de ser
realizada pela própria comunidade acadêmica, figurada na Capes por representantes de
área, comissões de área e representantes de grande área. Atenção especial é dada pelas dife-
rentes comissões à avaliação qualitativa e quantitativa da produção científica. O sistema
tem sido falho, entretanto, ao não associar claramente a atividade de avaliação com a polí-
tica de fomento acadêmico, disso resultando incongruências graves que precisam ser rapida-
mente sanadas. Este texto objetiva esclarecer a estrutura do processo de avaliação da Capes,
indicando, ponto a ponto, como ele funciona.

P A L AV R A S - C H AV E Capes; programas de pós-graduação; avaliação.

Para a discussão do processo de avaliação continuada dos programas de pós-gradua-


ção, realizado anualmente pela Capes, os seguintes pontos – entre muitos outros – mere-
cem ser considerados pela Anpur.

A IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE AVALIAÇÃO

No Brasil, os programas de pós-graduação strictu sensu são avaliados anualmente pe-


la Capes. Trata-se de processo complexo, necessário e importante. Obviamente, não é
perfeito, mas vem sendo aprimorado a cada ano. Embora esteja sujeita a críticas, muitas
delas justificadas, a atividade de avaliação possui a grande vantagem de ser realizada pela
própria comunidade da pós-graduação, composta na Capes por representantes de área,
comissões de área e representantes de grande área. São, portanto, os pares que têm a res-
ponsabilidade de avaliar a pós-graduação. Apoiar e garantir a continuidade e aprimora-
mento desse processo – um dos melhores do mundo – deve ser um objetivo de todas as
associações científicas.

REPRESENTANTES DE ÁREA, COMISSÕES DE


ÁREA E REPRESENTANTES DE GRANDE ÁREA

Cada área do conhecimento possui um(a) representante na Capes, escolhido(a) por


consulta feita aos programas de pós-graduação. Essa pessoa é a interlocutora da área e tem

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 37


A A V A L I A Ç Ã O D A P Ó S - G R A D U A Ç Ã O N O B R A S I L

um mandato de três anos. Cabe à representação de área compor uma comissão de área,
que atue no sentido de prestar-lhe assessoria direta, participando, por exemplo, da avalia-
ção anual dos programas de pós-graduação e do julgamento dos pedidos de implantação
de cursos novos. A designação dos integrantes das comissões de área é responsabilidade
única e exclusiva do(a) representante de área, que pode fazê-lo com ou sem consulta a as-
sociações científicas. As comissões podem ser permanentes ou temporárias, mas é comum
que sejam compostas obedecendo critérios de participação interna das subáreas de conhe-
cimento que compõem a área e de representatividade regional.
Há 46 áreas do conhecimento (e, portanto, 46 comissões de área), que são, por sua
vez, agregadas em 11 grandes áreas: Ciências da Saúde, Ciências Biológicas, Ciências Exa-
tas, Engenharias, Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Agrárias, Letras
e Linguística, Artes, Ensino de Ciências e Multidisciplinar. Todas as grandes áreas têm re-
presentação no Conselho Técnico Científico (CTC), que é a instância homologadora de
decisões relativas à avaliação da pós-graduação no País. Com exceção das quatro últimas
grandes áreas, que possuem apenas um representante no CTC, as demais possuem dois.
Todos os representantes de grande área são eleitos por consulta feita aos representantes das
áreas que a compõem. Na Capes, as áreas mais representativas da Anpur fazem parte de
duas grandes áreas do conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas (que congrega Planeja-
mento Urbano e Regional, Arquitetura e Urbanismo, Comunicação, Direito, Economia,
Demografia, Serviço Social e Administração/Turismo) e Ciências Humanas (que inclui
Geografia, História, Sociologia, Ciência Política, Antropologia, Educação, Psicologia e Fi-
losofia/Teologia).

OS RELATÓRIOS ANUAIS DOS CURSOS


E SUA UTILIZAÇÃO PELAS COMISSÕES

O processo de avaliação tem início com o envio anual, pelos diversos programas de
pós-graduação, de um relatório que dá conta das atividades desenvolvidas nos últimos do-
ze meses (docentes envolvidos, número de teses e dissertações defendidas, produção cien-
tífica docente e discente, disciplinas ministradas etc.). Com base nessas informações bru-
tas, a Capes prepara uma série de tabelas e índices que são depois disponibilizados às
comissões de área. Embora as fichas de avaliação sejam idênticas para todas as áreas (in-
cluindo quesitos relativos à Proposta do Programa, Corpo Docente, Atividades de Pesqui-
sa, Atividades de Formação, Corpo Discente, Teses e Dissertações e Produção Intelectual),
cada comissão é livre para estabelecer os pesos que considera adequados para cada um de-
les, respeitados certos limites máximos e mínimos estabelecidos pela Capes. Da mesma
forma, cada comissão é livre para estabelecer métodos próprios de análise das informações
fornecidas pelos programas, algumas optando por pautar seu julgamento quase que exclu-
sivamente por critérios quantitativos, outras optando por um maior equilíbrio entre cri-
térios quantitativos e qualitativos. Para assegurar a transparência do processo de avaliação,
a Capes disponibiliza, em sua página na Internet (www.capes.br), um documento prepa-
rado por cada uma das comissões de área (chamado Documento de Área), que explicita
os critérios de avaliação por elas utilizados.

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M A U R Í C I O D E A L M E I D A A B R E U

AVALIAÇÃO CONTINUADA

Atualmente, o processo de avaliação dos programas de pós-graduação é conhecido


como “avaliação continuada”. O qualificativo indica que se trata de um processo ininter-
rupto de análise da pós-graduação, que permite que cada comissão de área acompanhe de
perto o desempenho dos programas que lhe são vinculados. A cada três anos de avaliação
continuada as comissões atribuem aos cursos um conceito que varia de 1 (mínimo) a 7
(máximo). Para serem oficializados pelo Conselho Nacional de Educação, os conceitos
atribuídos pelas comissões precisam ser homologados pelo Conselho Técnico Científico
(CTC) da Capes, que tem poder para manter ou alterar as decisões das comissões.
Até 1996, a avaliação dos cursos de pós-graduação utilizava letras, em vez de núme-
ros, e era interna a cada área. Em outras palavras, o melhor curso de uma área obtinha,
invariavelmente, o conceito A, seguindo-se-lhe outros classificados como B, C etc. A par-
tir de 1997, entretanto, o sistema de avaliação mudou. Na tentativa de estabelecer crité-
rios que permitam a comparação entre as diversas áreas, a Capes vem adotando uma hie-
rarquização de notas que só é ordinal até certo nível da escala de classificação, fato que
tem originado tensões interáreas. Segundo o sistema em vigor, cursos com nota 1 e 2 não
são reconhecidos pela Capes; por essa razão, eventuais diplomas por eles emitidos não têm
reconhecimento oficial do Ministério da Educação. As notas 3, 4 e 5 garantem o reconhe-
cimento oficial da Capes e sinalizam, grosso modo, um nível de qualidade regular, bom e
muito bom, respectivamente. Notas 6 e 7 são indicadoras de excelência e premiam cur-
sos que, além de se destacarem no cenário nacional como centros de referência, possuem
também inserção internacional. É sobretudo em relação a esses dois últimos níveis que
surgem as tensões, conforme será discutido mais adiante.

A IMPORTÂNCIA DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA

A grande maioria das comissões de área confere peso elevado à produção intelectual
docente. A sua mensuração, entretanto, varia conforme a especificidade de cada área. Há
áreas que privilegiam a publicação apenas em periódicos internacionais, que são hierar-
quizados em função de índices de impacto ou de citação fornecidos por instituições pri-
vadas que monitoram o que é publicado (e citado) nas revistas científicas; é o caso, por
exemplo, das áreas que integram as Ciências Biológicas e as Ciências da Saúde. Nas En-
genharias, as conferências em congressos possuem o maior peso. Já para as Ciências Exa-
tas, é muito importante a publicação em anais de congressos. As Artes, por sua vez, pre-
cisam ter critérios bastante específicos de mensuração da produção (no caso, artística). As
Ciências Humanas e as Ciências Sociais Aplicadas dão destaque a quatro tipos de produ-
ção: livros, capítulos de livros, artigos em periódicos e trabalhos completos em anais.

QUALIS

Visando garantir maior homogeneidade ao julgamento da produção intelectual pe-


las diversas áreas, sobretudo no que diz respeito à produção bibliográfica, a Capes vem so-
licitando às comissões que estabeleçam uma hierarquização dos veículos de publicação
utilizados por seus profissionais segundo critérios de circulação (internacional, nacional e

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 39


A A V A L I A Ç Ã O D A P Ó S - G R A D U A Ç Ã O N O B R A S I L

local) e de qualidade (A, B e C). A essa classificação dá-se o nome de Qualis. Seu objeti-
vo é não apenas fornecer uma avaliação, anualmente renovada, dos veículos utilizados por
cada área, mas oferecer também uma sinalização que oriente cada pesquisador em sua de-
cisão sobre o melhor destino a dar à sua produção científica. No momento atual, quase
todas as áreas de avaliação da Capes já contam com o Qualis. Nas humanidades, os Qua-
lis são mais recentes e muitos apresentam-se ainda provisórios e incompletos. Embora sua
aplicação no processo de julgamento tenha estimulado uma série de críticas por parte de
diversas comunidades científicas, que o consideram uma interferência desnecessária e in-
devida da Capes sobre a vida acadêmica, a verdade é que os Qualis, refinados a cada ano
pelas diversas comissões, vêm tendo um papel decisivo na elevação da qualidade técnica
e científica dos veículos de divulgação da produção das ciências humanas e sociais.

ÁREAS E GRANDES ÁREAS:


NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO
Como já discutido, o processo de avaliação continuada permite que cada área do
conhecimento estabeleça, de forma autônoma, seus próprios critérios e parâmetros de
julgamento. Todavia, como as avaliações finais de cada área precisam ser homologadas
pelo CTC, que se estrutura em nível de grande área, cada vez mais faz-se necessário esta-
belecer normas e procedimentos comuns de grande área, que possibilitem maior integra-
ção entre as diversas áreas que a compõem, sobretudo no que toca a definição de crité-
rios de excelência.
A última avaliação trienal foi traumática para a maioria das áreas das humanidades,
que viram os conceitos conferidos por suas comissões ser alterados para baixo pelo CTC.
Dessa experiência resultou, entretanto, o reconhecimento de que, em comparação às cha-
madas “ciências duras”, que atuavam relativamente em bloco no CTC, exibindo grande
homogeneidade de critérios, as ciências humanas e sociais caracterizavam-se pela multi-
plicidade de critérios e pela falta de integração, situação que era responsável, em grande
parte, por sua fragilidade. Tentando reverter essa situação, faz-se agora um esforço con-
centrado para aumentar a integração, não apenas entre as áreas que compõem as Ciências
Humanas e Ciências Sociais Aplicadas, mas também entre essas duas grandes áreas. A
aproximação vem sendo buscada também com as grandes áreas de Letras e Linguística,
Artes e Ciências Agrárias, com as quais possuímos interfaces importantes.

A AVALIAÇÃO 2004 JÁ COMEÇOU


Ao mesmo tempo em que as áreas que compõem uma grande área fazem esforços
para aumentar sua integração, é fundamental que se estabeleça, ainda em 2003 e conjun-
tamente (isto é, Ciências Humanas + Ciências Sociais Aplicadas), os fundamentos que
nortearão a atuação das comissões na avaliação de 2004. Para que não haja problemas
com a homologação posterior no CTC, é também necessário que as grandes áreas consi-
gam aprová-los previamente no CTC, evitando-se, com isso, as tensões que pautaram a ho-
mologação de 2001. Nesse sentido, as grandes áreas de Ciências Humanas e de Ciências
Sociais Aplicadas vêm correndo contra o tempo para tentar estabelecer definições, crité-
rios e parâmetros de julgamento que sejam comuns às áreas que as compõem. Como os

40 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


M A U R Í C I O D E A L M E I D A A B R E U

maiores pontos de tensão dizem respeito à atribuição das notas 6 e 7, é fundamental de-
finir também o que se entende por “inserção internacional” nessas grandes áreas e indicar
os parâmetros que podem ser usados para mensurá-la. Com o intuito de exemplificar o
que vem sendo discutido, apresentamos, em anexo, os critérios de excelência aprovados
pela Grande Área de Ciências Humanas em reunião de 26/6/2002 e já apresentados ao
CTC. São critérios que ainda merecem mais detalhamento, tarefa que será realizada em
conjunto com a Grande Área de Ciências Sociais Aplicadas.

AVALIAÇÃO E FOMENTO: DUAS FACES DA MESMA


MOEDA QUE NEM SEMPRE SE COMPLETAM

Na Capes, as atividades de avaliação e de fomento, pilares básicos do sistema de


acompanhamento da pós-graduação, nem sempre se equilibram. Às comissões de área
cabe, sobretudo, a tarefa de avaliar. Embora a atividade de avaliação acabe produzindo
efeitos no fomento, em especial no que toca as quotas de bolsas e de recursos financei-
ros dos programas, a verdade é que o fomento tem também um movimento próprio,
independente das atividades das comissões, o que, não raro, produz situações parado-
xais e contraditórias.

AS ASSOCIAÇÕES CIENTÍFICAS E A CAPES

Os representantes de área e de grande área vêm sendo constantemente lembrados pe-


la Capes de que as diversas áreas do conhecimento (e suas respectivas sociedades científi-
cas) podem e devem ter um papel mais decisivo no fomento. Segundo essa cobrança, as
sociedades científicas deveriam influir mais no estabelecimento da política de pós-gradua-
ção, fornecendo à Capes propostas efetivas de atuação nas áreas que representam. Isso in- Maurício de Almeida
cluiria, por exemplo, a definição pelas sociedades científicas, a cada triênio, dos progra- Abreu, geógrafo, é profes-
sor da Universidade Federal
mas de fomento que deveriam ser priorizados na sua área de atuação: por exemplo, que do Rio de Janeiro e repre-
modalidade de bolsas desejam ver incentivadas (mestrado e doutorado no País?, pós-dou- sentante da área de Geogra-
fia na Capes.
torado no exterior?). Poderiam também recomendar a adoção de programas de ação in- E-mail: abreu@igeo.ufrj.br
duzida, visando à melhor capacitação de uma determinada área ou subárea do conheci- Artigo recebido para publica-
mento. A Anpur pode e deve fazer uso desse canal de pressão. ção em novembro de 2002.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 41


A A V A L I A Ç Ã O D A P Ó S - G R A D U A Ç Ã O N O B R A S I L

ANEXO

CRITÉRIOS DE EXCELÊNCIA – GRANDE ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS


(Documento preliminar elaborado pela Grande Área de Ciências Humanas)

O perfil de excelência dos programas de pós-graduação da Grande Área de Ciências


Humanas se apóia no tripé constituído por formação, corpo docente e pesquisa e produção
científica com inserção internacional. A diferenciação entre os níveis 6 e 7 será estabeleci-
da com a gradação, ainda por ser definida, dos critérios abaixo relacionados:

FORMAÇÃO

1) Formação de excelência de pós-graduação com qualidade compatível àquela dos me-


lhores programas internacionais de cada área;
2) Bibliografias que expressem o estado atual da arte;
3) Participação do corpo discente em congressos e seminários no exterior;
4) Fluxo expressivo e constante de estágios sanduíche no exterior.

CORPO DOCENTE

1) Orientadores com expressiva produção intelectual de nível internacional;


2) Fluxo constante de estágios de formação pós-doutoral;
3) Presença regular de professores visitantes estrangeiros;
4) Cursos e colaborações em atividades de ensino em instituições de reconhecido nível de
excelência no exterior;
5) Participação do corpo docente em comitês editoriais e como parecerista de periódicos
internacionais;
6) Posições de destaque em instituições e associações científicas de prestígio na área.

PESQUISA E PRODUÇÃO CIENTÍFICA COM INSERÇÃO INTERNACIONAL

1) Publicação de resultados de pesquisa original, sob a forma de livros, capítulos de livros


e/ou coletâneas;
2) Publicação de artigos em periódicos internacionais de reconhecida importância;
3) Intercâmbios de pesquisa e convênios ativos firmados com instituições estrangeiras
de reconhecido prestígio científico, em regime de reciprocidade e com divulgação
no exterior;
4) Programas institucionais de cooperação internacional exigindo missões bilaterais de
trabalho;
5) Participação qualificada (conferências, mesas redondas, organização de grupos de tra-
balho) em eventos científicos internacionais de grande relevância para a área;
6) Promoção de eventos científicos internacionais;
7) Prêmios internacionais;
8) Consultorias a organismos internacionais.

Nota: Índices de impacto e/ou de citação não são critérios importantes para a avaliação de exce-
lência na Grande Área de Ciências Humanas.

42 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


M A U R Í C I O D E A L M E I D A A B R E U

A B S T R A C T University graduate programs are evaluated each year in Brazil by


the Ministry of Education through its agency Capes. The evaluation process is a necessary and
constantly improved activity. Its most important characteristic is that it is coordinated by the
academic community itself, through the work of several evaluation commissions and repre-
sentatives, each one pertaining to a specific academic discipline or group of disciplines. Spe-
cial attention is given to the evaluation of the scientific production of the graduate programs.
A major drawback of the system is that it fails to closely associate evaluation results with
Capes’ financial and academic support policies, thus creating “noise” problems which must be
quickly eliminated. This text aims at explaining the structure of this evaluation process and
how it works.

K E Y W O R D S Capes; graduate programs; evaluation.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 43


RETRATANDO OS
AVALIADOS NAS ÁREAS
BÁSICAS DA CAPES EM 2001
A PESQUISA NOS PROGRAMAS BRASILEIROS
DE PÓS-GRADUAÇÃO SEGUNDO UMA “ÁREA ANPUR” 1
1 Arquitetura e Urbanismo e
Planejamento Urbano e Re-
gional/Demografia.

PHILIP GUNN

R E S U M O Este trabalho discute a base institucional para pesquisa nos programas


brasileiros de pós-graduação, vista pela ótica dos programas membros da Anpur. A intenção é
apresentar um retrato resumido das prioridades de pesquisa em cada programa, com base no
Censo anual de dados e informações coletadas pela agência de fomento e de regulação do MEC
– a Capes, responsável pela avaliação dos programas. As prioridades foram consideradas se-
gundo as Linhas de Pesquisa anunciadas pelos programas, possibilitando não somente uma es-
pécie de perfil dos programas componentes da Anpur, mas também facilitando um entendi-
mento da história institucional e geográfica da pesquisa urbana e regional nas Universidades
e Institutos de Pesquisa no País. O trabalho mostra que a maior parte dos programas atuais
da Anpur tem vínculos históricos com a arquitetura e as linhas atuais destes programas refle-
tem a própria história de ensino do modernismo nas escolas de arquitetura e urbanismo. Por
isso a influência de um modelo de “áreas temáticas” de História, Projeto e Tecnologia se refle-
te nas linhas de pesquisa de muitos programas. Nem todos os programas membros da Anpur
seguem esta “lógica” institucional e o trabalho tenta retratar de forma sumária as outras orien-
tações institucionais que influem no perfil mais complexo e interdisciplinar da Associação, no
campo de pesquisa.

P A L A V R A S - C H A V E Pesquisa; programas de pós-graduação; ava-


liação; Capes.

LINHAS DE PESQUISA E NOTAS PARA UMA


HISTÓRIA INSTITUCIONAL DOS PROGRAMAS

Existe um número sem fim de portas de entrada no aproveitamento de um acervo


bastante complexo de dados como é o censo das informações elaboradas pelo conjunto
das escolas ou programas de pós-graduação e organizadas pela agência governamental Ca-
pes.2 A razão dualista ou as razões dualistas na área Urbano e Regional foram usuais nos 2 São de grande utilidade as
sugestões para reflexão te-
anos sessenta e no início dos anos setenta do século passado. Os dualismos foram uma ca- mática de Maria Stella Bres-
racterística no urbanismo de Françoise Chaoy, que foi uma leitura obrigatória nas escolas ciani da Unicamp.

de arquitetura da época, ao lado de autores como Benevolo e Mumford. Os dualismos fo-


ram freqüentemente empregados para estabelecer uma variedade de diferenças na área:
diferenças de objeto (o edifício e a cidade); diferenças de escala (o urbano e o regio-

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 45


R E T R A T A N D O O S A V A L I A D O S

nal); diferenças de prática (a acadêmica e a profissional); e diferenças ontológicas até de


olhar (a compreensão e a intervenção). Na historiografia da área, seria importante ver o
dualismo específico da Arquitetura e Urbanismo como uma herança dessa época, ainda
presente como uma alternativa para a organização atual de “linhas” de pesquisa institu-
cionalizadas nos programas de pós-graduação.
Alternativamente existe a possibilidade de entendimento seguindo uma história evo-
lutiva da área por períodos sucessivos. Essa alternativa abre a possibilidade de uma trilo-
gia de fases históricas na evolução institucional de escolas e programas acadêmicos em ar-
quitetura, urbanismo e planejamento no século XX. Internacionalmente o nascimento da
“área” na academia ocorre na Inglaterra em 1909, quando a Universidade de Liverpool
cria o curso de Civic Design com participação do arquiteto urbanista Patrick Abercrom-
bie. No mesmo ano o arquiteto urbanista Raymond Unwin iniciou o curso de Urbanis-
mo na sua “cadeira” na Universidade de Birmingham. Em ambos os casos, o surgimento
do Urbanismo como uma disciplina acadêmica na Inglaterra foi fruto das conseqüências
do processo acelerado de urbanização e industrialização no século anterior. O vínculo en-
tre os industriais responsáveis pelas company towns modelares, como Port Sunlight, pró-
ximo a Liverpool, ou Bournville, nos subúrbios de Birmingham, foi uma iniciativa dire-
ta, com G. C. Lever financiando a cátedra de Civic Design e George Cadbury financiando
o início do curso de Urbanismo na Universidade de Birmingham. Em 1927, o urbanis-
mo do movimento de Ebenezer Howard transformou o movimento International de Ci-
dade Jardim no International Federation of Housing and Town Planning, uma associação
que existe até os dias de hoje. Nesses termos, o planejamento urbano ou town planning
no Reino Unido nasceu simultaneamente ao surgimento do modernismo da arquitetura
3 Philip Gunn, “O urbanismo e do urbanismo dos CIAM.3
e o movimento moderno en-
tre os conceitos biológicos Num primeiro momento acadêmico, logo depois da Primeira Guerra, o urbanismo
de gerações e de sistemas no Brasil emergiu como uma especialidade de desenho arquitetônico da Escola de Belas
– anacronismos culturais ou
problemas paradigmáticos?”, Artes no Rio de Janeiro e como uma especialização em Engenharia Urbana na Escola Po-
in Anais do encontro II Semi- litécnica em São Paulo em 1917. Depois da Segunda Guerra, uma segunda fase poderia
nário Docomomo Brasil, Sal-
vador, 10 a 12 de setembro ser vista no “modernismo” de arquitetura e de urbanismo, que foi institucionalizada com
de 1997.
sua separação da Escola Politécnica e com a fundação, em 1947, da Faculdade de Arqui-
4 A Universidade de São tetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, criada em 1933.4 Nos seus laborató-
Paulo foi criada em 1933
com a incorporação da Fa- rios de urbanismo, o tema do planejamento urbano e regional foi uma tradição iniciada
culdade de Direito de 1826, nos anos cinqüenta, nesta segunda fase. Uma terceira fase seria a transformação da FAU
da Escola Politécnica de
1893, e da Faculdade de em meio ao crescimento do ensino superior nos anos sessenta com o auxílio da USAID. O
Medicina de 1912. No mes- início dos programas de pós-graduação na “área” em São Paulo em 1972 foi um momen-
mo ano da criação da FAU,
em 1947, a Universidade to especial de evolução do urbanismo para um novo “estágio” de planejamento urbano e
criou sua Faculdade de Saú-
de Pública. A sede inicial da
regional exemplificado em âmbito nacional com o trabalho governamental da Serfau, do
FAU foi na Vila Penteado si- Ibam e do IBGE.
tuada na rua Maranhão, no
bairro de Higienópolis. A mu-
As dualidades de arquitetura/urbanismo e de urbanismo/planejamento seriam ca-
dança para a Cidade Univer- racterísticas dessa segunda fase da história da FAU, mas sua evolução subseqüente viria de
sitária foi realizada nos anos
sessenta e na década se- rearticulações do currículo do curso de graduação que foram fruto dos “Fóruns” da fa-
guinte a Vila Penteado foi culdade realizados nas décadas de 1960 e 1970. Foi nesse período que a grade curricu-
transformada na sede do
novo programa de pós-gra- lar assumiu a forma atual de aulas agrupadas em matérias de história e de tecnologia em
duação da FAU-USP. dias alternados de manhã e aulas práticas de atelier de projeto na parte da tarde. A trilo-
gia departamental História, Projeto e Tecnologia então começou reunir “seqüências” de
disciplinas, com seqüências da História separando arte, arquitetura, urbanização e fun-
damentos. Na Tecnologia as seqüências originais eram construção e conforto ambiental

46 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


P H I L I P G U N N

visando ao edifício. Nos anos setenta, foi acrescentada uma seqüência de Metodologia,
de acordo com um viés instrumentalista que pode ser chamado de “modernismo tardio”.
No departamento de Projeto a divisão da área não seguiu uma separação simples de cam-
pos de arquitetura e de urbanismo.5 Em vez disso, houve tendências de especialização 5 Pelo contrário, houve uma
crença na unicidade de cam-
com o projeto sendo dividido em campos de paisagismo, comunicação visual, desenho po de atuação profissional
industrial, além da divisão por ano do curso de arquitetura e planejamento. Vale a pena do arquiteto numa variedade
de escalas espaciais desde
ressaltar que a crença na utilidade de especializações somente ganhou legitimidade pela o edifício no lote, o ambien-
primazia dos colegas professores – muitos aposentados e excluídos pelo regime militar –, te construído do bairro, da
cidade e até de sua região
praticantes de uma arquitetura moderna vinculada ao sucesso do brutalismo paulista e a de entorno.
outros feitos. Nessas condições a fórmula departamental pareceu adequada à necessida-
de de uma temática central forte de desenho do projeto, mas com espaços consideráveis
para as especializações não somente nos departamentos de História e de Tecnologia de
arquitetura e urbanismo.
Para programas de pós-graduação que nasceram em escolas de Arquitetura, a divi-
são de arquitetura e urbanismo foi uma referência primária. A trilogia modernista His-
tória, Projeto e Tecnologia, que se iniciou como referência de ensino de graduação nes-
sas escolas, foi uma segunda referência institucional importante na área dos programas
da Anpur. Uma terceira referência que rompe com uma lógica de “hegemonia dos arqui-
tetos” é a questão institucional da interdisciplinaridade. Na genealogia das escolas que
compõem a Anpur, houve casos em que um programa nasceu numa escola de Engenha-
ria mas “pulou” a etapa de organização da graduação dos arquitetos. Nesse caso, a histó-
ria do Ippur que nasceu na Coppe na UFRJ é exemplar. Mas essa história, na Academia,
reflete uma passagem maior, desde os anos sessenta, do urbanismo para o planejamento
– entendida como uma atividade interdisciplinar com a presença de arquitetos, mas tam-
bém de geógrafos, economistas, sociólogos, além de engenheiros, estatísticos, advogados
e outros profissionais nos campos de estudos urbanos e regionais.6 A questão delicada 6 A reação, tipificada pela
experiência da FAU-USP, se-
aqui é o grau de autonomia permitido, conquistado ou alcançado por cada contribuição ria a de criar uma espécie
disciplinar ao “convívio” multi ou interdisciplinar de planejamento. Os casos institucio- de enclave disciplinar de do-
centes “não arquitetos” para
nais em São Paulo e no Rio de Janeiro demonstram trajetórias historicamente não so- tratar o assunto “fundamen-
mente diferentes mas opostas. tos” no curso de graduação.
O enclave se transforma nu-
A mesma busca de autonomia de uma disciplina poderia acontecer com as especia- ma seqüência, mas dentro
lidades dos novos processos de trabalho, confirmada pela presença de programas de De- de um departamento cujo
conselho exerce a hegemo-
senho e de Demografia nas áreas básicas registradas no censo da Capes. As raízes profis- nia dos arquitetos sobre os
sociólogos, historiadores,
sionais de ambas as especialidades foram estabelecidas nos anos pós-Segunda Guerra, no demógrafos etc.
Brasil. Depois de 1945, a demografia surgiu no campo do planejamento urbano, justa-
mente quando o futuro da cidade ou da região transformaram o trabalho de projeção, in-
clusive estética, do urbanismo num trabalho de previsão científica e multidisciplinar de
planejamento urbano e regional racional e instrumental ante um processo acelerado
de urbanização caótica, desordenada e freqüentemente miserável no padrão de urbaniza-
ção vigente nos meados do século.7 O desenho industrial – que nasce no processo análo- 7 Ref. Marilena Chauí, na
“Mesa-redonda sobre a cida-
go de industrialização nos anos cinqüenta – também sugere uma procura para uma auto- de”, Espaço & Debates.
nomia criativa, fora do alcance restritivo de um mundo imobiliário no ambiente
construído dos arquitetos de projeto.8 Para situar as histórias institucionais de programas 8 Com o fim do projeto na-
cional de industrialização
de pós-graduação essa busca de autonomia e interdisciplinaridade seria uma terceira mar- em 1987, a matéria de De-
ca de análise para o conjunto dos programas nacionais. senho Industrial adotou a lin-
guagem da globalização e
transformou-se em Design.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 47


R E T R A T A N D O O S A V A L I A D O S

OS PROGRAMAS E AS LINHAS DE PESQUISA


AVALIADAS E CONCEITUADAS PELA CAPES

Com base nas três preocupações oriundas da experiência histórica da evolução ins-
titucional da “área Anpur”, seria interessante examinar as linhas de pesquisa criadas nos
programas de pós-graduação para imaginar o perfil específico de cada programa. As in-
formações sobre os programas foram obtidas com base no censo da área composta pelo
material fornecido pelos programas ao cadastro da Capes e usado na avaliação e na atri-
buição de conceitos feitas nacionalmente por esse órgão do governo federal vinculado ao
Ministério da Educação. Os comentários a seguir seguem uma ordem de exposição geo-
gráfica antes de ressaltar uma determinação disciplinar de organização de atividades de
pesquisa com base em histórias institucionais. Os comentários também refletem os limi-
tes de uma opinião forçosamente subjetiva (ver Quadro 1 para a listagem das linhas de
pesquisa por programa em 2001).
Na geografia institucional dos programas, a região Nordeste tem quatro programas
nas áreas básicas da Capes e dentro da área Anpur. Com a exceção do programa Unifacs
9 Especial por conta da em Salvador, que representa uma tendência especial9 na área básica de PUR/Demografia
perspectiva atual de trans-
ferência de uma série de
na Capes, todos os demais programas possuem vínculos históricos com escolas de arquite-
programas de Desenvolvi- tura no ensino público federal. Em Natal (Arqurb) as linhas de pesquisa sugerem uma in-
mento Regional visando a
sociologia, a economia, a fluência do modelo HPT (História/Projeto/Tecnologia) com uma linha de História da ar-
geografia e a administração quitetura e da cidade que foi ressaltada na organização do último encontro de História da
de desenvolvimento, oriun-
dos de outras áreas bási- Cidade e do Urbanismo. A influência do Projeto poderia ser vista em duas linhas que con-
cas, para a área básica de templam estudos de habitação e de planejamento urbano com preocupações instrumentais
PUR/ Demografia da Capes.
de gestão e “políticas físico-territoriais”. Tecnologia se faz presente também com referências
ao vínculo entre configuração espacial e conforto no “ambiente construído”. Em Recife, di-
ferente de Natal, parece que houve uma tentativa de romper com uma dificuldade real de
fronteiras internas que tendem a se estabelecer nos programas, evitando-se o apelo aos dua-
lismos de A&U ou PU&R ou os apelos do modelo de HPT. Alocado na área básica de Plane-
jamento Urbano e Regional/Demografia da Capes, o programa, nas suas linhas de pesqui-
sa, parece ter uma identidade “mais Planurb do que Planur”, devido à ausência explícita do
conceito de região. Por diversas décadas o programa foi conhecido nacionalmente como
MDU. Depois de criar o programa de doutorado numa época recente de desvalorização do
mestrado, o programa ainda encontra dificuldades de assimilar uma nova identidade DU.
As linhas de pesquisa da nova DU parecem enfrentar dificuldades de identidade externa e
barreiras internas com o recurso a três linhas temáticas de pesquisa, enxutas, que aprovei-
tam a flexibilidade de uma metalinguagem de conservação, espaço construído, e a possível
tautologia de “políticas públicas” (num mundo onde não se estuda como tema políticas pri-
vadas). A solução é criativa e lembra a estratégia da pós-graduação na FAU-USP, onde hou-
ve tentativas de superar as lutas internas do modelo tridepartamental com a definição de-
liberadamente ambígua de uma única área de concentração em que todo mundo virou
mestre ou doutor em “Estruturas Ambientais Urbanas”. O artifício durou três décadas an-
tes de ser atropelado pela morte do estruturalismo althusseriana em um mundo neoliberal.
O programa da UFBA em Salvador parece contar com uma história que inclui os dua-
lismos dos anos sessenta e os requisitos de um modelo tridepartamental, mas que nunca
foi a reboque da trajetória dos programas em São Paulo. A identidade própria da escola
no Bairro de Federação sempre foi o forte da História (A&U) com a integração de Tecno-
logia de conservação e restauro. No viés Projeto, as linhas atuais de pesquisa ressaltam o

48 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


P H I L I P G U N N

campo temático da linguagem e representação na arquitetura e no urbanismo. Domina a


pesquisa dos “processos urbanos” com sua dimensão projetual e instrumental “físico-ter-
ritorial”, em que a hegemonia dos arquitetos ainda é suprema. O programa da Unifacs
em Salvador, pelo contrário, parece preocupado em evitar essa hegemonia no campo da
cidade, buscando, nas suas três linhas de pesquisa, uma vocação própria no campo inter-
disciplinar do regionalismo. Suas linhas parecem sistêmicas na preocupação com proces-
sos e com reestruturação, enquanto também aceitam, para esse observador, a moda do
“desenvolvimento sustentável”. A moda do “sustentável” ou da “sustentabilidade” foi tra-
zida e amplamente divulgada no Brasil pelo empresário canadense do setor de energia nu-
clear, Norman Strong, na sua condição de coordenador da ONU no encontro da Eco-92
no Rio de Janeiro. No meio dos tumultos de protesto nas ruas de Joanesburgo no encon-
tro Rio+10, seria notado o sucesso de Strong, contemplado com linhas de pesquisa na
área da Anpur não somente no programa da Unifacs em Salvador mas também até na UnB
em Brasília (ver Quadro 1).

Quadro 1 – Linhas de Pesquisa nos Programas da Área Anpur, em 2001.


23001011024P-1 Arquitetura e Urbanismo — UFRN: Natal [AU/Design]
cidade, habitação e contemporaneidade
configuração espacial e conforto no ambiente construído
gestão e políticas físico-territoriais
história da cidade e do urbanismo
25001019030P-7 Desenvolvimento Urbano — DU UFPE: Recife [PUR/Demog.]
conservação urbana
estudo do ambiente construído
políticas públicas
28001010019P-5 Arquitetura e Urbanismo — UFBA: Salvador [AU/Design]
história da cidade e do urbanismo
história e crítica da arquitetura
linguagem, informação e representação do espaço
processos urbanos contemporâneos e dimensão físico-espacial
teoria e tecnologia da conservação e do restauro
28013018001P-0 Análise Regional — UNIFACS Salvador [PUR/Demog.]
ambiente social e desenvolvimento sustentável
formação e reestruturação de novas regiões no nordeste
processos urbanos regionais
53001010042P-8 Arquitetura e Urbanismo — UnB: Brasília [AU/Design]
arquitetura: pedagogia e profissão
divulgação e aplicação da análise econômica e geográfica
urbana para o estudo de cidades.
estética da arquitetura
estrutura do espaço construído
historiografia do espaço construído
métodos e processos de produção do espaço
pesquisa comparada em habitação
revitalização de áreas urbanas com uso da contribuição de melhoria
sustentabilidade em arquitetura e urbanismo

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 49


R E T R A T A N D O O S A V A L I A D O S

32001010049P-0 Arquitetura — UFMG: Belo Horizonte


análise crítica da arquitetura e urbanismo: abordagens e aplicações.
avaliação – arquitetônica e urbanística – dos assentamentos humanos para apoiar o desenvolvimento de
novas cidades
concepção, metodologia e tecnologia do projeto de arquitetura e urbanismo.
história da arquitetura e urbanismo em minas gerais: tradição e atualidades.
o ensino de arquitetura e urbanismo: concepções, métodos e técnicas – graduação e pós-graduação.
32001010034P-2 Demografia — CEDEPLAR UFMG: Belo Horizonte [PUR/Demog.]
dinâmica demográfica e seus componentes
dinâmica demográfica em sua inter disciplinariedade
população e políticas sociais
42001013026P-8 Planejamento Urbano e Regional — PROPUR UFRGS: Porto Alegre [PUR/Demog.]
a análise urbana e regional
cidade, cultura e política
percepção e análise do espaço construído
sistemas configuracionais urbanos
42001013049P-8 Arquitetura — UFRGS: Porto Alegre [AU/Design]
arquitetura brasileira e latino americana nos séculos XIX e XX
consumo energético na edificação e na urbanização
economia da edificação e da urbanização
fundamentos, princípios e paradigmas da arquitetura
habitabilidade da edificação e da urbanização
modelagem da forma urbana e da edificação
paisagismo sem/projetos
tipologias arquitetônicas e morfologia urbana
31001017088P-2 Arquitetura — UFRJ: Rio de Janeiro [AU/Design]
bioclimatismo e eficiência energética
conforto e qualidade no ambiente construído
desenho da paisagem e do território
habitação de interesse social
história da arquitetura no brasil
historiografia da arquitetura brasileira (sem/projetos)
metodologias e teorias do projeto
preservação e restauração do patrimônio cultural
qualidade e racionalização do projeto e da construção
31005012027P-9 Design — PUC-Rio de Janeiro
design: comunicação, cultura e artes
design: ergonomia e usabilidade e interação homem-computador
design: tecnologia, educação e sociedade
31001017065P-2 Planejamento Urbano e Regional — Ippur UFRJ: Rio de Janeiro [PUR/Demog.]
conjuntura social, tecnologia e território
estado, trabalho, território e natureza
metrópoles: desigualdades sócio espaciais e governança urbana
questão regional, Estado, inovação e economia
téchne, logos, pólis
território fluminense: terra, capital, urbanização

50 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


P H I L I P G U N N

31045014001P-7 Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais – ENCE: Rio de Janeiro


dinâmica demográfica
dinâmica sócio-econômica, populacional e territorial do Brasil
métodos e técnicas de análise demográfica
planejamento, estimação e modelagem estatística em pesquisas
por amostragem
pobreza, desigualdade social e mercado de trabalho
produção e análise da informação geográfica
33024014020P-7 Arquitetura e Urbanismo — Universidade Mackenzie: São Paulo[AU/Design]
arquitetura moderna e contemporânea: representação e intervenção
urbanismo moderno e contemporâneo: representação e intervenção
33006016010P-0 Urbanismo — PUCCamp: Campinas [AU/Design]
gestão urbana
história do pensamento urbanístico
tratadística da arquitetura e da cidade
33003017061P-5 Demografia — Unicamp: Campinas [PUR/Demog.]
dinâmica demográfica e políticas sociais
estudos de população
33002045014P-7 Arquitetura — USP/SC: São Carlos [AU/Design]
arquitetura, artes e estética
arquitetura, urbanismo e paisagismo no Brasil e na A. Latina
cidades no Brasil: problematização, representações, intervenções e políticas
conforto ambiental e eficiência energética no edifício e na cidade
desenvolvimento e avaliação de produtos e processos no ambiente construído.
habitação e modos de morar
inovações tecnológicas no edifício e na cidade
o urbanismo como disciplina: cultura técnica e profissional
políticas e projetos tecnológicos no ambiente construído.
33002010097P-3 Arquitetura e Urbanismo — USP (FAU): São Paulo [AU/Design]
fundamentos sociais da arquitetura do urbanismo no brasil
história da arquitetura/história da técnica no brasil
história da arquitetura no brasil
história da arquitetura/arte no brasil
teoria da urbanização/espaço urbano e arquitetura
teoria da urbanização/política urbana
teoria da urbanização/produção e apropriação do espaço
teoria da urbanização e do planejamento urbano brasileiro
comunicação visual ambiental
cultura material e industrialismo sem projeto
desenho industrial/design ambiental
desenho industrial/sistemas de objetos
imagem e representação sem projeto
percepção ambiental/imagem e representação
planejamento paisagístico
planejamento regional
planejamento urbano
programação visual/planejamento ambiental
programação visual/planejamento gráfico sem projeto

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 51


R E T R A T A N D O O S A V A L I A D O S

projeto do produto/design do projeto industrial relac. sist. de objeto


projeto de edificação/arquitetura e meio ambiente
projeto do produto/design industrial relacionado à edificação
tecnologia da arquitetura/economia e racionalização construção
tecnologia da arquitetura/conforto ambiental
tecnologias de sistemas regionais, urbanos e ambientais

Na UnB em Brasília, nove linhas de pesquisa foram encontradas no censo da Capes.


Na ausência de um conhecimento maior sobre a história institucional do programa e suas
características internas é difícil comentar os títulos das linhas. Por um lado, a listagem de
linhas de pesquisa sugere uma coleção de projetos que às vezes reflete padrões de inova-
ção a exemplo do título da linha “arquitetura: pedagogia e profissão”. Por outro, a lista-
gem sugere um ecletismo de temas que ainda aguardam uma articulação conceitual maior.
A presença de “análise econômica e geográfica” nos estudos urbanos sugere uma ênfase na
interdisciplinaridade, contando com geógrafos e economistas, enquanto a “estética da ar-
quitetura” e a “historiografia do espaço construído” sugerem uma base no segmento H do
10 Até esse ponto todos as modelo HPT.10 Também se registra a presença da metalinguagem de “espaço construído”
linhas encontram ecos no
Departamento de História
pesquisada com vistas a seus atributos de “estrutura” e “métodos e processos de produ-
da FAU-USP. ção”. A metalinguagem referida se coloca em contraste com temas mais empíricos na área,
como “habitação comparada” e “a contribuição de melhoria para revitalização urbana”. A
metapalavra sustentabilidade foi mencionada anteriormente.
Em Belo Horizonte as linhas de pesquisa de uma área Anpur se dividem radicalmen-
te em duas áreas básicas Capes, conforme os programas de Arquitetura e Urbanismo e o
programa de Demografia no Cedeplar. Na primeira escola, com cinco linhas de pesquisa,
traços de um modelo HPT parecem visíveis; na História da arquitetura e do urbanismo em
Minas Gerais e na Tecnologia de Projeto de Arquitetura e de Urbanismo. Nesse suposto
caso do modelo HPT, o vetor Projeto parece ter um viés mais acadêmico que profissional,
no caso da “análise crítica da arquitetura e urbanismo: abordagens e aplicações”. Mas o
Projeto num sentido profissional parece contemplado na análise dos assentamentos hu-
manos e do ensino em escolas de Arquitetura. Mais uma vez, além do caso da FAUFBa, o
uso implícito de um modelo HPT parece resultante de uma influência geral do modernis-
mo nas escolas de Arquitetura no Brasil, mais do que qualquer influência paulista. O se-
gundo programa, oriundo do Centro de Estudos Econômicos – Cedeplar, o programa de
Demografia, divide suas linhas de pesquisa basicamente em duas vertentes, num procedi-
mento temático comum aos outros dois programas de Demografia (Campinas e Rio de
Janeiro). Uma vertente seria a dinâmica demográfica pesquisada em Belo Horizonte se-
gundo projetos sobre componentes e sobre a ótica de interdisciplinaridade. A outra verten-
te seria de demografia aplicada que, no caso do programa do Cedeplar, trata do vínculo
com políticas sociais.
Na região Sul, a pós-graduação na área Anpur e nos dados das duas áreas Capes con-
tinua sendo exercida pelos programas da UFRGS em Porto Alegre. Um mestrado de desen-
volvimento regional é uma tradição na UFPA em Curitiba, mas faz parte da área de Eco-
nomia na Capes, da qual não temos informações disponíveis para o retrato atual. Em
Porto Alegre a visão positiva das diferenças entre arquitetura e planejamento separa os
programas. O modernismo do modelo tridepartamental aparece especialmente no Pro-
grama de Arquitetura, que conta atualmente com sete linhas de pesquisa. A História faz
presença nas linhas de estudo da arquitetura brasileira e latino americana nos séculos XIX e

52 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


P H I L I P G U N N

XX e nas de fundamentos, princípios e paradigmas da arquitetura. A Tecnologia influi na li-


nha de economia de edificação, na linha de modelagem da forma e na linha de consumo ener-
gético. Projeto, por sua vez, surge na habitabilidade da edificação e da urbanização e na li-
nha preocupada com as tipologias arquitetônicas e morfologia urbana.
Na mesma Universidade Federal em Porto Alegre a influência de arquitetos ainda
predomina no Propur, com seu programa de quatro linhas de pesquisa incluindo as linhas
de percepção e análise do espaço construído e também sistemas configuracionais urbanos. Mas
a interdisciplinaridade também aparece no conteúdo das linhas de análise urbana e regio-
nal e na presença de historiadores na linha de cidade, cultura e política. Dentro da UFRGS
a divisão de área Anpur nos dois programas citados permite à Instituição “manter um pé”
em ambas as áreas básicas da Capes.
Na organização da vida institucional da área Anpur uma característica espacial sem-
pre presente desde o início dos anos oitenta foi a força do eixo Rio–São Paulo. Essa ca-
racterística, entretanto, enquadrou diferenças fundamentais na organização institucional
da pesquisa na área Anpur nos dois Estados. Em São Paulo o problema poderia ser posto
em termos da concentração acentuada em um programa específico, enquanto os centros
de pesquisa na metrópole do Rio de Janeiro exibem um padrão oposto, com uma “frag-
mentação” institucional de programas. A metrópole do Rio de Janeiro, como ex-Distrito
Federal e capital do País, é sede de diversos órgãos e agências do governo federal, como o
Fibge e o Ibam. Também é sede da Escola Nacional de Ciência Estatística, a Ence, pre-
sente na área básica PUR/Demografia com seu programa de Estudos Populacionais e Pes-
quisas Sociais. O Programa é da subárea de Demografia e segue a divisão quase unânime
em áreas de dinâmica demográfica com uma linha Ence de pesquisa e com cinco linhas de
pesquisa na área de demografia aplicada, que inclui muitos projetos e linhas que parecem
visar o trabalho censitário da Fibge. Numa vertente extrema da diversidade institucional
no Rio de Janeiro, uma área básica da Capes inclui a subárea Design junto com Arquite-
tura e Urbanismo. Trata-se de um programa sediado numa instituição não-federal, a PUC
do Rio de Janeiro, com três linhas de pesquisa abraçando os temas de comunicação, ergo-
nomia e tecnologia. Mas o peso maior de pesquisa, para uma área Anpur no Rio de Janei-
ro, continua em andares contíguos do Prédio da Reitoria, projetado por Jorge Machado
Moreira e pela Equipe do Escritório Técnico da Universidade do Brasil em 1957 para se-
diar a Faculdade Nacional de Arquitetura.11 Atualmente, num andar inferior (o 4º) ficou 11 Vide Jorge Czajkowski
(Org.), Guia da arquitetura
alojado o programa de pós-graduação dos arquitetos da UFRJ que pertence à área básica moderna no Rio de Janeiro,
de Arquitetura e Urbanismo/Design da Capes. As raízes modernistas desse programa po- Rio de Janeiro: Casa da
Palavra, 2000, p.118.
deriam ser vistas na força inercial do modelo História, Projeto e Tecnologia, ainda suge-
rida pelas oito linhas de pesquisa que atualmente estão funcionando. A História é repre-
sentada pelas linhas da história da arquitetura no Brasil e pela preservação e restauração do
patrimônio cultural. O Projeto é contemplado com as linhas de desenho da paisagem, ha-
bitação de interesse social e metodologias e teorias do projeto. A Tecnologia por sua vez, pos-
sui três linhas de conforto ambiental e construção conforme as linhas de bioclimatismo e
eficiência energética, conforto e qualidade no ambiente construído e qualidade e racionaliza-
ção do projeto e da construção.
No andar superior (o 5º) está o Ippur. Na passagem da Universidade do Brasil para
a Universidade Federal no Rio de Janeiro a força da engenharia na organização da insti-
tuição foi considerável. Na criação de uma educação superior com programas de pós-gra-
duação nos anos sessenta e setenta, a presença da engenharia foi centrada na organização
da Coppe. E foi na Coppe que nasceu o Ippur, com sua atuação voltada para os campos

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 53


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de Planejamento Urbano e Regional, com um enfoque interdisciplinar sobre ensino e pes-


quisa. A história institucional do Ippur é importante, até mesmo para ilustrar um caso de
egresso direto de uma escola de engenharia que não passa por uma etapa intermediária
numa escola de arquitetura, como foi parcialmente o caso do programa da FAU saindo da
Escola Politécnica da USP em 1947. No caso do prédio da UFRJ, a relação entre andares
indica que, em termos espaciais, pelo menos, a contigüidade não necessariamente impe-
de diferenças. As linhas de pesquisa do Ippur não possuem uma lógica sugerida pelo mo-
delo tripartite associada com as escolas de arquitetura. Por outro lado, a “responsabilida-
de de raiz” no Ippur seria a de exibir interdisciplinaridade e, para fundamentar uma
ciência “urbano & regional”, nota-se a presença das áreas de sociologia, geografia, econo-
mia e outras áreas das ciências sociais nas suas linhas de pesquisa sobre Estado, trabalho,
território e natureza; conjuntura social, tecnologia e território; metrópoles: desigualdades so-
cioespaciais e governança urbana; questão regional, Estado, inovação e economia. Historiado-
res e arquitetos fazem parte dessas e de outras linhas com interdisciplinaridade, como é o
caso da linha território fluminense: terra, capital, urbanização. O Ippur na historiografia da
área até demostra um viés clássico com a linha de techne, logos, polis.
No Estado de São Paulo a evolução institucional da área foi diferente, com o vín-
culo peculiar de universidades públicas organizadas no âmbito do governo estadual. A
congregação de programas membros da Anpur ainda conta com dois programas não-pú-
blicos sediados em Campinas e São Paulo que pertencem a igrejas católica e presbiteria-
na, Puccamp e Mackenzie, respectivamente. As duas linhas do programa relativamente
recente do Mackenzie pertencem a uma escola de Arquitetura e Urbanismo e à área bá-
sica congênere da Capes. Ainda em 2001, as linhas parecem provisórias com a mesma
descrição – “moderna e contemporânea: representação e intervenção” – aplicada igual-
mente à arquitetura e ao urbanismo. No caso da Puccamp em Campinas, uma limitação
de recursos parece significar economia na abrangência da proposta das três linhas que fi-
caram restritas ao campo de Urbanismo nas matérias de gestão e história urbana. No ca-
so de Campinas, a Unicamp atualmente conta com um programa noturno de graduação
em Arquitetura, mas na pós-graduação a Unicamp pertence à comunidade da Anpur e à
área básica da Capes PUR/Demografia por conta de seu programa na subárea de Demo-
grafia, que segue a divisão nacional de dinâmica demográfica e demografia aplicada aos
estudos de população, nas suas linhas de pesquisa e na organização de pesquisa no seu
núcleo Nepo.
Na Universidade de São Paulo existem dois programas de uma área Anpur, localiza-
dos no campus de São Paulo-Capital e no de São Carlos. O programa do Departamento
de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos foi abrigado em prédios próprios dentro da
Escola de Engenharia. Seus docentes em muitos casos também tiveram vínculos com a
Puccamp e com a FAU-USP. A influência nacional do modelo tripartite poderia ser vista
nas suas nove linhas de pesquisa. A Tecnologia aparece mais claramente demarcada nas li-
nhas conforto ambiental e eficiência energética, desenvolvimento e avaliação de produtos, ino-
vações tecnológicas no edifício e na cidade e políticas e projetos tecnológicos. A História é pre-
sente nas linhas de arquitetura, artes e estética, e, provavelmente, em urbanismo como
disciplina: cultura técnica e profissional. Mas é mais difícil identificar no título de outras li-
nhas um divisor entre História e Projeto. Esse é o caso das linhas de pesquisa: arquitetu-
ra, urbanismo e paisagismo no Brasil e na América Latina, cidades no Brasil e habitação e
modos de morar. O caso de São Carlos é interessante para ilustrar certas alterações no mo-
delo da FAU-USP, parcialmente “borrando” os divisores dentro de um curso de arquitetu-

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ra e urbanismo entre a história e o projeto sem, necessariamente, exibir um compromis-


so pleno de uma perspectiva interdisciplinar alternativa.
O caso do programa da FAU-USP no campo da Arquitetura e Urbanismo é tratado
por último, provavelmente pela sua proximidade e pela dificuldade para esse autor de
tratar uma experiência vivida pessoalmente por quase trinta anos. Proximidade espacial
tende a dificultar a formação de uma perspectiva. O “gigantismo” quantitativo de seu
funcionamento também dificulta uma visão holística de sua atuação nas atividades de
pesquisa. Oito linhas de pesquisa aproveitam docentes do Departamento de História.
Quatorze (14) linhas pertencem ao Departamento de Projeto e, numa forma mais eco-
nômica, a Tecnologia apresenta três linhas (ver Quadro 1). Anteriormente foi sugerido
que o modelo tridepartamental foi intimamente, mas não exclusivamente, vinculado à
história institucional dessa Escola. Nesses termos, os títulos das linhas de pesquisa não
são uma mera questão de uso de terminologia que poderia ser reeditada e enxugada como
uma questão de representação e linguagem. Cabe lembrar que cada linha de pesquisa é
composta por docentes e alunos ativamente engajados em projetos que compõem as li-
nhas e que representam muitas vezes conquistas nas lutas intra- e interdepartamentais,
dentro da Escola. Não há uma linha de pesquisa sem docentes agrupados numa seqüên-
cia de disciplinas de graduação e existem 78 docentes para 25 linhas.
Em termos quantitativos o percentual de docentes por linha, em média, não é fora
dos padrões de escolas em outras partes do Brasil. Entretanto, seu tamanho sugere difi-
culdades e a possibilidade de uma certa degenerescência acadêmica quando se lembra, co-
mo metáfora, a arquitetura, projeto e construção da Torre de Babel, elaborada no século
XVI pelo “arquiteto” Pieter Brueghel (o Velho). Também a utilidade e astúcia de ter uma
única área de concentração abrigando uma multidão de projetos de pesquisas diversas pa-
rece algo milagroso. Lúcio Grinover, docente e participante ativo na fundação da Anpur
no início dos anos oitenta, foi o autor ou pelo menos co-autor do campo/área de concen-
tração Estruturas Ambientais Urbanas. Essa conclusão gera uma segunda reflexão: que o
modelo modernista de História/Projeto/Tecnologia na pós-graduação, diferente da gra-
duação, sempre funcionou melhor nos anos oitenta e noventa quando tinha uma força
acadêmica implícita sem a necessidade de uma institucionalização explícita.
Uma terceira reflexão seria a de que os tempos mudaram e que o perfil da área An-
pur, conforme ainda o retrata as linhas de pesquisa dos programas em 2001, não é neces-
sariamente um guia para o futuro, admitindo somente a força inercial da história institu-
cional vivida. Por isso, no caso da FAU-USP não é necessariamente “apocalíptica” a visão da
multiplicação de áreas de concentração que atualmente está acontecendo, quando esse
programa tenta se adaptar às normas/sugestões nacionais explicitadas nas avaliações da
Capes. Mas, reviver na pós-graduação as lutas inter e intradepartamentais realizadas na
história do curso da graduação seria uma outra coisa. Numa conjuntura em que as uni-
versidades assistem à consolidação das mudanças do neoliberalismo e da globalização dos
anos noventa e vivem os efeitos do fim da “nova economia” e da “bolha especulativa”, pa-
ra não falar em Bin Laden e Thomas O’Neill, seria difícil afirmar que “tudo ficou na mes-
ma”, pelo menos em termos formais na Academia brasileira. Uma indicação de inovações
temáticas de pesquisa na área Anpur não seria possível somente com a análise das linhas
de pesquisa mencionadas. Para isso seria importante ver os resumos dos projetos de pes-
quisa contidos nas linhas examinadas, o que poderia ser um próximo trabalho a realizar.

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Quadro 2 – Docentes e Alunos na Áreas Básicas da Capes (Arquitetura/Urbanismo e Plane-


jamento Urbano e Regional/Demografia) – Ano Base 2001
Nome curso/ docentes nrd6 nrd7 alunos N.médio N.médio Evasões Deslig. Deslig. Deslig.
conceito alunos alunos (M) (D) Total
(M)/ano (D)/ano
Puccamp Urbanismo M(3) 8 6 6 56 47 0 0 0 - 0
PUC-Rio Design M(4) 11 10 10 54 39 0 2 2 - 2
UFBA Arq. e Urbanismo M(5), D(5) 22 15 15 88 57 17 1 0 0 0
UFMG Arquitetura M(3) 12 8 8 35 25 0 0 0 - 0
UFRGS Arquitetura M(4), D(4) 15 9 10 274 91 14 149 109 1 110
UFRJ Arquitetura M(5) 26 19 19 112 76 0 19 8 - 8
UFRJ Urbanismo M(4), D(4) 13 10 10 42 29 0 6 5 0 5
UFRN Arq. e Urbanismo M(3) 8 6 6 37 29 0 1 0 - 0
UnB Arq. e Urbanismo M(4) 21 13 13 90 71 0 8 2 - 2
UPM Arq. e Urbanismo M(3) 9 8 8 51 48 0 3 1 - 1
USP Arq. e Urbanismo M(5), D(5) 86 54 54 676 272 265 30 3 21 24
USP/SC Arquitetura M(4) 24 15 15 103 85 0 5 5 - 5

UFPE Desenv. Urbano M(5), D(5) 17 13 13 73 35 15 0 10 0 10


UFRGS Plan. Urbano
e Regional M(4) 15 11 13 56 42 0 3 4 0 4
UFRJ Plan.
Urbano e Regional M(5), D(5) 14 14 14 146 58 54 10 1 0 1
UNIFACS Análise
Regional M(3) 10 8 8 55 49 0 7 2 0 2
UNIVAP Plan. Urbano
e Regional M(3) 10 6 5 56 43 0 3 - - -
Unicamp Demografia D(4) 11 7 7 23 0 20 1 0 0 0
UFMG Demografia M(6), D(6) 13 13 13 47 12 20 3 2 1 3
Ence Estudos Pop.
e Pesquisas Sociais M(4) 14 12 13 78 67 0 4 - - -
Fonte: Capes. Sistema de Avaliação.

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Gráfico 1 – Alunos de Pós-Graduação por programa

CONCLUSÃO SOBRE OS PROBLEMAS


DE MACROCEFALIA E MICROCEFALIA
NA FAU-USP E OUTROS LUGARES
DE ARQUITETURA E URBANISMO

Constatada uma questão de “gigantismo”, que não é um fator normalmente con-


siderado nas avaliações da Capes, cabem algumas especulações sobre o tratamento que
deve ser dado ao caso ainda não sujeito a um processo de normatização. Buscando uma
inspiração oriunda do Século das Luzes é possível lembrar o nome do anglo-irlandês Jo-
nathan Swift (1667-1745). No livro sobre as viagens de Gulliver, publicado pela pri-
meira vez em Londres em 1726, Swift trata explicitamente o problema do gigantismo
quando o herói se encontra preso na Ilha de Lilliput, entre os seres que parecem seus
semelhantes, mas numa escala diminuta. Nesse caso foi exigido de nosso herói Gulli-
ver, o gigante em Lilliput, um juramento como condição para ganhar sua liberdade no
Império.12 Trata-se de um acordo, feito em forma de lei com oito artigos, promulgado no 12 Jonathan Swift, Gullivers
Travels, London: Penguin,
12º dia da 21º Lua do reinado, quando o homem-montanha prestou um juramento so- 1994, [1.ed., 1726], p.37-9.
lene perante o imperador, sua majestade mais sublime, Golbasto M. E. G. S. Mully Ully
Gue, com todos os seus atributos, incluindo sua condição de deleite e terror do Universo.
Trocando o entendimento dos domínios do rei para os domínios da Capes e tro-
cando a figura do homem-montanha para a figura do Programa 33002010097P-3,13 en- 13 Capes, Programa 3300
2010097P-3 ARQUITETURA
tão as sugestões de Swift seguem uma lógica judicial ainda pertinente na realidade atual. E URBANISMO – USP.
A redação da lei segue a prática moderna delimitando, em seu artigo primeiro, a área
da aplicação da liberdade cedida mas condicionada: “O homem-montanha não pode
sair dos domínios do rei [Capes] sem uma licença específica com o carimbo do rei”. De-

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 57


R E T R A T A N D O O S A V A L I A D O S

pois houve uma série de restrições à liberdade de movimento que incluem alguns arti-
gos menos importantes, como o segundo artigo: “Ele não pode pensar em entrar na me-
trópole [de Brasília?] sem uma ordem expressa com pelo menos duas horas de previsão
de chegada”.
Mas também houve restrições importantes oriundas do respeito citadino com os di-
reitos dos outros, imposta no comportamento de Gulliver. Por essas razões, o terceiro ar-
tigo indica que o “dito homem-montanha deve restringir seus movimentos às estradas
principais do reino e não deitar em plantações (de milho ou de outros)”. O artigo seguin-
te aprofunda o antecedente: “Quando andar pelas estradas, ele deve tomar o maior cui-
dado para não pisar nas pessoas do reino, seus animais ou pertences e não pegar neles sem
seu consentimento”. Entendemos que o Programa 33002010097P-3 deve reconhecer os
perigos de sua situação perante os outros e zelar por sua reputação de um programa mi-
nimamente cordial.
Os outros artigos tratam de exigir vantagens da presença do gigante no país desempe-
nhando tarefas especialmente facilitadas pelo seu próprio tamanho. A lei sugere a carto-
grafia da área dos domínios do rei como uma tarefa especialmente facilitada pelo tamanho
do homem-montanha. A redação do oitavo artigo foi explícita: “O homem-montanha de-
ve apresentar num prazo de dois ciclos da Lua um mapeamento dos nossos domínios com-
putados por via dos passos que faz andando pela costa dos nossos domínios”. Também no
quinto artigo, a lei exigiu que Gulliver deve apoiar a infra-estrutura de comunicações no
reino. “Por conta da facilidade de mobilidade proporcionada pelo seu tamanho, o ho-
mem-montanha deve auxiliar um mensageiro do rei em qualquer diligência urgente, nu-
ma jornada de seis dias cada ciclo completo da Lua, e devolver o mensageiro, com segu-
rança, à presença do rei”. Até nas suas horas vagas as vantagens de seu tamanho podem ser
solicitadas por terceiros. O artigo sétimo cita o caso de pedreiros pedindo apoio para le-
vantar pedras enormes para a construção das muralhas das dependências do rei.
A liberdade do homem-montanha também foi condicionada pela aceitação de ser
aliado de Lilliput em situações de necessidade urgente. Nesse caso foi o sexto artigo que
estipulou a condição de “ser nosso aliado na luta contra os nossos inimigos na Ilha de Ble-
fuscu e fazer de tudo para destruir a armada preparada para invadir nosso reino”. Obser-
vando as condições nos artigos escritos indicados, o homem-montanha tinha o direito à
liberdade e o direito de receber diariamente uma quantidade de carne e comida equiva-
lente ao consumo de 1.728 habitantes do reino, além de acesso franqueado à presença do
rei e outras regalias. O cálculo da razão 1:1.728 foi efetuado pelos cientistas do palácio de
Belfaborac com base no exame comparativo do tamanho dos órgãos responsáveis para a
força metabólica do gigante comparada com um cidadão médio do reino.
O cálculo da distribuição da carne e comida foi fundamental nesse acordo, que su-
gere uma outra faceta de uma história institucional de Gulliver em Lilliput, contrabalan-
çando o cálculo liberal de vantagens comparativas a serem aproveitadas, no caso.
Quando as cenas de Lilliput foram transfiguradas para uma realidade inversa, as
conseqüências foram, no mínimo, interessantes. Houve uma inversão de realidade para
Gulliver, conforme seu relato na parte II das Viagens, quando nosso herói se encontrava
no país de Brobdingnag, após mais um desastre marítimo. Nesse reino alternativo, Gul-
liver assume uma estatura antrópica consideravelmente menor, comparada até com a fi-
gura malévola do anão da rainha. Mas, no relato satírico de Swift, as vivências do gigan-
te Gulliver em Lilliput e do subanão em Brobdingnag ressaltam qualidades antrópicas
distintas. No primeiro caso, de gigantismo, foi a sabedoria com a razão que dominaram

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os cálculos, as decisões e as leis que se aplicaram ao comportamento dos envolvidos. No


caso de sua situação de subanão em Brobdingnag, foi a qualidade de astúcia mais do que
a sabedoria que resultou na conquista de Gulliver por sua liberdade e sua volta a casa. A
astúcia ajudou em sua capacidade de se submeter a situações indignas, trabalhando como
colega de palhaços em espetáculos públicos na metrópole de Lorbrulgrud. A astúcia tor-
nou necessária a conquista de amizades protetoras, como no caso crucial da relação de
Gulliver com a filha do fazendeiro, responsável por sua captura. A astúcia também aju-
dou a formação de amizades poderosas na relação de Gulliver com as figuras da rainha e
do rei de Brobdingnag.
A sobrevivência e a salvação do subanão aparecem no relato de Swift como algo mui-
to mais difícil se comparadas com a sua experiência alternativa como gigante. Enfrentar
um ambiente ecologicamente perigoso, dado o tamanho de todos os bichos, desde as
moscas até as águias, não foi fácil. Difíceis também foram os perigos com os detritos de
todos os tipos. Mas, Swift implicitamente sugere que a sabedoria tornou-se um refém da
astúcia para sua sobrevivência em Brobdingnag.
De volta para nosso mundo atual da Academia, os ensinamentos de Swift no caso da
carne e comida para gigantes e para subanões parecem relevantes ao caso de uma área de
Arquitetura e Urbanismo entre as áreas acadêmicas no Estado de São Paulo. Nas Tabelas 1
e 2 a seguir foram comparadas as concessões de bolsas e auxílios na área de Arquitetura e
Urbanismo e na área das Ciências Biológicas pela Fapesp. Mesmo considerando os justos
e reconhecidos méritos do Projeto Genoma, que está sendo promovido pelo governo do
Estado, e os avanços na luta contra o cancro cítrico, terror dos laranjais, a distribuição dos
recursos causa um certo grau de espanto para os arquitetos e urbanistas da Academia.
Antes de novembro de 1996, a área de Ciências Biológicas já era maior do que a de
Arquitetura e Urbanismo em todas as categorias de auxílio. Naquele ano na graduação
houve 2,3 bolsas de iniciação científica para cada bolsa equivalente na Arquitetura e Ur-
banismo. Também naquele ano houve 2,9 bolsas de mestrado nas Ciências Biológicas pa-
ra cada uma na Arquitetura e Urbanismo. Passaram cinco anos de mudança de priorida-
des. No fim de 2001, somando todos os tipos de bolsa, o quadro da Fapesp indica mais
de 14 concessões para a área das Ciências Biológicas para cada concessão na Arquitetura
e Urbanismo. No caso das bolsas de doutorado agora temos quase 27 bolsas nas Ciências
Biológicas para cada uma na Arquitetura e Urbanismo.

Tabela 1 – Distribuição de bolsas e auxílios Fapesp, 1996-2001, nas áreas de Arquitetura


e Urbanismo comparadas com as da área das Ciências Biológicas
Fapesp – Arquitetura e Urbanismo
Data Graduação Mestrado Doutorado Outros* Total
IC MSI+MSII DRI+DRII
30/11/96 47 40 7 1 95
30/11/97 62 50 10 2 124
30/11/98 42 58 16 6 122
30/11/99 51 60 20 3 134
30/11/00 53 42 21 3 119
30/11/01 36 39 22 5 102

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 59


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Fapesp – Biologia
Data IC MSI+MSII DRI+DRII Outros TOTAL
30/11/96 109 115 90 30 344
30/11/97 130 210 165 97 602
30/11/98 155 298 301 159 913
30/11/99 186 356 428 195 1.165
30/11/00 252 389 551 283 1.475
30/11/01 285 313 591 280 1.469

Nota: Para outras bolsas e auxílios da Fapesp (PD, TT, PC, JP), ver informações no site da Fapesp em agos-
to de 2002.

Tabela 2 – Equivalência na distribuição de bolsas e auxílios da Fapesp por área. Número


médio de concessões na área de Ciências Biológicas para cada concessão na área de Arqui-
tetura e Urbanismo, 1996-2001
Fapesp – Biologia
Data IC Mestrado Doutorado Total
30/11/96 2,32 2,88 12,86 3,62
30/11/97 2,10 4,20 16,50 4,85
30/11/98 3,69 5,14 18,81 7,48
30/11/99 3,65 5,93 21,40 8,69
30/11/00 4,75 9,26 26,24 12,39
30/11/01 7,92 8,03 26,86 14,40

Com esses resultados explícitos e sistemáticos, para não dizer polêmicos, parece que
a área de Arquitetura e Urbanismo tem como destino, no Estado de São Paulo, uma si-
tuação relativa de subanão semelhante à de Gulliver no país de Brobdingnag.
Para a Arquitetura e Urbanismo como uma área, o problema parece estar localizado
na “Coordenação de Áreas” exercida na Fapesp. Quando uma bolsa é negada, a notícia é
transmitida numa carta polida e compreensível, mas padrão, pelo diretor científico da ins-
tituição. O tom cordial da comunicação inclui o seguinte teor:

… a Fapesp já não pode atender a mais que uma fração das solicitações incondicionalmente
recomendadas, no mérito, por sua assessoria externa. Por essa razão, todas as solicitações, até
mesmo aquelas com pareceres irrestritamente favoráveis dos assessores ad hoc, são submeti-
das, no âmbito das Coordenações de Área, a um processo altamente competitivo de avalia-
14 Carta do professor dou- ção comparativa.
tor José Fernando Perez, di- Nesse processo, define-se a posição relativa de cada solicitação numa escala de priorida-
retor científico da Fapesp,
para um candidato recusa- des, conforme seu grau de excelência nos itens Projeto, Candidato e Orientador … A pre-
do preliminarmente numa
sente solicitação foi submetida a uma tal análise comparativa e não obteve o grau de priori-
solicitação de bolsa de mes-
trado em agosto de 2002. dade necessário para seu atendimento...14

Se a norma é isso e se consideramos que a função de uma norma ou uma lei não é
a de “punir” mas a de “educar”, então parece faltar para a área de Arquitetura e Urbanis-
mo um entendimento melhor de como funciona o assinalado “processo altamente com-
petitivo de avaliação comparativa” no âmbito das Coordenações de Área da Fapesp.

60 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


P H I L I P G U N N

Seguindo os ensinamentos do anglo-irlandês Swift, um entendimento das leis de


Philip Gunn, arquiteto, é
distribuição de carne e comida parece fundamental para um entendimento da situação. professor da Faculdade de
Entretanto, vale lembrar um outro ensinamento irlandês que de fato é quase universal: Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo.
“nunca morder a mão que fornece sua comida”. Talvez o problema seja outro – a falta de E-mail: phomgunn@usp.br
astúcia na arquitetura e urbanismo estadual e a sabedoria na arquitetura e urbanismo fe-
Artigo recebido para publica-
deral. Mas numa situação de incredulidade generalizada todas as dúvidas serão possíveis. ção em novembro de 2002.

A B S T R A C T The following paper discusses the institutional influence on research


in the Brazilian post-graduate programmes of higher education. This topic is seen from the
viewpoint of members of the countries national association of urban and regional planning,
Anpur. The aim of the paper is to present summary description of each members research prio-
rities, using data collected from the members by the Federal Educational Ministries funding
and regulatory agency, Capes. This agency is responsible in Brazil for the annual evaluations
of the post-graduate programmes. All programmes are required by the regulatory agency to fur-
nish the extensive data which is published on a restricted basis in electronic form when used
to evaluate each individual programme. The research priorities help to provide not only a the-
matic profile of research among Anpur members but also an insight into the institutional his-
tory and geography of urban and regional research in Brazilian Universities and Research
Agencies. The paper shows that a majority of programmes have been associated with the growth
of Architectural Faculties and Departments and suggests that the current lines of research
reflect the academic history of modernism in architectural and planning schools in Brazil. This
aspect of modernism generated a model of three thematic groups of teaching and research inte-
rests based on Architectural and Planning History, Project Design and Built Environmental
Technology. Many research programmes however are not architecturally based and thus do not
follow the HPT model. Other institutional histories and academic orientations are also revie-
wed in summary form in the attempt to indicate a national profile on current research.

K E Y W O R D S Research; post-graduate programmes; evaluation; Capes.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 61


O ENSINO DO PLANEJAMENTO
URBANO E REGIONAL
PROPOSTAS À ANPUR
ANA CLARA TORRES RIBEIRO

R E S U M O O texto visa reconhecer desafios da formação na área do planejamen-


to urbano e regional, associados à sua história acadêmica e às dificuldades experimentadas
na atualização de seus fundamentos disciplinares e técnicos. Neste sentido, registra impac-
tos na área com origem em mudanças na ação do Estado, na configuração de sujeitos so-
ciais, na relação entre técnica e ciência, no mercado de trabalho e na teoria do espaço. Vi-
sando estimular a reflexão específica do ensino, o texto propõe o exame destes impactos a
partir dos seguintes ângulos: práticas didáticas; experiência da interdisciplinaridade; ex-
pectativas da formação; renovação dos fundamentos da área e condições institucionais da
docência. Por fim, são feitas sugestões à Anpur, com o objetivo de favorecer o debate, entre
as instituições filiadas, da transmissão do conhecimento, assim como da formação de no-
vos pesquisadores.

P A L A V R A S - C H A V E Ensino; espaço; planejamento; interdiscipli-


naridade; didática.

“a antropologia sempre teve um sentido bem aguçado de que aquilo que se vê depende do
lugar em que é visto, e das outras coisas que foram vistas ao mesmo tempo”
Clifford Geertz, O saber local.

RÁPIDAS PALAVRAS INICIAIS

As propostas para o ensino, aqui brevemente apresentadas, buscam refletir o contex-


to, mais amplo, em que hoje são desenvolvidas práticas didáticas na área do planejamen-
to urbano e regional. Há, certamente, excesso de propostas, mas o diálogo ajudará a sele-
cionar as que são, de fato, coerentes, pertinentes e/ou exeqüíveis. Além disso, como os
fatos citados na reflexão do contexto expressam uma única e desafiadora ambiência uni-
versitária, o leque de propostas poderá ser reduzido pelo compartilhamento de experiên-
cias e pelo enfrentamento conjunto dos desafios conjunturais que atingem a área. Aliás,
o ensino – mais do que a pesquisa, a extensão e a produção científica – constitui a verda-
deira tarefa coletiva do trabalho universitário; e, por essa razão, a mais dependente do diá-
logo e da mútua compreensão.
Além disso, a seleção de propostas dependerá das trajetórias individuais reunidas nas
instituições e dos diferentes caminhos percorridos por cada programa de pós-graduação,
nos processos de construção do planejamento urbano e regional como área exigente de for-
mação acadêmica e investimentos científicos. Sem dúvida, essa área, relativamente jovem,
encontra-se configurada como um campo de estudos em permanente transformação seja

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 63


O E N S I N O D O P L A N E J A M E N T O U R B A N O

pela agregação de novas disciplinas e temáticas seja por ajustes teórico-conceituais e meto-
dológicos trazidos pela expansão de suas fronteiras, o que desafia fortemente o ensino.
Em síntese, essa é uma área particularmente sensível a mudanças no teor dos proje-
tos sociais; bastando citar, nessa direção, a recente inclusão, em seu cerne, da questão am-
biental e daquelas questões que têm origem na atual centralidade das políticas culturais,
em seus vínculos com velozes alterações na base técnica da vida coletiva. Num contexto
de aceleração da mudança nas relações sociais e técnicas, principalmente nos países peri-
féricos (Santos, 1993), constitui um forte desafio preservar a coerência analítica da área,
o que torna especialmente relevantes, e também estratégicas, as decisões relativas aos con-
teúdos obrigatórios da formação de novas gerações de especialistas.

DESAFIOS DA ATUALIZAÇÃO

A área do planejamento urbano e regional encontra-se submetida a pressões que


atingem a evolução orgânica do ensino, como exemplifica a rápida difusão de novas orien-
tações teóricas e de método, mesmo quando são tratados temas tradicionalmente incluí-
dos em sua dinâmica. Mas, o grande exemplo de pressão relaciona-se a mudanças na ad-
ministração pública e em papéis assumidos pelo Estado. Para a área, esta última frente de
processos possui especial relevância, na medida em que a ação do Estado encontra-se na
sua origem, constituindo, portanto, um tema irrecusável de reflexão. E mais, as atuais
mudanças na ação planejadora (e planejada) ultrapassam a preocupação com o Estado,
atingindo os debates contemporâneos em torno do tecido social, como demonstra a va-
lorização do cotidiano e do lugar; das articulações entre escalas na realização da econo-
mia; do conceito de espaço; dos sentidos da política e da democracia.
Dessa maneira, a atualização da área, realizada no ritmo das mudanças conjunturais,
impõe tanto a identificação de rearranjos nas relações econômicas e sociais de teor efeti-
vamente estrutural quanto o mapeamento dos valores hoje difundidos pela produção
científica associável à área. Trata-se, concretamente, de um movimento de atualização
marcado pela simultaneidade entre a vivência da mudança e a obrigação de sua análise,
através do encontro de orientações conceituais que reconheçam tanto o esgotamento de
teorias, na nova fase do capitalismo, como o esmaecimento de projetos políticos que, até
recentemente, orientavam a reflexão crítica das relações sociedade–espaço (Deak, 2001).
A exigência de contínua atualização, decorrente da sua origem na ação planejadora
do Estado, impõe que a área articule novas orientações teórico-conceituais a antigos acer-
vos, garantindo sua coesão interna, evitando mimetismos e desvendando instrumentos
úteis à intervenção no presente. Nesse movimento de atualização, a área é portadora de
responsabilidades com a valorização da historicidade e da territorialidade e, dessa forma,
da singularidade da experiência social. Também é caracterizada por responsabilidades no
que concerne à ampliação da capacidade propositiva dos diferentes sujeitos sociais envol-
vidos em reivindicações e decisões relativas à (re)organização do espaço.
É no atual período histórico que adquire visibilidade a problemática do espaço, alar-
gando exigências relativas ao posicionamento da área em relação a problemáticas origina-
das em diferentes campos disciplinares e esferas da vida social. Nesse contexto, a área ex-
perimenta o difícil equilíbrio exigido pela tomada de posição qualificada diante de
questões relevantes para o presente e o futuro e a defesa do tempo de reflexão, que é in-
dispensável à pesquisa básica e à formação de novos profissionais. De fato, tende a ser ca-

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A N A C L A R A T O R R E S R I B E I R O

da vez mais reduzido o tempo dedicado à formação, incluindo o do próprio professor, da-
das a velocidade adquirida pela difusão de novas idéias (e ideários) e as atuais condições
do trabalho universitário. Assim, corre-se o risco de que prevaleçam as regras do pensa-
mento operacional e pragmático, o que atinge, sobretudo, o ensino, cujos frutos são es-
perados para além do presente imediato. A aceitação acrítica da aceleração permite que a
renovação analítica envolva, num mesmo ritmo, professor e aluno, impossibilitando que,
para o último, seja oferecido o acúmulo reflexivo indispensável a um longo (e, em gran-
de parte, imprevisível) período de exercício profissional.
É indubitável que o ensino em planejamento urbano e regional não pode distan-
ciar-se da “presentificação”, quando relacionada a ideários políticos e, sobretudo, à urgen-
te análise de processos que reorganizam a economia e o território, marginalizando amplos
contingentes de brasileiros. Essa é, sem dúvida, a marca de fundo da sua particular pre-
sença na problemática do espaço – a conjugação obrigatória de teoria e modelo; de aná-
lise e projeto; de pesquisa e intervenção (Topalov, 1997). Porém, é preciso garantir às prá-
ticas didáticas o tratamento da complexidade, necessário à valorização das singularidades
de cada lugar, já que dessa valorização depende a concepção de intervenções socialmente
conseqüentes no território e no tecido social, cabendo acrescentar que a compreensão da
complexidade é, também, uma exigência do rigor científico, associado a descobertas rele-
vantes de largo alcance (Morin, 1996).

DESAFIOS DA PEDAGOGIA

A força da presentificação, observada no alargamento das redes de intercâmbio


acadêmico e na expansão das fronteiras da área, envolve alterações em escalas analíticas
e no universo (e volume) dos fatos analisados (Santos, 1993). Essas alterações signifi-
cam novas expectativas dirigidas, especificamente, ao ensino do planejamento urbano e
regional. Porém, a verificação da qualidade do ensino oferecido tem sido concebida, em
geral, por meio de critérios orientados pela pesquisa, pela produção científica e pela ex-
tensão e, menos, pelos rumos tomados pela pedagogia. É nessa ambiência que o ensino
é tratado, freqüentemente, como prática sem obrigações e metas próprias, sendo refle-
tido com base em parâmetros inspirados nas demais frentes do trabalho universitário:
quantos alunos participam de grupos de pesquisa; quantos estiveram em congressos;
quantos encontram-se envolvidos em atividades de extensão etc. Sem dúvida, esses pa-
râmetros são importantes, mas não permitem apreender a sala de aula.
Para a observação desse espaço único, seriam necessários outros parâmetros, tais co-
mo aqueles relacionados à consistência da grade curricular; da estrutura das disciplinas;
da concepção da avaliação de aprendizado; da renovação bibliográfica, além de contatos
diretos com o corpo discente. A carência de uma reflexão consistente do ensino é porta-
dora de riscos da sua rápida redução a formas, mais ou menos sofisticadas, de treinamen-
to, especialmente em áreas inter e transdisciplinares, como é o caso do planejamento ur-
bano e regional. O próprio compromisso da área com a consideração simultânea de
teorias e modelos; com os vínculos entre análise e concepção de projetos; e, ainda, com
o desvendamento de elos entre pesquisa e intervenção cria a ilusão de que o ensino po-
de ser realizado, de maneira privilegiada, com base em seus resultados (“produtos”).
Na ausência de formas adequadas de valorização do ensino, pode-se perder a com-
preensão de que grande parte dos resultados alcançados na área depende da transmissão

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 65


O E N S I N O D O P L A N E J A M E N T O U R B A N O

consistente dos fundamentos disciplinares que sustentaram a afirmação do planejamen-


to urbano e regional no ensino da pós-graduação. É sintomático desse percurso de risco,
que não é exclusivo da área aqui refletida, o fato de que, nas leituras predominantes do
trabalho universitário, ocorra a secundarização da questão pedagógica, apesar dos desa-
fios envolvidos na transmissão do conhecimento num período em que acontece a am-
pliação das articulações institucionais com diferentes níveis de governo, entidades da so-
ciedade civil e grupos sociais. Novos profissionais procuram formação na área,
estimulados por essas frentes de atuação, no mesmo momento em que a área é intensa-
mente atualizada, por meio da absorção de matrizes teóricas inovadoras, da análise com-
parativa e da participação em debates de elevado interesse para o futuro da sociedade
brasileira, sem contar os chamamentos que decorrem da gradual configuração da socie-
dade civil no mundo (cf. Eco 92; Habitat II; Rio+10).
Nessas circunstâncias, as práticas de ensino adquirem, por vezes, a fisionomia de
uma (oculta) tarefa de Sísifo, por incluírem obrigações de costurar, lógica e didaticamen-
te, o que está sendo – sob a égide da incerteza – esgarçado, transformado ou, apenas, apa-
rentemente superado. O movimento de recuperação → atualização → superação de
orientações teóricas e problemáticas, atualmente mais veloz, impõe o desvendamento
de soluções pedagógicas coerentes, que garantam a consideração das exigências, que tam-
bém são de método, do trabalho científico. O desvendamento sistemático de soluções pe-
dagógicas é especialmente mais urgente e indispensável pelo fato de o ensino envolver a
preparação de profissionais, por vezes já comprometidos com práticas docentes, nos ní-
veis mais elevados da carreira universitária.
Tal preparação, com seu corolário de formas de acompanhamento e avaliação, im-
pede o recurso, tão freqüente nas novas universidades particulares, a práticas de difusão
do conhecimento que se limitam ao espírito da especialização e/ou da qualificação pro-
fissional. Evidentemente, essas práticas precisam ser, até um certo ponto, implementa-
das por todas as instituições de ensino; mas, estão longe de servir de abrigo ou celeiro de
idéias para a reflexão da totalidade dos dilemas pedagógicos enfrentados. Entre esses di-
lemas, estão aqueles que significam a resistência à redução de teorias a modelos, de con-
ceitos a fórmulas fáceis, que mais se aproximam de ideologias do que de instrumentos
para a reflexão, e a implementação do planejamento territorial, em qualquer escala.
Por fim, convém recordar que o ensino tem sido crescentemente considerado ape-
nas como uma fonte geradora de recursos financeiros, o que colabora para ampliar o nú-
mero das instituições dedicadas à sua oferta e a fazer recuar, ainda mais, o indispensável
enfrentamento da questão pedagógica. O estímulo ao ensino profissionalizante por órgãos
da administração federal, cujos méritos não cabe aqui analisar (cf. Silva, 2002), significa
um particular desafio para a área do planejamento urbano e regional. Ao mesmo tempo
que é indispensável a formação de quadros, prevendo o desempenho de diferentes fun-
ções na administração pública e em segmentos da sociedade civil, é necessário manter a
coesão acadêmica e os propósitos científicos que têm permitido alimentar o ensino.

DESAFIOS DA INTERDISCIPLINARIEDADE
Na história acadêmica da área, existem acúmulos reflexivos decorrentes da efetiva vi-
vência do diálogo entre disciplinas. Estes acúmulos não podem ser avaliados, de forma sa-
tisfatória, somente através de pautas temáticas, como tantas vezes ensaia-se realizar em

66 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


A N A C L A R A T O R R E S R I B E I R O

eventos científicos ou no intercâmbio institucional. Trata-se, aqui, da tendência ao pre-


domínio dos temas sobre as questões (ou problemáticas), o que, ao significar a aceitação
implícita do pensamento pragmático, impede a consideração ampla e livre do ensino. A
organização apenas temática da produção de conhecimento restringe o intercâmbio aca-
dêmico e cria a imagem de que a formação acontece pelo acompanhamento arguto de
mudanças superficiais nas ações do Estado, na atuação das firmas ou em formas de orga-
nização social. A difusão dessa imagem dificulta a correta transmissão da idéia nuclear de
que o conhecimento em áreas inter e transdisciplinares é exigente de uma reflexão que en-
volva o trato cuidadoso de visões de mundo e, ainda, a observação de mudanças culturais
que reposicionam a ciência nas expectativas da sociedade.
A carência de reflexão coletiva dessas mudanças cria obstáculos à compreensão das
expectativas daqueles que procuram a pós-graduação na área, retendo a transmissão inter-
geracional do conhecimento. Na procura de formação na área, coexistem anseios de pre-
sença ativa em novos contextos socioespaciais e ambientes institucionais e, ainda, a espe-
rança de que a continuação dos estudos abra caminhos para a afirmação profissional, num
período em que a ameaça do desemprego também atinge os que completaram o terceiro
grau e, até mesmo, alguns níveis da pós-graduação. Existem, assim, novas percepções de
necessidades e novos projetos que não podem ser ignorados pelo ensino.
Também mudanças em expectativas de formação refazem, agora, critérios utilizados
na valorização da técnica e de cada uma das disciplinas que, reunidas, constroem a área
do planejamento urbano e regional. Em relação à técnica, é indispensável reconhecer que
a formação na área exige o domínio de linguagens e equipamentos, associados ao conhe-
cimento do território, do ambiente construído, da ação do Estado e da sociedade. Entre-
tanto, constitui uma obrigação do ensino não apenas subordinar a técnica ao rigor exigi-
do do processo de produção de conhecimento, colaborando para desmitificar a própria
técnica, como, também, desvendar as potencialidades didáticas das tecnologias de infor-
mação e comunicação (Egler, 1998; Randolph, 1998).
Atualmente, antigas profissões perdem a sua costumeira posição no mercado de tra-
balho e como garantia de prestígio social, enquanto outras surgem, sem que a sua absor-
ção no ambiente universitário seja, em geral, objeto de reflexão sistemática. Na intensifi-
cação desse processo, interferem a crescente mercantilização do ensino, a reorganização da
economia, as novas formas de concepção e implementação das políticas sociais e mu-
danças no aparelho de governo. Tanto a perda de prestígio de algumas profissões como a
criação de novas especialidades colaboram para a abertura do leque de expectativas que
orienta a busca da pós-graduação. Dessa forma, anseios de formação com origens extre-
mamente diversas terminam por encontrar seu abrigo mais propício nesse nível de ensi-
no, modificando demandas absorvidas na sala de aula e conteúdos acadêmicos da relação
orientador–orientando.
Curioso estudo seria aquele que se dedicasse a acompanhar alterações de carreira rea-
lizadas ao longo da formação dos que procuram a pós-graduação, especialmente o douto-
rado, na área do planejamento urbano e regional. Quantos novos tipos de profissionais
surgiriam desse estudo? Quantos híbridos disciplinares apareceriam em seus resultados?
Um estudo desse teor indicaria, provavelmente, a extrema riqueza da formação oferecida
pela área. Porém, talvez indicasse, também, que a área tem recebido fortes impulsos em
direção ao que pode ser denominado de personalização do ensino, o que significa ameaças
de fragmentação institucional e de excessiva sobrecarga nas tarefas de orientação de dis-
sertações e teses.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 67


O E N S I N O D O P L A N E J A M E N T O U R B A N O

DESAFIOS DA FORMAÇÃO

Um estudo como o acima proposto poderia explicitar, ainda, os limites da inter-


disciplinariedade realmente sustentável na área (e por cada instituição), considerando
os acúmulos de conhecimento já existentes, a experiência de ensino na pós-graduação
e as exigências relativas à formação teórica e ao domínio de linguagens, métodos, técni-
cas e informações. De fato, se o trabalho interdisciplinar pode ser estimulante, e em ge-
ral o é, isso não significa que possa ser construído, de forma privilegiada, no âmbito in-
dividual ou, isoladamente, nos laboratórios. Acredita-se, ao contrário, que o pleno
reconhecimento da natureza dos desafios do trabalho inter e transdisciplinar signifique
um estímulo para que os cursos, reunidos pela área, busquem a mais ampla interlocução
com outros departamentos e instituições, tais como aqueles dedicados à filosofia, às artes,
ao direito e ao conhecimento geo-histórico.
Ao contrário da personalização do trabalho interdisciplinar, o avanço nas relações
entre disciplinas será, sempre, uma tarefa coletiva, que exige a escolha de objetos e de
questões que estimulem trocas acadêmicas e o encontro de conceitos. São as questões,
aliás, que comprovam que a inter e a transdisciplinariedade podem resultar, efetivamen-
te, em ganhos teóricos e no desvendamento de fenômenos e processos relevantes. Mais
uma vez, trata-se de resistir, nas tarefas de ensino, à fratura temática, ao pragmatismo e à
afirmação do pensamento operacional que, apenas na aparência, oferecem respostas con-
sistentes às exigências do trabalho socialmente relevante.
É nessa direção que o ensino do planejamento urbano e regional constitui uma ques-
tão plena: científica e pedagógica. Acrescente-se, porém, que, com extrema freqüência, a
problemática do ensino desaparece na reflexão da pós-graduação, pela predominância de
discursos que a naturalizam. Esse fato talvez possa ser explicado pela certeza não-dita
de que, por se tratar de “adultos formados”, são menores as exigências pedagógicas desse
nível de ensino ou, ainda, que o teor da relação orientador–orientando sintetiza, ao fim e
ao cabo, tudo o que de fato importa.
Desaparece, dessa perspectiva, a valorização do esforço institucional envolvido na
formação de novos profissionais, o que facilita a penetração do produtivismo e do indivi-
dualismo na avaliação de desempenho. Essa tendência fragiliza as áreas inter e transdisci-
plinares diante das imposições dos gestores da educação de que seja acelerado o ritmo da
pós-graduação, em sintonia com aquele alcançado nas ciências ditas exatas. O que já foi
perdido, com essa imposição, nos conteúdos da formação de novos profissionais? Esse se-
ria, sem dúvida, outro interessante (e estimulante) tema de pesquisa. No detalhamento
desse tema, seria relevante considerar as conseqüências da perda em conteúdos da forma-
ção, no que concerne à presença dos profissionais formados pela área no mercado de tra-
balho e em funções relevantes para o País.
Por outro lado, o compromisso simultâneo com ensino, pesquisa e extensão – que
representa uma bandeira de luta daqueles que defendem a Universidade de qualidade –
mereceria ser refletido em direção aos conteúdos das disciplinas oferecidas na área, sobre-
tudo no que diz respeito a técnicas de pesquisa e intervenção. A aplicação potencial do
conhecimento não pode (e nem deve) ser confundida com o antes criticado pragmatismo
ou com a aceitação da hegemonia do pensamento operacional. Ao contrário, a aplicação
do conhecimento distingue, positivamente, a área do planejamento urbano e regional;
orientando, também, o diálogo entre disciplinas (Bernardes et al., 2000). Também a re-
levância atribuída à aplicação do conhecimento justifica a preocupação com as formações

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A N A C L A R A T O R R E S R I B E I R O

reunidas na pós-graduação, já que o teor prático de formações pretéritas precisa ser incor-
porado aos níveis superiores de ensino.

DESAFIOS DOS FUNDAMENTOS DA ÁREA

As exigências que atingem a área são também relativas à transformação dos veios teó-
ricos e políticos da sua fundação. A ação do Estado capitalista tem sido fortemente mo-
dificada, como exemplificam a substituição de funções e a descentralização de responsa-
bilidades administrativas, em consonância com a reorganização da economia e a alteração
em formas de exercício do poder. Essas transformações correspondem a confrontos entre
ideários para a democracia e a cidadania, que incluem mudanças em leis e normas e o re-
desenho de alianças entre agentes econômicos e atores sociais e políticos (Ribeiro, 1998;
Rio & Peixoto, 2001).
Também os avanços alcançados na teoria do espaço exigem, hoje, a sua atenta con-
sideração em leituras da totalidade social (Santos, 1996) e na análise da nova base técni-
ca da vida coletiva: desde a afirmação das condições gerais da denominada sociedade de
fluxos até o envolvimento da cultura na promoção de lugares ou na conformação de re-
des de movimentos sociais e empresariais. Por outro lado, a reflexão atualizada do espaço
não pode ser alcançada, em plenitude, sem a reflexão de matrizes teóricas, relacionadas à
análise do capitalismo, e interpretações da história técnica dos lugares.
Na face da sociedade, o violento processo de exclusão e o esgarçamento da sociabili-
dade exigem práticas didáticas que favoreçam o real compromisso do Estado com o enfren-
tamento da questão social. Trata-se da necessidade de que sejam concebidas (e difundidas)
formas generosas e integradoras de organização do território e de gestão dos recursos. Ain-
da afloraram, nas últimas décadas, formatos organizativos e atores sociais que possibilitam
interlocuções inovadoras na área do planejamento urbano e regional, como demonstram
os grandes temas das reformas agrária e urbana e da justiça ambiental (Acselrad, 1999).

DESAFIOS INSTITUCIONAIS

A ausência de projetos abrangentes para a modernização do território, decorrente da


posição ocupada pelo País no cenário mundial, impõe um intenso esforço de reflexão dos
novos tipos de ação planejada, como exemplificam a influência das agências multilaterais
de desenvolvimento (Barros, 2001) e a atuação de grandes empresas na definição da ação
regionalizadora do Estado. Os estudos realizados pela área também não podem desconhe-
cer o fato de que o monitoramento e o controle da vida cotidiana, demonstrativos da he-
gemonia do pensamento operacional, alteram conteúdos culturais do tecido social, refa-
zendo vínculos entre universidade, sociedade e planejamento.
Entretanto, a superficial acomodação às mudanças na ação planejada (e planejado-
ra) dificilmente poderá conduzir o ensino em instituições universitárias que são depositá-
rias de grandes acervos reflexivos e/ou de responsabilidades com a análise histórica e a va-
lorização das singularidades dos lugares. Tal acomodação destruiria a presença da área na
definição de ações de médio e longo prazos, justamente aquelas que correspondem às pos-
sibilidades de alargamento da democracia e de redução da desigualdade. Porém, as insti-
tuições universitárias têm sido atingidas por exigências imediatas, sem que seja possível,

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 69


O E N S I N O D O P L A N E J A M E N T O U R B A N O

geralmente, refletir a melhor resposta a pressões heterogêneas e, muitas vezes, contraditó-


rias. Da disputa por financiamento ao aumento da produtividade, as instituições hoje vi-
venciam experiências que podem levar à dissolução de coletivos e ao conseqüente aumen-
to da competitividade interna.
Essas experiências estão relacionadas a tendências à fragmentação institucional, já
que o amoldamento ao presente realiza-se de forma muito desigual a partir de iniciativas
individuais. Como distinguir autonomia e liberdade, que são indispensáveis à qualidade
do ensino e da produção científica, de individualismo e competitividade? Essa é, sem dú-
vida, uma tarefa dolorosa e espinhosa; porém, realmente indispensável. Da mesma forma
que a interdisciplinariedade não pode ser assumida apenas no plano individual, também
a negociação de demandas contraditórias não pode ser enfrentada, somente, ao sabor da
percepção do professor/pesquisador, como parecem sugerir alguns dos instrumentos de
avaliação do ensino. Ao contrário, tal negociação, para ser bem-sucedida, depende de fi-
nanciamentos que garantam as instituições em sua totalidade e de seguras (e compartilha-
das) formas de intercâmbio acadêmico.
A atualização do ensino numa área instável como a do planejamento urbano e regio-
nal é necessariamente uma tarefa de todos os envolvidos, de árdua definição pela sobre-
carga de trabalho e pela contínua alteração dos formatos adotados na avaliação do desem-
penho individual e institucional. Além disso, o ensino, por seu ritmo singular e exigências
próprias, sofre a competição de outros desempenhos esperados do professor/pesquisador,
desde os relacionados à produção científica até aqueles que incluem a presença eficaz em
tarefas administrativas. Em que lugar, da atual hierarquia de valores, encontra-se posicio-
nado, hoje, o antigo (e talvez considerado antiquado) “bom professor”?

PROPOSTAS À ANPUR

A consideração dos desafios apresentados permite a formulação de um conjunto de


propostas à Anpur, cuja implementação dependerá, é claro, da sua sintonia com o pro-
grama de trabalho da Diretoria e, também, do interesse que eventualmente despertem nos
programas de pós-graduação. Algumas dessas propostas incluem iniciativas cujos resulta-
dos podem vir a ser considerados relevantes para a publicação no Boletim da Associação ou
na Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais.

PROPOSTAS A SEREM IMPLEMENTADAS PELA DIREÇÃO DA ANPUR

• Criação da cátedra Milton Santos, dedicada ao estímulo de práticas de ensino que de-
mocratizem o conhecimento do espaço;
• instauração de uma comissão permanente de ensino junto à Diretoria;
• lançamento de desafio à área para que explicite os conceitos de espaço, Estado e socie-
dade que orientam o ensino;
• mapeamento, junto com as instituições filiadas, do processo de renovação/superação
de matrizes teóricas;
• definição da posição da Anpur perante os cursos profissionalizantes estimulados pela
Capes;
• formulação de demanda à Capes para que sejam ampliados os critérios qualitativos uti-
lizados na avaliação dos cursos;

70 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


A N A C L A R A T O R R E S R I B E I R O

• avaliação da possibilidade de estabelecer em Brasília, com apoio dos colegas da UnB,


uma forma permanente de acompanhamento da política de ensino do governo federal;
• realização de estudo das grades curriculares que organizam o ensino oferecido na área,
através dos relatórios Capes;
• realização de levantamento da formação acadêmica do corpo discente, nos diferentes
níveis do ensino oferecido pela área;
• realização de evento, com outras associações científicas, dedicado ao debate dos desa-
fios do ensino em áreas inter e transdisciplinares;
• realização de oficina, com a presença de representantes de outras associações científi-
cas, para exame da política de aceleração da formação implementada pelo governo fe-
deral, expressa no estímulo da passagem direta entre níveis de ensino e na redução do
tempo de realização do mestrado e do doutorado;
• organização de publicação com depoimentos do corpo docente, das instituições filia-
das, sobre desafios do ensino e práticas de orientação de dissertações e teses;
• apoio ao intercâmbio de docentes entre instituições filiadas;
• estímulo à acolhida de estudantes, pelas instituições filiadas, tendo em vista a elabora-
ção de dissertações e teses.

PROPOSTAS A SEREM IMPLEMENTADAS POR INSTITUIÇÕES FILIADAS, COM APOIO DA DIRE-


ÇÃO DA ANPUR

• Organização de evento voltado à reflexão do perfil do profissional formado pela área;


• organização de evento dedicado aos desafios didáticos da área, incluindo a extensão e
o uso de recursos técnicos;
• realização de oficina dedicada ao exame dos efetivos frutos da pesquisa para as práticas
didáticas;
• organização de publicação voltada ao ensino da pesquisa e à análise da intervenção, in-
corporando técnicas quantitativas e qualitativas;
• organização de seminário sobre a crise paradigmática nas ciências sociais, em seus vín-
culos com a área do planejamento urbano e regional;
• organização de oficina dedicada à reflexão das conseqüências, para o ensino, da refor-
ma do Estado;
• organização de publicação dedicada aos impactos no ensino da mudança escalar da
ação social e da afirmação de novos atores sociais e políticos; Ana Clara Torres Ribeiro,
socióloga, é professora do
• organização de publicação que explore exigências de formação associadas à transnacio- Instituto de Pesquisa e Pla-
nalização do território e à nova mobilidade espacial da população; nejamento Urbano e Regio-
nal da Universidade Federal
• realização de estudo, com base nos Anais dos Encontros da Anpur, dedicado à identifi- do Rio de Janeiro. E-mail:
cação das principais referências teóricas da área; ana_ribeiro@uol.com.br
• realização de oficina dedicada à avaliação de oferta conjunta, por diferentes instituições Artigo recebido para publica-
filiadas, de cursos on line. ção em novembro de 2002.

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R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 71


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A B S T R A C T This work recognizes the challenge of teaching urban and regional


planning, associated with its academic history and the difficulties related to the update of
disciplinary and technical fundamentals. With this goal in mind, this work describes impacts
observed in this field that were triggered by changes in State actions, in the configuration of
social subjects, in the relationship between technique and science, in the work market and in
the theory of space. To stimulate further thoughts on the specific task of teaching urban and
regional planning, these impacts are analyzed from the following perspectives: didactic
practice, interdisciplinary experience, learning expectations, renovation of the field
fundamentals, and institutional facilities for teaching. At last, some suggestions are proposed
to Anpur hoping to stimulate a debate on the transmission of knowledge as well as the training
of new urban planning researchers.

K E Y W O R D S Teaching; space; planning; interdisciplinarity; didatic.

72 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


A RTIGOS
HISTÓRIA URBANA
A CONSTITUIÇÃO DE UMA ÁREA DE CONHECIMENTO

LUÍS OCTÁVIO DA S I LVA

R E S U M O Este artigo aponta e analisa os principais eventos, marcos e discussões


que pautaram a emergência da história urbana como uma área de conhecimento específica.
Ele tem como base principalmente as literaturas britânica e americana. Isso se deve ao pa-
pel de vanguarda que Grá-Bretanha e EUA desempenharam no desenvolvimento das análi-
ses históricas sobre a cidade, mas também ao potencial de difusão internacional dado pela
própria língua em que essas contribuições foram feitas. O interesse, no âmbito desse traba-
lho, está muito mais nos marcos e referências ligados à constituição desse campo de conheci-
mento do que na produção historiográfica propriamente dita.

P A L A V R A S - C H A V E História urbana; cidade-história; urbanismo-


história; epistemologia da história urbana.

INTRODUÇÃO

O objetivo desse trabalho é proceder a uma revisão da literatura, historiografando


e analisando os principais eventos, marcos e discussões que têm pautado a emergência
da história urbana como uma área de conhecimento específica, no mundo ocidental. O
período coberto é o da segunda metade do século XX, diferenciando e contrapondo es-
pecificamente as tendências que marcaram os anos 60, 80 e 90. Fundamentalmente cen-
trado nas ocorrências e obras de cunho mais epistemológico e de repercussão internacio-
nal, esse artigo tem como base principalmente a literatura em inglês, notadamente
britânica e americana, sem entretanto desconsiderar alguns marcos provenientes de ou-
tras geografias lingüísticas. Isso se deve a uma escolha de objeto de interesse, ela própria
condicionada pela existência de uma rica literatura, fruto do papel de vanguarda que es-
ses dois países desempenharam no desenvolvimento das análises históricas sobre a cida-
de. O outro elemento central que condicionou a escolha desse universo deve-se ao po-
tencial de difusão proporcionado pela língua inglesa. Nesse campo de conhecimento, as
discussões e debates da literatura em inglês acabam por balizar a pauta no resto do uni-
verso ocidental. Nosso interesse, no âmbito desse trabalho, está muito mais nos marcos
e referências ligados à constituição desse campo de conhecimento do que na produção
historiográfica propriamente dita. Obviamente, essa opção de recorte implica não abor-
dar contribuições importantíssimas e muito relevantes, mas que, por não terem sido di-
fundidas em inglês, escapam ao universo lingüístico que essa revisão de literatura se pro-
põe a cobrir.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 75


H I S T Ó R I A U R B A N A

HISTÓRIA URBANA, ESSA INDEFINIDA

A primeira dificuldade na identificação da emergência desse campo de conhecimen-


to advém da falta de uma definição clara do que se poderia chamar de história urbana.
Desde há muito a história de cidades se confunde com a própria história das civilizações e
do território (história local, história dos países e das regiões). Gênero consagrado, as bio-
grafias urbanas, até as primeiras décadas do século XX, eram fundamentalmente obras de
não-especialistas em história, de caráter enaltecedor de uma determinada localidade, es-
critas em forma narrativa convencional, dando destaque à apresentação cronológica de fa-
tos notáveis, personagens ilustres, sem generalizações nem abordagem de processos mais
vastos. A história do urbanismo assim como a da organização física dos sítios urbanos são,
por sua vez, principalmente obras de arquitetos e/ou urbanistas, nem sempre historiado-
res de formação. Essa produção esteve, por muito tempo, inserida no âmbito da história
da arte e/ou da arquitetura com pouca ou nenhuma ênfase em aspectos econômicos, so-
ciais ou políticos, basicamente referindo-se à dimensão estética e formal, mais no âmbito
da história da produção cultural. A essas modalidades somaram-se as contribuições dos
historiadores propriamente ditos com interesse no urbano. François Bédarida (1968,
p.54), por exemplo, referindo-se ao universo francês, aponta o fato de que, desde 1929,
a publicação periódica Annales d’Histoire Economique et Sociale tem desempenhado um
papel central no “despertar do interesse pelo urbano entre historiadores”. Bruce M. Stave
(1983, p.409), por sua vez, afirma que, no caso americano, o interesse dos historiadores
pelo urbano pode ser detectado desde o final do século XIX com as análises sobre o fenô-
meno imigratório e a partir da década de 1920, quando essa nação se tornava majorita-
riamente urbana. Um papel de destaque na aproximação dos historiadores à temática ur-
bana, no caso americano, ainda segundo Stave (p.409), caberia a Arthur M. Schlesinger
quando, a partir de 1932, ele passou a dirigir o American Historical Association Commi-
tee. Isso sem mencionar historiadores de considerável reputação como Fernand Braudel
(1973) e Henri Pirenne (1956), em cujas obras as cidades ou o fator urbano desempe-
nham um papel central.
Uma outra fonte de interesse pelo urbano provém das perspectivas historiográficas
oriundas de outros campos disciplinares. Especialmente profícuas nesse sentido foram as
abordagens provenientes da geografia, mas também da demografia. Dessa diversidade de
perspectivas emergiram contribuições relevantes, eventualmente com abordagens temáti-
cas, como é o caso da história da urbanização ou abordagens nas quais o urbano aparece
como elemento de interpretação histórica, por exemplo, o papel das cidades no desenvol-
vimento do capitalismo. Essa produção historiográfica de caráter bastante heterogêneo
apresenta poucas referências teóricas em comum, não havendo identificação alguma em
relação a um campo intitulado “história urbana”. A Suécia constitui, em relação à utiliza-
ção do termo “história urbana”, um caso particular. Nesse país, existe, desde o princípio
do século XX, uma expressiva tradição em história urbana, baseada na história local, in-
clusive com a constituição, em 1919, do Instituto de História Urbana (Lars, 1996, p.381).
Só em meados do século XX é que começam as primeiras articulações para a consti-
tuição de uma área de conhecimento específico: a história urbana. Como era de se esperar,
essas articulações se originaram nos países com maior acúmulo de produção historiográ-
fica: Grã-Bretanha e EUA. Os estudos sobre o processo de desenvolvimento/industrializa-
ção/urbanização ocupavam boa parte das preocupações dos pesquisadores em ciências so-
ciais. Essa maneira de abordar o urbano era significativamente diferente dos trabalhos em

76 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


L U Í S O C T Á V I O D A S I L V A

biografias urbanas e história do urbanismo até então hegemônicos. A década de 1960 foi
especialmente profícua a esse respeito. Além de vários trabalhos de peso sobre a história
do processo de urbanização (por exemplo, Hauser & Schnore, 1965), algumas outras
obras e eventos marcam o surgimento de determinados grupos de pesquisadores que pas-
sam a se auto-intitular “historiadores urbanos”. O Joint Center for Urban Studies do MIT
e a Universidade de Harvard (EUA) organizaram uma conferência que resultou na publi-
cação, em 1963, de The Historian and the City (editada por Oscar Handlin e John Bur-
chard). A importância dessa publicação, para o assunto em questão, foi a reunião, não de
estudos de caso, mas de reflexões sobre a perspectiva histórica e o urbano.

O GRUPO DE LEICESTER

Na verdade o principal marco da constituição da história urbana como campo de co-


nhecimento autônomo foi a constituição do Grupo de História Urbana, no âmbito da
Universidade de Leicester (Inglaterra), liderado por H. J. Dyos. Em 1963, esse grupo ini-
cia a publicação periódica do Urban History Newsletter, um boletim bibliográfico. Em
1966 acontece a International Round-Table Conference e subseqüente publicação, em
1968, do The Study of Urban History. Essa obra constitui a principal referência na cons-
tituição desse campo de conhecimento. Não apenas pelo conteúdo das formulações apre-
sentadas, mas também pela continuidade do trabalho desse grupo, em especial no que diz
respeito à publicação periódica sob sua responsabilidade, e a difusão de uma certa visão
de história urbana. Em 1974, o Urban History Newsletter, mantendo a forma de boletim
bibliográfico, se transforma numa publicação de maior fôlego, o Urban History Yearbook.
Em 1992 o Yearbook se transforma no periódico Urban History. Não confundir com o
Journal of Urban History, publicado nos EUA, comentado mais adiante.

AS QUESTÕES CENTRAIS

São três as questões principais em torno das quais giram o que se poderia chamar de
reflexões fundadoras:
a. o balanço, categorização e análise da produção historiográfica já existente;
b. a procura de uma definição do que seria a história urbana, em especial no que diz res-
peito a sua relação com o resto das ciências sociais; e
c. a definição de um programa/agenda de pesquisa.
No que diz respeito ao primeiro aspecto (mas também ligado ao segundo), podem-
se afirmar a explicitação de uma insatisfação e a procura de diferenciação em relação à tra-
dição biografista de gênero antiquarista (enaltecedora do passado). Esse poderia ser apon-
tado como o principal ponto em comum. Mas a produção biografista então existente já
não se resumia a esse antigo gênero antiquarista. Já havia a produção de história de cida-
des aplicando abordagens mais compreensivas. O balanço da produção existente dá con-
ta dessa transformação, mas a contrapõe aos estudos de caráter temático mais geral. O ar-
tigo “Agenda for Urban Historians”, de autoria de H. J. Dyos, que faz a abertura do The
Study of Urban History (1968), é bastante revelador de uma determinada visão, não só da
produção existente, como de uma agenda de continuidade. Nesse artigo, Dyos identifica
duas abordagens possíveis: uma particularista e outra generalista. A primeira delas mais

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 77


H I S T Ó R I A U R B A N A

identificada com os estudos de casos específicos, a história de cidades. A segunda, como


o próprio nome diz, tinha como objeto processos mais gerais, organizados em torno de
temáticas, como o processo de urbanização, o desenvolvimento econômico, a industriali-
zação, e o desenvolvimento tecnológico. Existe, por um lado, uma concepção de que a
história urbana devia se organizar mais em torno dessas temáticas generalistas. Por outro,
ocorre o discurso de que só a análise de casos específicos permitiria o estabelecimento dos
nexos causais entre os diferentes aspectos concernentes ao processo de urbanização. Oscar
Handlin (1963, p.26), o expoente maior dessa posição, chega a afirmar que “precisamos
de menos estudos sobre a cidade na história do que de história de cidades”.
No tocante à constituição de um programa de pesquisa, mas também diretamente
em conexão com a definição do que deveria ser a história urbana, dois pontos emergem,
de forma que se pode considerar consensual: a necessidade de enriquecimentos transdis-
ciplinares e a premência de estudos comparativos. Quanto às contribuições transdiscipli-
nares, elas faziam parte de uma tendência maior na evolução da ciência histórica. Bruce
Stave (1983, p.409) menciona que, já em 1890, Albert Bushnell Hart pregava a idéia de
uma “nova história” com uma abordagem pluridisciplinar. Essa nova abordagem da dis-
ciplina histórica teve grande difusão a partir do que se convencionou chamar de “Esco-
la dos Annales” em referência à produção do grupo de historiadores ligados à publicação
dos Annales d’Histoire Economique et Sociale. Ela apresentava como base dois posiciona-
mentos principais: a idéia de que a “história se enriquece em temáticas e em métodos
provenientes das disciplinas irmãs; até mesmo pelo desaparecimento provisório dos limi-
tes disciplinares; e que ela (a história), continua a ser um saber global, ecumênico, reu-
nindo as condições de inteligibilidade máxima dos fenômenos sociais” (Furet, 1982, p.9;
apud Lepetit, 1996, p.19). É nesse contexto evolutivo da disciplina histórica que surge
o espaço para a articulação de constituição da história urbana, à semelhança do que já
havia acontecido, por exemplo, com a história econômica, constituída após a Primeira
Guerra Mundial e consolidada a partir da Segunda Guerra (Fraser & Sutcliffe, 1983c,
p.XI). Christopher Tunnard (1963), por outro lado, vê a necessidade de uma história ur-
bana exatamente em decorrência de uma negligência dos historiadores (salvo exceções)
em relação ao papel da cidade.
Se, por um lado, a necessidade de transdisciplinaridade foi uma questão consensual,
o mesmo não pode ser dito da inserção da história urbana em relação ao conjunto da ciên-
cia histórica. Duas posições antagônicas se delinearam. De um lado, aqueles que viam na
história urbana um campo de conhecimento específico e diferenciado do resto da produ-
ção historiográfica. A contemplação dos processos ligados ao fenômeno urbano comple-
mentou e forneceu elementos explicativos a dimensões não abordadas pelo conjunto da
história social. O adjetivo “urbano” não se aplica de uma maneira simplista ao objeto ci-
dade. “Urbano” aplica-se a uma determinada dimensão da história não-explicável nos ou-
tros quadros de referência, analogamente à história econômica ou à história cultural
(Hershberg, 1978). Ainda que não formalmente pertencentes ao grupo de historiadores
urbanos, Henri Pirenne e Fernand Braudel encarnavam e exemplificavam uma certa vi-
são que privilegiava uma dimensão urbana como elemento de explicação do desenvolvi-
mento histórico. Essa posição ficou rotulada como a visão “cidade como processo”. Esse
rótulo de “processo” advém principalmente da contraposição à antiga abordagem das bio-
grafias urbanas, que justamente não levavam em conta processos mais gerais. Segundo al-
gumas interpretações, que à primeira vista não parecem totalmente justificadas, Jim Dyos
teria ocupado inclusive uma posição extrema dentro desse “paradigma”. Para ele, a pers-

78 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


L U Í S O C T Á V I O D A S I L V A

pectiva da história urbana consistia uma estratégia operacional para uma “história total”,
um ponto de convergência das contribuições transdisciplinares para a interpretação his-
tórica (Burke, 1981, p.55-7, apud Sutcliffe, 1984, p.124). Ainda referindo-se à concep-
ção de Dyos de história urbana, Fraser e Sutcliffe (1983b, p.IX) afirmam que “na sua con-
cepção a história urbana seria um grande fórum das ciências históricas, ‘um lugar central’
para o qual convergiriam uma inusual variedade de disciplinas, interesses e tendências”.
Esta foi a criticada e radicalizada abordagem Urban History. Durante os anos 70, Dyos e
Reeder, por exemplo, sustentam a existência de uma ligação intrínseca entre a “economia
da produção habitacional urbana e o sucesso comercial britânico” (Sutcliffe, 1983,
p.234), isto é, todo o setor econômico de exploração dos slums organicamente inseridos
na economia de baixos salários.
Num lado oposto à perspectiva “cidade como processo” alinham-se historiadores e
outros cientistas sociais que se interessam pelo urbano apenas como local onde os emba-
tes e transformações sociais acontecem. Alguns deles, durante algum tempo, paradoxal-
mente se intitulavam, eles também, historiadores urbanos. Nessa perspectiva, entretanto,
não havia uma história urbana como um domínio específico. Os fenômenos por ela tra-
tados eram apenas incidentalmente urbanos. Essa visão recebeu o rótulo de perspectiva
“urbano como sítio”, em inglês, urban as a site. Na verdade, esse debate transcende e é an-
terior à constituição dos grupos de auto-intitulados historiadores urbanos. A divergência
possui raízes bem mais profundas e antigas. Esse embate de posições vem acontecendo de
maneira declarada, no âmbito da historiografia americana, desde, pelo menos, o início
dos anos 40. Uma pequena digressão é necessária para o entendimento da evolução das
posições. Existia uma corrente da historiografia americana, da qual Frederick Jackson Tur-
ner foi um porta-voz, para a qual a chave de compreensão da história dos EUA não estava
na evolução das colônias atlânticas, mas sim na expansão em direção ao Oeste. Com a
evolução do processo de urbanização, em 1925, Turner, numa carta, menciona que teria
chegado o momento de uma “reinterpretação urbana da história” (Diamond, 1941; 1992,
p.572). Essa incitação foi posta em prática por Arthur Schlesinger nas entrelinhas do seu
livro The Rise of the City 1878-1898 e pouco tempo mais tarde como argumento central
do artigo “The City in American History”. Pois é exatamente contra esse argumento que,
em 1941, William Diamond publica o artigo: “On the dangers of an urban interpretation
of history, historiography and urbanization” (republicado em francês, em 1992). Diamond
aponta a falta de uma definição clara do que seria a cidade, e a inconsistência de sua uti-
lização como elemento causal na interpretação do desenvolvimento histórico. Para ele, as
classes sociais tinham um potencial explicativo muito maior do que as condições de cita-
dino/ou não em relação, por exemplo, às posições políticas ou ao comportamento demo-
gráfico (natalidade, mortalidade etc.). Essa discussão sobre a cidade (e/ou o urbano) co-
mo variável independente ou variável dependente é retomada, nos mesmos termos, pelas
visões “cidade como processo” versus “urbano como sítio”. Dada a importância desse de-
bate na configuração e delimitação do campo de conhecimento da história urbana, ele
merece, no âmbito desse trabalho, um detalhamento um pouco maior. Vejamos, então,
alguns dos principais protagonistas e seus argumentos.
Um nome de primeira grandeza da crítica à história urbana é o de Philip Abrams,
pensador de orientação weberiana que, no artigo “Towns and economic growth: some theo-
ries and problems” (1978), aborda como objeto central essa discussão. Para ele, havia um
equívoco bastante freqüente, principalmente no âmbito da história urbana, mas também
ocorrente na sociologia urbana, aliás ambas verdadeiros “cemitérios de generalizações so-

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 79


H I S T Ó R I A U R B A N A

bre a cidade” (1978, p.9). O equívoco assentava-se na concepção da cidade como uma
“entidade social” sui generis. Na verdade, a cidade seria “uma forma social na qual as pro-
priedades essenciais de um sistema mais amplo de relações sociais são grosseiramente
concentradas e intensificadas – até um ponto em que a extensão residencial, a densida-
de e a heterogeneidade, as características formais de uma cidade parecem ser nelas mes-
mas propriedades constituintes de uma ordem social distinta” (1978, p.9-10). Assim co-
mo na crítica de Diamond, a origem dessa confusão estava no próprio conceito de
“cidade”. Para exemplificar, Abrams usa a interpretação de Maurice Dobb (1963, p.33-
127), para quem a transição do feudalismo para o capitalismo está diretamente ligada à
emergência das cidades.

até onde o crescimento do mercado exerceu uma influência desintegradora na estrutura do


feudalismo e preparou o terreno para o crescimento das forças que enfraqueceram-no e su-
plantaram-no, a história dessa influência pode, em grande parte, ser identificada com a as-
censão das cidades. (Dobb,1963, p.70, apud Abrams,1978, p.11.)

A razão do equívoco residia na identificação, por parte de Dobb, do feudalismo


com o sistema de servidão, que teria como conseqüência a concepção das cidades co-
1 “The transition from feuda-
lism to capitalism ceases to
mo corpos sociais alienígenas ao sistema feudal. A transição seria então explicada, por
be a change explained in Dobb, como uma relação entre essa townness e as relações sociais feudais. Abrams,
terms of the rise of towns
and is steadily more expli-
por sua vez, propõe que:
citly a matter of the struggle
of different groups within the
feudal order to dominate A transição do feudalismo para o capitalismo deixa de ser uma mudança explicada em
small-scale production and termos da ascensão das cidades, e sem dúvida é mais explicitamente uma questão da luta dos
to appropriate the profits of
trade. Particular towns are diversos grupos existentes na ordem feudal para dominar a produção em pequena escala e
the political setting for parti- apropriar-se dos lucros do comércio. Cidades específicas constituem o cenário político para
cular versions of this strug-
gle. The distinctive outcome versões específicas dessa luta. Os diferentes resultados da luta se explicam não pela natureza
of the struggle is explained
da cidade, mas pela resolução da contradição entre a divisão do trabalho social e a divisão do
not by the nature of the town
but by the working-out of the trabalho na produção que permeia o feudalismo todo, e apenas é percebida de maneira mais
contradiction between the
social division of labour and
aguda no mundo social relativamente concentrado da cidade.1 (1978, p.13.)
the productive division of la-
bour permeating feudalism
as a whole and merely reali- A mesma crítica aplica-se à interpretação do mesmo período histórico por parte de
zed most acutely in the rela- Fernand Braudel, para quem o desenvolvimento econômico do mundo ocidental estava
tively concentrated social
world of the town.” diretamente ligado ao caráter fechado de suas cidades: “as cidades foram responsáveis pe-
lo avanço do Ocidente” (1973, p.439-49, apud Abrams, 1978, p.24). O contra-argumen-
2 “It was not really the
towns that caused the West to de Abrams:
to advance but the peculiar
inability of western feuda-
lism to prevent these people Não foram realmente as cidades que fizeram o Ocidente progredir, mas sim uma pecu-
from maximizing their advan-
tages which they did typi-
liar incapacidade do feudalismo ocidental de impedir essas populações de maximizar suas
cally within the institutional vantagens, o que era feito geralmente através do arranjo institucional da cidade fechada. A
form of the closed town.
The move from open to clo- transformação da cidade aberta em cidade fechada foi um movimento para consolidar o po-
sed towns was a move to der desses grupos contra as autoridades feudais/fundiárias e contra os artesãos e trabalhado-
consolidate the power of
such groups against feudal res urbanos. Tanto internamente como externamente a cidade é uma expressão institucional
and landed authorities and de poder.2 (1978, p.25.)
against the artisans and la-
bourers within towns. Both
internally and externally the
town is an institutional ex-
Idêntica crítica provém também da historiografia marxista. E. J. Hobsbawm (1971),
pression of power.” no famoso artigo “From Social History to the History of Society”, questiona o potencial da

80 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


L U Í S O C T Á V I O D A S I L V A

história urbana como paradigma explicativo da mudança social. Outra referência impor-
tante, também na mesma linha crítica, é o artigo de R. H. Hilton, “Towns in English feu-
dal society”, que questiona a interpretação de Henri Pirenne de que as cidades são a antí-
tese e fator de desagregação da sociedade feudal (Sutcliffe, 1983, p.235). Enfim, existe
toda uma linha de questionamento, não só em relação à história urbana, mas de todas as
análises de processos sociais que empregam o urbano como categoria de análise. Uma con-
tribuição historicamente importante, até mesmo porque é bastante lida e discutida, se
bem que seja exterior ao universo anglofônico, provém de Jean-Claude Perrot. Esse his-
toriador francês apresenta uma posição com sensíveis nuances em relação ao embate de
posições “cidade como processo” versus “urbano como sítio”. A sua concepção de cidade
é a de um observatório privilegiado dos fatos sociais. Segundo ele:

a consideração dos fatos urbanos constitui um meio, dentre outros, para revelar a história das
relações sociais imprecisas na consciência daqueles que as vivenciam … Evidentemente, as
cidades não se constituem em agentes de revoluções, cujas raízes estão nas profundezas da
economia, da demografia, das transformações técnicas e das decisões políticas. Entretanto,
entre causas e efeitos, as aglomerações ocupam um cruzamento privilegiado: de uma certa
maneira, a influência delas escapa à compreensão das consciências contemporâneas, por ou-
tro lado diametralmente oposto, as transformações urbanas contribuem, quando necessário,
para rasgar a aparência da sociedade de ordens, desvendando as verdadeiras características dos
grupos sociais.3 (Perrot, 1992, p.47-52.) 3 “… la considération des
faits urbains est un moyen,
parmi d’autres, de faire au
jour de l’histoire des rap-
ports sociaux imprécis dans
A NEW URBAN HISTORY la conscience de ceux qui
les vivent … Bien sûr, les vil-
les ne sont pas d’abord
Se do lado europeu apontou-se como fato desencadeador da “constituição da histó- l’agent de révolutions dont
ria urbana” a formação do “grupo de Leicester”, no lado americano, ainda que não par- les eaux mères viennent des
profondeurs de l’économie,
tindo das mesmas opções conceituais, esse papel coube ao grupo e à “visão” conhecidos de la démographie, des mu-
tations techniques et des
como New Urban History. O evento de “fundação”, nesse caso, foi a conferência “Nine- décisions politiques. Mais
teenth Century Industrial City”, organizada na Universidade de Yale (New Haven, EUA) entre les causes et les ef-
fets, les agglomérations oc-
por Richard Sennett e Stephan Thernstrom, em 1968. A publicação ligada ao evento e cupent un croisement privilé-
que serve de referência para essa abordagem em história urbana intitula-se The Nineteenth gié: d’une certaine manière,
leur influence échappe à la
Century City: Essays in New Urban History, cujos editores são exatamente Sennett e saisie des consciences con-
Therntrom. É importante ressaltar que, tanto no caso britânico como no americano, es- temporaines, d’une autre au
contraire, les transforma-
ses eventos não estão iniciando a produção historiográfica urbana, que obviamente lhe é tions urbaines contribuent,
anterior, mas, principalmente, articulando a constituição de paradigmas, no sentido kuh- quand il faut, à déchirer
l’apparence de la société
niano do termo, isto é, estabelecendo referências teóricas comuns, procedimentos meto- d’ordres, dévoilant les traits
réels des groupes sociaux. ”
dológicos, associações, publicações etc. (Khun, 1962). A história urbana concebida no
âmbito do grupo New Urban History parte de uma perspectiva marcadamente sociológi-
ca e claramente identificada com a abordagem “urbano como sítio”. Nesses aspectos, ela
pode ser considerada diametralmente oposta à orientação do grupo de Leicester, cujas afi-
nidades e passado disciplinar eram muito mais ligados à ciência econômica e à história
econômica, e cuja concepção de história urbana era declaradamente “cidade como pro-
cesso”. Os principais pontos que caracterizaram esse grupo americano são: a procura do
estabelecimento de “pontes” entre os dados históricos e outras disciplinas das ciências
sociais, em particular com a teoria sociológica; a aplicação de abordagens quantitativas; e
o interesse por aspectos das experiências cotidianas. Os primeiros anos foram de grande

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 81


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entusiasmo e as pesquisas se concentravam, principalmente, sobre a temática da mobili-


dade social e geográfica (Hershberg, 1978). Alguns anos depois, as grandes expectativas
pareciam não ter sido correspondidas pelos resultados. As inúmeras críticas a essa aborda-
gem se concentraram principalmente na pobreza das contribuições no tocante à explica-
ção sobre o contexto dos comportamentos analisados. Os fenômenos de mobilidade eram
apresentados com pouca ou nenhuma relação com o entorno urbano. A New Urban
History foi muito pouco urbana. Tornou-se emblemática a esse respeito uma entrevista
de Stephen Thernstrom a Bruce M. Stave no Journal of Urban History na qual ele renun-
cia não só ao rótulo de historiador urbano como à própria existência de uma nova his-
tória urbana (Hershberg, 1978).
A principal contribuição da New Urban History foi a de operacionalizar a transfe-
rência de procedimentos metodológicos da sociologia para o âmbito urbano, ainda que o
objeto não fosse tão urbano quanto se supunha. Esse legado metodológico serviu, por
exemplo, de base ao importante projeto coletivo de pesquisa que foi o Philadelphia So-
cial History Project. Sob a liderança de Hershberg, esse projeto investigou, num contex-
to de industrialização, o desenvolvimento metropolitano, e os comportamentos de dife-
rentes subgrupos sociais em relação a variáveis como localização industrial, residência,
transporte e equipamentos. A importância desse projeto, além do seu caráter coletivo
(num período em que a maior parte das pesquisas se desenvolvia de forma individual), foi
o emprego de instrumentos de análise informatizados que podiam estabelecer conexões
entre organização espacial e relações sociais, eventualmente contrariando teorias então
existentes (Hershberg, 1983).

O “JOURNAL OF URBAN HISTORY”

Possivelmente tanto quanto ou até mais importante que a New Urban History na
constituição e difusão da história urbana americana foi o papel do Journal of Urban His-
tory (JUH ). Ele apareceu em 1974, isto é, significativamente mais tarde que o seu correla-
to britânico – o Urban History Newsletter foi publicado pela primeira vez em 1963. Um
detalhe de considerável importância é que o JUH, desde o seu princípio, procurou manter
um distanciamento estratégico em relação à New Urban History. Em meados da década
de 1970 já se desenhavam claras as limitações dessa abordagem. No seu primeiro edito-
rial, Raymond Mohl explicitava o perfil da publicação: “estudos de pequenos ou estreitos
fragmentos da experiência urbana … somente se eles estiverem claramente e fortemente
relacionados a um contexto mais amplo” (apud Blumin, 1994). Isso era um aviso de in-
terdição às “limitadas e estreitas” pesquisas de mobilidade desenvolvidas pela New Urban
History. O JUH assim como o Urban History (UH ) – que em 1992 sucedeu o Urban His-
tory Yearbook, que por sua vez, em 1974, havia sucedido o Urban History Newsletter – ape-
sar de se pretenderem internacionais, têm uma cobertura geográfica, quanto à origem das
contribuições assim como quanto às temáticas abordadas, significativamente restritas aos
respectivos países de origem. No caso do UH, esses limites se estendem ao Commonwealth,
já o JUH apresenta uma visão de história urbana mais estritamente americana. Entre as ex-
ceções, são de especial importância para os leitores interessados na história urbana latino-
americana: Morse, 1974; Socolow e Johnson, 1981; Greenfield, 1989; e Armus & Lear,
1998. Já existem alguns artigos que fazem balanços dessas duas publicações periódicas que
continuam a ser as duas mais consolidadas e praticamente únicas com distribuição larga-

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mente internacional: Browell, 1984; Bloomfield, 1987; Rodger, 1992; Blumin, 1994; e
Stave, 1994. Potencializadas pela língua, mas também pelo volume e qualidade do mate-
rial já publicado.

A HISTÓRIA URBANA NOS ANOS 80

O principal marco desse outro período aconteceu logo no ano de 1980. Foi a “Dyos
Memorial Conference”, inicialmente sob organização do próprio Dyos que, ao falecer, foi
substituído por Derek Fraser e Anthony Sutcliffe. A importância do evento deve-se tan-
to ao seu caráter internacional como ao caráter de avaliação do estado da arte após cerca
de vinte anos de articulações pró consolidação da história urbana como campo de conhe-
cimento. Aconteceu em Leicester e teve um impacto comparável ao do encontro de 1966.
A publicação correspondente, The Pursuit of Urban History, só veio a ser editada em 1983,
sob responsabilidade de Derek Fraser e Anthony Sutcliffe, e o conteúdo não coincide exa-
tamente com o programa da Conferência. Essa obra, conjuntamente com o artigo de Sut-
cliffe (1984) sobre o evento, quatro anos depois, constituem fontes fundamentais para a
compreensão das perspectivas e balanços feitos não exatamente sobre, mas durante os
anos 80. São, a nosso ver, três as temáticas principais que aparecem nas discussões episte-
mológicas, nesse período:
a) um aprofundamento da discussão sobre a transdisciplinaridade e a necessidade de es-
tudos comparativos;
b) um foco sobre a organização institucional da pesquisa (necessidade de projetos coleti-
vos); e
c) reflexões sobre a experiência da New Urban History e as abordagens quantitativas.
O tom geral dos artigos que procuram fazer o balanço das quase duas décadas ante-
riores de produção historiográfica é de franca decepção em relação às expectativas da dé-
cada de 60. Bédarida (1983, p.397), por exemplo, menciona especificamente o caráter
disperso e desconexo dessa produção que, apesar de crescente, careceria de obras de sín-
tese. Hershberg (1983), por sua vez, expressa a sua decepção em relação à questão da
transdisciplinaridade.4 Sua interpretação envereda pelo âmbito da sociologia das ciências. 4 Hershberg (1983) faz uma
diferenciação: multidiscipli-
Para ele, as dificuldades são de ordem ideológica, cultural, psicológica assim como decor- naridade (preservação do
rentes de fatores estruturais. A própria institucionalização das disciplinas que, por um la- paradigma disciplinar) di-
ferenciar-se-ia de interdis-
do, potencializou avanços devidos à especialização, também criou barreiras. A formaliza- ciplinaridade (utilização de
ção das disciplinas5 implicou a estruturação das universidades em departamentos. No caso variáveis explicativas prove-
nientes de outras discipli-
americano, o sistema de recompensas (no âmbito universitário) privilegiou os empreen- nas). Ele indica, para um
aprofundamento da ques-
dimentos individuais. Daí as dificuldades de síntese. A problemática não seria tanto de tão, um outro texto de sua
especialização, mas principalmente de isolamento. No caso das pesquisas aplicadas e das autoria: Hershberg, 1981.
hard sciences, haveria uma natural interdependência e cumulatividade entre disciplinas ir- 5 Apenas a título de curiosi-
mãs. No caso das ciências humanas existe uma valorização da criatividade, e conseqüen- dade, reproduzimos a infor-
mação referente às datas
temente um isolamento. Daí a ênfase na necessidade de projetos colaborativos. Durante de institucionalização, nos
os anos 80 houve uma formulação bastante clara da necessidade desses projetos. Eles são EUA, de algumas discipli-
nas, conforme apresenta-
ao mesmo tempo uma solução à questão da transdisciplinaridade e à necessidade de estu- das por Hershberg (1983,
dos comparativos. p.431): história, 1884; eco-
nomia, 1885; ciência políti-
Apesar de um certo tom de desilusão, os anos 80 foram, no âmbito da história ur- ca, 1903; e sociologia,
1905.
bana, bastante profícuos. De um lado já estavam bastante digeridas as críticas feitas
às abordagens “quantitativistas” americanas. Após a “ressaca” em relação à New Urban

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History, a experiência do Philadelphia Social History Project apresentava resultados inte-


ressantes, mas dificilmente poderia servir como modelo geral: recursos financeiros e hu-
manos vultosos concentrados apenas numa cidade (Stave, 1983, p.424). A produção his-
toriográfica urbana inglesa continuou a ser a mais globalizante e multifacetária. Mas
durante a década em questão, emergiu uma considerável produção tanto francesa como
alemã. No caso da primeira, o principal traço foi a da conjuminação da história urba-
na/história social, numa posição quase inversa ao que ocorrera na Grã-Bretanha. Cabe es-
pecial menção, também por se tratar de um projeto coletivo e de peso, a publicação de
Histoire de la France urbaine, em cinco volumes, entre 1980-1985 (Le Goff et al., 1980-
1985). Consolida-se também uma produção alemã centrada sobretudo na história das
administrações locais, abordagens econômicas, demográficas e de história do cotidiano
(Pinol, 1991, p.6-9).
De uma maneira geral, a década de 1980 foi também marcada por uma diminuição
das ambições e pretensões em relação ao potencial explicativo da história urbana. Após as
consistentes críticas dos anos 70, uma “interpretação urbana da história” era vista com
maior precaução. Um outro traço geral é o do aumento das contribuições provenientes da
sociologia. Outro fato a ser apontado é o da manutenção do peso hegemônico das bio-
grafias urbanas. Já não mais na antiga tradição de isolamento, mas sim contextualizadas
(Bédarida, 1983). Elas continuam, entretanto, vistas como obras menores, como etapa ca-
bível para historiadores juniores. Essa opinião é claramente apresentada, por exemplo, por
Fraser e Sutcliffe (1983c, p.XXVIII-XXIX).

A HISTORIOGRAFIA URBANA NOS ANOS 90

Seguindo uma tendência já delineada nos anos 80, a história urbana produzida na
Europa nos anos 90 caracterizou-se por um grande dinamismo e proficuidade (Lees,
1994). No âmbito das ações cooperativas, tão preconizadas anteriormente, os avanços
continuaram notáveis: projetos de pesquisa – por exemplo, o Ontwikkelung van de Stad,
Hilversum-Holanda, 1992 (Lees, 1994), ou ainda o notável projeto Atlas histórico de las
ciudades europeas –, publicações, constituição de associações nacionais e de redes associa-
tivas, notadamente a Associação Européia de Historiadores Urbanos. Esse dinamismo
europeu, segundo Lees (1994, p.8), contrasta com o quadro norte-americano em que a
história urbana continuou a ser uma atividade marginal. Há avanços na antiga questão
da transdisciplinaridade, no entanto, existe também um reconhecimento de que se tra-
ta de um empreendimento mais difícil do que podia parecer: “poucos foram suficiente-
6 A propósito, essa última
obra apresenta, anexa, uma mente promíscuos em termos intelectuais para experimentar as delícias metodológicas e
interessante e vastíssima se- teóricas emprestadas da vasta gama de possibilidades interdisciplinares disponíveis”
ção bibliográfica (336 pági-
nas) organizada, ela também, (Rodger, 1992, p.9).
por países com subdivisões Apesar da efervescência da produção, existe a constatação da raridade das ações de
por tipo de produto e por te-
mática. A sub-seção final, síntese. Mesmo as obras que adotam uma perspectiva comparativa são organizadas sob
após todos os países, é de-
dicada às pesquisas compa-
forma de coletâneas, em que as contribuições continuam circunscritas às barreiras nacio-
rativas internacionais. nais (por exemplo, Rodger, 1993; Biget & Hervé, 1995; Engeli & Matzerath, 1989).6
Curiosamente, as principais obras que conseguiram essas análises mais globais são quase
todas produzidas nos EUA, por exemplo, Hohenberg & Lees, 1985; Vries, 1984; e Moch,
1992. As exceções são Bairoch, 1985, e Pinol, 1991 (Lees, 1994, p.9). A transcendência
da dimensão local continua a ser um dos grandes desafios, aos olhos das análises existen-

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tes sobre os anos 90. Como pudemos acompanhar, desde os anos 60, as biografias urba-
nas têm sido uma temática constante das reflexões sobre a produção historiográfica urba-
na. A evolução do olhar e das posições sobre essa modalidade historiográfica é reveladora
das transformações das concepções metodológicas e epistemológicas sobre a história ur-
bana. Para Dyos, as histórias de cidades eram uma espécie em perspectiva de extinção:
“Está em declínio … o período dos estudos idiossincráticos empreendidos individual-
mente sobre uma determinada cidade sem propósito analítico particular” (Urban History
Yearbook, 1975, p.3). Posteriormente, durante a década de 1980, diante da constatação
de sua sobrevivência e vitalidade, Fraser & Sutcliffe (1983c, p.XXVIII) consideram-na co-
mo “produção cabível para historiadores juniores”. Já nos anos 90 as análises são mais ela-
boradas. De um lado, ao constatar que as biografias continuam a constituir a maior par-
te da produção exterior aos projetos coletivos, Lees (1994, p.9) interpreta o fato como
uma conseqüência da estrutura da pesquisa acadêmica, enquadrada em programas indivi-
duais com prazos limitados. As formas combinadas de biografias urbanas com abordagens
regionais têm o mérito de atrair um público não-especializado. Há também uma razão
metodológica inerente à própria disciplina histórica, naturalmente mais ligada às fontes e
consciente dos riscos das generalizações. Entretanto, ele propõe estratégias de transcen-
dência: estudos comparativos a partir de tópicos específicos ou o estudo de redes de cida-
des. Richard Rodger (1992, p.8), por sua vez, apresenta uma visão um pouco mais posi-
tiva. Para ele “as biografias urbanas constituem o alicerce empírico para as análises
sistemáticas dos processos em curso nas cidades”. Além do mais, elas seriam uma modali-
dade de história urbana mais pertinente para as abordagens antropológicas e etnográficas.
Aliás, as abordagens culturalistas de forma geral, assim como as contribuições metodoló-
gicas provenientes das análises de linguagem constituem uma das marcas vislumbradas
nos anos 80 e aprofundadas nos anos 90 (Lees, 1994, p.11).
Quanto às perspectivas de desenvolvimento, Richard Rodger (1992) vê na fragmen-
tação de interesses um risco de empobrecimento da história urbana. Fragmentação pela
constituição de grupos ligados a temáticas específicas, como por exemplo, períodos histó-
ricos de interesse, ou então grupos especificamente interessados em história do planeja-
mento/urbanismo ou os grupos de morfologia urbana.

Autonomia associativa nem sempre é garantia de vitalidade… Abaixo de um limite mí-


nimo de população, tanto o mundo acadêmico quanto o meio natural tornam-se inviáveis.
(Rodger, 1992, p.11.)

Essa patologia urbana, a dissecação do tecido da cidade, concentrado como ele é, a par-
tir de trabalhos detalhados sobre uma simples parcela negligenciou a atenção sobre as inte-
rações com o corpo urbano como um todo. Para eles, a cidade é essencialmente um adjunto
do objeto de estudo. (p.8.)

Essa crítica é curiosamente parecida com as reprovações à abordagem “urbano como


sítio” para a qual o objeto era apenas acidentalmente urbano. Na verdade, ela, em parte,
provém de uma antiga tentação de constituição de um saber total sobre o objeto, enrique-
cido pelas diferentes contribuições. Em várias passagens, na evolução dos estudos urba-
nos, pode-se assistir a emergência de tentativas de formulação desse saber total, eventual-
mente de uma teoria geral sobre o urbano. Essas tentativas sempre fracassaram. O campo
de interesse do urbano e da cidade, pela sua própria complexidade e pluridimensionali-

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 85


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Luís Octávio da Silva, urba- dade, necessariamente abarcam diferentes modalidades historiográficas. Eventualmente, a
nista, é professor do Curso
de Arquitetura e Urbanismo
constituição de fóruns especializados pode ser a trajetória que mais propiciará o avanço
da Universidade São Judas do conhecimento. A apreensão de um objeto tão multifacetário como o urbano implica
Tadeu e assessor do Progra-
ma de Reabilitação do Cen-
necessariamente a adoção de perspectivas privilegiadas. Nesse sentido, sempre haverá, a
tro de São Paulo. E-mail: nosso ver, sob o rótulo de “história urbana” várias modalidades historiográficas, eventual-
luisoctavio@hotmail.com
mente constituindo saberes específicos.
Artigo recebido para publica-
ção em setembro de 2001.

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Press, 1984.

A B S T R A C T The aim of this article is to highlight and analyse the main events,
markers and cases in point and discussions concerning the emergence of urban history as a spe-
cific field of knowledge. Our focus will be on the events of international impact. This article
is mainly based on British and American literature due to the innovative role played by UK
and USA in the development of historical analysis concerning the city, as well as the diffusion
potential given by the language on which these contributions were made. In this work our in-
terest will be more on the marks and references concerning the constitution of this knowledge
field rather than the historiographic production itself.

K E Y W O R D S Urban history; city history; urbanism history; epistemology of ur-


ban history.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 89


O MUSEU DE ARTE
CONTEMPORÂNEA
DE NITERÓI, RJ
UMA ESTRATÉGIA DE PROMOÇÃO DA IMAGEM DA CIDADE 1
1 Esse artigo retoma alguns
pontos desenvolvidos na dis-
sertação de Mestrado em
Urbanismo, Os novos mu-
seus na promoção da ima-
JOANA SARMET CUNHA BRUNO gem das cidades: o caso do
Museu de Arte Contemporâ-
nea de Niterói, RJ, Rio de Ja-
neiro: Prourb/UFRJ, 2001.
R E S U M O Esse artigo discute o papel da cultura nos atuais projetos de renovação
urbana, analisando o uso contemporâneo dos novos museus na tentativa de promover uma
imagem positiva para as cidades. Trata-se de estudar o papel dos equipamentos culturais no
desenvolvimento urbano, visando uma elevação geral no prestígio e no capital simbólico das
cidades, bem como na auto-estima e no sentimento de pertencimento da população local.
Para tal, analisaremos um dos casos mais paradigmáticos em que o museu se torna símbolo,
“marca registrada” da cidade em que ele foi construído: o Museu de Arte Contemporânea de
Niterói, RJ. Assim, o estudo está voltado para os efeitos do MAC sobre a cidade de Niterói,
abordando a relação entre urbanismo e cultura.

P A L A V R A S - C H A V E Planejamento urbano; marketing de cidades;


produção de imagens; políticas culturais; novos museus.

INTRODUÇÃO

Em 2 de setembro de 1996 foi inaugurado o Museu de Arte Contemporânea de Ni-


terói, de autoria do arquiteto Oscar Niemeyer. A construção desse museu foi um dos prin-
cipais elementos de todo um processo gerador de grandes modificações na imagem da ci-
dade de Niterói. A oportunidade de estudar um exemplo brasileiro tão próximo de nós
foi determinante, principalmente em se tratando de um caso paradigmático em que o
museu se torna símbolo, “marca registrada” da cidade em que ele foi construído. Acredi-
tamos que esteja ocorrendo um fenômeno de construção de uma nova imagem para a ci-
dade de Niterói calcada na “marca MAC”.
Diante de tal hipótese, evidencia-se a necessidade de estudar a problemática con-
temporânea do consumo da cultura. Ou seja, discutir os limites dessa prática, investi-
gando até que ponto o uso desses equipamentos culturais – por vezes utilizados como
âncora de projetos urbanos – garante o sucesso desses empreendimentos e desenvolve
uma forte e positiva imagem da cidade. E, principalmente, discutir se essa imagem
corresponde à realidade da cidade em questão ou se se trata unicamente de estratégia
de marketing.
Devemos estar atentos ao fato de que o caso do MAC em Niterói não pode ser
analisado sem que se leve em consideração que ele vem no rastro de um fenômeno
global, em que cidades do mundo todo têm lançado mão de um recurso cultural –
como a construção de um novo museu – que as faça chegar rapidamente ao topo das

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 91


O M U S E U D E A RT E C O N T E M P O R Â N E A D E N I T E R Ó I

“paradas de sucesso”. Vide a tentativa de se abrir uma “filial” do Guggenheim no Rio


de Janeiro…
É pois importante estudarmos o papel da cultura nas atuais políticas urbanas, ana-
lisando o uso contemporâneo dos novos museus na tentativa de promover uma imagem
positiva para as cidades. Trata-se de estudar o papel dos equipamentos culturais no de-
senvolvimento urbano, que visam a uma elevação geral no prestígio e no capital simbó-
lico das cidades. A cultura transformou-se em um grande negócio e torna-se vital inves-
tigarmos para quem exatamente ela se tornou um bom negócio, se quisermos realmente
pensar em cidades para os cidadãos.

A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CULTURA

Para estudar a função que os novos museus vão desempenhar no desenvolvimento


das políticas culturais e urbanas da atualidade, é preciso, em primeiro lugar, compreender
os diversos sentidos que o termo cultura adquiriu ao longo do tempo. Enquanto alguns
autores privilegiam a noção de cultura nas ciências sociais, o que é apenas uma de suas
vertentes (Cuche, 1999), outros utilizam-se da concepção do termo em dois sentidos
distintos: o sentido antropológico – cultura como modo de vida – e o de alta cultura –
como as artes, produtos e experiências culturais espiritualmente elevados (Featherstone,
1995; Bianchini & Parkinson, 1993).
Acreditamos que existam não somente dois, mas três momentos-chave de com-
preensão do conceito de “cultura”: a “cultura estética”, a “cultura étnica” e a “cultura eco-
nômica” (Vaz & Jacques, 2000). O sentido clássico remete às obras de arte eruditas, ao
sistema Beaux-Arts e tem um caráter essencialmente artístico, ou estético. O conceito en-
tão se amplia e abarca os sentidos antropológico e etnológico, ou seja, tudo aquilo que ca-
racteriza um “modo de vida” de uma sociedade. Relacionam-se a esse momento os con-
ceitos de cultura primitiva, cultura vernácula e cultura popular. Por fim, o conceito sofre
uma nova expansão e passa a englobar também a noção de cultura de massa, priorizando
de forma cada vez mais evidente um caráter mercadológico e econômico.
Atualmente nos encontramos em um processo de utilização da cultura para fins eco-
nômicos. A noção de “cultura econômica”, por sua vez, pode ser subdividida em três mo-
mentos principais: a industrialização da cultura, a espetacularização da cultura e a sua re-
cente globalização.
Num primeiro momento da “cultura econômica” – o de industrialização da cultura
– destaca-se o conceito de “indústria cultural”.2 O conceito aparece com uma conotação
2 Termo inicialmente pro- negativa e denuncia a sujeição da arte e da cultura aos ditames de uma nova ordem esta-
posto por Theodor W. Ador-
no e Mark Horkheimer – am- belecida pelo capitalismo e pela industrialização, ordem essa caracterizada pela padroni-
bos teóricos da Escola de zação, homogeneização, produção em série e um novo tipo de arte feito para o consumo
Frankfurt – no texto de 1944
intitulado: “A Indústria Cultu- das massas. Adorno e Horkheimer alertam para uma provável alienação das massas que,
ral: o esclarecimento como fisgadas pela idéia de fuga do cotidiano que a indústria cultural promete, tornam-se eter-
mistificação das massas”.
nos consumidores dos seus produtos culturais. Outro teórico da Escola de Frankfurt,
Walter Benjamin, também alertava para essa degradação da cultura. Segundo ele, quanto
mais se reduz a significação social de uma arte, maior fica a distância, no público, entre a
atitude de fruição e a atitude crítica (Benjamin, 1935/36).
Nos anos 60, surge a idéia da “espetacularização” da cultura e ela se cristaliza em
um conceito-chave no livro de Guy Debord: A sociedade do espetáculo (1997). Nesse li-

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J O A N A S A R M E T C U N H A B R U N O

vro-manifesto, Debord quer denunciar, entre outras coisas, a invasão dos meios de co-
municação de massa na sociedade, o princípio do fetichismo das mercadorias e a acumu-
lação dessas mercadorias produzidas em série. Guy Debord profeticamente anunciou
que a cultura seria a estrela da sociedade do espetáculo, a “mercadoria vedete” na próxi-
ma rodada do capitalismo, exercendo a mesma função estratégica desempenhada nos
dois ciclos anteriores pela estrada de ferro e pelo automóvel. E ele estava certo: nunca a
tirania das imagens e a submissão alienante ao império da mídia foram tão fortes como
agora. Nunca os profissionais do espetáculo e os promotores culturais tiveram tanto po-
der: invadiram todas as fronteiras e conquistaram todos os domínios, da arte à econo-
mia, da vida cotidiana à política.
O conceito de cultura passou por diversas fases, diversos momentos, e foi se modi-
ficando de acordo com o contexto vigente na época. Adorno e Debord podem ter soa-
do excessivamente alarmantes na época em que se manifestaram. Hoje, porém, temos a
confirmação de que eles somente estavam prevendo o que ocorreria com um crescente
processo de globalização da economia e uma conseqüente agudização das questões para
as quais eles já chamavam nossa atenção.
O momento atual, inserido na chamada “cultura econômica”, pode ser definido
como o tempo de uma cultura globalizada, em que aparecem inúmeros fenômenos li-
gados a essa fase. Novas formas de capital cultural e uma série mais extensa de experiên-
cias simbólicas estão em oferta num campo de cidades mundiais cada vez mais globali-
zado – isto é, mais facilmente acessível por meio das finanças (dinheiro), comunicações
(viagens) e informação (radiodifusão, publicações, mídia). Encontramos nesse momen-
to diversos teóricos trabalhando a questão da globalização da cultura e desenvolvendo
algumas noções importantes para o entendimento do processo pelo qual a cultura está
passando, como por exemplo Otília Arantes, que fala de image-making, de culturalismo
de mercado e da “mercadorização” da cidade. O que ela está denunciando é a questão de
a cidade estar subjugada aos ditames do mercado e se utilizar da cultura para promover
sua imagem.
Com a globalização, a cultura passa a ser uma espécie de “isca” para atração de in-
vestimentos nas cidades. Os novos projetos urbanos se utilizam dessa política institu-
cional do city marketing visando tornar a cidade mais atrativa e, portanto, mais compe-
titiva. Para tal, busca-se atender à demanda de qualidade de vida e de equipamentos
culturais para que a cidade possa efetivamente atrair investimentos (Ribeiro & García,
1995).
Nos anos recentes, tem-se verificado um reconhecimento crescente do valor das in-
dústrias culturais para a economia das cidades. Nesse contexto, vemos como, paralela-
mente ao capital econômico, existem modos de poder e processos de acumulação basea-
dos na cultura, nos quais o fato de que a cultura pode ser capital e possui valor está
muitas vezes oculto e dissimulado.
O importante é ressaltarmos que atualmente não se pode falar de cidade sem falar
obrigatoriamente de cultura e de capital. Os três elementos parecem estar indissociáveis e
aparentemente estão se combinando e produzindo um objeto síntese dessa mercadoriza-
ção da cidade e da cultura: os novos museus.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 93


O M U S E U D E A RT E C O N T E M P O R Â N E A D E N I T E R Ó I

OS NOVOS MUSEUS E A
TRANSFORMAÇÃO NA IMAGEM DAS CIDADES

As transformações espaciais não se restringem mais a sua dimensão físico-territorial,


mas envolvem, em grau crescente, considerações de ordem simbólica. O lugar, a sua ima-
gem e a sua identidade se tornaram fundamentais. Por isso, privilegia-se nas políticas e
projetos urbanos recentes revelar, reforçar ou criar a identidade e a imagem de cada cida-
de. Nesse novo renascimento urbano, a cultura vem se destacando como estratégia prin-
cipal e a ênfase das políticas urbanas recai sobre as políticas culturais. Para maximizar as
potencialidades econômicas locais, busca-se dar ênfase à imagem urbana e a projetos cul-
turais emblemáticos, assim, a promoção da nova imagem local é apoiada em novos íco-
nes arquitetônicos.
Uma análise responsável das novas políticas urbanas exige especial atenção às políti-
cas de promoção da cidade e de criação de imagens. Esse fenômeno vem sendo liderado,
muitas vezes, pela própria administração municipal com o intuito de inserir as cidades nas
redes globais e também de promover uma elevação na imagem que os cidadãos têm de
sua cidade. Ou seja, há uma dupla finalidade nessa construção dos museus: promover a
imagem da cidade internamente – pela elevação da auto-estima e da imagem que os ha-
bitantes fazem de sua cidade – e também promovê-la externamente – inserindo as cida-
des nas chamadas redes globais, atraindo investimentos externos e tornando-as ponto de
passagem quase que obrigatório para o turismo internacional.
A questão da identidade vem se tornando primordial para as cidades: a crescente glo-
balização da economia e da cultura acirra a competição entre países, regiões e cidades. A
integração de países em blocos e a abertura dos mercados em nível global têm dado lugar
a uma aberta rivalidade entre cidades para captar investimentos, compradores e recursos,
criar empregos e atrair turistas. Tais metas estão diretamente ligadas não apenas a atribu-
tos reais do lugar, mas ao modo como ele é percebido e à capacidade das imagens que ele
pode gerar. Portanto, no atual jogo de competição locacional, cidades e regiões devem
vender a si próprias, e o que se vende hoje em dia é a imagem.
Museus de arte saltaram para o topo das prioridades das agendas dos administrado-
res públicos. O fenômeno, que teve início nos Estados Unidos, se espalhou pela Europa
e América Latina. Nossos administradores já estavam devidamente sensibilizados pela ten-
dência global do conceito de museu estar passando da área do conhecimento para a área
dos negócios. Um dos sinais dessa mudança de mentalidade começou e é facilmente ob-
servável nas lojinhas de museus, que replicam as imagens das obras de arte em qualquer
objeto vendável. Porém, cada vez soa mais forte o som da caixa registradora dos espaços
museológicos, e a tendência de misturar artes visuais a objetivos de altos negócios é cada
vez maior. Já se ouve falar em um verdadeiro franchising global da arte, que submete tu-
do ao negócio, que monetariza e subverte o conhecimento.
Atualmente, a renovação do espaço urbano e a especulação imobiliária não se fazem
mais sem a inserção de um museu ou grande centro cultural, que atue como catalisador
dos interesses materiais e simbólicos do lugar. Até mesmo a valorização das obras de arte
parece cada vez mais regida não por regras próprias à história da arte, mas por coordena-
das do mundo do espetáculo e do consumo de luxo. A arte, o espetáculo e a mercadoria
parecem mesmo estar convergindo.
Além de objetivar a promoção da imagem da cidade, os promotores da construção
dos museus estão ainda interessados em promover a própria imagem, que se elevaria na

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J O A N A S A R M E T C U N H A B R U N O

esteira da elevação da imagem da cidade. Nesse caso, a construção de um museu é pro-


veniente de um forte interesse político, o que pode comprometer o próprio caráter
artístico e cultural da instituição (Jeudy, 1990). Os políticos estão se utilizando do pa-
pel que a cultura representa na sociedade atual e esse papel é assumido por eles com
fins propagandísticos.
Essas estratégias culturais estão dando origem a uma manipulação maquiavélica da
identidade local, e a construção de um museu sugere uma geografia simbólica drastica-
mente nova em uma cidade; fato que não recebe a devida atenção por parte dos planeja-
dores urbanos ou dos políticos locais (Zukin, 1995).
O conceito atual da “cidade como imagem” está no discurso dos empreendedo-
res e políticos que, por meio de uma nova política de imagem urbana, tentam aumen-
tar a receita da cidade com turismo de massa – a imagem da cidade propriamente dita
se tornou central para seu sucesso em um mundo globalmente competitivo, em que se
acredita que visibilidade seja igual a sucesso. Portanto, mais importante do que a vida
dos próprios habitantes de uma cidade é como ela aparece aos olhos dos de fora (Huys-
sen, 2000).
As cidades estão interessadas em alcançar uma elevação geral em prestígio e capi-
tal simbólico. Desse modo, o emprego da noção de capital cultural aponta fontes alter-
nativas de riqueza além do capital econômico (financeiro e industrial), e o capital cul-
tural, por sua vez, pode ser reconsiderado e revertido em valor econômico mediante
uma série de caminhos diretos e indiretos. Daí surge o interesse em investir em cultu-
ra e em promover a imagem da cidade (Featherstone, 1995). Fica bastante claro que o
que se vende hoje é sobretudo a imagem de marca da cidade e, quando o conhecimen-
to da marca é o objetivo compartilhado por todos, repetição e visibilidade são as úni-
cas e verdadeiras medidas do sucesso (Klein, 2000).
Assim, sendo necessário apostar fortemente na autopromoção via publicidade para
tornar a cidade internacionalmente competitiva, associam-se os grandes projetos a seu ca-
ráter midiático: desenvolver uma imagem forte e positiva da cidade, explorando ao máxi-
mo seu capital simbólico, de forma a conquistar sua inserção privilegiada nos circuitos in-
ternacionais. Obviamente o que se está construindo, nada mais é do que a imagem
prestigiosa da cidade, voltada sobretudo para o exterior em razão da competitividade em
que a cidade se lança, o que a obriga a satisfazer a qualquer custo as novas exigências de
um capitalismo cada vez mais baseado em imagens: do desenvolvimento do terciário
avançado a uma arquitetura up to date. Porém, há ainda outros ingredientes indispensá-
veis aos bons negócios: o “orgulho cívico” dos habitantes do lugar e o “patriotismo de
massas”. Daí a importância da mobilização da opinião pública local. Tais empreendimen-
tos visam igualmente incrementar a adesão ao ícone da cidade e a “auto-estima dos cida-
dãos”, e o que é mais importante, a mobilização de todos os recursos capazes de desper-
tar nos indivíduos “um patriotismo de cidade” e concomitante “desejo de inserção” (nas
redes globais, obviamente). Desse modo, os projetos estão voltados tanto para o exterior
quanto para dentro da própria cidade (Arantes, 2000).
Ao que tudo indica, ocorreu uma transposição para o espaço urbano dos conceitos
e metodologias do planejamento estratégico empresarial. Inspirado em conceitos e técni-
cas oriundos do planejamento empresarial, o planejamento estratégico, segundo seus de-
fensores, deve ser adotado pelos governos locais em razão de estarem as cidades submeti-
das às mesmas condições e desafios que as empresas. O governo local deve promover a
cidade para o exterior, desenvolvendo uma imagem forte e positiva, já que a nova ques-

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O M U S E U D E A RT E C O N T E M P O R Â N E A D E N I T E R Ó I

tão urbana tem, agora, como nexo central, a problemática da competitividade urbana. Es-
se projeto implica a direta e imediata apropriação da cidade por interesses empresariais
globalizados e depende, em grande medida, do banimento da política e da eliminação do
conflito e das condições de exercício da cidadania. Vender a cidade, ou seja, fazer o mar-
keting urbano, converteu-se em uma das funções básicas dos governos locais. A cidade
tornou-se uma mercadoria a ser vendida, num mercado extremamente competitivo, em
que outras cidades também estão à venda; o que fatalmente conduz à destruição dessa ci-
dade como espaço da política e como lugar da construção da cidadania (Vainer, 2000).

O MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE NITERÓI

A CRIAÇÃO DO MUSEU

Três pontos naturais demarcam a enseada do lado de cá da baía:


a ponta de Santa Cruz, a Ilha da Boa Viagem
e o promontório, também da Boa Viagem.
Coroando esses marcos geográficos, ao longo dos séculos,
a mão do homem construiu a fortaleza, na entrada da baía,
e a igrejinha, no topo da ilha.
A espada e a cruz batizaram a enseada por muito tempo.
Só recentemente, surge a terceira baliza:
o Museu de Arte Contemporânea no promontório da Boa Viagem.
3 Extraído do depoimento João Sampaio3
do ex-prefeito de Niterói,
João Sampaio, ao jornal Fo-
lha de Niterói, n.82, p.6, 30 “Na colônia, os símbolos arquitetônicos identificavam a espada e a cruz: hoje, nas
de agosto a 5 de setembro
de 1996. democracias do continente, a cultura assume um significado prioritário” (Segre, 1996).
Consciente disso, a administração de Niterói – antiga capital do Estado da Guanabara –,
visando se destacar nas futuras imagens citadinas do Rio de Janeiro metropolitano, cons-
4 O Museu de Arte Contem- trói o Museu de Arte Contemporânea de Niterói.4
porânea de Niterói come-
çou a ser construído em
Tudo começou quando um abastado mecenas – João Sattamini – decidiu doar sua
1991, no governo Jorge Ro- coleção de arte contemporânea, mais de mil peças de prestigiados pintores da vanguarda
berto Silveira e foi concluí-
do em 1996, na gestão brasileira. O município de Niterói apoiou essa iniciativa e em 1991 encarregou para o
João Sampaio. projeto o arquiteto Oscar Niemeyer, que selecionou um promontório na praia da Boa
Viagem – ponto estratégico na costa da baía – para a localização do museu.
Após a primeira visita ao mirante da Boa Viagem, Oscar Niemeyer, o então prefei-
to de Niterói, Jorge Roberto Silveira, e mais algumas pessoas foram almoçar em um res-
taurante da cidade. Jorge Roberto pediu ao garçom umas folhas de papel, pois queria ver
o esboço da idéia. Rapidamente, o garçom vinha trazendo folhas pequenas, dessas de re-
cado, quando foi interceptado por outro garçom, ouvinte atento da conversa, que lhe cen-
surou baixinho: “Rapaz, traz uma folha maior. Este homem fez Brasília”. De acordo com
o depoimento do prefeito, Niemeyer não ouviu o diálogo mas, em questão de segundos,
tinha à sua frente um papel ofício imaculadamente branco, onde o pássaro voou pela pri-
meira vez. Ou a flor brotou…
Nas palavras de Oscar Niemeyer: “O projeto me atraía, e passei logo a imaginar o
museu como qualquer coisa solta na paisagem, um pássaro branco a se lançar sobre o céu
e o mar de Niterói. Não desejava um museu envidraçado, mas com o grande salão de

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J O A N A S A R M E T C U N H A B R U N O

exposições cercado de paredes retas, circulando por uma galeria que o protegesse e permi-
tisse aos visitantes, nos momentos de pausa, apreciar a vista extraordinária. Deixei o tér-
reo livre de construções, localizando as áreas de trabalho, direção, recepção etc., no pri-
meiro piso e, no subsolo, o restaurante e a reserva técnica. E utilizei o núcleo central como
ligação direta entre esta última e o salão de exposições”.5 5 Extraído do depoimento
de Oscar Niemeyer ao jornal
Como o museu foi uma iniciativa da prefeitura e a obra foi toda custeada pelo mu- Setedias, n.896, p.3, 31 de
nicípio de Niterói – o que gerou longas interrupções na construção por falta de verba – agosto a 6 de setembro de
1996.
surgiu uma forte “onda” de desconfiança de que a obra não seria completada.6 Contra- 6 O museu custou muito ca-
riando essas desconfianças, e após quase cinco anos de obras, o MAC foi inaugurado em 2 ro para a cidade de Niterói.
A previsão de custo era de
de setembro de 1996 para ser um marco, um símbolo da cidade de Niterói, tendo como 4 milhões de dólares, mas
ele acabou custando US$ 6
núcleo inicial de seu acervo a coleção de arte brasileira – da década de 1950 até os dias milhões.
atuais – de João Leão Sattamini Neto.
O prédio do MAC está sendo visto como o ícone de uma nova Niterói, agora consi-
derada por muitos mais moderna, arrojada, cosmopolita, bonita e portanto mais orgulho-
sa de si. O museu se ergue sobre o promontório a pique sobre o mar, dividido em duas
seções: o embasamento de ancoragem da estrutura central, que contém as instalações e o
restaurante, e o volume do museu propriamente dito, projetado na saliência do suporte
oco cilíndrico de 8m de diâmetro. A leveza produzida pela assombrosa diferença entre as
dimensões do núcleo de sustentação e o balanço de 23m é acentuada pelo espelho d’água
que oculta a ancoragem do edifício.
O acesso acontece por meio de uma rampa externa curvilínea, cujo complexo tra-
çado contrasta com a pureza do volume. Grandes placas de cristal térmico possibilitam
a percepção da costa de Niterói e da baía de Guanabara em toda a extensão do percur-
so dos salões de exposições, convertendo a paisagem no principal protagonista da expe-
riência plástica.
O MAC se insere nessa nova “onda” de arquitetura de museus, em que a própria ar-
quitetura cada vez mais se apresenta como um valor em si mesmo, como uma obra de
arte, como algo a ser apreciado como tal e não apenas como uma construção destinada
a abrigar obras de arte. Mais do que as obras de arte expostas, o que verdadeiramente
atrai os visitantes é o próprio edifício do museu: a arquitetura do MAC parece empobre-
cer o seu discurso expositivo, podendo chegar a comprometer sua função museológica.
Aparentemente, a preocupação em relação à forma do MAC se sobrepôs à questão
funcional de um museu. Apesar de todos os modernos recursos tecnológicos utilizados
no projeto do MAC, a reserva técnica do museu não comporta nem 10% do seu acervo.7 7 O acervo de João Sattami-
ni é o segundo maior do
Isso é no mínimo curioso, já que o MAC foi criado justamente para abrigar o acervo (pe- Brasil, com 1.200 peças.
lo menos é o que afirmam seus idealizadores). Entretanto, ele não cabe e portanto não Ele só perde para a coleção
de Gilberto Chateaubriand,
fica no museu; fato que explicita a complicada relação forma–função desse equipamen- localizada no Museu de Arte
to cultural. Moderna do Rio de Janeiro.

Há que se abrir aqui um importante parênteses, pois esse fato chamou nossa aten-
ção e provocou um importante questionamento: será que a principal intenção dos cria-
dores do MAC teria sido a de criar um museu ou a de criar um marco, um monumento
na cidade de Niterói, e para isso se utilizaram de um museu?
Outra importante questão levantada em nossa pesquisa foi a respeito da opinião pú-
blica quando o museu foi construído. O MAC desagradou à população de várias formas:
na agressão à paisagem onde foi implantado; na retirada da “função de encontro” daque-
le local; em seu alto custo, gerando até mesmo aumento de IPTU na cidade (IPTU esse que
já era considerado bastante elevado). Além desses fatores, só ao se iniciar a construção é

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 97


O M U S E U D E A RT E C O N T E M P O R Â N E A D E N I T E R Ó I

que a população foi tomando conhecimento do que seria ali construído e da própria for-
ma do museu. Sua arquitetura em princípio causou bastante estranhamento e reações ne-
gativas da população, tanto pelo seu caráter ousado e “futurista” – considerado “moder-
no” demais para a cidade – como por sua escala monumental.
Não foi à toa que o morador sentiu-se agredido, já que o conceito de participação
social foi inteiramente abolido. Ficou evidente que a população não foi consultada em ne-
nhum momento a respeito da criação do museu em sua cidade. A decisão de sua constru-
ção foi imposta de cima para baixo e à população só coube depois pagar a conta. Além
disso, os moradores se mostraram bastante preocupados com a destruição da encosta do
morro da Boa Viagem.
Finalmente, ao relacionar o formato do museu ao de um disco voador, apelidaram-
no pejorativamente de “nave da Xuxa”. Houve outros apelidos tais como: taça, cálice, dis-
co voador, nave espacial, OVNI. Apesar dessas reações iniciais, o fato é que a imagem da
cidade de Niterói vem se alterando profundamente e a implantação do Museu de Arte
Contemporânea contribuiu imensamente para essa mudança de imagem tanto interna co-
mo externamente; vindo a modificar inclusive a auto-imagem de seus habitantes. Ou se-
ja, a promoção da imagem que se faz do museu tem um efeito direto na promoção da
imagem que se faz da cidade de Niterói. Parece que ficou para trás o tempo em que os
habitantes da cidade “torciam o nariz” para o “disco voador” ou a “nave da Xuxa”. Hoje,
pode-se dizer que praticamente todos se gabam de ter um “Oscar Niemeyer” e de fazer
parte de uma cidade que foi inserida no circuito turístico/cultural mundial. A que preço
é que não descobriram ainda.

CONSEQÜÊNCIAS NA CIDADE

Os museus são vistos agora não apenas como fontes de disseminação cultural, mas
também como agentes do desenvolvimento urbano, porque atraem visitantes, criam em-
pregos e geram reportagens positivas sobre as cidades. Um importante aspecto presente
nessa negociação da qual resultou a nova imagem da cidade de Niterói é o fato de ela
anunciar que – guardadas as devidas proporções e singularidades – a cidade tem um Nie-
meyer, assim como Bilbao tem um museu assinado por Frank Gehry, São Francisco tem
um Mario Botta etc. Portanto, a imagem estratégica de Niterói estaria informando, por
meio do Museu de Arte Contemporânea, que existe na cidade uma real vontade de in-
serção nas redes globais, e que ela pode vir a ser uma confiável cidade-negócio.
Recentemente, confirmando o já comentado prestígio internacional atingido pelo
MAC, o museu teve destaque na mídia por ter sido eleito uma das sete maravilhas do mun-
do moderno. Uma das mais importantes publicações voltadas para a área turística, a re-
vista americana Condé Nast Traveller, incluiu o Museu de Arte Contemporânea de Nite-
rói em sua lista das sete novas maravilhas mundiais.
A arquitetura do museu se transformou em ícone, logotipo da prefeitura, peça pu-
blicitária, marca da cidade, com a sua imagem sendo reproduzida infinitamente pela ci-
dade. E, ao se tornar ícone, a população alterou sua percepção a respeito do museu e até
de sua cidade.
Conforme já foi mencionado, as cidades não passariam de balcões de negócios a dis-
putar a nuvem financeira e as hordas de turistas que circulam pelo mundo. Porém, há ain-
da outros ingredientes indispensáveis aos bons negócios: o “orgulho cívico” dos habitan-

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J O A N A S A R M E T C U N H A B R U N O

tes do lugar e o “patriotismo de massas”, considerados instrumentos poderosos na legiti-


mação dos interesses das coalizões dominantes com interesses no lugar. Tais empreendi-
mentos visam igualmente incrementar a adesão ao ícone da cidade – que nesse caso é o
MAC – e a “auto-estima dos cidadãos”, e, o que é mais importante, a mobilização de to-
dos os recursos capazes de despertar nos indivíduos “um patriotismo de cidade” e conco-
mitante “desejo de inserção” nas redes globais.
A maior conseqüência que o museu trouxe à Niterói não foi a elevação cultural da
população, mas sim uma nova forma de o morador ver a sua cidade e também de se ver.
Essa construção de um novo valor – em relação ao museu em si e que depois se estende
para a própria cidade – se deu fundamentalmente de fora para dentro, ou seja, começou
no exterior e veio a repercutir internamente como uma conseqüência da visão de fora. A
visão extremamente positiva vinda do exterior acabou por confundir a população local
que até então possuía um certo ranço em relação ao museu; um certo ressentimento em
relação tanto ao projeto político como à agressão da memória da paisagem natural. O ni-
teroiense começou a ficar mais orgulhoso de sua cidade ao notar a elevação de seu prestí-
gio no exterior.
Esse é, sem dúvida, um dado muito importante: verificar que embora o MAC tenha
contribuído tanto para uma promoção na imagem da cidade de Niterói, em termos cul-
turais ele pouco tem beneficiado a população niteroiense, quando isso deveria ser o pri-
meiro e principal efeito da inserção de um museu em uma cidade. O que nos leva a ques-
tionar se toda essa euforia em relação à propagação da imagem do museu – na cidade e
fora dela – não seria algo infundado, já que o museu, como equipamento cultural, pare-
ce não cumprir seu papel.
Finalmente, pudemos verificar que, ao incrementar a adesão ao ícone da cidade e ao
elevar a auto-estima dos habitantes, atingiu-se a legitimação dos interesses das coalizões
dominantes com interesses na cidade de Niterói. Daí a importância da mobilização da
opinião pública local. Na verdade, por trás da idéia de que é um privilégio morar em Nite-
rói está presente um poderoso mecanismo de controle social. Desse modo, devemos estar
atentos a essa hábil “engenharia do consenso” presente nos planos estratégicos de cidade
(Sánchez, 1999). Esse “patriotismo de cidade” é na verdade um mecanismo autoritário e
verticalista que visa gerar uma coesão artificial da população em torno da idéia de quali-
dade de vida; idéia essa tão propagandeada em Niterói pelo slogan: “Niterói – primeira
em qualidade de vida no Estado”. Portanto, a produção de imagens têm papel relevante
na formulação das novas estratégias econômicas e urbanas de internacionalização da cida-
de e de construção de consenso político.
Assim, as novas políticas de reestruturação urbana se apóiam em obras e serviços vi-
síveis, sobretudo os monumentais e simbólicos; caracterizando-os como marcos represen-
tativos, espetacularizados. Busca-se uma grande veiculação das imagens sintéticas da cida-
de pela seleção de fragmentos escolhidos da paisagem urbana – no caso de Niterói, o
fragmento escolhido foi o desenho do museu de Niemeyer, que se tornou a imagem sín-
tese da cidade. A produção dessas imagens síntese, ou imagens mito, servem para susten-
tar a nova imagem da cidade com um forte impacto no senso comum e na memória so-
cial. E essa seleção de imagens constrói seletivamente uma nova realidade urbana e sugere
o usufruto dos novos espaços por toda a população, o que obviamente não é possível.
“A imagem de cidade deixa de ser global e limita-se a certos pontos fulcrais e sin-
gulares, de caráter monumental e que servem como referências ou marcos na memória:
Paris é a cidade da Torre Eiffel, Londres é a cidade do Big Ben e por aí afora” (Lopes,

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2000). Se Paris é a cidade da Torre Eiffel e Londres é a cidade do Big Ben, Niterói é a
cidade do MAC.
Mas como será que se deu a assimilação desse símbolo? Por que a cidade acabou in-
corporando a forma do MAC como seu símbolo? Pode ser que esse fato se explique, pelo
menos em parte, devido à forma do museu ser de fácil leitura, por causa da simplicidade
de suas linhas. Portanto, sua forma seria facilmente absorvível e também identificável. É
óbvio que há uma estreita ligação com o que se aprende no marketing: utilizar proposita-
damente as formas de fácil assimilação.
Além disso, devemos observar que ocorreu um fenômeno de intensa reprodução da
imagem do museu pela cidade de Niterói. É sintomático que a prefeitura tenha adotado
como logotipo justamente o perfil do museu, e que seu desenho se encontre disseminado
pela cidade em pôsteres, camisetas, sacolas, adesivos, quadros, outdoors, panfletos etc. No-
te-se que diversos conceitos e imagens são associados ao MAC; a forma do museu parece
transmitir idéias como: futurismo, vanguarda e modernidade, e esses conceitos são atri-
buídos a qualquer coisa que esteja ligada a sua imagem. Talvez por essa razão haja tanto
interesse em associar um negócio ou uma empresa à imagem do museu.
A reprodução da forma do museu é tanta que já estamos correndo o risco de essa
forma vir a não significar mais nada, já que o seu simbolismo está sendo desconstruído
devido à repetição pelos agentes econômicos locais. No futuro, isso pode significar até
uma redução simbólica da própria obra de Niemeyer.
Hoje em dia, basta caminhar por Niterói para se deparar com o desenho do MAC re-
produzido – embora algumas vezes de forma estilizada – em logomarcas que vão desde
copiadoras, imobiliárias, empresas de táxi e mecânicas de automóveis até grandes empre-
sas de ônibus que circulam por quase toda a cidade exibindo o desenho do MAC nas late-
rais. A utilização da imagem do museu é tanta que, por vezes, tem-se a impressão de que
estamos em uma cidade temática, com a forma do MAC “pipocando” em cada esquina. O
pior é que a tendência é isso tudo se agravar com a chegada do “Caminho Niemeyer” a
Niterói: uma espécie de parque temático com uma arquitetura de formas fortes como
a do MAC. A cidade vai receber, de supetão, mais meia dúzia de edificações projetadas por
Oscar Niemeyer cujo impacto na cidade ainda não se pode prever. O nosso receio de que
Niterói se torne uma cidade espetacular (na acepção debordiana do termo) é grande.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há que se lembrar que a cidade de Niterói já havia sido a capital do Estado, mas
por causa da fusão do Estado do Rio com o da Guanabara, a capital passou a ser a ci-
dade do Rio de Janeiro. De lá para cá, o que se viu foi um sentimento generalizado de
baixa auto-estima e insatisfação. Formou-se uma imagem da cidade de Niterói essen-
cialmente negativa, sempre comparada à imagem positiva da cidade vizinha: o Rio de
Janeiro – tão cheio de atrativos, tão cosmopolita… Até que surge algo novo: um ele-
mento de forte atratividade e que rapidamente passou a chamar atenção de uma forma
positiva para Niterói. Embora inicialmente a cidade o tenha desprezado, aos poucos o
julgamento exterior influenciou a própria cidade e os seus moradores foram modifican-
do sua opinião.
A administração de Niterói parece ter adquirido a confiança de ter restabelecido sua
autonomia e reencontrado sua vocação turística e importância política. O então prefeito

100 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


J O A N A S A R M E T C U N H A B R U N O

de Niterói, Jorge Roberto Silveira, comandou a cidade por três mandatos, em quase tre-
ze anos de continuidade administrativa: de 1989 a 2001. Ele considera que Niterói tem
se destacado tanto que irá se candidatar ao governo do Estado e pensa até em propor a
transferência, de novo, da capital para Niterói.
Porém, é chegada a hora de questionarmos se valeu a pena sermos “fisgados” pela se-
dução monumental do MAC; pois, ao que tudo indica, a cidade não mudou com a chega-
da do museu, como tanto se propagandeia. Ela não se tornou – como em um passe de
mágica – moderna, ousada, futurista, inovadora, cosmopolita. Niterói não possui agora
uma melhor qualidade de vida por causa do museu. E, principalmente, não acreditamos
ter havido uma elevação do padrão cultural da população local.
Ao investigarmos a intencionalidade do projeto do MAC, percebemos que a admi-
nistração municipal de Niterói espelhou-se em modelos de administração “brizolista”, e
até mesmo “juscelinista”, para a concepção da obra. E, nessa ótica, convidar Oscar Nie-
meyer para realizar o projeto do museu era algo até bastante previsível. O que não se po-
dia prever na época eram os vários desdobramentos que tal projeto viria a provocar e a
significação que ele viria a ter na cidade. Afinal, o prefeito pode até ter partido de um
modelo já conhecido, mas o “fenômeno MAC” vem ao encontro de uma outra fórmula
de sucesso bem mais atual: a utilização dos museus nas políticas de image-making. Por-
tanto, o MAC de Niterói é um caso singular, um caso único e híbrido, que combina o
modelo clássico (de grande arquitetura e poder) a elementos do paradigma atual (o do
novo modelo cultural).
Niterói não possuía um grande marco – em oposição ao Rio de Janeiro, repleto de
cartões-postais –, e teve a oportunidade de construir uma obra projetada por um arquite-
to internacionalmente reconhecido como Oscar Niemeyer, justamente quando já está
ocorrendo um boom de arquitetura de grife pelo mundo. Além disso, Niterói escolhe jus-
tamente um museu – numa época em que ocorre também um boom de museus e em que
esses equipamentos culturais estão cada vez mais valorizados no mercado da competição
global, significando como que um passaporte para os circuitos globais superiores.
Gostaríamos de ressaltar ainda que o caso do MAC apresenta singularidades e se dife-
rencia, por vezes, do modelo utilizado pelas cidades ao construírem seus museus. No caso
de Niterói, a inserção do museu não visou a recuperação de alguma região degradada da
cidade, diferentemente da maioria das cidades em que tal fenômeno se processou. O MAC
foi construído para servir como um marco, um símbolo de toda a cidade.
Concluímos que o museu acabou funcionando como uma estratégia bastante efi-
caz de marketing urbano ao alterar profundamente a imagem da cidade. Porém, o que
nos interessou foi pesquisar se o cidadão niteroiense foi beneficiado de alguma outra for-
ma que não só com um cartão-postal ou um ponto turístico para poder exibir aos que
vêm de fora.
O fato é que os políticos usam os arquitetos para promover sua própria imagem e fi-
gurar sua própria “monumentalidade”, fazendo o seu nome entrar para a história. Quan-
to aos habitantes – seduzidos pela vaidade –, eles se vêem através da imagem de sua cida-
de. Sua identidade pessoal confunde-se com a identidade, com a marca da cidade criada
ou promovida pela construção do novo museu. Dessa forma, o MAC serviu também para,
internamente, obter a construção de uma ampla adesão social a um determinado mode-
lo de gestão e administração da cidade.
Hoje, “fisgados” pela sedutora idéia de se exibir diante das demais cidades em tem-
pos de acirrada competitividade, os niteroienses parecem nem mesmo se lembrar da

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 101


O M U S E U D E A RT E C O N T E M P O R Â N E A D E N I T E R Ó I

época em que se sentiram vilipendiados em seus direitos como moradores de uma pa-
cata cidade. Já quase não se lembram da revolta que sentiram em relação à agressão da
paisagem do mirante da Boa Viagem. Em tempos de “ver e ser visto” parece que Nite-
rói muito se orgulha de possuir uma bela imagem para ostentar externamente. Como
vimos, essa relação não é de mão única e a cidade passa a se ver de forma mais positiva
mesmo internamente.
Nessa guerra de marketing, estilo e qualidade de vida, visualizados e representados
nos novos museus, tornam-se trunfos importantes que as cidades orgulhosamente exi-
bem; e Niterói realmente obteve muita publicidade favorável ao proclamar-se a “primei-
ra em qualidade de vida”. Porém, apesar de o prefeito Jorge Roberto Silveira – em sua
campanha para o governo do Estado – aparecer em horário nobre na televisão posando
em frente ao MAC e afirmando: “Qualidade de vida é nossa marca registrada”, a cidade de
Niterói perdeu recentemente sua posição de primeira em qualidade de vida no Estado.
Esse fato se deve ao aumento da violência, à falta de segurança e à crescente favelização
na cidade.
Até mesmo a própria monumentalidade do edifício do museu já parece não inco-
modar os niteroienses: tido, a princípio, como assustadoramente fora de escala, o MAC ho-
je é considerado dotado de rara beleza. A cidade, que até então tinha como maior monu-
mento símbolo a estátua de Araribóia com as costas voltadas para a cidade como que a
olhar para o Rio de Janeiro, agora se orgulha do museu, que já não lhe parece tanto com
uma nave espacial.
Será que até mesmo valores estéticos podem ser tão facilmente cambiáveis? Será que
isso se deve somente ao fato de as pessoas terem se habituado a ele? Acredito que não.
Acredito que, mais que isso, a população tenha importado valores externos. Sim, por-
que, ao ser construído, o sentimento de estranhamento e desagrado foi inegável; dizia-
se que o museu não combinava com a escala de Niterói e a sua monumentalidade inco-
modava profundamente. Hoje, essa mesma monumentalidade virou sinônimo de
sucesso, já que quanto mais olhares atrair melhor.
O fato é que o museu hoje é bastante visitado sim, embora os moradores de Ni-
terói, quando o utilizam, é principalmente para mostrá-lo a algum parente ou amigo
em visita à cidade. Além do mais, cabe a nós questionar de que forma se dá a utiliza-
ção do museu, já que parece que seus visitantes estão muito mais interessados em ver
a belíssima vista emoldurada pelas suas janelas do que em apreender o conteúdo do
museu: suas obras de arte, acervo e exposições. No MAC, as obras de arte muitas vezes
servem de fundo para as poses fotográficas dos visitantes e a galeria externa serve de
mirante para as pessoas olharem não para dentro do museu, mas para fora, para a pai-
sagem da baía de Guanabara.
Sem dúvida o MAC contribuiu imensamente para a promoção da imagem da cidade
de Niterói. Porém, em termos culturais ele pouco tem beneficiado a população niteroien-
se. Afinal de contas, cabe refletir sobre para que (e para quem) serve um museu, se não
para influenciar positivamente as pessoas em termos culturais? Ao que tudo indica, sua
imagem de empreendimento de sucesso deve ser relativizada. Aos que desejavam uma gri-
fe arquitetônica, o MAC pode ser considerado um sucesso, pois como marco de uma ar-
quitetura de vanguarda, ele já representa um incremento em termos da cultura local. No
entanto, para os que almejam um espaço cultural apropriado pela população, no qual ela
participe rotineiramente, para esses o MAC é uma imagem vazia, já que o museu não cum-
pre seu principal papel, pois representa somente um marco, um monumento.

102 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


J O A N A S A R M E T C U N H A B R U N O

Parece lógico que os novos museus criados por motivos econômicos, turísticos ou de
prestígio político, pensados mais para impressionar o espectador do que para lhe trazer
conhecimentos, não são capazes de aproveitar a capacidade de retenção, assimilação e
aprendizado do visitante. Sabe-se que o MAC hoje não é um centro irradiador de cultura
e sobretudo não clama por uma participação da população. Mas quem sabe ele ainda não
possa se tornar um verdadeiro centro de desenvolvimento da cultura local e também de
irradiação da cultura brasileira em geral? Embora o museu tenha sido criado de uma ma-
neira autoritária, sem consulta, quem sabe ele não possa passar a se desenvolver incorpo-
rando a noção de participação social?
Por fim, no que se refere à política urbana de Niterói, a conclusão a que chegamos
é a de que se faz urgente incorporar a concepção de uma intervenção que signifique uma
verdadeira política de cidade e não se limite à produção de grandes acontecimentos mi- Joana Sarmet Cunha Bue-
diáticos ou de uma imagem para consumo externo. Ou seja, não queremos uma “cida- no, arquiteta, é Mestra em Ur-
banismo pelo Prourb/UFRJ.
de do espetáculo”, uma cidade que viva de aparências, mas sim uma cidade que possa ter E-mail: jsarmet@ig.com.br
o envolvimento e a participação de seus moradores, que só então poderão ser chamados Artigo recebido para publica-
de cidadãos. ção em fevereiro de 2002.

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A B S T R A C T This article proposes the discussion about the role of culture in the
late urban renovation projects, analyzing the contemporary use of the new museums in the at-
tempt to promote a positive image to the cities. We will study the role of cultural equipment
on urban development, objecting a promotion on the cities’ prestige and symbolic capital, as
well as on its’ inhabitants self-esteem and feeling of belonging. We will analyze one of the most
paradigmatic cases in which a museum becomes the symbol or the ‘registered trademark’ of the
city in which it was built: the Museum of Contemporary Art of Niterói, RJ, Brazil. So, the
study focuses the effects of this museum on the city of Niterói, approaching the relation between
urbanism and culture.

K E Y W O R D S Urban planning; city marketing; image-making; cultural politics;


new museums.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 105


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106 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


CRESCIMENTO URBANO,
SALDOS MIGRATÓRIOS E
ATRATIVIDADE RESIDENCIAL
DOS DISTRITOS DA CIDADE DE SÃO PAULO: 1980-2000

PAULO DE MARTINO JANNUZZI


NICOLÁO JANNUZZI

R E S U M O Esse trabalho procura contribuir para a análise das mudanças recentes


no padrão redistributivo da população dentro do município de São Paulo. Apresenta as ten-
dências de crescimento demográfico dos 96 distritos paulistanos de 1980 a 2000 e sua ade-
rência à tese de crescimento radiocêntrico, do centro para a periferia, proposta na literatu-
ra como padrão histórico da distribuição espacial no século XX. Por meio de um modelo
demográfico, são quantificados os saldos migratórios e coeficientes de atratividade residen-
cial dos referidos distritos. Procura explicar as tendências observadas com base em fatores fí-
sico-territoriais, socioespaciais e econômico-urbanos, mostrando como as deseconomias da
aglomeração, pauperização, verticalização, avanço do comércio, produzem impactos dife-
renciados no crescimento intra-urbano, potencializando os fluxos de ou para determinadas
áreas no município.

P A L A V R A S - C H A V E Crescimento urbano; mobilidade residencial;


município de São Paulo; economia urbana; migração.

APRESENTAÇÃO

A diminuição dos fluxos migratórios em direção à Região Metropolitana de São


Paulo e a evasão populacional de seu município-sede têm sido um dos fenômenos mais
destacados entre as mudanças observadas na dinâmica migratória pelo País a partir dos
anos 80.1 A análise das mudanças no padrão redistributivo da população dentro do mu- 1 Vide, entre outros, Rolnik
et al. (1990), Cunha (1994),
nicípio de São Paulo, contudo, não têm merecido igual atenção, em que pese seu porte, Taschner (1995), Rolnik
sua importância econômica e a pertinência desse tipo de informação para fins de plane- (2000), Bógus & Taschner
(2001).
jamento urbano.
Esse trabalho procura contribuir ao preenchimento dessa lacuna, analisando as ten-
dências de crescimento intra-urbano da capital paulista de 1980 a 2000, tomando como
unidades de análise os distritos instalados na nova divisão administrativa adotada nos
anos 90.
Inicialmente, depois de rápida recuperação das tendências históricas de cresci-
mento populacional do município de São Paulo, apresenta-se uma análise das tendên-
cias de crescimento demográfico distrital nas duas últimas décadas. Em seguida, com
base em um modelo demográfico, computa-se os saldos migratórios e coeficientes de
atratividade residencial dos 96 distritos paulistanos. Procura-se, então, explicar as ten-

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 107


C R E S C I M E N T O U R B A N O , S A L D O S M I G R AT Ó R I O S

dências observadas baseadas em fatores físico-territoriais, socioespaciais e econômico-


urbanos, mostrando como as deseconomias da aglomeração, pauperização, verticaliza-
ção, avanço do comércio, efeitos decorrentes das obras públicas, produzem impactos di-
ferenciados na redistribuição intra-urbana da população, potencializando os fluxos de
ou para determinadas áreas no município. Traz-se, ainda, em apêndices, descrição
do modelo matemático usado no cálculo da atratividade urbana, tabela com informa-
ções demográficas e sociais dos distritos no período e mapa com a divisão territorial
da capital.

TENDÊNCIAS DO CRESCIMENTO
DEMOGRÁFICO DISTRITAL: 1980-2000

Para se entender o quadro atual da ocupação e crescimento intra-urbano no muni-


cípio de São Paulo é interessante recuperar alguns elementos gerais de sua dinâmica po-
pulacional no século XX, desde seu vertiginoso ritmo de crescimento demográfico nos pri-
meiros cinqüenta anos, seu transbordamento para os municípios vizinhos, e a reversão da
polarização do crescimento da metrópole em direção ao interior (Rolnik et al., 1990).
Para ilustrar o primeiro momento basta citar que, de 1900 a 1950, a população de
São Paulo aumentou em mais de nove vezes, passando de cerca de 240 mil habitantes pa-
ra 2,2 milhões. Em termos médios, isso representou uma taxa de crescimento de 4,5%
anuais. Foi um processo extremamente rápido, alimentado por numerosos contingen-
tes de migrantes do interior do Estado, de Minas Gerais, de Estados do Nordeste
e mesmo de imigrantes italianos, portugueses, espanhóis, japoneses etc).
A partir de então, o cinturão de cidades vizinhas passou a crescer a um ritmo ainda
mais acelerado, dando início ao processo de periferização da população em direção a mu-
nicípios cada vez mais distantes da capital.

Gráfico 1 – Taxas anuais de crescimento populacional (%) – Estado, Região Metropoli-


tana e Município de São Paulo, 1940-2000.

Já nos anos 60, algumas regiões do interior paulista passaram a disputar a primazia
do crescimento urbano com a Região Metropolitana então constituída. A população do
município de São Paulo, que ainda crescia a 3,7% ao ano na década de 1970, apresen-
tou uma forte queda no ritmo de crescimento na década seguinte (1,2% ao ano), pas-
sando a registrar, pela primeira vez em sua história recente, saldos migratórios negativos.
Nos anos 90, o ritmo de crescimento demográfico permaneceu baixo, sinalizando a con-

108 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


PAULO DE MARTINO JANNUZZI, NICOLÁO JANNUZZI

tinuidade do processo de evasão populacional do município. De fato, pelos resultados


preliminares do Censo 2000, a taxa média anual de crescimento populacional entre
1991 e 2000 foi abaixo de 0,9%.2 2 A população enumerada
na Contagem Populacional
de 1996 era de 9.839.066
Tabela 1 – População e taxas anuais de crescimento populacional (%) – Estado, Região pessoas para o município
de São Paulo. Contudo, pa-
Metropolitana e Município de São Paulo, 1940-2000 rece haver certo consenso
entre especialistas que a
Ano Município Taxa Região Me- Taxa Estado Taxa Contagem Populacional de
de São média tropolitana média de São média 1996 apresentou uma sub-
enumeração de população
Paulo aa de São Paulo aa Paulo aa mais alta a que os Censos
1940 1.326.261 5,18 1.568.045 5,54 7.180.316 2,44 Demográficos normalmente
têm estado sujeitos no País.
1950 2.198.096 5,58 2.688.901 5,95 9.134.423 3,45
Assim, a população do muni-
1960 3.781.446 4,59 4.791.245 5,44 12.823.806 3,32 cípio de São Paulo foi corri-
1970 5.924.615 3,65 8.139.730 4,42 17.771.948 3,45 gida por um fator de 2,1%,
cifra que parece introduzir
1980* 8.475.380 1,15 12.549.856 1,86 24.953.238 2,12 uma correção adequada às
1991* 9.610.659 0,89 15.369.305 1,67 31.436.273 1,82 tendências de crescimento
demográfico na década de
1996#* 10.044.787 0,87 16.694.651 1,63 34.407.358 1,77 1990, pelo que sugerem os
2000* 10.398.576 - 17.807.926 - 36.909.200 - resultados preliminares do
Censo 2000. Correção de
Fonte: Rolnik et al. (1990), Censo Demográfico 1991; Contagem Populacional 1996. Fundação Seade; Cen- mesma magnitude foi aplica-
da para a Região Metropoli-
so Demográfico 2000 – resultados preliminares. tana de São Paulo. No caso
Nota: * População ajustada para primeiro de julho; # População corrigida em função de subenumeração di- do Estado tomou-se as esti-
mativas corrigidas da Fun-
ferencial da contagem.
dação Seade, disponíveis
em seu sítio na Internet. Va-
le notar que a correção im-
Ao longo desses três momentos da dinâmica demográfica paulistana no século XX, a plementada pela Fundação
Seade aos dados da Conta-
paisagem urbana teria passado, segundo Lagenbuch (1971), por níveis crescentes de com- gem para o município de
pactação da área edificada, pela verticalização e expansão territorial da zona urbana.3 Es- São Paulo foram de 1,9%.
Cabe observar ainda que,
ses processos se deram progressivamente do Centro e bairros próximos (Santa Ifigênia, na falta de parâmetros ex-
Santa Cecília, Liberdade, Paraíso, Aclimação) para bairros mais afastados (Santana, Pe- ternos confiáveis, o fator de
correção da população foi o
nha, Lapa e Pinheiros), com a ocupação dos terrenos baldios (Jardim Europa, Sumaré, Vi- mesmo para todos os distri-
tos (o que implica que os in-
la Clementino) e dos “vazios” existentes entre loteamentos construídos nas décadas ante- crementos absolutos foram
riores (Planalto Paulista, Sumarezinho, Jardim das Bandeiras), estendendo-se para os proporcionais ao volume po-
pulacional distrital). Tal pro-
núcleos suburbanos estabelecidos ao longo das ferrovias e vias de circulação rodoviária, cedimento não parece com-
expandindo a mancha urbana da capital. prometer a análise das
tendências espaciais do fe-
Como observa Rolnik (2000), tal padrão radiocêntrico de expansão da cidade havia nômeno, mas podem levan-
se configurado a partir dos anos 20 e 30, seguindo a lógica da concepção urbanística de tar questionamentos em re-
lação à magnitude das taxas
Prestes Maia (e das intervenções urbanas que se seguiram nas décadas posteriores) e a ló- de crescimento distrital e
gica da exclusão social a que os trabalhadores imigrantes estavam sujeitos ao aportar na dos saldos migratórios
apresentados mais à frente
capital. Os custos para a aquisição de terrenos e dos aluguéis das áreas já urbanizadas no texto.
(muitas já em processo de verticalização) forçavam a ocupação territorial cada vez mais 3 Entre 1930 e 1970, Rol-
periférica do município, em loteamentos irregulares e por meio da autoconstrução. nik (1990) aponta que a den-
sidade populacional da área
Assim, na década de 1960, a região anelar mais periférica da cidade, compreenden- central teria permanecido
do a Zona Leste, Zona Noroeste (Jaraguá e adjacências) e sul de Santo Amaro, cresceu estável, contrapondo-se ao
apontado por Langenbuck
cerca de 13% ao ano, respondendo por 43% do crescimento demográfico paulistano. As (1971).
áreas adjacentes a esse anel externo, internas ao município, também cresceram a taxas ele-
vadas (5,5% ao ano), respondendo por outros 41% do incremento de população no mu-
nicípio (Rolnik et al., 1990). Os bairros centrais, contudo, cresciam a menos de 1% ao
ano, indicando um processo de evasão populacional e diminuição da densidade demográ-
fica de população residente.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 109


C R E S C I M E N T O U R B A N O , S A L D O S M I G R AT Ó R I O S

Nos anos 70 essas tendências se mantiveram, mas a um ritmo de crescimento me-


nos acentuado nas áreas mais periféricas e com certa recuperação das áreas centrais, como
resultado combinado de dois processos de sentidos opostos: a continuidade do movimen-
to de ocupação de loteamentos populares e autoconstrução na periferia, de um lado, e o
encortiçamento em direção às áreas centrais, de outro (Rolnik et al., 1990).
A resultados semelhantes chegam Bógus & Taschner (2001), ao analisar o cresci-
mento urbano do município de 1960 a 1996. Pelo agrupamento dos distritos da capital
em quatro anéis adjacentes (interior, intermediário, exterior e periférico), que se sucedem
em torno de uma região central, as autoras mostram que as taxas de crescimento demo-
gráfico vão tornando-se menores e negativas na região central, tendência que vai propa-
gando-se sucessivamente para os anéis circundantes mais próximos, enquanto os anéis
mais externos passam a exibir taxas de expansão mais elevadas.

Tabela 2 – População e taxas anuais de crescimento populacional (%) segundo grandes


áreas – Município de São Paulo, 1980-2000
Área 1980 1991 1996 * 2000 Taxa média anual (%)
1980- 1991- 1996-
1991 1996 2000
Distritos centrais 588.933 511.618 445.680 411.896 -1,27 -2,72 -1,95
Distritos próximos 3.946.509 4.066.590 3.988.097 3.888.389 0,27 -0,39 -0,63
Leste 1 1.525.062 1.554.397 1.502.597 1.488.370 0,17 -0,68 -0,24
Norte 1 883.929 927.279 940.904 1.020.976 0,44 0,29 2,06
Sul 1 650.213 648.979 634.700 626.706 -0,02 -0,44 -0,32
Oeste 887.305 935.935 909.895 752.336 0,49 -0,56 -4,64
Distritos periféricos 3.939.941 5.032.451 5.611.010 6.098.291 2,25 2,20 2,10
Leste 2 1.147.129 1.682.036 1.934.905 2.158.112 3,54 2,84 2,77
Norte 2 902.756 1.037.681 1.139.735 1.203.034 1,27 1,89 1,36
Sul 2 1.890.056 2.312.734 2.536.369 2.737.145 1,85 1,86 1,92
Total 8.475.383 9.610.659 10.044.787 10.398.576 1,15 0,89 0,87

Fonte: Censos Demográficos 1991 e 2000, Contagem Populacional 1996.


Nota: * População corrigida em função de subenumeração diferencial da contagem.

A análise dos dados de crescimento demográfico distrital nos anos 90 revela a con-
tinuidade do processo de periferização da população no município (vide dados trazidos
em Apêndice). As taxas de crescimento dos distritos centrais passam a ser não apenas mais
baixas como também negativas, denotando uma forte evasão de população residente nos
4 O termo “esvaziamento” é
bairros centrais e de ocupação mais antiga. Nos anos 80, dos 96 distritos paulistanos 41
certamente um tanto inade- apresentaram diminuição absoluta de população residente; entre 1996 e 2000, esse nú-
quado para ser usado nesse
contexto, dados os enormes
mero aumentou para 56, ao incorporar outros distritos localizados em região menos cen-
contingentes populacionais tral. Observa-se, pois, um movimento de “esvaziamento” populacional absoluto em ritmo
ainda residentes nos distri-
tos centrais e o ritmo em que crescente no tempo e no espaço se processando a partir dos distritos mais centrais.4
o processo está se dando A natureza crescente do processo de “esvaziamento” pode ser ilustrado, por exem-
(taxas negativas inferiores a
5% em geral). Mas talvez se- plo, pelo comportamento observado nos distritos da Sé, Brás e Santa Cecília: nos anos
ja um termo mais simples 80 esses distritos apresentavam taxas anuais de crescimento negativas em torno de 1% a
para denotar um processo
ao longo do tempo e espa- 2%; entre 1991 e 1996, as taxas passaram a situar-se entre valores negativos acima
ço que outros como “decre-
mento” ou “decrescimento”
de 2% ao ano. O espraiamento espacial do processo pode ser atestado pelo comporta-
populacional. mento dos distritos do Limão, Freguesia do Ó e Moema, mais afastados do centro, mas

110 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


PAULO DE MARTINO JANNUZZI, NICOLÁO JANNUZZI

de ocupação antiga na capital, que passaram a ostentar crescimento demográfico negati-


vo nos anos 90, depois de apresentar taxas baixas de crescimento na década de 80. Na
periferia, por outro lado, as taxas de crescimento de alguns distritos mantiveram-se altas
ou até mesmo se elevaram no período, em alguns casos, em que pese a continuidade da
redução da taxa de crescimento demográfico do município. Nesse contexto, vale obser-
var as tendências divergentes dos distritos periféricos de Anhanguera e Cidade Tiraden-
tes: no primeiro caso a taxa de crescimento anual dobrou dos anos 80 para o primeiro
qüinqüênio da década de 90 (de 8% para 18% ao ano); no segundo, a taxa teve forte
queda no período, mas manteve-se ainda alta em relação à dos demais distritos (de 25%
para 11% ao ano no período).
Na segunda metade da década passada, de 1996 a 2000, ainda que as tendências
gerais permaneçam, há algumas nuanças a destacar: arrefecimento da evasão dos distri-
tos centrais (que mantêm taxas negativas, mas um pouco menores em módulo que no
qüinqüênio anterior); volta do crescimento demográfico de alguns distritos próximos
que antes perdiam população; e diminuição das taxas de expansão dos distritos periféri-
cos (todos com taxas anuais inferiores a 9%). No primeiro caso, destaca-se o Pari, que
perdia população a uma taxa de quase 6% ao ano entre 1991 e 1996 e que veio a ter um
decréscimo de cerca de 2% ao ano na segunda metade da década passada. Entre os dis-
tritos menos centrais mas não muito distantes que apresentaram uma inversão de ten-
dência (de decréscimo para crescimento demográfico), pode-se citar os casos do Jagua-
ré, Vila Sônia e Sapopemba. Entre os distritos periféricos, cabe destacar a queda das taxas
de crescimento nos distritos de Anhanguera, Cidade Tiradentes, Grajaú, Iguatemi, Pare-
lheiros, entre outros.
De qualquer forma, essa aparente “contratendência” deve ser analisada com cuida-
do em razão das correções impostas aos dados da Contagem de 1996, como já explicado.
O pequeno aumento corretivo das populações distritais em 1996 conduz a taxas de cres-
cimento demográfico mais elevadas (ou quedas menos acentuadas) entre 1991 e 1996 e
aumentos menos significativos (quedas mais expressivas) para o período entre 1996 e
2000 do que se não fossem feitos os ajustes. Assim, para citar um exemplo, pode ser que
o ritmo de crescimento demográfico do distrito de Anhanguera, por exemplo, não tenha
arrefecido na intensidade apontada entre os dois períodos da década passada, embora pro-
vavelmente tenha diminuído. Além disso, deve-se lembrar que os municípios do entorno
paulistano continuam crescendo a taxas mais elevadas que a capital, o que continua refor-
çando a tese da continuidade do processo de crescimento demográfico radiocêntrico. Há,
pois, que se buscar novas indicações – ou esperar pela Contagem Populacional de 2005 –
para apostar no esgotamento do padrão centrífugo de redistribuição espacial da popula-
ção paulistana e da emergência de uma nova dinâmica – centrípeta e anelar – de recupe-
ração demográfica em direção aos distritos centrais.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 111


C R E S C I M E N T O U R B A N O , S A L D O S M I G R AT Ó R I O S

Gráfico 2 – Taxa média anual de crescimento demográfico dos distritos – Município de


São Paulo, 1980-1991-1996.

1980-1991

1991-1996

1996-2000

112 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


PAULO DE MARTINO JANNUZZI, NICOLÁO JANNUZZI

SALDOS MIGRATÓRIOS E ATRATIVIDADE


RESIDENCIAL DOS DISTRITOS: 1991-2000

A publicação dos resultados do Censo Demográfico de 1991 surpreendeu boa par-


te da comunidade de demógrafos, economistas, urbanistas e outros cientistas sociais pela
indicação da forte diminuição do crescimento populacional da capital nos anos 80. Co-
mo já se apontou, a taxa de crescimento da população paulistana passou de 3,7% anuais
nos anos 70 para 1,2% na década seguinte. Segundo Martine (1992), o processo de con-
centração progressiva da população em grandes centros urbanos começava a mostrar sua
exaustão, como decorrência da crise prolongada da década de 1980, da interiorização do
desenvolvimento econômico e da fuga às deseconomias da aglomeração urbana. Os flu-
xos migratórios estariam se redirecionando para cidades médias e a migração de retorno,
partindo dos grandes centros, tornou-se mais numerosa (Baeninger, 2000). A capital pau-
listana estava pois perdendo seu poder de atração/retenção migratória, no bojo da crise do
emprego, da perda do dinamismo industrial, da precarização da qualidade de vida. De fa-
to, pela primeira vez em sua história recente, a cidade viria a apresentar um balanço mi-
gratório negativo: o saldo migratório estimado para o período de 1980 a 1991 foi de -756
mil pessoas, uma perda líquida de 68 mil pessoas por ano.
O que se presenciou na década de 1990 foi a continuidade da tendência de evasão
populacional do município, mas em volumes menores. Pelos cálculos a que se pode che-
gar com a utilização do modelo demográfico apresentado em Jannuzzi & Jannuzzi
(2000), entre 1991 e 1996 estima-se que, entre entradas e saídas, a evasão tenha sido de
pouco menos de 40 mil pessoas por ano ou quase 200 mil nos cinco anos. A população
continuou a crescer já que o crescimento vegetativo de uma cidade do porte de São Pau-
lo foi (e continuará sendo por muito tempo) considerável, como revelam os resultados
da Tabela 3. Como já se observou, nos anos 90 a cidade veio a crescer a taxas abaixo de
0,9% ao ano.
Em uma perspectiva espacial, como era de se esperar pelos dados já apresentados, fo-
ram os distritos centrais e mais próximos à área central que apresentaram maior evasão
populacional, seja por aumento das saídas de residentes ou menor entrada de novos mo-
radores.5 Em boa parte desses distritos o crescimento vegetativo foi até suplantado pela 5 Para a fluidez do texto em-
prega-se “evasão” em lugar
evasão migratória, levando a uma diminuição absoluta da população. Houve, pois, o que de “balanço migratório ne-
se poderia conceituar como uma perda da atratividade residencial desses distritos, isto é, gativo”, ainda que esse últi-
mo termo seja mais preciso.
a capacidade deles em atrair novos residentes ou fixar os já existentes. De fato, a ampla
maioria dos distritos não-periféricos apresentou uma atratividade residencial negativa –
isto é, uma repulsividade residencial – como se pode notar pelo Gráfico 3.6 6 Vide resultados paras os
96 distritos no Apêndice.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 113


C R E S C I M E N T O U R B A N O , S A L D O S M I G R AT Ó R I O S

Tabela 3 – Decomposição do crescimento demográfico e outros indicadores segundo


grandes áreas – Município de São Paulo, 1991-1996
Área Crescimento Crescimento Saldo Taxa líquida Coef. Atrat.
total vegetativo migratório de migração residencial
(p/ mil) (x 10-7)
Distritos centrais -65.938 21.848 -87.786 -197,0 -4,11
Distritos próximos -78.493 203.476 -281.969 -70,7 -14,44
Leste 1 -51.800 76.106 -127.906 -85,1 -7,09
Norte 1 13.625 45.581 -31.956 -34,0 -1,87
Sul 1 -14.279 33.195 -47.474 -74,8 -2,16
Oeste -26.040 48.593 -74.633 -82,0 -3,31
Distritos periféricos 578.559 408.250 170.309 30,4 12,84
Leste 2 252.869 147.214 105.655 54,6 7,42
Norte 2 102.054 73.028 29.027 25,5 2,18
Sul 2 223.635 188.008 35.628 14,0 3,24
Total 434.128 633.574 -199.446 -19,9 -5,71

Nota: Taxa líquida de migração calculada como razão do saldo migratório pela população em 1996.

Seguindo a lógica histórica da ocupação territorial no município, a população de


renda mais baixa, que não pode arcar com a valorização fundiária (e do aluguel), acabou
se deslocando para moradias mais distantes na periferia ou inchando as favelas já existen-
tes na capital. Os custos de moradia e de vida já figuravam nos anos 80 como um dos de-
terminantes das motivações de mudança de residência dentro da Região Metropolitana,
como mostrado em trabalho anterior (Jannuzzi, 2000a). Dados da Pesquisa de Condições
de Vida de 1994 e 1998 também corroboram essa assertiva, ao apontar o peso elevado do
aluguel na renda familiar das famílias mais pobres residentes na região (Jannuzzi, 2000b).
Por fim, como aponta Barbon (2001), com base em dados da Contagem Populacional de
1996 e de pesquisa de campo específica, a maior parte dos residentes das regiões de ocu-
pação mais recente (e periféricas) já residiam na capital nos anos 80. No distrito de
Anhanguera, onde se observou as mais altas taxas de crescimento na década, por exem-
plo, havia somente 381 chefes não-residentes no município de São Paulo em 1991, de um
total de 16 mil novos moradores entre 1991 e 1996. Em Cidade Tiradentes, de um total
de 70 mil novos moradores no período, somente 1.438 eram chefes migrantes há menos
de 5 anos em São Paulo.
Como já se observou na seção anterior, na segunda metade da década passada a eva-
são populacional dos distritos centrais e próximos parece ter sido menos intensa, assim
como a mobilidade residencial para os distritos periféricos parece ter arrefecido. A mag-
nitude dos saldos migratórios deve ser analisada, contudo, com cautela pelas razões expli-
citadas anteriormente. Se, como parece ser pelos resultados aqui apresentados, os diferen-
ciais de atratividade residencial dos distritos estiverem diminuindo – com distritos
centrais e mais próximos deixando de ser pontos de forte evasão populacional e Distritos
Periféricos perdendo sua atratividade residencial –, isso não invalida a tese do padrão cen-
trífugo de crescimento populacional na metrópole paulista; a escala para análise do fenô-
meno é que deve ser ampliada, tendo a Região Metropolitana como unidade, tal como
realizado por Barbon (2001).

114 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


PAULO DE MARTINO JANNUZZI, NICOLÁO JANNUZZI

Tabela 4 – Decomposição do crescimento demográfico e outros indicadores segundo


grandes áreas – Município de São Paulo, 1996-2000
Área Crescimento Crescimento Saldo Taxa líquida Coef. Atrat.
total vegetativo migratório de migração residencial
(p/ mil) (x 10-7)
Distritos centrais -33.784 16.491 -50.275 -122,1 -2,66
Distritos próximos -99.708 168.491 -268.199 -69,0 -11,11
Leste 1 -14.227 62.604 -76.831 -51,6 -3,89
Norte 1 80.072 46.633 33.439 32,8 -2,85
Sul 1 -7.994 24.680 -32.675 -52,1 -2,36
Oeste -157.559 34.573 -192.131 -255,4 -2,00
Distritos periféricos 487.281 411.126 76.156 12,5 2,60
Leste 2 223.207 151.674 71.533 33,1 1,37
Norte 2 63.299 74.921 -11.622 -9,7 -0,31
Sul 2 200.776 184.531 16.245 5,9 1,54
Total 353.789 596.108 -242.319 -23,3 -11,17

Nota: Taxa líquida de migração calculada como razão do saldo migratório pela população em 2000.

Gráfico 3 – Atratividade urbana residencial dos distritos – Município de São Paulo,


1991-2000.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 115


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FATORES DETERMINANTES E INTERVENIENTES


DA ATRATIVIDADE RESIDENCIAL:
UMA CONFRONTAÇÃO EMPÍRICA

A atratividade urbana residencial de áreas municipais depende de uma série de fato-


res físico-territoriais, socioespaciais e econômico-urbanos como revelam diversos traba-
lhos clássicos, revisões bibliográficas e estudos empíricos sobre mobilidade residencial,
mobilidade intra-urbana e análises de crescimento urbano (Richardson, 1978; Cepam,
1990; Farret, 1995; Lago, 1998; Smolka, 1998; Faria, 2000; Freitas, 2000; Saboya, 2001).
Em uma concepção clássica, o valor médio da terra urbana seria o fator determinan-
te básico para a atratividade residencial: menor o preço dos terrenos e moradias ou alu-
guéis maior a propensão da área em receber novos residentes. Naturalmente, diversos ou-
tros fatores atuaram subsidiariamente na atratividade residencial das áreas urbanas. Entre
os fatores intervenientes da atratividade que podem acentuar ou arrefecer o fenômeno en-
contram-se a disponibilidade de crédito imobiliário, a existência de serviços urbanos
(água, luz, coleta de lixo), a proximidade a equipamentos públicos (escolas, praças etc.),
de serviços (comércio, bancos etc.), do local de trabalho, de locais de maior oferta de em-
pregos, deseconomias da aglomeração (violência, qualidade de vida, poluição sonora, do
ar e visual), legislação urbanística (uso do solo, avanço do comércio, grau de verticaliza-
ção permitido etc.), as restrições de natureza ambiental ou geográfica (presença de áreas
de proteção, áreas sujeitas a inundação etc.), a existência de vazios urbanos, as caracterís-
ticas do sistema viário, do transporte público, os interesses do capital imobiliário e os im-
pactos decorrentes das intervenções públicas.

Diagrama 1 – Fatores determinantes e intervenientes da atratividade residencial.

Acesso a crédito imobiliário


Proximidade a equipamentos
públicos e privados
Local de trabalho
Oferta de empregos
Interesses do capital imobiliário
Valor da terra urbana
(terrenos, moradias, aluguéis) → Acessibilidade viária → Atratividade residencial
Disponibilidade de serviços de infra-
estrutura (água, luz, coleta lixo)
Avanço do comércio
Intervenções urbanas
Legislação do uso do solo
Externalidades negativas da concen-
tração: violência, poluição sonora,
poluição visual, poluição do ar,
congestionamentos

É possível identificar a associação entre alguns desses fatores com a atratividade re-
sidencial para os distritos paulistanos com base em alguns indicadores aproximativos
(Gráfico 4). Tomando-se, por exemplo, como um indicador do valor médio do terreno
nos distritos o Índice de População vivendo com renda do chefe até dois salários míni-
mos, definido no Mapa da Exclusão/Inclusão Social de Sposati (1996), nota-se que os dis-
tritos de maior atratividade residencial são os com nível mais baixo do indicador (menor
renda, terrenos mais baratos, maior atratividade). Era de se esperar que tal relação se mos-

116 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


PAULO DE MARTINO JANNUZZI, NICOLÁO JANNUZZI

trasse significativa: são as periferias, onde vive a população mais pobre, que mais crescem
na capital, isso já há muito tempo. É por essa razão que a relação entre tempo gasto de
viagem ao trabalho ou distância ao centro também estão associados com o coeficiente
de atratividade residencial (mais periférico, mais longe, mais demorado, custos de mora-
dias mais baixos, maior atratividade).
A antiguidade da ocupação distrital (indicada pela proporção de idosos com 70 anos
ou mais), pelo seu significado em termos de avanço do comércio, escritório de serviços e
valorização dos aluguéis, repercute negativamente para a atratividade residencial, como
era de se esperar (mais antigo, maior avanço do comércio, valorização do aluguel, menor
atratividade). De fato, com base nos indicadores urbanísticos dos distritos paulistanos no
começo dos anos 90, trazidos por Hermann (2001), pode-se verificar que a atratividade
é decrescente com a participação do comércio na área total construída: maior a área ocu-
pada por lojas e outros equipamentos comerciais, menos propenso é o distrito em receber
novos moradores.
Assim, acaba não sendo possível à população continuar morando próximo de onde
são oferecidos os empregos (daí a relação inversa entre atratividade e taxa de criação de
empregos). Morar longe não é uma opção para a maior parte dos residentes da capital, é
uma imposição do mercado imobiliário, pela valorização fundiária urbana; e do mercado
de trabalho, que não garante rendimentos compatíveis com os custos de moradia e vida
na cidade.
Ainda que não surpreendente, vale destacar a relação significativa entre atratividade
e adensamento populacional: distritos com maior densidade populacional, medido por
habitantes por km2 ou por um índice de verticalização (Hermann, 2001), tendem a atrair
cada vez menos residentes pelos efeitos indiretos das deseconomias a ela associadas (con-
gestionamentos, poluição do ar e sonora, avanço do comércio etc.).
Por fim, vale lembrar que as relações empíricas mostradas nos gráficos trazem implí-
citas a associação inversa entre renda fundiária e atratividade residencial. Mas cada fator
selecionado (grau de verticalização, área ocupada pelo comércio etc.) apresenta algum
efeito interveniente específico, cuja magnitude pode vir a ser objeto de análise mais apro-
fundada a partir de bases de dados temporal e metodologicamente mais consistentes, co-
mo os que disponibilizados pelo Censo 2000.

Gráfico 4 – Atratividade residencial e variáveis socioespaciais referentes aos distritos –


Município de São Paulo, 1991-1996.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 117


C R E S C I M E N T O U R B A N O , S A L D O S M I G R AT Ó R I O S

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As evidências empíricas aqui apresentadas mostram a continuidade do processo de


mobilidade residencial em direção às áreas mais periféricas do município, seguindo pa-
drão radicocêntrico-centrífugo da ocupação do território paulistano delineado nas pri-
meiras décadas do século XX. Ao longo do período estudado, verificou-se um esvazia-
mento populacional contínuo de distritos mais centrais e crescimento dos mais
periféricos, como resultado da mobilidade de população em busca de terrenos ou alu-
guéis mais baratos, loteamentos populares ou áreas de invasão, no município e seus ar-
redores. Ao que parece, se deixado à livre ação do mercado, esse processo parece ter uma
voracidade implacável.
Rolnik (2000) não poderia resumir de forma mais clara tal realidade:

118 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


PAULO DE MARTINO JANNUZZI, NICOLÁO JANNUZZI

Os padrões urbanísticos que se configuram a partir de potente máquina de exclusão ter-


ritorial definiram uma cidade dualizada, expressa na imagem centro/periferia. Jardim Paulis-
ta e Jardim Ângela, Cidade Jardim e Cidade Tiradentes, Higienópolis e Paraisópolis: só quem
conhece a cidade consegue entender como nomes tão parecidos podem designar territórios
tão diferentes… (p.76.)

Espera-se que os dados aqui apresentados – em especial, o coeficiente de atratividade


residencial – possam se revelar úteis para aprofundar o entendimento dessa dualidade his-
tórica do espaço urbano paulistano. Uma possível linha de trabalho seria estudar os efeitos
de determinadas intervenções urbanas, de grandes projetos comerciais (shoppings etc.), da
valorização fundiária, da verticalização ou do adensamento sobre a atratividade residencial
dos distritos, mediante informações provenientes dos cadastros de imóveis e de obras do
município. Isso poderia ajudar a entender melhor os mecanismos da mobilidade intra-ur-
bana, do avanço da periferização pela Região Metropolitana, e também possibilitar a ela-
boração de projeções populacionais no âmbito distrital com maior grau de segurança.
Enfim, a pertinência de trabalhos dessa natureza cresce, certamente, à medida que
se avança na institucionalização do planejamento municipal no País, no bojo da descen- Paulo de Martino Jannuzzi
tralização tributária em favor de Estados e municípios, da transferência de parte das res- é professor do Mestrado em
Estudos Populacionais e Pes-
ponsabilidades de políticas sociais para as prefeituras (em convênio ou não com outras quisa Social da ENCE/IBGE.
instâncias de governo) e da previsão constitucional de instrumentos de gestão urbana pa- E-mail: pjannuzzi@ibge.gov.br

ra municípios com mais de vinte mil habitantes (Plano Diretor). A julgar pelo que colo- Nicoláo Jannuzzi é Espe-
cam Valladares & Coelho (1996), a preocupação com o melhor embasamento técnico nas cialista Sênior da Fundação
Instituto Tecnológico para a
atividades relacionadas ao Planejamento Urbano parece estar ganhando terreno no País, Informática.
depois da desilusão com as distorções induzidas pelas práticas de planejamento tecnocrá- Artigo recebido para publica-
tico dos anos 70. Esse trabalho é uma modesta contribuição neste sentido. ção em fevereiro de 2002.

APÊNDICE METODOLÓGICO

MODELO PARA ESTIMAÇÃO DOS SALDOS MIGRATÓRIOS E ATRATIVIDADE URBANA RESIDENCIAL

Para decompor o crescimento populacional distrital nas suas duas parcelas constitu-
tivas – crescimento vegetativo, relacionado ao balanço líquido entre nascimentos e óbitos
de pessoas, e o saldo migratório, relacionado ao balanço líquido de entradas e saídas de
pessoas em cada distrito –, empregou-se um sistema de equações diferenciais usado em
ecologia para representar a dinâmica populacional de espécies competitivas dentro de um
hábitat fechado, com capacidade de suporte limitada, apresentado anteriormente em Jan-
nuzzi & Jannuzzi (2000).
Nesse modelo ecológico o crescimento de cada espécie depende de sua taxa de cres-
cimento vegetativo (nascimentos menos óbitos) e da forma de interação com as demais
espécies existentes (competição, predação ou parasitismo), forma essa que pode potencia-
lizar o ritmo de crescimento ou mesmo a extinção de uma dada espécie (Dajoz, 1983). A
adaptação desse modelo para representar a dinâmica populacional de pequenas áreas de
uma região é intuitivamente simples, e foi implementado anteriormente por Szwarcwald
& Castilho (1989) para estimar quantitativos populacionais de municípios fluminenses
entre 1980 e 1990. Na adaptação do modelo para demonstrar a dinâmica demográfica,
as populações das pequenas áreas (no caso, distritos) representam as “espécies”, e a região

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 119


C R E S C I M E N T O U R B A N O , S A L D O S M I G R AT Ó R I O S

(município de São Paulo), o hábitat, com seus recursos limitados de espaço físico, imó-
veis, vias públicas, empregos etc.
Assim, a taxa de crescimento populacional de cada distrito no município depende-
rá de sua respectiva taxa de crescimento vegetativo – e portanto, em última instância, dos
níveis prevalecentes de fecundidade e mortalidade em cada área – e de seu grau de atrati-
vidade residencial, proporcionado pelas economias e deseconomias de aglomeração de ca-
da distrito: preços do aluguel; custo dos terrenos e moradias; proximidade de locais de
maior oferta de empregos; poluição; custos de transporte; determinantes urbanísticos (uso
do solo, grau de verticalização permitido etc.); restrições de natureza ambiental ou geo-
gráfica (presença de áreas de proteção, áreas sujeitas a inundação etc.); existência de va-
zios urbanos; características do sistema viário e do transporte público; e impactos decor-
rentes das intervenções públicas.
Como representado no sistema de equações diferenciais do Quadro 1, os parâmetros
ai dizem respeito à taxa de crescimento vegetativo específico de cada pequena área, en-
quanto os parâmetros bi referem-se ao grau de atratividade de cada área relativamente às
demais (isto é, a competitividade residencial de cada área em relação à população da re-
gião). Trata-se, pois, de um modelo que discrimina, para cada área, a contribuição do
crescimento vegetativo e do saldo migratório no crescimento populacional.
Como mostrado por Szwarcwald & Castilho (1989), é possível encontrar uma solu-
ção algébrica recursiva para esse sistema de equações diferenciais, desde que se disponha
da população municipal em dois momentos, no caso, o Censo Demográfico de 1991 e a
Contagem Populacional de 1996.

Quadro 1 – Sistema de equações diferenciais da dinâmica populacional intra-urbana.

(dP 1 / dt) = c1 P 1 (t) + d 1 P 1 (t) T(t)

(dP 2 / dt) = c2 P 2 (t) + d 2 P 2 (t) T(t)


.......
(dP n / dt) = cn P n (t) + d n P n (t) T(t)

sujeito a condição de contorno ∑ P i (t) = T(t)


i=1..n

Onde T(t) : total populacional do município no ano t


Pi (t) : população do distrito i no ano t
ci: taxa de crescimento vegetativo da população do distrito i
di: fator relacionado à atratividade residencial do distrito i

A resolução do sistema pode ser realizada da seguinte forma:


P i (t) = P i (0) + ∆ P i

∆ P i = ∆ P F i (t) P i (0) / ∑ F i (t) P i (0)

com F i (t) = exp ( ai + b i {ln (T(t)/T(0) }x ( T(t) - T(0) ) ) - 1

onde T(t): total populacional do município


ai: ln (1 + tx natalidade i - tx mortalidade i ) - taxas médias para o período
estimadas com base na análise das estatísticas vitais
bi: grau de atratividade residencial média do distrito i , estimado por

ai + {ln (P i (t)/ P i (0 )}
{ ln (T(t)/T(0))}x ( T(t) - T(0) )

120 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002

APÊNDICE ESTATÍSTICO

PAULO DE MARTINO JANNUZZI, NICOLÁO JANNUZZI


Informações sociodemográficas e parâmetros do modelo em âmbito distrital – Município de São Paulo, 1980-2000.
Distritos Zona População Total Taxa Média Anual Saldo Migrat. Ai Bi Ai Bi Ind. Prop. Ind. Tempo Densid. Ind.
cresc. Demog. (%) x100 x1E-6 x100 x1E-6 Qual. pop. c/ pop. até médio hab/km2 varia-
Vida 70 + 2 mí- viagem ção em-
nimos prego
1980 1991 1996 2000 80-91 91-96 96-00 91-96 96-00 91-96 91-96 96-00 96-00 1991 1991 1991 1987 1991 90-94
Água Rasa E1 112.007 94.749 88.481 85.764 -1,51 -1,36 -0,78 -8978 -4985 2,8 -5,0 3,2 -3,3 0,11 5,55 -0,52 54 13731,74 0,35
Alto de Pinheiros W 50.941 50.164 45.249 44.386 -0,14 -2,04 -0,48 -6069 -1534 2,3 -6,6 1,8 -2,0 0,61 4,7 -0,1 46 6514,805 0,42
Anhanguera N2 5.323 12.362 29.128 38.475 7,96 18,70 7,21 16260 7692 4,0 42,6 6,9 13,2 0,28 1,43 -0,64 371,2312 0
Aricanduva E1 92.832 96.156 93.347 94.692 0,32 -0,59 0,36 -7985 -2885 5,2 -4,3 5,5 -1,7 -0,08 2,42 -0,61 65 14569,09 0,26
Artur Alvim E1 106.658 118.095 112.790 110.711 0,93 -0,92 -0,46 -13373 -8420 6,6 -5,8 6,8 -4,3 0,20 1,95 -0,53 65 17893,18 0,18
Barra Funda W 17.818 15.918 14.638 12.927 -1,02 -1,66 -3,06 -2518 -2189 7,5 -8,3 4,0 -9,2 0,55 6,65 -0,32 40 2842,5 1,29
Bela Vista C 84.973 71.560 66.252 63.099 -1,55 -1,53 -1,21 -7876 -5096 3,5 -5,9 3,6 -4,5 0,39 5,78 -0,18 42 27523,08 1,7
Belém E1 58.077 49.514 43.473 38.241 -1,44 -2,57 -3,15 -7612 -6857 3,1 -8,4 4,6 -9,7 0,21 7,16 -0,58 46 8252,333 1,51
Bom Retiro C 47.350 36.004 28.368 26.550 -2,46 -4,66 -1,64 -9506 -3304 5,1 -15,1 6,3 -6,9 0,31 5,63 -0,52 40 9001 1,55
Brás C 38.455 33.413 27.221 24.488 -1,27 -4,02 -2,61 -8774 -4735 7,4 -14,6 8,8 -10,3 -0,20 4,37 -0,55 47 9546,571 1,59
Brasilândia N2 165.590 200.849 240.234 246.759 1,77 3,65 0,67 24726 -11578 7,0 5,7 9,0 -2,6 -0,27 1,55 -0,72 63 9564,238 0,11
Butantã W 56.670 57.804 54.638 52.495 0,18 -1,12 -1,00 -6062 -4200 4,9 -5,5 4,6 -4,5 0,63 4,27 -0,21 56 4624,32 0,6
Cachoeirinha N2 105.182 125.389 143.806 147.446 1,61 2,78 0,63 4043 -9497 10,9 1,5 10,8 -3,6 0,26 1,9 -0,67 58 9427,744 0,15
Cambuci C 44.646 36.932 32.760 28.600 -1,71 -2,37 -3,34 -5116 -5118 2,5 -7,6 3,6 -9,7 0,51 6,92 -0,43 39 9469,744 0,79
Campo Belo S2 75.311 77.666 67.943 66.268 0,28 -2,64 -0,62 -13461 -3509 4,7 -9,4 3,3 -3,0 0,60 4,25 -0,18 47 8825,682 0,66
Campo Grande S2 70.154 81.750 86.621 91.142 1,40 1,16 1,28 -378 635 6,2 -0,2 5,5 0,5 0,13 2,79 -0,31 61 6240,458 0,62
Campo Limpo S2 109.987 158.885 165.482 190.706 3,40 0,82 3,61 -9761 10908 9,8 -3,0 10,3 3,6 -0,21 1,44 -0,53 69 12412,89 0,24
Cangaíba N1 97.323 114.646 129.097 135.993 1,50 2,40 1,31 6051 -785 7,1 2,5 7,2 -0,3 -0,08 2,53 -0,58 62 7165,375 0,21
Capão Redondo S2 127.634 192.785 204.504 242.198 3,82 1,19 4,32 -8947 17508 10,2 -2,2 11,6 4,5 0,29 1,2 -0,72 74 14175,37 0,1
Carrão E1 98.706 87.014 81.082 77.507 -1,14 -1,40 -1,12 -8786 -5805 3,2 -5,4 3,4 -4,2 0,00 4,92 -0,57 54 11601,87 0,37
Casa Verde N2 103.751 96.040 90.793 83.556 -0,70 -1,12 -2,06 -9468 -10794 4,3 -5,2 4,8 -7,1 0,11 4,09 -0,5 49 13526,76 0,4
Cidade Ademar S2 218.616 229.945 238.463 243.103 0,46 0,73 0,48 -15738 -14674 10,0 -3,3 9,6 -3,4 -0,33 1,51 -0,59 60 19162,08 0,19
Cidade Dutra S2 122.418 168.199 179.940 189.946 2,93 1,36 1,36 -3137 -3488 8,5 -0,9 9,0 -1,0 0,21 1,54 -0,56 70 5740,58 0,15
121

Cidade Líder E2 70.156 97.012 100.364 116.089 2,99 0,68 3,71 -5128 8354 8,4 -2,6 8,8 4,5 0,14 1,66 -0,53 67 9510,98 0,19
122

C R E S C I M E N T O
Distritos Zona População Total Taxa Média Anual Saldo Migrat. Ai Bi Ai Bi Ind. Prop. Ind. Tempo Densid. Ind.
cresc. Demog. (%) x100 x1E-6 x100 x1E-6 Qual. pop. c/ pop. até médio hab/km2 varia-
Vida 70 + 2 mí- viagem ção em-
R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002

nimos prego
1980 1991 1996 2000 80-91 91-96 96-00 91-96 96-00 91-96 91-96 96-00 96-00 1991 1991 1991 1987 1991 90-94
Cidade Tiradentes E2 8.566 95.926 166.046 190.421 24,56 11,60 3,48 63490 11775 6,7 25,1 9,1 3,8 0,25 0,71 -0,72 90 6395,067 0,15
Consolação C 76.953 66.343 59.815 54.263 -1,34 -2,05 -2,41 -8292 -6471 2,6 -6,8 1,9 -6,6 0,42 8,22 -0,09 44 17930,54 1,1
Cursino S1 115.876 110.028 106.261 101.858 -0,47 -0,69 -1,05 -8523 -8434 4,2 -4,0 4,6 -4,6 0,40 3,86 -0,38 46 9169 0,43
E. Matarazzo E2 80.166 95.257 107.396 106.656 1,58 2,43 -0,17 4524 -8604 7,7 2,2 8,8 -4,5 -0,20 1,94 -0,66 67 10949,08 0,17
Freguesia do Ó N2 149.946 152.110 145.310 144.367 0,13 -0,91 -0,16 -15559 -8457 5,6 -5,3 6,3 -3,3 0,05 3,04 -0,57 56 14486,67 0,25
Grajaú S2 116.717 193.042 278.362 331.738 4,68 7,59 4,48 66274 26519 9,4 14,2 11,4 5,0 -0,36 0,85 -0,61 73 2098,283 0,13

U R B A N O ,
Guaianazes E2 50.167 81.074 90.860 98.068 4,46 2,31 1,93 -2188 -1557 13,8 -1,2 11,4 -0,8 -0,52 1,33 -0,71 83 9427,209 0,11
Iguatemi E2 33.002 59.600 91.707 101.617 5,52 9,00 2,60 27402 2784 7,6 18,5 9,3 1,7 -0,49 1,07 -0,93 73 3040,816 0,16
Ipiranga S2 117.075 101.158 95.962 98.166 -1,32 -1,05 0,57 -8622 -783 3,3 -4,5 3,8 -0,4 0,41 6,29 -0,4 46 9634,095 0,63
Itaim Bibi S2 127.886 107.099 90.418 81.274 -1,60 -3,33 -2,63 -20897 -11326 3,9 -10,8 3,0 -7,6 0,69 5,33 -0,19 44 10818,08 0,84
Itaim Paulista E2 106.787 162.669 184.533 212.528 3,90 2,55 3,59 4024 11046 10,4 1,1 10,9 3,2 -0,43 1,25 -0,89 83 13555,75 0,16
Itaquera E2 127.300 174.720 188.392 201.037 2,92 1,52 1,64 -445 -192 7,8 -0,1 8,2 0,0 -0,30 1,79 -0,64 75 11967,12 0,16
Jabaquara S1 195.416 213.559 216.889 214.049 0,81 0,31 -0,33 -11152 -15992 6,6 -2,6 7,3 -4,2 -0,10 2,73 -0,47 54 15146,03 0,31

S A L D O S
Jaçanã N1 79.682 86.511 91.517 91.585 0,75 1,13 0,02 1341 -4389 4,1 0,8 5,9 -2,7 0,15 3,28 -0,57 60 11091,15 0,21
Jaguará W 32.609 29.688 26.266 25.683 -0,85 -2,42 -0,56 -5840 -1597 7,8 -10,5 4,7 -3,5 -0,06 3,68 -0,56 61 1075,652 0,32
Jaguaré W 39.701 44.199 36.857 42.380 0,98 -3,57 3,55 -9812 3124 5,4 -12,3 7,8 4,6 0,03 2,26 -0,45 50 6696,818 0,68
Jaraguá N2 47.213 92.841 116.759 145.423 6,34 4,69 5,64 17979 19689 6,2 8,7 9,2 8,7 0,07 1,48 -0,57 20182,83 0,33
Jardim Ângela S2 107.113 177.717 226.041 243.674 4,71 4,93 1,90 29678 -5104 10,0 7,3 11,8 -1,1 -0,47 0,91 -0,7 76 4751,791 0,13
Jardim Helena E2 90.663 117.945 140.472 138.488 2,42 3,56 -0,35 11352 -13145 9,1 4,4 9,5 -5,3 -0,62 1,3 -0,94 75 12960,99 0,16

M I G R AT Ó R I O S
Jardim Paulista S2 116.561 102.754 91.131 82.599 -1,14 -2,37 -2,43 -13706 -9465 2,0 -7,3 1,3 -6,4 0,45 8,04 0 46 16844,92 1,05
Jardim São Luís S2 162.808 203.533 227.908 236.801 2,05 2,29 0,96 4448 -10473 9,3 1,0 10,1 -2,5 -0,33 1,25 -0,57 74 8240,202 0,16
José Bonifácio E2 23.936 103.330 106.102 106.978 14,22 0,53 0,21 -4057 -5220 6,4 -2,0 6,9 -2,7 0,27 1,31 -0,5 84 7328,369 0,1
Lajeado E2 69.107 112.392 132.434 157.724 4,52 3,34 4,47 11206 13565 7,6 4,6 10,5 5,4 -0,75 1,14 -0,96 82 12216,52 0,12
Lapa W 83.284 70.059 64.276 60.028 -1,56 -1,71 -1,69 -7586 -5141 2,5 -5,8 1,7 -4,8 0,70 7,7 -0,31 44 7005,9 1,06
Liberdade C 82.062 75.963 65.695 61.807 -0,70 -2,86 -1,51 -15243 -6795 6,3 -10,9 5,4 -6,1 0,12 5,47 -0,27 40 20530,54 0,68
Limão N2 88.515 90.089 85.748 81.959 0,16 -0,98 -1,12 -9252 -7854 5,3 -5,3 5,8 -5,3 -0,04 3,17 -0,53 54 14299,84 0,4
Mandaqui N1 87.789 103.639 104.092 102.989 1,52 0,09 -0,27 -5780 -5668 5,8 -2,8 5,3 -3,1 -0,05 2,86 -0,4 53 7911,374 0,22
Marsilac S2 4.420 5.970 7.570 8.410 2,77 4,86 2,67 1069 229 8,5 7,9 9,6 1,7 -1,00 2,32 -1 29,85 0
R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002

PAULO DE MARTINO JANNUZZI, NICOLÁO JANNUZZI


Distritos Zona População Total Taxa Média Anual Saldo Migrat. Ai Bi Ai Bi Ind. Prop. Ind. Tempo Densid. Ind.
cresc. Demog. (%) x100 x1E-6 x100 x1E-6 Qual. pop. c/ pop. até médio hab/km2 varia-
Vida 70 + 2 mí- viagem ção em-
nimos prego
1980 1991 1996 2000 80-91 91-96 96-00 91-96 96-00 91-96 91-96 96-00 96-00 1991 1991 1991 1987 1991 90-94
Moema S1 71.829 77.054 75.720 69.440 0,64 -0,35 -2,14 -4220 -8202 3,7 -2,8 3,1 -6,5 1,00 5,67 -0,03 42 8561,556 0,91
Mooca E1 84.232 71.733 65.179 63.167 -1,45 -1,90 -0,78 -8232 -3098 2,3 -6,2 2,1 -2,8 0,58 7,33 -0,36 45 9315,974 0,98
Morumbi W 30.923 39.884 39.356 33.867 2,34 -0,27 -3,69 -4322 -9097 9,1 -5,4 10,9 -13,9 0,74 2,67 -0,14 57 3498,596 0,46
Parelheiros S2 31.548 55.390 84.255 102.421 5,25 8,75 5,00 24265 10142 8,0 17,7 11,2 6,2 -0,56 1,13 -0,78 80 360,8469 0,08
Pari C 26.830 21.221 15.756 14.511 -2,11 -5,78 -2,04 -6286 -1937 3,8 -17,5 5,3 -7,3 -0,02 6,02 -0,54 46 7317,586 1,12
Parque do Carmo E2 34.945 54.542 57.325 63.878 4,13 1,00 2,74 -3192 1472 10,4 -2,8 10,5 1,5 -0,37 1,4 -0,7 65 3541,688 0,19
Pedreira S2 62.764 85.685 111.617 127.389 2,87 5,43 3,36 19541 8634 7,2 10,0 7,7 4,2 -0,37 1,32 -0,64 66 4582,086 0,12
Penha E1 139.558 132.515 129.611 123.080 -0,47 -0,44 -1,28 -8444 -10950 4,1 -3,3 4,2 -5,0 -0,02 4,8 -0,57 56 11726,99 0,29
Perdizes W 116.885 108.438 105.915 102.088 -0,68 -0,47 -0,92 -4631 -5125 1,9 -2,2 1,5 -2,8 0,78 6,11 -0,12 40 17776,72 0,55
Perus N2 36.037 46.131 58.802 70.665 2,27 4,97 4,70 7843 6463 10,0 7,5 10,9 5,7 -0,46 1,96 -0,72 72 1930,167 0,1
Pinheiros W 94.189 78.352 70.998 62.349 -1,66 -1,95 -3,20 -9261 -9815 2,4 -6,4 2,0 -8,6 0,40 7,23 -0,11 47 9794 1,14
Pirituba N2 132.070 151.743 154.713 161.619 1,27 0,39 1,10 -7776 -1747 6,8 -2,6 6,8 -0,6 0,05 2,64 -0,56 54 8873,86 0,25
Ponte Rasa E1 96.329 102.324 100.546 97.516 0,55 -0,35 -0,76 -8234 -8116 6,1 -4,1 6,1 -4,7 -0,08 2,37 -0,59 83 15988,13 0,2
Raposo Tavares W 49.153 82.586 89.028 90.517 4,83 1,51 0,42 530 -5616 6,9 0,3 9,5 -3,5 0,23 1,43 -0,52 65 6554,444 0,26
República C 60.713 57.585 50.702 47.426 -0,48 -2,51 -1,66 -9510 -5207 4,5 -9,0 4,7 -6,1 0,00 5,18 -0,19 47 25036,96 5,16
Rio Pequeno W 84.435 102.414 101.501 111.613 1,77 -0,18 2,40 -6668 1941 5,5 -3,3 9,6 1,1 -0,09 2,11 -0,45 56 10558,14 0,24
Sacomã S2 163.146 210.423 221.394 227.264 2,34 1,02 0,66 -1889 -6364 5,9 -0,4 6,7 -1,6 0,00 2,64 -0,48 50 14818,52 0,31
Santa Cecília C 94.134 85.511 77.412 71.061 -0,87 -1,97 -2,12 -10091 -8299 2,3 -6,4 3,1 -6,5 0,26 6,62 -0,24 42 21925,9 0,91
Santana N1 138.379 137.172 134.767 124.948 -0,08 -0,35 -1,87 -6461 -12839 2,9 -2,4 2,8 -5,7 0,45 5,2 -0,24 49 10886,67 0,39
Santo Amaro S2 92.855 75.278 64.304 59.716 -1,89 -3,10 -1,83 -16003 -6065 6,5 -11,6 2,8 -5,7 0,66 5,48 -0,13 47 4825,513 1,12
São Domingos N2 69.129 70.127 74.440 82.766 0,13 1,20 2,69 232 4462 5,7 0,2 6,3 3,3 -0,10 2,52 -0,49 57 7012,7 0,32
São Lucas E1 155.699 151.476 147.654 138.989 -0,25 -0,51 -1,50 -12661 -14269 5,7 -4,3 4,6 -5,7 -0,08 2,86 -0,55 59 15300,61 0,16
São Mateus E2 118.228 150.209 163.452 154.677 2,20 1,70 -1,37 -1072 -19732 9,1 -0,3 8,0 -7,0 0,26 1,65 -0,66 69 11554,54 0,17
São Miguel E2 100.904 102.585 105.818 97.258 0,15 0,62 -2,09 -5481 -15860 8,2 -2,6 8,3 -8,8 -0,35 2,17 -0,77 68 13678 0,23
São Rafael E2 70.092 89.533 103.647 125.044 2,25 2,97 4,80 7729 14730 6,9 4,0 7,7 7,5 0,18 1,33 -0,64 70 6782,803 0,16
Sapopemba E1 181.309 256.671 260.239 281.787 3,21 0,28 2,01 -14480 5055 6,8 -2,8 7,6 1,1 -0,21 1,53 -0,68 71 19012,67 0,12
Saúde S1 135.653 126.128 120.255 117.827 -0,66 -0,95 -0,51 -10796 -6148 3,8 -4,5 3,8 -2,9 0,53 5,95 -0,22 45 14171,69 0,55
Sé C 32.817 27.086 21.699 20.092 -1,73 -4,34 -1,91 -7092 -3313 6,1 -14,7 9,4 -8,9 -0,31 3,47 -0,34 52 12898,1 0,28
123
124

C R E S C I M E N T O
Distritos Zona População Total Taxa Média Anual Saldo Migrat. Ai Bi Ai Bi Ind. Prop. Ind. Tempo Densid. Ind.
cresc. Demog. (%) x100 x1E-6 x100 x1E-6 Qual. pop. c/ pop. até médio hab/km2 varia-
Vida 70 + 2 mí- viagem ção em-
R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002

nimos prego
1980 1991 1996 2000 80-91 91-96 96-00 91-96 96-00 91-96 91-96 96-00 96-00 1991 1991 1991 1987 1991 90-94
Socorro S2 40.558 43.035 39.177 38.990 0,54 -1,86 -0,12 -6905 -2042 6,8 -8,5 5,8 -3,0 0,20 3,18 -0,36 50 3336,047 1,38
Tatuapé E1 88.969 81.539 79.111 79.050 -0,79 -0,60 -0,02 -4908 -1753 3,0 -3,1 2,6 -1,2 0,42 6,27 -0,36 49 9943,78 0,63
Tremembé N1 96.410 124.615 146.288 163.668 2,36 3,26 2,85 15553 9205 4,8 5,9 6,8 3,5 -0,01 2,61 -0,55 59 2213,41 0,22
Tucuruvi N1 115.085 111.471 104.087 99.104 -0,29 -1,36 -1,22 -12532 -8179 4,5 -5,9 3,8 -4,6 0,06 4,57 -0,41 59 12385,67 0,24
Vila Andrade S2 22.485 42.420 55.276 75.340 5,94 5,44 8,05 9797 14962 7,0 10,2 10,9 13,1 -0,05 1,14 -0,32 67 4118,447 0,32
Vila Curuçá E2 94.992 123.843 141.705 146.118 2,44 2,73 0,77 7060 -6047 8,4 2,7 8,8 -2,3 -0,37 1,43 -0,69 75 12767,32 0,11

U R B A N O ,
Vila Formosa E1 105.649 97.580 93.317 93.685 -0,72 -0,89 0,10 -10858 -3669 6,5 -5,7 5,3 -2,2 -0,10 3,55 -0,59 57 13186,49 0,24
Vila Guilherme E2 68.118 61.399 54.651 49.898 -0,94 -2,30 -2,25 -9569 -6995 4,5 -8,4 5,0 -7,7 0,20 4,75 -0,48 49 8898,406 0,62
Vila Jacuí W 69.378 100.864 112.662 141.531 3,46 2,24 5,87 3827 20151 7,6 1,8 9,2 9,1 -0,19 1,48 -0,74 71 13099,22 0,19
Vila Leopoldina N1 28.055 26.728 27.041 26.813 -0,44 0,23 -0,21 -819 -1299 4,1 -1,6 4,8 -2,7 0,11 4,98 -0,43 53 3712,222 1,09
Vila Maria S1 131.439 122.210 115.575 112.390 -0,66 -1,11 -0,70 -12782 -9879 4,9 -5,5 7,0 -4,9 -0,03 3,4 -0,65 52 10356,78 0,41
Vila Mariana E1 142.482 132.331 126.791 123.531 -0,67 -0,85 -0,65 -8357 -5115 2,1 -3,3 1,8 -2,3 0,66 7,1 -0,14 43 15387,33 0,59
Vila Matilde N1 116.953 108.621 101.490 102.182 -0,67 -1,35 0,17 -12415 -2945 4,7 -6,0 4,4 -1,6 -0,04 3,79 -0,55 61 12204,61 0,19

S A L D O S
Vila Medeiros W 161.319 155.565 148.511 140.402 -0,33 -0,92 -1,39 -16221 -14715 5,7 -5,4 5,4 -5,8 -0,06 2,7 -0,63 56 20203,25 0,23
Vila Prudente N1 124.253 113.876 102.525 102.000 -0,79 -2,08 -0,13 -16895 -4384 4,8 -8,0 4,6 -2,4 0,09 4,5 -0,58 53 11502,63 0,28
Vila Sônia E1 62.555 82.700 80.975 87.190 2,57 -0,42 1,87 -4998 1576 3,9 -3,1 6,9 1,1 0,15 2,94 -0,31 58 8353,535 0,38
TOTAL 8.475.380 9.610.659 10.044.78710.398.5761,15 0,89 0,87 -199446 -242318
Fonte: Censos Demográficos 1991 e 2000; Contagem Populacional 1996; Sposati (1996); Prefeitura de São Paulo (www.prefeitura.sp.gov.br); Fundação Seade.

M I G R AT Ó R I O S
PAULO DE MARTINO JANNUZZI, NICOLÁO JANNUZZI

APÊNDICE GRÁFICO

Divisão distrital do Município de São Paulo

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 125


C R E S C I M E N T O U R B A N O , S A L D O S M I G R AT Ó R I O S

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAENINGER, R. Região, metrópole e interior: espaços ganhadores e espaços perdedores


mas migrações recentes – Brasil 1980-1996. Textos Nepo, 35, 2000.
BARBON, A. L. Mobilidade residencial intra-urbana em grandes centros: Região metropo-
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A B S T R A C T This paper aims to contribute to the analysis of the recent changes


on the regional population distribution in Sao Paulo city. It discusses the demographic growth
trends of the 96 districts from 1980 through 2000 and the validity of radiocentric growth
model, proposed late in the literature as the historical pattern of population distribution in the
city during XX century. It brings, also, migration balances and residential attractiveness of the
districts, computed through a demographic model. It shows some relationships between the
demographic trends and urban and social factors, illustrating the effects of agglomeration
diseconomies, poverty, the spread of commerce and buildings over the districts growth.

K E Y W O R D S Urban growth; residential mobility; São Paulo city; urban economy;


migration.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 127


¿LA INTEGRIDAD TERRITORIAL
ARGENTINA EN PELIGRO?
LA INTEGRACIÓN NORPATAGÓNICA Y LA HISTORIA POLÍTICA

O R I E T TA FAVA RO
GRACIELA IUORNO

R E S U M O O presente artigo propõe uma reflexão sobre a situação da Argentina,


caraterizada pela atitude de uma classe dirigente sem um projeto que a unifique; pela he-
terogeneidade espacial; pelo padrão de acumulação dominante, que tende a enfraquecer os
Estados nacionais; pela possibilidade de mobilidade das fronteiras; e pelos interesses do cen-
tro hegemônico. Essa situação pouco contribui para a estabilidade socioeconômica dos paí-
ses periféricos. A desestatização e a desnacionalização da economia em países como a Argen-
tina geram o atual estado de mal-estar, que induz a perguntarmo-nos se o que antecede
poderia se constituir em causas de tensões que indicam a fragmentação do território. Nessa
ordem de coisas, mencionam-se os projetos, chamados de integração pelos setores governa-
mentais, para a Patagônia, em geral, e, em específico, para Neuquén e Río Negro, dois Es-
tados do norte da Patagônia argentina.

P A L A V R A S - C H A V E Argentina – províncias; crise; elite dirigente; polí-


tica; integração; desintegração; soberania.

Argentina pasa por una profunda crisis política. Al respecto, en un reciente artículo,
señala Juan Carlos Portantiero que la dimensión de la crisis parece no conmover a los
partidos políticos históricos, “las tradicionales configuraciones políticas parecen sordas y
permanecen inmóviles frente a los reclamos de la ciudadanía. Amuralladas tras una lógica
autorreferente de comportamiento, viven más preocupadas por mantener sus mecanismos
de reproducción interna que por mediar entre la ciudadanía y el Estado”.1 En otro 1 Citado por Jorge Gadano
en “La peor decadencia”,
artículo, Gabetta se pregunta – en el contexto de la crisis de América Latina – porque Río Negro, diciembre del
nuestro país después de haber pasado por diferentes formas políticas parece encontrarse 2002.

“en estado de shock, como si el estruendoso fracaso de todas esas experiencias la


mantuvieran paralizada”, y continúa, “pero la historia, como los planetas, sin embargo se
mueve y la sociedad argentina deberá tarde o temprano decidir por un modelo político de
cambio – si es que decide cambiar – o por resignarse a una larga y definitiva decadencia”.2 2 GABETTA, Carlos: “Entre
Washington y Brasilia”, Le
En el mismo sentido, los entramados partidarios de las provincias de la Monde Diplomatique, enero
norpatagonia: Neuquén y Río Negro, se asemejan a la descripción de la situación 2003,43, p.5.

nacional; sus internas parecen más que de “principios opuestos, (de) intereses opuestos.
La pelea es por el poder…”.3 Son fuerzas políticas hegemónicas que arrastran detrás una 3 GADANO, J., op.cit., 2002.

trama y cultura política, que permite caracterizarlos simultáneamente como partidos


fuertes y débiles a la vez.
Un escenario posible al que puede llevar la crisis política institucional que se vive
en el país es el de la disgregación territorial; recordemos la publicación aparecida

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 129


O M U S E U D E A RT E C O N T E M P O R Â N E A D E N I T E R Ó I

4 ROHTER, Larry: “Some in recientemente en la prensa norteamericana4 sobre el canje tierras (en la Patagonia) por
Argentina see secession as
the answer to economic pe-
deuda. En espacios de la norpatagonia, el Estado nacional fue un regulador del modelo
ril”, The New York Times, 27 socioterritorial regional. En este orden, ejerció un rol tutelar, garantizando niveles básicos
de agosto de 2002.
de bienestar general y de solidez en las relaciones de trabajo; la empresa pública, más en
Neuquén que en Río Negro, conformó un circuito productivo alrededor de los recursos,
que se constituyó en un capital físico y simbólico de gestión a nivel regional, con una red
de equipamientos sociales, culturales, recreacionales y residenciales para el personal,
implicando toda una estrategia de desarrollo urbano regional. Es decir, la empresa pública
subsidiaba el territorio donde se asentaba, más allá de cualquier visión mercantilista y con
5 ROFMAN, Alejandro: Las una contundente ocupación del espacio.5
economías regionales a fi-
nes del siglo XX, Buenos
El desmatelamiento de las redes estatales, la cruda aplicación del neoliberalismo, la
Aires: Ariel, 1999, p.99. pugna interprovincial y con el Estado nacional por la coparticipación, las nuevas tensiones
pos-devaluación hacen del escenario de la Patagonia un lugar donde se pone a prueba la
unificación nacional en el marco de los intereses en juego por los enclaves productivos.
Hace unos meses, con el argumento de instalar la marca registrada Patagonia, el
gobierno neuquino propone a sus pares un proyecto de regionalización. Esto no es nuevo,
ya en 1994, Dromi, con el apoyo del entonces presidente Menem, propone Regiones
Económicas y Sociales Argentinas como la versión pública del Nuevo Federalismo,
proyecto monitoreado por Buenos Aires. Dos años después, con apoyo de senadores
locales, el gobernador de Río Negro, Pablo Verani, lanza su propuesta de regionalización,
que tuvo la colaboración del CFI (Consejo Federal de Inversiones). Plantea, entre otras
cosas, la rotación de la capital regional, divide el territorio de la Patagonia en Norte y Sur
e intenta rescatar la región Comahue.
Recordemos que el constitucionalismo y sus teorías claramente plantean que es
necesario para un Estado Federal un pacto entre provincias, y la constitución nacional
contempla los pactos especiales – art.104 – y no se habla de soberanías provinciales sino
de autonomías provinciales, la soberanía es de la nación. Aunque nuestro federalismo
profusamente discutido sea “impuro”, mixto con muchos elementos de unidad y de
centralidad, como por ejemplo la pretensión de uniformidad cultural del país, la
existencia de poder de policía del Estado Federal, la necesidad de una planificación
general en temas de energía y de infraestructura básica, entre otros. Por otra parte, en
Europa tras una fuerte tradición unitaria, después de la Segunda Guerra Mundial,
en términos económicos se ensayan en Italia y España proyectos de descentralización de
regiones y comarcas, siendo en sus formas políticas estados unitarios. La Constitución
Argentina en su reforma de 1994 contiene dos artículos (124 y 125) donde se introducen
ciertas innovaciones en el concepto de región del que derivó el Tratado Fundacional de la
Región de la Patagonia, suscripto en 1996 en la ciudad de Santa Rosa, La Pampa. La
6 Tal como lo recuerdan pe- ratificación de este tratado en Río Negro – ley 3004 – incluye una mención a su
riodistas locales, el tema de
los territorios al sur del Co-
indisoluble pertenencia a la nación argentina. En este contexto, es prioritario discutir la
lorado, prácticamente son distribución de poderes entre la nación y las provincias no en desmedro de las existencias
mencionados, desde el siglo
XVI; asimismo, recordemos de instituciones políticas de estas últimas, sino con la inserción de entidades
los antecedentes de la Go- socioeconómicas para reforzar el poder real.
bernación militar de Como-
doro Rivadavia, la de Tierra Ya la idea de una “Patagonia integrada o la institucionalización de la región
del Fuego, las franquicias al patagónica” reconoce antecedentes históricos.6 Entre los impulsores de la idea, es
sur del paralelo 42. En:
OREJAS, Pablo Fermín: “La importante mencionar desde el roquense Enrique Gadano al propio Felipe Sapag. Así, en
región Patagonia y sus pro-
vincias”, Río Negro, mayo
los años cincuenta el CFI propone la división del país en siete regiones; una de ellas, la
de 2002, p.11. región Comahue (La Pampa, Neuquén, Río Negro, y partidos del sur de Buenos Aires).

130 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


J O A N A S A R M E T C U N H A B R U N O

Tengamos en cuenta que el CFI estudia el tema de las regiones como una cuestión que
permita un modelo alternativo al centralismo, “instando a la formación de espacios
periféricos más fuertes que equilibren una Argentina macrocefálica”.7 Unos años después, 7 PELLIN, Osvaldo: “Refle-
xiones acerca de la regiona-
en el contexto del Conade, nuevamente se divide el país en regiones, ahora en ocho (la lización”, Río Negro, mayo
Patagonia y Comahue eran dos de ellas). Con la llegada de la democracia en los años de 2002, p.11.

ochenta, otra vez surgen acuerdos regionales gestionados por las propias provincias, 8 Para mayor información
asimismo, la reforma constitucional de 1994 introduce novedades respecto de los sobre los temas tratados,
ver el trabajo de Gabriel
procesos regionales, hay reunión de gobernadores, acuerdos, resoluciones, etc.8 No Rafart y Francisco Camino
obstante, la integración no puede ser objetivos planteados en un papel, deben darse Vela: “Hacia donde va la
Norpatagonia: Neuquén y
importantes avances – entre otros – en materia de recursos naturales,9 infraestructura, Río Negro, una región o una
nueva provincia, proyecto
comunicaciones, demografía.10 de ‘partido’ o una necesidad
Sin embargo, algunos encuentros entre gobernadores patagónicos no avanzan lo real”, presentado en las Jor-
nadas Nacionales sobre “La
suficiente después del fracaso del proyecto Dromi y el modelo Verani. De todos modos, Región, un ámbito para la
La Patagonia para armar, como la denomina la prensa local, tiene una primer etapa: Río planificación y la acción”,
Universidad Nacional del Co-
Negro y Neuquén. mahue, Neuquén, noviem-
bre de 2002, policopiado.

9 Según algunos estudios,


¿MUCHO EN COMÚN? ¿O LA PRIMERA ETAPA? el Alto Valle de Río Negro y
Neuquén y el Corredor de
los Grandes Lagos presen-
tan espacios homogéneos
Una cuestión central para llevar adelante un proceso de regionalización no debe que pueden integrarse y que
confundir integración con unión, son conceptos diferentes y pueden o no implique diversidad de ofer-
ta hacia el mercado externo,
complementarse.11 Para ello, como se expresa más de una vez y para que no ocurra como turismo y forestación. En:
las privatizaciones, es necesario un profundo debate. Que el tema se instale en la sociedad, PELLÍN, Osvaldo, op. cit.,
2002.
en la política y en todos los ámbitos necesarios que permitan enriquecer su
instrumentalización. En este orden cabe recordar la transformación de Europa hasta llegar 10 La población de Río Ne-
gro es de 549.204; Neu-
a la Unión Europea y el accionar de los gobiernos a partir de la preocupación por la quén: 471.825; Chubut:
declinación del estado benefactor y las consecuentes desigualdades regionales. El contexto 408.191; Santa Cruz:
196.876; y Tierra del Fue-
de la guerra fría alimentó los esfuerzos a favor de la integración de la Europa Occidental, go: 100.313. En: Indec,
2001.
fuertemente influida por las ideas políticas, los métodos económicos y culturales de los
Estados Unidos. La CEE que se puso en marcha el 1 de enero de 1958, con sede 11 Río Negro, 12 de agosto
de 2002.
administrativa en Bruselas, fue adquiriendo progresivamente autoridad política además
de económica. Pronto consiguió un Tribunal Europeo de Justicia y un Parlamento
Europeo electo. El objetivo fundamental era crear una unión aduanera cuyos socios
pudieran competir entre sí en pie de igualdad y con libertad plena y, por parte de quienes
aspiraban a una unión política más estrecha, la cooperación económica fomentaría la
unidad política en materia de política exterior y política social entre los países
miembros.12 Asimismo, en la década del 70, los proyectos de desarrollo regional en Italia, 12 BRIGGS, A. y CLAVIN, P.
Historia contemporánea de
tendientes a organizar los recursos económicos y productivos del propio territorio, Europa 1789-1989, Barce-
potenciaron los recursos sociales y culturales, tuvieron desde sus orígenes en cuenta la lona: Crítica, 1997, p.402-4.

historia local, las condiciones naturales y materiales para lograr una articulación socio-
política simétrica.13 Los franceses también, entre otros, estudiaron el tema de la 13 IUORNO, G. y ZANINI, S.
“Reconstrucción histórica
regionalización como un problema multisectorial y la necesidad que operen múltiples de un paese. Pervivencias y
interdependencias en el espacio seleccionado. cambios de los inmigran-
tes”. En: Temas de Historia
Ubicamos a la integración no como un programa exclusivamente económico; Oral. Selección, Buenos Ai-
aunque esto es importante, sólo es viable a partir de supuestos de naturaleza supra- res: 1995. p.198-9.

económica. Así integración y desarrollo son metas complementarias de un proceso que


apunta al bienestar general, y el conocimiento y la acción se presentan como elementos

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 131


O M U S E U D E A RT E C O N T E M P O R Â N E A D E N I T E R Ó I

que posibilitarán el discurrir desde una comunidad menos humana hacia una más
14 IUORNO, Graciela y MAS, humanizada sustentada en la solidaridad con otras comunidades y regiones.14
Gloria: “La política de inte-
gración y reconversión. No-
En la década del noventa, en cambio, en nuestro país, los funcionarios del gobierno
tas sobre los efectos en el central insistieron en el reordenamiento de provincias con el propósito de que se reduzca
mercado laboral neuquino”.
En: Revista de Historia, De- el gasto y en la descentralización de los servicios, obligando a revisar los regímenes de co-
partamento de Historia, Fa- participación provincial. Lo que no estaba claro era si la liberación de espacios del
cultad de Humanidades, UN-
CO, Neuquén, mayo 1995, contralor del sistema existente daría paso al fortalecimiento de esferas y ámbitos de
5, p.321. comunicación para la formación de identidades individuales y colectivas, producto ya no
de estrategias sino de argumentaciones responsablemente fundadas.
15 VACA, Josefina y CAO, En un reciente artículo,15 sus autores recuerdan no sólo los antecedentes
Horacio: “¿Peligra la integri-
dad territorial?”. Le Monde
secesionistas de Argentina sino que también se preguntan con preocupación si no es
Diplomatique, Buenos Aires, posible la disgregación territorial en algún segmento de la Patagonia, alrededor de la renta
2002, n.33, p.8.
petrolera y por el gas. Este análisis es motivador para algunas reflexiones, desde el oficio
de historiador, que tienen que ver con lo que encubre la regionalización-integración del
norte de la Patagonia.
16 Para mayor información, Como ya se escribió en otro lugar,16 Neuquén y Río Negro, cuentan con gobiernos-
ver Orietta Favaro y Graciela
Iuorno: “Poder, representa-
partidos, con vocación hegemónica. Gobiernos-partidos porque cada vez se hace más
ción y prácticas políticas en difícil separar al gobierno del partido y, en este orden, permitir que un hombre del partido
la norpatagonia. Los casos
de Neuquén y Río Negro, vote diferente a lo que dispone el gobierno. No obstante, en Neuquén, algunas voces,
1983-1999”. En prensa. importantes y del propio partido se alzan en contra de esta propuesta unívoca del
gobernador de concretar la “integración” de las dos provincias; a su vez, en Río Negro, la
legislatura recientemente rechazó el proyecto.
Ambas provincias cuentan con gobernadores que no sólo pretenden continuar sino,
además, instalarse en el escenario nacional en el marco de una frente federal que sea
alternativa a los tradicionales partidos. Las políticas públicas ejecutadas y las iniciativas
son elementos fundantes para mostrar a la hora de acreditar el peso de las figuras y
candidatos posibles como así el margen de negociación para el posicionamiento nacional.
La ciudadanía de las dos provincias observa, cuestiona, se moviliza, resiste, intenta anudar
los fragmentados lazos sociales y responde cada vez que es interpelada por el poder
político con las “aggiornadas” prácticas clientelares y de prebenda política. Los gobiernos
siguen adelante con sus proyectos, frente a una oposición que pareciera que sólo pretende
resguardar su lugar – sea en la estructura partidaria, en la legislatura o en los concejos
municipales – y puja por un trozo de la renta estatal en el caso neuquino. En el caso
rionegrino, el veranismo, temeroso de perder la conducción provincial, se resiste a definir
el inmediato cronograma electoral, dentro de un contexto de internas abiertas y
simultáneas, que pondría en peligro el aparato político que lo sostuvo por casi veinte años
17 Actualmente, sólo 5 de
en el poder rubricado por graves casos de corrupción.
las 30 empresas que más Hoy la preocupación se centra en que no hay una clase dirigente con un proyecto
facturan en el país están
controladas localmente. En:
que unifique; la heterogeneidad es un factor demasiado presente en el espacio, el padrón
MAAS, Pablo: “Fábricas sin de acumulación dominante tiende a debilitar a los estados nacionales, los estudios señalan
obreros”, Le Monde Diplo-
matique, 2002, 39, p.6. la posibilidad de movilidad de fronteras, los intereses del centro hegemónico poco
contribuyen a la estabilidad socioeconómica de los países periféricos y, sobre todo, la
18 Tiene una población de
549.204 habitantes, según desestatización/desnacionalización de la economía en Argentina17 y el estado de malestar
el censo de 2001 y una den- presente ¿pueden ser motivos de tensiones que apunten a la fragmentación del territorio?
sidad por km2 de 2.7%.
La idea se inicia con la “integración” de Río Negro18 y Neuquén.19 Las economías
19 Tiene 471.825 habitan-
tes (Censo 2001) y una den-
de ambas provincias tienen puntos en común aunque en distinto grado: la fruticultura, la
sidad de 5.0% por km2. ganadería, el turismo y la explotación energética; definiéndose la estructura económica de

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J O A N A S A R M E T C U N H A B R U N O

Neuquén en cuanto al PBG en el sector primario y Río Negro en los servicios. Aunque
la primera se sostiene sobre bases no sustentables en el tiempo, ya que depende de la renta
hidrocarburífera, su vecina, a pesar de su déficit fiscal, sus gastos y servicios precarios,
tiene una estructura más diversificada y sustentable en el tiempo. En efecto, en la
actividad petrolera, parte de Río Negro integra la “cuenca neuquina” y en lo que hace a
la fruticultura y ganadería, operan firmas que actúan en una y otra provincia, aunque la
magnitud de la fruticultura es significativa en este último estado.
Es importante señalar que Neuquén es geográficamente más pequeña y con menor
población que Río Negro y, excepto la parte sur, tiene un desarrollo más equilibrado que
la anterior. Una es una provincia básicamente marítima (Río Negro), la otra,
mediterránea (Neuquén), con una concentración de población en un 70% en el área
denominada Confluencia (unión de los ríos Limay y Neuquén).20 20 GIULIANI, Adriana y BIL-
DER, Ernesto: “Región y Pa-
Las principales diferencias están dadas en los ingresos de una provincia y otra. tagonia Norte”. En: Jorna-
Cuando se evalúa las exportaciones de ambos estados, se observa el disímil porcentaje en das Nacionales sobre “La
Región, un ámbito para la
la composición de PBG en el sector primario, industrial y servicios. Ello apareja, planificación y la acción”,
lógicamente, consecuencias importantes para una y otra provincia; así, Neuquén tiene un Universidad Nacional del Co-
mahue, Neuquén, noviem-
60% más de ingresos que Río Negro y esto influye en el presupuesto provincial e ingreso bre de 2002, policopiado.
por habitante. De este modo, la erogación por habitante de cada instancia es muy
importante: Neuquén duplica a su vecina provincia (2.400 pesos por habitante), el
ingreso por regalías hidrocarburíferas – a pesar de la caída de la convertibilidad – no
disminuyó; antes bien, va en aumento. La renta que otorga las regalías hidrocarburíferas,
contrastan con el 53% de pobreza, que el estado provincial trata de contener con 22.000
ciudadanos que viven en la indigencia, 40.000 que “trabajan” o reciben subsidio y más de
100.000 (en la ciudad capital) en situación de pobreza, obligando al gobierno a gastar
ocho millones de pesos por mes para atender en alimentos a los carenciados. Del
presupuesto anual, más de trescientos millones de pesos se destinan a salud y educación.21 21 La Mañana del Sur, Neu-
quén, 25 de agosto de
Resulta claro, para el caso neuquino, que la mayoría de la desocupación viene de ámbito 2002, p.8.
privado – suma un 47,6%22 – y que el estado es el gran empleador.23
22 La Mañana del Sur, Neu-
En definitiva, la economía neuquina tiene bases menos sustentables a largo plazo – quén, 1 de septiembre de
respecto de la de Río Negro –, por la dependencia de la explotación hidrocarburífera que 2002, p.8.

permite (y permitió) conformar una estructura estatal amplia. El caso de Río Negro, tiene 23 Neuquén tiene una plan-
una economía ligada a la exportación frutícola y desarrolla la pesca y la ganadería, además ta ocupada de 36.543 per-
sonas; Río Negro tiene
de un turismo altamente diversificado.24 29.295 empleados públi-
cos. En: Río Negro, 30 de
Precisamente por los datos aportados, Neuquén tiene un alto nivel de junio de 2002, p.4.
conflictividad respecto no sólo de Río Negro, sino también de otras provincias. Un
24 Para mayor información,
elemento central lo constituye el funcionamiento de la educación, la salud y la ayuda ver “Río Negro y Neuquén,
social, a diferencia de otros estados donde estos servicios se encuentran prácticamente como mucho en común...”
Suplemento económico dia-
desmantelados. De modo que la situación no sólo deriva en conflictos laborales para rio Río Negro, 30 de junio
mantener “una mayor participación del Estado en el futuro de sus vidas. Ingresar como de 2002, p.2-3.

empleado estatal le garantiza a cualquier individuo y su grupo familiar, salud a través de


la obra social, vivienda, a través del IPPV, y un sueldo mínimo que hoy está muy por
encima de lo que paga el sector privado...”,25 sino también esta misma situación 25 “Neuquén ante el dilema
del continuar con el ‘viejo
continúa provocando migraciones interprovincial e intraprovincial, a pesar de la caída modelo’ económico”. En:
del poder adquisitivo y los últimos datos de desocupación. Más aún, a comienzos del Río Negro, Suplemento eco-
nómico, 13 de octubre de
presente año (2003), el gobierno neuquino – en un claro contexto electoral – reintegra 2002, p.2-3.
el veinte por ciento de la zona desfavorable que había prometido en 1999 y que se había
reducido por la anterior gestión en un marco de déficit fiscal. Las expectativas del precio

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 133


O M U S E U D E A RT E C O N T E M P O R Â N E A D E N I T E R Ó I

del barril de crudo (recodar la posible guerra contra Irak), los ingresos de regalías
hidrocarburíferos, etc. acentúan las asimetrías en la región. En un último estudio, el
diario local analiza las diferencias salariales entre las dos provincias y afirma que durante
26 “Complicar las finanzas la gestión de Sobisch se profundizaron.26
públicas”, Río Negro, 9 de
febrero de 2003, p.2-3.

¿INTEGRACIÓN HACIA FUERA Y DESCONEXIÓN


HACIA ADENTRO? COMUNICACIÓN: UN PASO
IMPORTANTE EN EL CAMINO A LA REGIONALIZACIÓN

Desde una perspectiva genética para la explicación histórica consideramos que el


paisaje cartográfico y los primeros caminos de Río Negro y Neuquén, resultante de los
planes militares de la expedición (1878), sirvieron para pergeñar la gobernación de la
Patagonia en su sector norte y, desde 1884, para identificar a los territorios recién creados.
Los primeros gobernadores de los espacios territorianos, conscientes de la incomunicación
y del aislamiento con el resto del país, mostraron cierta preocupación por la dotación de
una infraestructura mínima: caminos, puentes, líneas telegráficas y otros dispositivos
indispensables para la administración estatal. A fines del siglo XIX, la conexión Chos
Malal-Fuerte Gral. Roca (en Neuquén y Río Negro, respectivamente) era el eje obligado
de las comunicaciones y transportes desde la entonces capital, en el norte neuquino, y el
centro del Alto Valle, de donde surgió la colonia agrícola y, por otro lado, Catriel y la
Colonia 25 de Mayo, sobre la costa del río Colorado, se comunicaba con Gral. Roca por
un camino – base de una ruta frustrada en la década del 60 – hasta que el trazado de la
ruta 151 y la construcción del puente sobre el río Neuquén “alteró la antigua huella
27 OREJA, Pablo F.: La pro- desconectándola del valle rionegrino”.27 Decisiones geopolíticas como esta, tras el proceso
vincia perdida y otros re-
cuerdos. Gral. Roca: Edicio-
de provincialización y conformación de las instituciones estatales locales, se fueron
nes Pastor, 1996; Desde la apartando de cierta tendencia estratégica común y unificadora entre ambas provincias.
cúpula (memorias de un di-
putado patagónico). Gral. No sólo las condiciones naturales de la región, sino que, para la integración, es
Roca: Editorial Río Negro, sustancial las comunicaciones, dado que para la vinculación entre el Atlántico con el
1982; REY Héctor y VIDAL
Luis (Coord.), Historia de Río Pacífico por ferrocarril no puede desecharse la posibilidad de utilizar el corredor entre
Negro, Viedma, 1974. San Antonio Este con Pino Hachado, haciendo enlace entre Chelforó y Gral Vintter en
la Línea Sur (Río Negro). En el caso rionegrino, los gobernadores Álvarez Barros y
Lorenzo Vintter crearon pueblos, correspondiendo al de estos representantes del poder
central el estudio geográfico tendiente a viabilizar una red de poblaciones entre la capital
de Territorio y San Antonio Oeste, que era ya imaginado como el Puerto del norte de la
Patagonia. Además, en términos de transporte de pasajeros urbano e interurbano es
interesante una propuesta que apunta a proponer una unidad tarifaria en el ámbito de
las dos provincias y darles impulsos a las distintas áreas o subregiones que lo necesiten,
así como acrecentar otras no convenientemente utilizadas provocando efectos
importantes en lo económico y social para los habitantes, ello puede constituir un
28 FRANCO, Hugo: “Regio- dispositivo para integración.28
nalización y transporte”. Río
Negro, jueves 5 de setiem-
En la década de 1940, cuando el Alto Valle y el Valle Medio rionegrino mostraban
bre de 2002, p.10. una expansión constante del área bajo riego – veinte años más tarde también el Valle
Inferior sobre el río Negro comenzara su desenvolvimiento agrícola –, Bariloche
comenzaba a presentar caracteres de atracción turística de importancia habida cuenta de
su vinculación por el ferrocarril con el resto del país. Mientras que, con el proceso de
privatización de los ferrocarriles en la década del 1990, la línea ferroviaria desde Carmen

134 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


J O A N A S A R M E T C U N H A B R U N O

de Patagones-Viedma hasta San Carlos de Bariloche pasó a dominio de la provincia de


Río Negro, mientras esta y la de Chubut comparten la línea ferroviaria de trocha
industrial entre Ingeniero Jacobacci, El Maiten y Esquel, aunque actualmente funcione
entre las dos últimas localidades. Por otra parte, el ferrocarril Ferrosur S.A. cubre el este y
sur de la provincia de Buenos Aires y extiende una línea que, tras cruzar por Bahía Blanca
atraviesa Río Negro y se interna en Neuquén, donde los principales productos
transportados están constituidos por piedra y cemento que sirven al área naturalmente
productora de estos.
Asimismo, Neuquén pretende superar su condición mediterránea al intentar
articular la infraestructura ferrovial con las redes nacionales e internacionales. A través del
corredor bi-oceánico podría conectarse con los puertos del Atlántico con el Puerto de San
Antonio Este y con los del Pacífico (sistema Talcahuano-San Vicente),29 para su 29 FAVARO, Orietta, ARIAS
BUCCIARELLI, Mario y IUOR-
cristalización es necesario construir el tramo ferroviario que unirá con Chile. Actualmente NO, Graciela: “Estrategias
se encuentra en ejecución el tramo de 9 km del Trasandino del Sur que llegará al predio del estado neuquino en el
escenario de la globaliza-
de la Zona Franca en Zapala. ción. Propuestas para la re-
El espacio denominado en términos turísticos Corredor del Gran Valle es una conversión económica de
un espacio mediterráneo”,
alargada franja, enmarcada en su mayor parte por los ríos Negro, Neuquén y Limay y las EURE. Revista Latinoamer-
localidades sobre ellos asentadas, que se extiende desde Choele Choel, al este, hasta El ciana de Estudios Urbano
Regionales, Santiago de Chi-
Chocón, al oeste, y que tiene como eje vinculante30 de mayor significación a la ruta le, 2000, 78.
nacional 22 y a las localidades allí ubicadas. Los municipios que forman parte de este 30 ANGUITA, Julio, et al.
corredor, que concentra a casi el 50% de la población patagónica, presentan rasgos “Las redes de circulación
material y su vinculación
comunes que se pueden sintetizar en lo natural, lo humano y lo cultural, un medio de con la producción de espa-
subsistencia que los caracteriza, su ubicación y organización urbana, por su estructuración cio y de gestión ambiental.
El caso del Alto Valle de Río
alrededor de dos rutas nacionales y las vías del ferrocarril. Junto a la actividad primaria se Negro y Neuquén 1960-
desarrolló una importante actividad agroindustrial permitiendo el emplazamiento de una 1995”. Secretaría de Investi-
gación, UNCo, Neuquén,
serie de establecimientos. Este espacio alto-valletano es el que alumbra la propuesta de 1999. Policopiado.
regionalización del gobernador Sobisch, dado que en el proyecto de integración se
denomina a la nueva provincia: Confluencia.
En este orden, señalemos, por un lado, que el director del diario Río Negro, Julio
Rajneri, expone en su texto “La utopía patagónica”, sobre la problemática histórica de
postergación de las provincias de Río Negro y Neuquén y que su análisis es
ineludiblemente un aspecto a reflexionar para un proyecto futuro de integración,
refiriéndose a los impedimentos de un desarrollo regional que deriva en lo que califica
como la actual “industria del empleo público” que se constituye en la base del
clientelismo político que alimentan los aparatos partidarios de ambos estados
provinciales, por lo tanto, sin cambios profundos sólo se avizora una nueva provincia
equivalente a la suma aritmética de los dos territorios de las actuales provincias.
Por otra parte, para el secretario de Gobierno de la Provincia de Neuquén, el
proyecto de regionalización anunciado por el gobernador en la Legislatura el 1 de mayo
de 2002 se sostiene en tres pilares de la identidad nacional: reforzar la pertenencia de la
región a la nación; afianzamiento del federalismo; reforma institucional y del estado
provincial. Expresó en una entrevista radial: “Nosotros vamos a seguir discutiendo el
tema, abonando la idea y empujándolo para que se concrete, hace a la recuperación del
crecimiento en nuestro país”. Esto nos trae a la memoria los tres pilares enunciados en el
Tratado de la Unión Europea, que tienen sus propias reglas, aunque con unas mismas
instituciones, y además, como gran metáfora, los pilares deberían ser coronados por un
“frontispicio” con unas disposiciones comunes aplicables a todo espacio de integración.

R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002 135


O M U S E U D E A RT E C O N T E M P O R Â N E A D E N I T E R Ó I

En síntesis, para lograr la integración con los acuerdos correspondientes es preciso


que se retomen los espacios de discusión pública, para esto se torna imprescindible
recuperar la conciencia histórica y social y que todos los sectores sociales, intelectuales,
organizaciones intermedias manifiesten su posición – no sólo los actores económicos con
intereses específicos acompañen un proceso de acciones producidas a partir de acuerdos
31 GIULIANI, Adriana y intersubjetivos –, libres de coacciones, que permitan encontrar el o los caminos propicios
BILDER, op.cit., 2002.
para la concreción de una sociedad solidaria y equitativa con y para todos los ciudadanos.
Orietta Favaro é professora Por lo tanto, la “integración” – de darse – debe generarse intentando una
e pesquisadora da Faculdad
de Humanidades do Centro homogeneidad regional a través de la articulación de actores sociales y recursos naturales;
de Estudios de Estado,
Politica y Cultura/ Clacso, da
previa voluntad política y fórmulas que complementen ciertos efectos desestructurantes
Universidad Nacional del para el desenvolvimiento del área en el contexto de una economía globalizada. Es decir,
Comahue, Argentina. E- mail:
ofavaro@arnet.com.ar
redefiniendo las relaciones con el Estado nacional que disminuya las asimetrías.
“Regionalizar” no quiere decir que se suman jurisdicciones con la finalidad de encontrar
Graciel Iuorno é professora
e pesquisadora da Faculdad un atajo para el “ajuste”; es antes que todo optimización de los intereses públicos y
de Humanidades do Centro privados; “regionalizar” no debe conducir a la fragmentación de la Nación. Más allá de
de Estudios de Estado, Poli-
tica y Cultura/ Clacso, da sus diferencias o similitudes, ninguna estrategia de “regionalización” puede dejar de
Universidad Nacional del contemplar la historia de los respectivos procesos de crecimiento de cada una de las
Comahue, Argentina. E-mail:
graiuorno@arnet.com.ar provincias, entidades, subinstancias o espacios a los que apunta la “integración” y, en este
Artigo recebido para publica-
orden, una mayor presencia del Estado en Neuquén y una decisiva fuerza del sector
ção em março de 2003. privado en Río Negro.31

A B S T R A C T This work is focused on the reflection about Argentine’s special


situation. This is characterized by the ruling class’ attitude, which does not have a project for
becoming unified, the space heterogenety, the dominant pattern of accumulation, which tends
to weaken national states, the possibility of frontier mobility, and the interests of the hegemonic
center. As a whole, it little contributes to the social and economic stability of the peripheral
countries. In countries like ours, because of the economy lack of nationalization, and the
malaise, we wonder if what has been explained may be the reason for tension, which aim to
the division of the territory. In this order, the projects named of integration by the government
sectors for the Patagonia in general and in particular, at a first stage for Neuquén and Río
Negro, two states of the Argentine Northpatagonia, are referred to.

K E Y W O R D S Provincial States; crisis; leadership; politics; integration;


desintegration; sovereignty.

136 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


J O A N A S A R M E T C U N H A B R U N O

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R ESENHAS
GLOBALIZAÇÃO tição e no conflito, não seguem inexoráveis para o
& DESIGUALDADE caos. A explicação do autor, encontra-se no fato de que
Márcio M. Valença na base do desenvolvimento macroeconômico encon-
Rita de Cássia da C. Gomes (orgs.). tra-se um regime de acumulação em articulação com
Natal: A. S. Editores, 2002. um modo de regulação – arquitetura institucional que
implica um compromisso político entre forças sociais
Marconi Gomes da Silva (UFRN) que produz uma estabilidade relativa à qual podem so-
brevir crises. Em seguida, o autor discute o modelo
No pós-Segunda Guerra, durante cerca de trinta fordista, identificando que sua crise foi “provocada pe-
anos, o mundo capitalista vivenciou os seus famosos lo revés de um determinado arranjo” político. Dunford
“anos dourados”. Entretanto, a partir do início dos observa que no período que se seguiu ao modelo for-
anos setenta, o sistema entrou em crise. Em resposta a dista, em decorrência dos fracos vínculos entre o pro-
esta, os países de capitalismo avançado passaram a em- cesso de acumulação e o progresso social, foram apro-
preender mudanças tecnológicas, produtivas e organi- fundadas as desigualdades, o que somente poderá ser
zacionais de grande vulto, com vistas à superação da revertido por força do “restabelecimento de controle
ordem anteriormente vigente. democrático sobre a acumulação”.
A nova ordem tem-se caracterizado por promover Em “Crise ou normalidade? Globalização ou con-
financeirização, instabilidade econômica e insegurança tinuidade? Pequenas e grandes alterações político-eco-
no mundo do trabalho, aprofundando ainda mais as nômicas no desenvolvimento brasileiro”, Andreas
desigualdades inter e intrapaíses. Essas mudanças têm Novy e Ana Cristina Fernandes utilizam a Teoria da
ocorrido no contexto de afirmação do projeto neolibe- Regulação como aporte teórico para analisar duas
ral. Nesse contexto, a globalização foi difundida como grandes crises da economia brasileira: a crise que eclo-
a alternativa que promoveria a melhora qualitativa das diu em 1929 e a crise irrompida no início dos anos oi-
condições socioeconômicas mundiais. Passadas cerca tenta, que ocorreram pari passu a crises econômicas e
de duas décadas de afirmação do “novo” projeto, os políticas internacionais, ao mesmo tempo que se ma-
acontecimentos dão ampla razão aos seus críticos. nifestavam como crises de natureza nacional. A saída
O Programa de Pós-Graduação de Geografia da para a primeira teria sido o fordismo periférico. A cri-
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), se iniciada em princípio dos anos oitenta, “pretensa-
preocupado com as transformações econômicas e so- mente seria debelada” com base em uma solução sim-
cioespaciais experimentadas pelo mundo no contexto ples: descentralização renovada e abertura das
supracitado, organizou dois seminários, sob a coorde- fronteiras nacionais. Resultado: maior atrelamento ao
nação do professor doutor Márcio M. Valença, ao lon- capital internacional, principalmente, à sua “fração” fi-
go do ano de 2000, para debater a temática, partindo nanceira. Os autores apontam que a saída mais prová-
de pesquisas realizadas por docentes de vários progra- vel à crise será de caráter reformista, estando ainda a
mas de pós-graduação da UFRN e de outras universida- depender de que a crise econômica e social decorrente
des públicas brasileiras e estrangeiras. Aos trabalhos ap- do neoliberalismo “não cresça até as proporções de
resentados nesses dois seminários foram acrescentados uma tragédia”.
mais dois artigos, sendo um de autoria do professor No capítulo terceiro, “Políticas públicas e promo-
doutor José Borzacchiello da Silva (UFC) e outro da ção econômica das cidades”, Maria do Livramento M.
professora doutora Maria do Livramento M. Clemen- Clementino toma a cidade como locus no qual mais
tino (UFRN), e organizados em coletânea no livro inti- impactam os (re)ajustamentos do País que visam ade-
tulado Globalização & desigualdade. Segue uma apre- quar-se à “nova ordem” internacional. Tal opção expli-
sentação sintética do livro. ca-se, em certa medida, pelo fato de que mais de 80%
No primeiro capítulo: “A globalização e as teorias da população do Brasil vive em cidades e de ser, prin-
da globalização”, Michael Dunford apresenta os fun- cipalmente, nelas que explodem as distintas demandas
damentos da teoria da regulação, com vistas a explicar políticas, econômicas e sociais. A autora discute o pa-
por que as economias capitalistas, fundadas na compe- pel dos governos locais na promoção econômica das ci-

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dades e defende que estes devem ter atuação de caráter com vistas à superação da dicotomia cidade-campo,
inovador e estratégico. Após apresentar a experiência considera também a possibilidade da ruralização do es-
do poder municipal brasileiro na promoção do desen- paço urbano. A segunda parte enfoca a “(re)valorização
volvimento econômico, defende a “centralidade do do espaço rural no contexto de um novo padrão de desen-
econômico para o equacionamento das questões social volvimento”. A perspectiva apresentada é a da adoção
e urbana” e o papel dos governos locais para o avanço de um padrão de desenvolvimento ancorado no tripé
da democracia. crescimento econômico, social e ambiental; portanto,
“Cidadania, lugar e globalização” é o título do dentro da perspectiva do desenvolvimento sustentável.
quarto capítulo. Seu autor, José Borzacchiello da Silva, Arnon Alberto M. de Andrade, em texto intitula-
ressalta a inexistência de prodigalidade da Geografia do “Globalização x educação. Uma aproximação ao ca-
quanto à discussão do espaço, tendo como foco o ter- so brasileiro”, capítulo sétimo, apresenta inicialmente a
ritório e o lugar como elos de uma cadeia que articula globalização com todos adornos com os quais os de-
o local e o global. A cidade – o lugar – é tida como o fensores desse fenômeno costumam apresentá-lo: a for-
espaço que expressa, no interior do País, o caráter frag- mação de uma aldeia na qual valores, mercados, in-
mentário do processo de globalização. É nela que se formações, ciência, tecnologia, língua, cultura etc.
encontram visíveis todas as diferenças e todos os con- homogeneízam-se. Em seguida, desnuda-o, apresen-
trastes, entre os quais se destacam: diferenças de renda tando-o como o que é: império da mercantilização, da
e diversidade de paisagens fazendo que a questão am- marginalização, do desemprego, da exclusão. Ao movi-
biental “expresse níveis diferenciados de acesso à ci- mento avassalador da globalização contrapõe a “cultu-
dade, à cidadania e ao mercado”. Apesar de toda essa ra”, notadamente a cultura do mundo “sem cultura”,
problemática, identifica que “o conturbado mundo identificando que a Escola, principalmente a Pública,
moderno tem na cidade sua melhor mediação”. e as mulheres das classes baixas da sociedade têm um
Beatriz Maria S. Pontes no capítulo quinto “Glo- importante papel civilizatório. Mostrando-se um entu-
balização, meio ambiente e pobreza”, defende que a so- siasta das pequenas ações, encarna a expressão poética:
ciedade global é uma categoria em formação e enu- “devagar também é pressa”.
mera uma série de características da globalização: Em “Na mira do mercado: políticas educacionais
transnacionalização das instituições, autonomia da em tempos de globalização”, capítulo oitavo, José Wil-
economia ante a política, internacionalismo do capital, lington Germano foca a análise no processo de refor-
enfraquecimento dos Estados-nação e fortalecimento ma do Estado que tem se desenvolvido, com o pressu-
das corporações transnacionais e de alguns organismos posto da “mercadização dos serviços públicos”. Mostra
internacionais. Enfatiza, ao mesmo tempo, uma das fa- que na América Latina o resultado desse processo tem
ces do novo mundo: a questão ambiental. Para Pontes, sido o aumento da pobreza e da exclusão social e a for-
o binômio pobreza-degradação ambiental existe em ma de solução, a proliferação de programas compensa-
decorrência dos subseqüentes estilos de desenvolvi- tórios. Não se opõe às políticas compensatórias, desde
mento. Logo, somente a modificação do modelo de que relacionadas a políticas de reinserção. Combate a
desenvolvimento poderá romper o elo que mantém es- educação de orientação liberal, focada na empregabili-
ta “deplorável” imbricação. dade que, em essência, atribui a responsabilidade pelo
O capítulo sexto “Meio rural: o espaço da exclu- desemprego aos próprios desempregados. Combate
são?”, de autoria de Aldenôr Gomes da Silva, encontra- ainda a educação voltada exclusivamente para o merca-
se dividido em duas partes. Na primeira, é discutido o do, pois configura “um adestramento”. Para o ensino
espaço rural como objeto do discurso da modernidade: superior, defende que “a constituição de uma nova
o rural seria o espaço do vazio, da pobreza, do atraso, aliança e o aprofundamento das relações (da Universi-
da exclusão e à mercê das políticas de cunho compen- dade) com a sociedade formam o cerne de uma pro-
satório. O autor alinha-se a outros estudiosos da temá- posta de mudança”.
tica e defende que não há necessidade de urbanização, O capítulo nono, “Poder municipal e governabi-
mas tão-somente a extensão ao campo de alguns bene- lidade”, de autoria de Ilza Araújo L. de Andrade, enfo-
fícios característicos do meio urbano. De outra parte, ca as ações governamentais num quadro marcado por

142 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


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forças opostas: de um lado, forças externas que pressio- Flávio Antônio Miranda de Souza subscreve o ar-
nam pela diminuição da intervenção do Estado, de ou- tigo que constitui o capítulo doze: “Inclusão disputa-
tro, forças internas que pressionam para que as ações da: acesso à moradia em assentamentos informais em
governamentais tornem-se mais eficientes e eficazes. Recife”, onde discute o processo de exclusão no acesso
Após breve referência ao processo de descentralização ao solo urbano para construção de moradias. Para ele,
ocorrido no Brasil a partir da Constituição de 1988, a a questão fundamental é o direito à construção de mo-
autora discute a “questão da governabilidade nos go- radias, como forma de fazer valer a função social da
vernos locais”. Ela defende que um requisito funda- propriedade. Além da legalização da terra, sugere que
mental à governabilidade é a ampliação da cultura par- o poder público deve atuar com vistas a garantir a per-
ticipativa e o desenvolvimento de ações transparentes manência dos cidadãos no espaço ocupado. Assim, o
no exercício da gestão pública. foco da ação deve ser a construção de moradias em as-
O capítulo décimo foi escrito por José Lacerda A. sociação a programas de ocupação e renda para os mo-
Felipe. Após apresentar os elementos caracterizadores radores dos espaços urbanos em pauta.
do processo de globalização, o autor analisa “O local e No capítulo treze: “O trabalho e a corrosão da
o global no Rio Grande do Norte”. Destaca que nessa consciência coletiva: um estudo de caso em bairro de
unidade federativa não ocorreu a “efetivação de um es- Natal”, Orlando de Miranda apresenta resultados de
paço global, mas o surgimento de espaços de globaliza- pesquisa realizada no bairro de Mãe Luísa, na qual pro-
ção”. Descreve as chamadas atividades tradicionais: cura detectar em meio urbano, sob influência capitalis-
cultivo da cana-de-açúcar, extração e refino do sal ma- ta e estatal, “a dinâmica das relações entre comunidade
rinho e extração da xelita para, em seguida, destacar os e sociedade”. Segundo o autor, no citado bairro o am-
espaços que se encontram conectados à economia glo- biente comunitário encontra-se consolidado nas “es-
bal: a região de Natal – turismo, comércio, alguns ser- truturas de ‘sangue’ e de ‘lugar’”. A pesquisa aborda vá-
viços e atividades industriais; e a região do Vale do As- rias áreas da sociabilidade, no entanto, tratamento
su e parte da região de Mossoró – fruticultura. O autor mais sistemático é dado à área relativa ao trabalho e à
ressalta a quase ausência de processos produtivos no se- geração de renda. Mostra também que a luta pela ob-
mi-árido e parte do agreste, onde a base da sobrevivên- tenção de renda envolve várias modalidades de “vira-
cia são a pecuária e a agricultura de sequeiro, enquanto ção”: mendicância, assaltos, roubos e prostituição. Es-
os investimentos estatais concentram-se quase exclusi- sas atividades têm sido “toleradas”, em razão da
vamente na região de Natal. existência de uma “moralidade instrumental” envol-
“Ilegalidade urbana, segurança da posse e integra- vendo a luta pela sobrevivência. Argumenta que essa
ção socioespacial na era da globalização econômica e situação não expressa necessariamente corrupção e de-
da liberalização da política” foi redigido por Edésio sagregação de valores, pois a comunidade tem cons-
Fernandes (capítulo onze). O autor enfoca a importân- ciência de que tais práticas e valores não são consentâ-
cia da legislação e das instituições jurídicas para o de- neos com os da consciência coletiva, o que gera
senvolvimento urbano de países com características si- constrangimentos; mas não se lança na decadência e
milares ao Brasil. Defende que diante da rigidez da no pessimismo.
legislação e da ilegalidade que imperam no meio urba- O capítulo quatorze: “O setor terciário em Natal”
no deve ser realizada uma reforma urbana articulada a é de autoria de Rita de Cássia da C. Gomes, Anieres
uma reforma jurídica. Ao mesmo tempo, expressa que Barbosa da Silva e Valdenildo Pedro da Silva. Os auto-
a mera regularização fundiária não resolve o problema, res estudam o setor terciário na capital potiguar, tendo
a menos que se articule a outras políticas, tais como de em vista a reconfiguração territorial efetivada no meio
renovação urbana e construção habitacional. Enfim, urbano da cidade a partir dos anos setenta. Mostram
ressalta a imperativa necessidade de um planejamento que a partir deste período o setor terciário da capital
urbano participativo que vise à inclusão social ampla, sofreu acentuada transmutação e passou a redesenhar o
envolvendo os setores públicos, privado, e da sociedade espaço de sua atuação – antigas áreas comerciais “cede-
civil (comunidades e voluntariado), com o governo no ram” espaço a novas áreas de comércio e prestação de
papel de liderança. serviços. Esse movimento prosseguiu nas décadas se-

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guintes, definindo nova espacialização, com base na ló- PLANNING LATIN AMERICA’S
gica de ocupação das grandes avenidas – “vias expres- CAPITAL CITIES – 1850-1950
sas de circulação”. Nesse processo, identificam que é Arturo Almandoz (Org.)
nessas vias, sobretudo nas que se localizam na parte sul Prefácio de Anthony Sutcliffe
da cidade, que se concentram as atividades mais mo- Londres: Routledge, 2002.
dernas do terciário, enquanto as localizações terciárias
tradicionais têm assumido novas funcionalidades. Eloísa Petti Pinheiro (UFBA)
No texto final: “Globalização. Idéias soltas no ar”,
Márcio M. Valença faz uma exposição sintética de vá- A idéia de um livro sobre as capitais da América
rias temáticas vinculadas ao processo de globalização Latina, publicado na Planning, History and the Envi-
por ele denominadas de “idéias soltas no ar”. Limito- ronment Series, foi proposta por Arturo Almandoz
me a enumerá-las: o conceito de “globalização”; GLO- em 1999 e logo se materializou. Essa publicação, que
BALIZAÇÃO ou globalização?; os excluídos da globa- consta de um ensaio do organizador sobre a urbaniza-
lização; o comando da globalização; Saber ver a ção e o urbanismo na América Latina e de oito artigos
globalização; globalização e Estados nacionais; globali- com estudos de caso envolvendo nove cidades,1 não
zação e identidade; mundialização x globalização; cul- pretende esgotar os estudos sobre as transformações e
tura da globalização; a pós-modernidade; ideologia da a europeização do espaço de todas as cidades da Amé-
globalização; instabilidade no sistema; decisão racio- rica Latina, mas, baseada nos casos estudados, enten-
nal, caos e crise; os veículos da globalização de infor- der como a América Latina processou, em maior ou
mações; a globalização financeira; o mercado globaliza- menor grau, suas reformas urbanas tendo a Europa
do; a produção globalizada; produção de energia e como referência.
meio-ambiente; globalização de ontem e de hoje. O período trabalhado – 1850-1950 – se justifica
Finalizada a apresentação dos trabalhos, defendo pela identificação da modernização urbanística im-
que o livro Globalização & desigualdade constitui um portada pela América Latina da Europa, ao mesmo
bem-sucedido momento de articulação de esforços in- tempo que as economias e as sociedades latino-ameri-
telectuais para a análise acurada de questões contem- canas foram profundamente transformadas por suas
porâneas, sem ficar na mera constatação dos resultados ligações com países europeus, um processo que se es-
das pesquisas. Rompe com essa tradição, ao assumir tende de meados do século XIX a meados do século XX,
uma postura propositiva, indicando a celebração de quando então a influência dos Estados Unidos torna-
uma nova arquitetura institucional e a implementação se mais forte.
de políticas públicas com caráter participativo como Mais especificamente, os textos demonstram
caminhos para a superação da imbricação até então que quase todas as capitais da América Latina foram,
existente entre Globalização & desigualdade. de formas diferenciadas, influenciadas pela arquitetu-
ra e o urbanismo Beaux-Arts. Essa influência aconte-
ce pelo grande número de profissionais latino-ameri-
canos que estudam na Europa, a maioria na França,
e, também, pelo trabalho de muitos profissionais
franceses que elaboram planos e projetos para cidades
latino-americanas. O resultado é uma série de proje-

1 Buenos Aires, a great European city, de Ramón Gutiérrez; The time


of the capitals. Rio de Janeiro and São Paulo: words, actors and plans,
de Margareth da Silva Pereira; Cities within the city: urban and archi-
tectural transfers in Santiago de Chile, 1840-1940, de Fernado Pérez
Oyarzun e José Rosas Vera; The urban development of Mexico City,
1850-1930, de Carol McMichael Reese; The script of urban surgery: Li-
ma, 1850-1940, de Gabriel Ramón; Havana, from Tacón to Forestier,
de Roberto Segre; Caracas: territory, architecture and urban space, de
Lorenzo González Casas; e Urbanism, architecture, and cultural trans-
formations in San Jose, Costa Rica, 1850-1930, de Florencia Quesada.

144 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002


R E S E N H A

tos e intervenções que buscam, na escala e grandeza para reinvenção cultural – o que o autor chama de
de Paris, inspiração para criar sua própria imagem. “inovação sintética” (synthetic innovation) nos países
Para que o leitor possa compreender os diferen- receptores.
tes processos de desenvolvimento e urbanização das As idéias importadas da Europa são apenas parte
cidades abordadas, Almandoz apresenta, na “Introdu- de uma cultura urbana mais ampla. Na base da aproxi-
ção”, uma análise das diferentes perspectivas com que mação cultural, chegando até a transferência de propos-
os diversos autores, que se debruçaram sobre os pro- tas urbanas, identifica-se a existência de um híbrido de
cessos urbanos na América Latina, tratam o período manifestações, na arquitetura e no urbanismo, de pecu-
proposto. Com uma visão diferente da teoria da de- liaridades em busca de uma identidade, via progresso e
pendência – que reduz as mudanças sociais a uma modernização, a partir de meados do século XIX.
imposição do modelo cultural de fora –, a adoção do Pode-se perceber mais essas manifestações em ci-
modelo urbanístico europeu é vista como um com- dades de países com economias em desenvolvimento,
ponente da relação cultural mantida pela sociedade como Argentina, Brasil e Chile. Nos países onde esse
latino-americana com os mais avançados países capi- desenvolvimento ocorre mais lentamente, como Peru,
talistas do Atlântico Norte. Venezuela e Costa Rica, e onde o capital internacional
Em todo o livro destacam-se as questões que ana- do bloco do Atlântico Norte não tem tanto interesse,
lisam desde o forte domínio da Inglaterra na economia percebemos menos as manifestações próprias. Nesses
e da França na política e na cultura até a necessidade países são as cidades latino-americanas que servem co-
de modernização como forma de atrair capitais inter- mo referência – como ocorreu no Brasil, em que algu-
nacionais e a importação de propostas urbanísticas da mas cidades tem como modelo a reforma de Pereira
Europa, sem com isso generalizar processos distintos Passos, ocorrida no Rio de Janeiro de 1902 a 1906. Por
na incorporação dessas influências nas capitais das re- exemplo, Buenos Aires influencia as intervenções em
públicas emergentes. No que se refere às questões ur- Santiago e esta última serve de modelo para as refor-
banas, o período abordado vai desde a influência das mas de Lima.
intervenções de Haussmann em Paris e da Beaux-Arts, O progresso e a civilização buscados pelos gover-
que inspiraram propostas para a criação da “cidade nantes liberais do século XIX abriram caminho para a
burguesa”, até o surgimento das metrópoles, quando se incorporação dos preceitos da Belle Époque nas capitais
encerra o ciclo europeu e cresce o domínio dos Estados latino-americanas. Como se pode perceber, nos estu-
Unidos na região. dos de caso apresentados por Almandoz, muitas vezes
Com exceção de Havana, cujo domínio espanhol as comemorações do centenário da Independência
se estende até final do século XIX e permite a adoção do possibilitam o debate urbanístico e arquitetônico que
modelo de ensanche de Cerdà, na maioria das capitais evidencia o conflito entre o ideal estético do século XIX
latino-americanas são os trabalhos de Haussmann na e a demanda social e política do século XX, como, por
Paris do Segundo Império a base de referência implíci- exemplo, os projetos elaborados por visitantes estran-
ta ou explícita para os governos nacionais e locais. geiros, inspirados pelos princípios acadêmicos da cons-
Na formação da “cidade burguesa”, a fascinação trução estética, como os projetos de Bouvard para São
das jovens repúblicas latino-americanas pela França e Paulo e Buenos Aires; as propostas de Forestier para
Grã-Bretanha pode-se atribuir à forte presença econô- Buenos Aires e Havana; e, mais tarde, o plano de Aga-
mica e política européia nos seus mercados, porém, che para o Rio de Janeiro. A partir de 1930, as propos-
longe de ser uma imposição cultural, revela a neces- tas passam a incorporar novas metodologias e concei-
sidade de as elites latino-americanas estreitarem laços tos técnicos.
com metrópoles mais desenvolvidas. Todas essas questões discutidas ao longo do texto
Outra questão importante é a de que apesar da são relevantes, mas a problemática principal do livro
importação urbanística ser o resultado da dependên- centra-se na transferência das idéias urbanísticas – e
cia cultural das elites, nos casos apresentados, é a in- também da arte, literatura e moda – da Europa para a
corporação de elementos locais que leva Almandoz a América Latina, tendo como tema paralelo o articula-
sugerir a mudança da noção de colonialismo cultural do debate urbano nas capitais e a fundamentação do

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moderno urbanismo como disciplina nas repúblicas, da europeização. Também é de grande importância sua
processo que, aparentemente, ocorre em contato com publicação em inglês por uma grande editora inglesa
o background europeu. possibilitando sua inserção na historiografia interna-
A divisão em três partes dos estudos de caso, se- cional, que pouco espaço tem dado às questões urba-
gundo o organizador, expressa a diferença de desenvol- nas da América Latina.
vimento entre os países latino-americanos e facilita o
entendimento dos distintos processos, deixando clara a
existência de um fio condutor, um ponto em comum
– a referência a modelos urbanos europeus.
Na primeira parte, “Capitals of the booming econo-
mies”, estão incluídas as cidades de Buenos Aires, San-
tiago do Chile, Rio de Janeiro e São Paulo, como
emergentes metrópoles de economias em desenvolvi-
mento que se relacionam com o bloco do Atlântico
Norte a partir da segunda metade do século XIX.
Em “Early viceregal capitals”, segunda parte, a Ci-
dade do México e Lima são classificadas como antigas
capitais dos vice-reinos espanhóis que perdem impor-
tância regional após a independência.
Já na terceira parte, “The Caribbean rim and Cen-
tral America”, as três capitais estudadas – Havana, Ca-
racas e San José da Costa Rica – possuem diferentes
condições políticas e econômicas combinadas com
áreas urbanas diferenciadas, em escala e problemáticas,
e produzem intrigante e inexplorada expressão de eu-
ropeização na era republicana.
Apesar das consideráveis diferenças entre as capi-
tais latino-americanas, é possível encontrar um eixo
comum na transferência das idéias urbanísticas euro-
péias que ajudaram a recriar o caráter dessas capitais
sob a égide da modernidade européia. O que Alman-
doz pretende, com essa publicação, é preencher um va-
zio existente na historiografia urbana ao prover as
coordenadas para se entender as tendências de difusão
de um urbanismo importado pelas capitais latino-ame-
ricanas, desde o período pós-colonial, quando a euro-
peização é mais evidente, até a consolidação da predo-
minância da técnica e da cultura dos Estados Unidos.
Por fim, essa coletânea que Almandoz nos apre-
senta reúne textos de qualidade e de grande importân-
cia para a historiografia da cidade e do urbanismo lati-
no-americanos. A perspectiva comparada nos mostra
como as cidades capitais de países latino-americanos
social, política, cultural e economicamente distintos
realizam processos de transformação urbana compará-
veis, em que se identificam muitos pontos de conver-
gência através da adaptação de modelos importados e

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EXPERIÊNCIAS DE ORÇAMENTO nominadas de Orçamento Participativo. De um soma-


PARTICIPATIVO NO BRASIL – tório de mais de 140 municípios mapeados, em pro-
PERÍODO DE 1997 A 2000 cessos que guardavam relação de proximidade ao Or-
Ana Clara Torres Ribeiro çamento Participativo, a totalização dos dados recaiu
Grazia de Grazia sobre 103 questionários respondidos, informações es-
Petrópolis: Fórum Nacional de Participação Popular/ sas obtidas da administração municipal.
Editora Vozes, 2003. Firmando o desafio de desvendar as práticas sobre
as quais se erguem o Orçamento Participativo, Ana
Rosa Maria Cortês de Lima (UFPE) Clara Ribeiro e Grazia de Grazia reúnem uma riqueza
de informações acumuladas das experiências e vivên-
Fruto de uma pesquisa de âmbito nacional, o cias levantadas, classificando-as, sistematizando-as,
instigante trabalho realizado no universo dos municí- quantitativa e qualitativamente, para ensejar uma aná-
pios brasileiros com experiência em Orçamento Parti- lise que permite indicar, com clareza, a ampliação das
cipativo é entregue ao público: Experiências de Orça- experiências, iniciadas e restritas às gestões do PT, para
mento Participativo no Brasil: 1997-2000. O livro uma adoção pelos mais diversos partidos políticos ou
responde a uma demanda enraizada no Fórum Nacio- ainda resultante de alianças partidárias. Pensar em uma
nal de Participação Popular (FNPP), e oriunda de um experiência que se amplia na territorialidade do país,
conjunto de discussões empreendidas entre diversas abarcando uma diversidade de cidades com densidade
entidades vinculadas às causas populares. Nasce como demográfica desigual e importância político-econômi-
um trabalho pioneiro que torna possível a discussão ca distintas; assumindo formatos institucionais múlti-
da totalidade das experiências em curso, no período plos; e alternativas diferentes de organização, o estudo
definido, preenchendo lacunas existentes no trata- exigiu uma maior complexidade analítica, resultando
mento de práticas localizadas. em uma leitura cuidadosa, tão própria das autoras.
Situado no interior das mudanças das relações en- Há, na prática do Orçamento Participativo, ele-
tre Estado e sociedade no Brasil, o Orçamento Partici- mentos de uma nova cultura política em curso, assen-
pativo aponta para “experiências portadoras da espe- tada na perspectiva da transformação das relações go-
rança de uma democracia concreta, de uma cidadania verno versus sociedade para, assim, paulatinamente,
vivida e do desvendamento de caminhos para a redu- criar e conformar avanços no âmbito das instituições e,
ção das desigualdades sociais” (p.17). Seus pilares tive- por esse caminho, formatar espaços para a co-gestão
ram sustentação nas reivindicações de movimentos po- dos recursos públicos. Mas, como indica o estudo, “o
pulares no confronto com os limites da democracia Orçamento Participativo, além de ser uma experiência
representativa no País. inovadora e em rápida difusão é, também, uma expe-
Norteou a pesquisa a convicção de que o Orça- riência difícil e instável” (p.36). Instabilidade, em cer-
mento Participativo configura-se pelo fato de a gestão tos casos, decorrente das experiências terem início,
pública ter seus tentáculos fincados na participação di- sem, no entanto, perdurarem no decorrer da gestão na
reta da população e/ou por intermédio da representa- qual se originou. Além disso, com muita transparência
ção organizada (entidades) em distintos momentos da a pesquisa demonstra que o Orçamento Participativo
elaboração e execução do orçamento. “É, portanto, o não se apóia em uma dinâmica única.
teor e a dimensão da participação que indicam se o or- Relevante situar, nas páginas da pesquisa, a im-
çamento está sendo efetivamente co-gerido” (p.19). portância assumida pela mobilização social resultante
Desafios metodológicos, em face do desenho da pes- do encadeamento do processo participativo associado
quisa, foram enfrentados e transpostos. Desafios esses às experiências de Orçamento Participativo. Todavia
marcados pela extensão do estudo, por tratar-se de essa mobilização é, fortemente, capitaneada pela pre-
“um experimento de pesquisa participativa” (p.20) em feitura, “mas a sua ocorrência efetiva depende sobretu-
consonância com a natureza do Fórum Nacional de do das formas de organização social e política existen-
Participação Popular, e de absorver registros de uma tes no município” (p.57). Isso implica, portanto,
diversidade de experiências com diferentes formatos e seguir os passos das associações representadas, apreen-

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der as formas de sua participação e da participação tra- apontando, assim, na direção de inúmeras possibilida-
duzida na presença às reuniões e os vínculos com suas des de fontes de conhecimentos a serem desvendadas,
bases organizativas. Indagações a serem aprofundadas, ampliando o leque de alternativas capazes de ensejar
além do âmbito dessa pesquisa. futuros estudos devido à premência em responder, fre-
O estudo mostra com bastante intensidade que o qüentemente, a novos desafios da realidade em curso.
Orçamento Participativo encontra-se institucional- Outrossim, o conjunto de informações, articuladas na
mente atrelado ao Gabinete do prefeito – segundo o publicação da pesquisa, constitui fonte segura para re-
estudo, aproximadamente a metade do conjunto dos fletir os meandros da prática do Orçamento Participa-
municípios estudados apresenta essa configuração ins- tivo, da qualidade da participação referente ao uso de
titucional. Nesse momento, parece ficar patente a re- recursos coletivos aos elementos que daí se depreen-
lação de dependência da autoridade, indicando, por dem para rever a ação político-administrativa e o alar-
um lado, um estado de incerteza, de fragilidade, dian- gamento da vivência democrática da sociedade.
te da conquista na iniciação de práticas participativas,
e, por outro, sinalizando as disputas geradas em de-
corrência do processo participativo e as relações de
poder gestadas nas entranhas da esfera governamental.
Realidade sugestiva de longa caminhada para a remo-
ção desses obstáculos.
As novas expressões de práticas democráticas sus-
citam a formulação de uma ampla gama de questões,
dentre as quais a relação democracia participativa e or-
çamento participativo. Ao leitor atento, inúmeras des-
cobertas advirão do mergulho aprofundado no manu-
sear cuidadoso dos dados disponíveis sobre as recente
experiência de Orçamento Participativo.
As autoras – Ana Clara Torres Ribeiro, a quem o
título de professora ressoa com bastante propriedade,
pesquisadora e intelectual de envergadura; e Grazia de
Grazia, mestra em Planejamento Urbano e Regional,
pesquisadora e profissional de competência reconheci-
da –, imprimiram à análise das informações um tom
que reafirma seus compromissos éticos e profissionais
com as lutas sociais e o empenho em subsidiar e forta-
lecer canais de participação popular, abertos e em fran-
ca caminhada no pós-Carta Magna de 1988.
Para realizar uma empreitada tão ampla, as auto-
ras somaram esforços de um conjunto significativo de
organizações não-governamentais e de outras entida-
des comprometidas, por suas práticas, em dar suporte
às mudanças em curso na sociedade e de acompanhar
os diversos processos sociais a partir dos quais essas
mudanças se delineiam. Essas organizações comparti-
lharam a responsabilidade pelo levantamento de infor-
mações, junto aos municípios, e contribuíram em de-
bates a respeito das novas situações desveladas.
Mas além do expresso, outra relevante contribui-
ção faz-se presente pelos veios abertos com a pesquisa,

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GODARD, O. “Environnement, modes de coordination et systèmes de légitimité: analyse de la catégorie de patri-
moine naturel”. Revue Economique, Paris, n.2, p.215-42, mars 1990.
BENEVOLO, L. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1981.
Se houver até três autores, todos devem ser citados; se mais de três, devem ser citados os coordenadores, orga-
nizadores ou editores da obra, por exemplo: SOUZA, J. C. (Ed.). A experiência. São Paulo: Vozes, 1979; ou ainda,
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