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REVISTA BRASILEIRA DE
ESTUDOS
publicação da associação nacional de pós-graduação
URBANOS
e pesquisa em planejamento urbano e regional
E REGIONAIS
REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS
Publicação semestral da ANPUR
Número 6-7, maio-novembro de 2002
ISSN 1517-4115
EDITOR RESPONSÁVEL
Marco Aurélio A. de Filgueiras Gomes (UFBA)
COMISSÃO EDITORIAL
Ana Clara Torres Ribeiro (UFRJ), Maria Flora Gonçalves (Unicamp),
Norma Lacerda (UFPE), Roberto Monte-Mór (UFMG)
CONSELHO EDITORIAL
Ana Fernandes (UFBA), Carlos Bernardo Vainer (UFRJ), Carlos Roberto M. de Andrade (USP/São Carlos),
Circe Maria da Gama Monteiro (UFPE), Clélio Campolina Diniz (UFMG), Flávio Magalhães Villaça (USP),
Frank Svensson (UnB), Frederico de Holanda (UnB), Jan Bitoun (UFPE), Lícia Valladares (IUPERJ),
Marcus André B. C. de Melo (UFPE), Marta Ferreira Santos Farah (FGV/SP), Martim Smolka (UFRJ),
Maurício Abreu (UFRJ), Tania Bacelar (UFPE), Tânia Fischer (UFBA), Wilson Cano (Unicamp), Wrana Panizzi (UFRGS)
ASSISTENTES DE EDIÇÃO
Nelma Gusmão, Rosângela de Campos Faperdue
COLABORADORES DESTE NÚMERO
Paola Berenstein Jacques (UFBA), Yara Vicentini (UFPR)
PROJETO GRÁFICO
João Baptista da Costa Aguiar
CAPA
Ana Basaglia
COORDENAÇÃO E EDITORAÇÃO
Ana Basaglia
REVISÃO
Fernanda Spinelli
FOTOLITOS
Join Bureau de Editoração
IMPRESSÃO
GraphBox Caran
Semestral.
ISSN 1517-4115
O nº 1 foi publicado em maio de 1999.
ESTUDOS
publicação da associação nacional de pós-graduação
URBANOS
e pesquisa em planejamento urbano e regional
E REGIONAIS
S U M Á R I O
45 R ETRATANDO OS AVALIADOS NAS Á REAS B ÁSI - 141 Globalização & desigualdade, de Márcio M. Va-
CAS DA C APES EM 2001 – A P ESQUISA NOS P RO - lença e Rita de Cássia da C. Gomes (Orgs.) – por Mar-
GRAMAS B RASILEIROS DE P ÓS -G RADUAÇÃO S E -
coni Gomes da Silva
144 Planning Latin America’s Capital Cities – 1850-
GUNDO UMA “Á REA A NPUR ” – Philip Gunn
1950, de Arturo Almandoz (Org.), prefácio de An-
thony Sutcliffe – por Eloísa Petti Pinheiro
63 O ENSINO DO P LANEJAMENTO U RBANO E R E - 147 Experiências de Orçamento Participativo no Brasil
GIONAL – P ROPOSTAS À A NPUR – Ana Clara Tor- – período de 1997 a 2000, de Ana Clara Torres Ribeiro
res Ribeiro e Grazia de Grazia – por Rosa Maria Cortês de Lima
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL – ANPUR
PRESIDENTE
Maria Cristina da Silva Leme (FAU/USP)
SECRETÁRIA EXECUTIVA
Suzana Pasternak (FAU/USP)
DIRETORES
Heloísa Soares de Moura Costa (UFMG)
Leila Christina Dias (UFSC)
Rainer Randolph (UFRJ)
Sarah Feldman (USP/São Carlos)
CONSELHO FISCAL
Eva Machado Barbosa Samios (UFRGS)
Paulo Castilho Lima (UnB)
Virgínia Pitta Pontual (UFPE)
Apoios
EDITORIAL
A Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais chega ao seu quarto ano
de circulação trazendo algumas novidades; entre elas a mais importante é a pu-
blicação de um dossiê temático sobre a situação atual do ensino e da pesquisa
na área dos estudos urbanos e regionais no Brasil, no qual estão reunidas algu-
mas das principais contribuições apresentadas no Workshop Avaliação do Ensi-
no e da Pesquisa em Estudos Urbanos e Regionais, organizado pela Anpur em
São Paulo, em agosto de 2002.
Os textos que dele fazem parte fornecem-nos um excelente panorama da
situação atual da área, seus avanços, impasses, desafios e perspectivas, com con-
sistentes contribuições para (re)pensarmos as políticas institucionais – para a
área, para a associação e para os programas que a compõem. O texto de Maria
Cristina da Silva Leme & Suzana Pasternak constitui uma apresentação cir-
cunstanciada das questões que fundamentaram a organização do workshop e
que se encontram no cerne dos desafios que a área deve enfrentar. Ele desem-
penha não só o papel de fio articulador entre os textos que se seguem, mas
também cumpre o importante papel de sistematizar uma agenda de questões
incontornáveis para a área. Trilhando esse caminho, Wrana M. Panizzi discute
a questão do ensino público e privado, apresentando um panorama da evolu-
ção do debate internacional recente sobre a questão da Universidade como ins-
tituição e da educação como bem público; Linda M. P. Gondim examina as-
pectos dos processos decisórios do CNPq – sobretudo na concessão das bolsas
de Produtividade em Pesquisa – e traça um panorama da produção científica
nas áreas reunidas no Comitê de Ciências Sociais Aplicadas e Educação daque-
la agência; Maurício de Almeida Abreu apresenta a estrutura do processo de
avaliação dos programas de pós-graduação pela Capes, indicando seus aspectos
positivos e suas incongruências; Philip Gunn analisa a base institucional para
pesquisa nos programas de pós-graduação da área, mostrando principalmente
seus vínculos históricos com a arquitetura. Fechando o dossiê, Ana Clara Tor-
res Ribeiro discute os desafios do ensino, formulando propostas à Anpur com
o objetivo de favorecer o debate, dentro da área, sobre a transmissão do conhe-
cimento e a formação de novos pesquisadores.
Além do dossiê, compõem este número quatro outras contribuições. A
de Luís Octávio da Silva discute a emergência da história urbana como uma
área de conhecimento específica, entre os anos 1960 e 1990, tendo como re-
ferência as literaturas britânica e americana devido ao papel de vanguarda que
elas desempenharam no desenvolvimento das análises históricas sobre a cida-
de e ao potencial de difusão internacional dado pela própria língua inglesa.
Esse texto ganha particular relevo quando se constata que, apesar do grande
desenvolvimento dos estudos na área de história da cidade e do urbanismo no
Brasil, a partir dos anos 90, a literatura brasileira ainda é bastante reduzida no
que diz respeito a revisões de literatura como a que nos propõe Luís Octávio
e, mais ainda, no que diz respeito ao confronto entre a produção brasileira e
a de outros países, comparação que poderá, em muito, ser facilitada por tra-
balhos como esse.
O texto de Joana Sarmet Cunha Bruno vem contribuir para o estudo do
papel das instituições culturais, e em particular dos museus, nos atuais proje-
tos de renovação urbana, detendo-se na discussão de um dos casos mais para-
digmáticos em que o museu se torna símbolo e “marca registrada” da cidade
em que ele foi construído: o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, RJ.
Apesar da atualidade do tema, ele ainda é objeto de poucas publicações no Bra-
sil. A publicação desse artigo na RBEUR representa também um estímulo à pro-
dução dos jovens pesquisadores da área, já que ele sintetiza uma dissertação de
mestrado recentemente defendida no Prourb-UFRJ.
Sobre crescimento urbano e mobilidade residencial, o artigo de Paulo de
Martino Januzzi & Nicoláo Januzzi analisa mudanças recentes no padrão re-
distributivo da população do município de São Paulo, apresentando as tendên-
cias de crescimento demográfico dos 96 distritos paulistanos nas duas últimas
décadas, ponto de partida para a discussão da tese de crescimento radiocêntri-
co, do centro para a periferia, proposta na literatura como padrão histórico da
distribuição espacial no século XX.
Finalmente, o artigo de Orietta Favaro e Graciela Iuorno propõe uma re-
flexão sobre a dimensão política da questão regional na Argentina da atualida-
de, tocando em pontos de particular interesse para o planejamento regional.
Sua publicação expressa também o interesse da RBEUR em estreitar laços com
pesquisadores de outros países, ampliando as possibilidades de interlocução
propostas pela revista.
Completando as contribuições oferecidas neste número, foram incluídas
três resenhas de livros publicados recentemente: Globalização & desigualdade,
organizado por Márcio M. Valença e Rita de Cássia da C. Gomes; Planning
Latin America’s capital cities, 1850-1950, organizado por Arturo Almandoz; e
Experiências de orçamento participativo no Brasil, período de 1997 a 2000, de
Ana Clara Torres Ribeiro e Grazia de Grazia. Essas obras foram resenhadas, res-
pectivamente, por Marconi Gomes da Silva, Eloísa Petti Pinheiro e Rosa Ma-
ria Cortês de Lima.
Finalizando, gostaria de ressaltar a importância das participações da Finep
e do CNPq no financiamento desta edição, sem as quais não teria sido possível
dar continuidade a um projeto editorial que, pela vitalidade da área que repre-
senta, já demonstrou plenamente sua viabilidade.
M A R I A C R I S T I N A D A S I LVA L E M E
SUZANA PASTERNAK
INTRODUÇÃO
Fundada em 1983 por cinco programas, a Anpur desde então ampliou significativa-
mente o número e o espectro das instituições associadas e filiadas. Reúne, em 2002, 36 pro-
gramas nas áreas de planejamento urbano, arquitetura e urbanismo, geografia, economia,
administração pública, ciências sociais, engenharia e direito. É uma associação pluridisci-
plinar e aberta, cujas finalidades principais abrangem: o incentivo ao ensino e à pesquisa;
a divulgação de informações e a troca de experiências; a promoção de reuniões científicas
objetivando a reflexão e o intercâmbio de informações entre os integrantes das institui-
ções associadas e também com outras instituições congêneres, nacionais ou estrangeiras.
Percebe-se que a diversidade das instituições que compõem a pós-graduação na área
reunida pela Anpur traz uma riqueza de visões e de posturas. “Estudos urbanos e regio-
nais” são os termos comumente utilizados como referência ao conhecimento gerado por
áreas ligadas, principalmente, às ciências humanas e ciências sociais aplicadas. Consti-
tui-se tanto como objeto de estudo de um programa específico, como muitas vezes dis-
persa-se por distintos departamentos acadêmicos.
Os objetivos dos programas ligados aos estudos urbanos e regionais são também dis-
tintos: em alguns casos, como nos cursos de economia, sociologia e geografia, tanto o ob-
jeto como o objetivo dos programas representam o entendimento de processos econômi-
cos e sociais que estruturam as cidades e as regiões e o estudo dos diferentes arranjos
institucionais que intervêm nesses processos. De outro lado, programas de planejamento
urbano e regional têm o duplo objetivo: ao mesmo tempo que se propõem ao entendi-
mento de tais processos, procuram capacitar os estudantes a atuar de forma propositiva.
Essa especificidade dos campos de conhecimento e atuação profissional confere de-
safios importantes para os programas de pós-graduação e cria uma interrogação sobre os
contornos e conteúdos nas áreas de ensino e pesquisa.
O Workshop Avaliação do Ensino e da Pesquisa em Estudos Urbanos e Regionais foi
realizado em São Paulo, nos dias 29 e 30 de agosto de 2002, com o patrocínio do CNPq
e da Finep. Participaram do Workshop os coordenadores ou representantes de todas as as-
sociações filiadas e associadas à Anpur, além de representantes de outras associações cien-
tíficas. O evento contou ainda com a participação de responsáveis pela direção de órgãos
de fomento ao ensino e à pesquisa do CNPq, da Finep e da Capes.
PROCESSO DE AVALIAÇÃO
É inegável que toda instituição pública deve prestar contas de sua atuação à socieda-
de. No caso da formação de quadros por instituições não-públicas que prestam esse ser-
viço por delegação e com o aval de representantes da sociedade, também a avaliação das
atividades universitárias é necessária e indispensável. Repensar continuamente essa avalia-
ção auxilia na orientação da política universitária, tanto por parte das próprias universi-
dades, como pelos organismos de fomento. Como a presente avaliação dos programas de
pós-graduação e dos pesquisadores têm influído na estruturação dos cursos e pesquisas?
Os critérios de avaliação dos pesquisadores têm se pautado por “indicadores de pro-
dutividade”. Esses indicadores têm sido os mesmos para todas as áreas, não levando em
conta a diversidade dos campos de conhecimento. Como já lembrou Chauí (1994), em
Humanidades geralmente um livro tem maior relevância do que artigos, que costumam
ser partes deste livro. Em Ciências dá-se exatamente o contrário. Pior que isso: em Hu-
manidades o critério publicação de artigos tem resultado na proliferação de publicações
de um mesmo artigo em versões variadas. Além disso, as condições do mercado editorial
brasileiro costumam ser bastante precárias. De outro lado, não existe consenso quanto ao
que se chama “produção científica regular”, que serve como parâmetro na classificação
dos pesquisadores por meio da plataforma Lattes. Qual seria a média de orientações, pu-
blicações e participação em seminários e congressos na nossa área? Inserção internacional
pode ser medida apenas por publicação em periódico internacional? Existe algum critério
de avaliação da docência, além da pesquisa?
ESTRUTURA DO WORKSHOP
nas, em seus vínculos com velozes alterações na base técnica da vida coletiva”. De outro
lado, adverte para o risco do crescente pragmatismo no ensino. Alerta que justamente nes-
sa área os frutos são esperados para além do presente imediato. Ana Clara coloca em seu
texto cinco desafios: o desafio da pedagogia, tão ausente como critério de avaliação da
qualidade de ensino; o desafio da interdisciplinaridade, tratada mais como somatória de
temáticas, sem que as visões de mundo de cada disciplina sejam devidamente incorpora-
das; o desafio da formação; o desafio dos fundamentos da área; e os desafios institucio-
nais. Conclui o texto com propostas de atuação para a área e para a Anpur.
As diferenças entre a formação profissional e acadêmicas foram abordadas por Tânia
Fischer, que se baseou na própria experiência como coordenadora de programa de pós-
graduação e como membro de comissão, especialmente criada pela Capes para estudar os
formatos do mestrado profissional. Observa que a formação profissional vem avançando
em campos de conhecimento diversos, não apenas – como era do senso comum – às áreas
de ciências aplicadas. Um exemplo é a formação de professores, um desafio pedagógico
que o mestrado acadêmico não estava conseguindo enfrentar.
Apresentou a grande diferenciação de ofertas, desde o ensino artesanal de boa qua-
lidade até o ensino de massa, em grande escala, inclusive com a participação internacio-
nal. A imagem utilizada é a do “ensino McDonald’s”, em que se desenvolve um produto
padronizado para aplicação em qualquer parte do mundo. Tânia Ficher observa que esse
é o mercado de interesse da Organização Mundial do Comércio. O investimento maior é
na produção do material didático e o professor atua como difusor de um conteúdo esta-
belecido. Salientou o fato de os programas serem submetidos a múltiplas avaliações, não
apenas à da Capes, mas de revistas especializadas e de organismos internacionais. Levan-
ta-se, inclusive, a possibilidade de as associações científicas – como a Anpur – implanta-
rem sistemas de creditação dos cursos de pós-graduação.
Alerta para a natureza diferenciada da formação profissional, que exige uma metodo-
logia adequada, tanto para o aluno que vem em busca de uma reflexão teórica para a sua
prática profissional, como para o que vem em busca de um novo campo de atuação. Ao
enfrentar a questão extremamente importante do financiamento público ou privado é ne-
cessário levar em conta também os aspectos diversos e complexos desse tipo de formação.
Maurício de Abreu, representante da área de geografia e da grande área de ciências
humanas na Capes, discorreu sobre o processo de avaliação da pós-graduação no Brasil.
Enfatiza a importância desse processo complexo, mas necessário e importante. Sublinha
que o processo é realizado pela própria comunidade de pós-graduação, e cada área de co-
nhecimento pode estabelecer seus próprios critérios e parâmetros de julgamento. Trata-se,
portanto, de uma avaliação por pares. Em seu texto Maurício explica a composição da
Capes, os critérios de avaliação, o Qualis (classificação hierárquica dos veículos de publi-
cação), a importância dos relatórios anuais dos programas, entre outros pontos.
Na sessão “Avaliação e perspectivas da pesquisa em estudos urbanos e regionais”, en-
fatizou-se a dicotomia pesquisa pura e pesquisa aplicada e as políticas de fomento e ava-
liação da pesquisa. Nessa sessão, Philip Gunn discute a base institucional para a pesqui-
sa, vista pela ótica dos programas membros da Anpur. A intenção do trabalho foi “a de
apresentar um retrato resumido das prioridades de pesquisa em cada programa, com ba-
se no ‘Censo’ anual de dados e informações coletadas pela agência de fomento e de regu-
lação do MEC – a Capes – responsável pela avaliação dos programas”.
Ao recuperar a formação dos programas ele estabelece os vínculos históricos entre
graduação e pós-graduação. Um exemplo é a marca do movimento moderno em arquite-
tura e urbanismo, que influenciou no ensino de graduação a existência de três linhas te-
máticas clássicas: história, projeto e tecnologia. A radiografia abrangeu basicamente os
programas ligados à arquitetura e urbanismo, planejamento urbano e regional, e, tangen-
cialmente, à demografia, em cerca de vinte programas. Outras áreas de atuação no cam-
po da Anpur não foram contempladas. Sua inclusão possivelmente acrescentaria novos
aportes e novos problemas à visão geral delineada.
Linda Gondim, do Comitê Assessor de Planejamento Urbano e Regional do CNPq,
divulga, entre os pesquisadores que se dedicam aos estudos urbanos, informações sobre os
mecanismos de fomento e avaliação das pesquisas do CNPq. Em seu texto, enfoca priori-
tariamente a concessão de bolsas de produtividade (PQ). Detalha o processo de avaliação
dos pesquisadores para a concessão dessa bolsa e discute cada um dos critérios de avalia-
ção utilizados. Termina seu paper com uma tabela, na qual a “produtividade” dos pesqui-
sadores da área de ciências sociais aplicadas entre 1997 e 2000 é mostrada em índices
quantitativos. Para a área onde se inclui o planejamento urbano e regional (geografia hu-
mana, demografia, planejamento e arquitetura e urbanismo), a média de artigos em pe-
riódicos nacionais foi de 1,8 por pesquisador/ano; a de artigos em periódicos internacio-
nais, de 0,40; a de livros publicados no período, de 0,37; a de capítulos de livros, de 1,21.
Apenas a publicação de trabalhos completos em anais atingiu uma média maior, de três
trabalhos por pesquisador por ano. Os critérios para a classificação hierárquica do pesqui-
sador em níveis que vão do 2 C até 1 A colocam como critério “produção científica
regular”, além de participação na formação de doutores e mestres. A média de orientações
de doutores tem sido de 0,35 por orientador, e a de mestrandos, de 1,30. É a primeira vez
que o CNPq mensurou esses parâmetros. Vale a pena ressaltar que não são valores altos,
muito pelo contrário. Mas é dentro dessa realidade que trabalhamos. Linda enfatizou que
essa é a menor área do CNPq, com apenas 153 bolsistas.
O segundo dia do Workshop iniciou com a palestra de Carlos Pacheco sobre os fun-
dos setoriais de pesquisa que constituíram o novo modelo de política de financiamento à
pesquisa implantada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. Seguiram-se os trabalhos
das mesas-redondas com o relato de experiências como o ensino a distância, as demandas
extra-universitárias no ensino e pesquisa em planejamento, a possibilidade de articulação
entre pesquisas acadêmicas e políticas públicas, os desafios da pesquisa aplicada nos insti-
tutos não-acadêmicos.
A sessão final “Formulação de uma agenda de ensino e pesquisa” possibilitou uma
troca de idéias fecunda entre representantes de organismos de fomento federais (CNPq,
Capes e Finep) e a comunidade acadêmica presente.
CONCLUSÕES
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
CHAUÍ, M. USP: a terceira fundação. Estudos Avançados, São Paulo, 8(22), p.49-68,
1994.
DURHAM, E. A Universidade e o ensino no Brasil. Revista Novos Estudos Cebrap, São
Paulo, n.63, p.31-50, julho 2002.
graduate and graduate studies in urban and regional research: the debate between public and
private school, between academic or professional education, and about the problem of
evaluation of instruction and the research policy in the area. The workshop was organized in
conferences, work sessions and round tables. The text describes the conference of Wrana
Panizzi, about the discussion on the public school, and the conference of Marcos Lisboa,
relating the FGV/RJ experience of private grants for research. The paper also reports the lectures
of the key-note speakers, as the discourse about didactics experiences, by Ana Clara Torres
Ribeiro and the problems of courses evaluation, by Maurício de Abreu. In the research working
session, the key-note speakers were Philip Gunn, talking about the research themes chosen by
the programs in urban and regional planning, and Linda Gondim, about the evaluation of
the research and the researchers. The article also includes the workshop conclusions, taking in
account the suggestions made in the closing session.
ciso admitir isso com franqueza, não é o que está acontecendo. O propósito dessa minha
breve comunicação é compartilhar com os colegas um pouco do que tenho apreendido
sobre o tema nos últimos seis anos, período em que, na condição de reitora de uma Uni-
versidade pública brasileira, tive oportunidade de participar de uma série de encontros e
reuniões organizados justamente com o propósito de tratar dos destinos do ensino supe-
rior no mundo “globalizado”.
O ano de 1998 foi marcado por dois episódios de grande relevância. No início de
outubro daquele ano realizava-se em Paris, sob os auspícios da Unesco, a Conferência
Mundial sobre Educação Superior. Naquela ocasião, mais precisamente no dia 9 de outu-
bro, representantes de mais de 180 países aprovaram a “Declaração Mundial sobre Edu-
cação Superior no Século XXI: Visão e Ação”. Cabe lembrar que a Conferência de Paris
foi precedida por reuniões preparatórias (Havana, novembro de 1996; Dakar, abril de
1997; Tóquio, julho de 1997; Palermo, setembro de 1997; Beirute, março de 1998) e
que, tanto a Conferência Mundial como a Declaração então aprovada sistematizaram
uma concepção de “educação superior” amplamente debatida por pesquisadores, profes-
sores e dirigentes universitários das mais diferentes partes do mundo. No centro da De-
claração de Paris encontram-se, sem dúvida, as definições do conhecimento como patri-
mônio social e da educação como bem público – “dever do Estado e direito de todos”,
podemos ler na Declaração. Entretanto, desde setembro do mesmo ano de 1998, quan-
do se ultimavam os preparativos para a realização da Conferência de Paris, o secretariado
da Organização Mundial do Comércio – OMC propunha a regulamentação da educação
superior como serviço comercial – objeto de negociação no âmbito do Acordo Geral sobre
1 A iniciativa do secretaria- o Comércio de Serviços (General Agreement on Trade in Services).1
do da Organização Mundial
do Comércio é tratada em
Enquanto a concepção de educação superior definida pela Conferência de Paris é re-
detalhes por Marco Antônio tomada em diversos outros encontros internacionais, como veremos a seguir, a OMC dá
Rodrigues Dias, ex-diretor
da Divisão de Ensino Supe- curso a sua iniciativa e articula adesões, encontrando apoio particularmente entre univer-
rior da Unesco e um dos or- sidades dos Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia. De fato, no contexto brasileiro e
ganizadores da Conferência
Mundial de Paris: “Educação mesmo latino-americano, a regulamentação da educação superior como serviço comercial
Superior: bem público ou somente passou a ser mais amplamente debatida recentemente, mais precisamente a par-
serviço comercial regula-
mentado pela OMC?”, in tir de abril de 2002, quando da realização da III Reunião de Reitores de Universidades Pú-
Wrana Maria Panizzi (Org.),
Universidade – Um lugar fo-
blicas Ibero-Americanas2 – a “Cumbre”, como é conhecida entre os seus participantes.
ra do poder, Porto Alegre,
Ed. da UFRGS, 2002, p.31-
109.
2 Essa reunião teve lugar na DA CONFERÊNCIA DE PARIS À III CUMBRE
Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, entre 25 e
27 de abril de 2002, envol- Algumas das conclusões da Conferência Mundial de Paris merecem ser aqui brevemen-
vendo a participação de
quase cinqüenta reitores, re- te relembradas, como também o fato de que elas resultaram de um debate que envolveu
presentando universidades a participação de 115 ministros de Estado e cerca de quatro mil especialistas em Educação:
de 13 países. Um excelente
resumo desse encontro foi • fazer valer, também no que se refere ao ensino superior, a Declaração Universal dos Di-
organizado por Sílvia Maria
Rocha e Carlos Alexandre
reitos Humanos, afirmando que ela é um direito de todos;
Netto: Universidade pública, • reforçar a relação entre ensino e pesquisa, observando as demandas do desenvolvimen-
educação e desenvolvimen-
to – III Cumbre, Porto Ale-
to local, regional e nacional;
gre, UFRGS, 2002. • promover, no âmbito das instituições de ensino superior, o respeito da ética, do rigor
científico e do trabalho inter e transdisciplinar;
Gráfico 1 – Total de recursos para efetiva manutenção das IFES (1990-2001), excluindo-
se recursos diretamente arrecadados.
Fonte: Execução Orçamentária apurada pela STN (1990-1994) e Execução Orçamentária da União (1995-
2001), apud Nelson Cardoso Amaral, Tese de Doutorado.
A história nos mostra que, no Brasil, o ensino público e o privado sempre foram,
por assim dizer, “complementares”, na medida em que o setor público jamais pode ou te-
ve o propósito de mobilizar recursos para financiar integralmente a educação superior.
Contudo, diante da expansão verificada na última década e ante as desigualdades sociais
existentes no País, não é difícil concluir que a sociedade brasileira não dispõe de um sis-
tema de ensino superior verdadeiramente acessível “a todos”.
Para os que pensam que o ensino superior e o conhecimento são estratégicos pa-
ra o desenvolvimento das nações, para os que acreditam que a Universidade pública bra-
sileira é uma experiência que merece ser continuada e fortalecida, a década que se inicia
reserva, portanto, grandes desafios. Por um lado, para ampliar sua legitimidade como pro-
jeto social, a Universidade pública precisa voltar a crescer, precisa retomar a liderança na
expansão do conjunto do sistema – e isso não irá acontecer sem o apoio da sociedade. Por
outro lado, a Universidade pública precisa se repensar profundamente como instituição,
abrindo-se ainda mais para a sociedade, escutando suas demandas, construindo um novo
projeto acadêmico, questionando processos de avaliação que privilegiam o mérito indivi-
dual em detrimento do trabalho coletivo. Se não enfrentar tais desafios, a Universidade
pública, que ontem deixou de ser referência para a expansão do sistema de ensino supe-
rior, amanhã poderá perder o que possui de mais precioso: o reconhecimento da socieda-
de brasileira como referência de qualidade.
Tenho insistido na idéia de que a Universidade pública é fundamental para a socie-
dade brasileira, não somente porque ela é depositária do melhor que produzimos no ter-
reno das artes, da cultura e das ciências, mas sobretudo porque é lugar da diversidade
cultural e da pluralidade ideológica, do debate e do diálogo que constroem sujeitos e co-
letividades, da crítica comprometida com a ética, que busca ser verdadeira e justa. Creio
que o “novo” encontra-se precisamente nesta valorização da Universidade como res publi-
ca – como construção coletiva que atravessa governos e gerações. Se de fato é assim, cabe
à Universidade pública a iniciativa de propor uma profunda reflexão sobre o destino da
pesquisa e do ensino superior no País, reunindo em torno de si amplas forças sociais, eco-
nômicas e políticas. Empreender tal iniciativa, promover uma reflexão “pra valer” sobre o
conjunto de suas atividades, envolver neste debate a comunidade universitária e a socie-
dade, parece-me ser esse o grande desafio da Universidade pública brasileira. Se enfren-
tarmos este desafio, nos libertaremos do “conjuntural” e a Universidade pública encon-
trará forças para se refazer como projeto social.
Para enfrentar nossos problemas, precisamos, antes, defini-los com clareza, por- 6 Ver Tania Franco Carvalhal
(Org.), Saramago na Univer-
que assim nos tornamos mais conscientes daquilo que queremos e de nossas responsabi- sidade, Porto Alegre, Edito-
lidades. José Saramago, em 1999, quando recebeu o título de doutor honoris causa de nos- ra da UFRGS, 1999.
sa Universidade,6 pronunciou uma frase que, mais do que qualquer outra, resume meu Wrana Maria Panizzi é rei-
sentimento diante do horizonte que se descortina para a Universidade pública brasileira: tora da Universidade Fede-
ral do Rio Grande do Sul.
“Reivindiquemos os nossos direitos, sim senhor, reivindiquemo-los todos os dias, aqui e E-mail: reitora@ufrgs.br
onde quer que seja, mas reivindiquemos também, para os assumir completamente, os Artigo recebido para publica-
nossos deveres”. ção em novembro de 2002.
O objetivo desse trabalho é divulgar, entre os pesquisadores que se dedicam aos es-
tudos urbanos, informações sobre mecanismos de fomento à pesquisa, em especial no que
se refere à atuação do Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
por meio dos seus Comitês de Assessoramento (CAs). A análise tem por base documentos
que normatizam essa atuação, dados divulgados pela Internet ou publicados, e minha ex-
periência como membro do CA de Ciências Sociais Aplicadas (CA/SA), que reúne as áreas
de Geografia Humana, Demografia, Arquitetura e Urbanismo e Planejamento Urbano e
Regional, da qual sou representante, desde junho de 2001.
Devido a limitações de tempo e recursos, não foi possível delinear um quadro mais
amplo e aprofundado sobre a pesquisa urbana no Brasil, nem sobre as várias instituições
de fomento. Ressalto, ainda, que não pretendo discutir o conjunto das políticas e progra-
mas realizados pelo CNPq; esse texto enfoca, prioritariamente, a concessão de bolsas de
Produtividade em Pesquisa (PQ), dada a sua importância e natureza peculiar. Trata-se de
um dos raros, senão único, auxílios concedidos diretamente ao pesquisador no Brasil, sem
exigência de orçamento ou prestação de contas. A grande maioria das instituições de fo-
mento prioriza a concessão de recursos para despesas com atividades de pesquisa, de acor-
do com orçamentos aprovados – modalidade que também tem sido contemplada pelo
CNPq, mediante Editais Universais.
Na impossibilidade de uma abordagem mais abrangente, optei por analisar a siste-
mática de concessão das referidas bolsas PQ evitando especulações e recomendações de
pouco alcance prático. Na medida do possível, procurei inserir meus comentários num
panorama mais amplo, considerando necessidades e prioridades qualitativamente defini-
das, levando em conta, também, alguns indicadores quantitativos. Espero, assim, contri-
Como se sabe, o CNPq recorre a especialistas nas diversas áreas do conhecimento pa-
ra auxiliar seus dirigentes e seu corpo técnico na apreciação de solicitações de recursos
para a pesquisa e formação de recursos humanos: além das bolsas PQ e dos recursos con-
cedidos por meio dos Editais Universais, já mencionados, concede outros tipos de auxí-
lios (para a promoção ou participação em eventos científicos, para publicação de periódi-
cos científicos etc.) e bolsas (de iniciação científica, para alunos de graduação; de apoio
técnico à pesquisa, para graduados ou técnicos de nível médio; de mestrado, doutorado
no País ou no exterior, doutorado sanduíche e pós-doutorado). Esses especialistas, esco-
lhidos entre nomes indicados pela comunidade científica, são organizados em Comitês de
Assessoramento (CAs), os quais têm entre suas principais funções analisar as solicitações,
avaliando o mérito científico e a viabilidade técnica de projetos de pesquisa, bem como a
qualificação do solicitante e da instituição à qual está vinculado.
Cada CA é constituído por representantes de áreas afins do conhecimento, definidas
a partir de três grandes áreas: Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; Ciências da Vida; e
Engenharias, Ciências Exatas e da Terra. A primeira subdivide-se em duas, cada uma de-
las vinculada a uma coordenação: a Coordenação de Ciências Humanas e Sociais (que en-
globa os comitês AC – Artes, Comunicação e Ciência da Informação; HF – História e Fi-
losofia; LL – Letras e Lingüística; PH – Psicologia e Serviço Social); e a Coordenação de
Ciências Sociais Aplicadas e Educação (que inclui os comitês: CS – Arqueologia, Antro-
pologia, Sociologia e Ciência Política; ED – Educação; CE – Economia, Administração e
Direito; e SA – Geografia Humana, Demografia, Planejamento Urbano e Regional e Ar-
quitetura). Esse último é composto por dois representantes da subárea de Arquitetura –
um deles indicado por pesquisadores da área de patrimônio – e um para cada uma das de-
2 Para mais informações mais subáreas, perfazendo um total de cinco pessoas.2
sobre os comitês de asses-
soramento e as áreas do co-
Cada solicitação é enviada para apreciação por um determinado CA, em decorrência
nhecimento, consultar a pá- da classificação da proposta numa área do conhecimento, feita pelo próprio solicitante no
gina do CNPq na Internet
(www.cnpq.br). formulário-padrão do CNPq, disponível na Internet. Em geral, essa classificação leva em
conta o tema da investigação proposta, a formação acadêmica, o campo de atuação pro-
fissional e, ainda, a disciplina à qual é afeto o centro ou programa de pós-graduação em
que o pesquisador atua.
Antes de serem apreciadas pelo CA, as solicitações são analisadas, em seus aspectos
formais, por funcionários das áreas administrativa e técnica do CNPq, os quais conferem
a documentação requerida (formulário-padrão, Curriculum Lattes, projeto de pesquisa e
relatório – em caso de renovação, entre outros), cadastram o processo por área do conhe-
cimento, verificam se o histórico do proponente no sistema acusa alguma pendência etc.
Em seguida, encaminham os documentos para consultores ad hoc – em geral, dois – os
quais emitirão parecer sobre o mérito do projeto ou plano de trabalho, bem como sobre
a qualificação e experiência do solicitante e da respectiva instituição. Esses consultores são
escolhidos pelos técnicos do CNPq entre bolsistas ou ex-bolsistas; em caso de dúvida so-
bre a pertinência da escolha – por exemplo, quando o projeto aborda um tema muito es-
pecífico – os membros dos CAs são ouvidos para a indicação de nomes.
A propósito, vale mencionar que, no workshop realizado pela Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur), em agosto de
2002, apontou-se a necessidade de se organizar uma relação de pesquisadores e suas res-
pectivas áreas de atuação – uma espécie de “quem é quem” na pesquisa urbana no Brasil,
que poderia ser fonte para a identificação de consultores. Na verdade, já se dispõe de um
levantamento desse tipo, realizado pelo Urbandata, banco de dados organizado na Uni-
versidade Cândido Mendes (Ucam), no Rio de Janeiro, sob a coordenação da professora
Licia Valladares. Um catálogo de pesquisadores (Sant’Anna & Lima Junior, 2001) foi ela-
borado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) e do
CNPq, por intermédio do CA/CS (Arqueologia, Antropologia, Sociologia e Ciência Políti-
ca). Seria importante manter esse trabalho atualizado e, sobretudo, divulgá-lo amplamen-
te entre os pesquisadores com atuação em estudos urbanos, mas ligados a outros CAs: ob-
viamente, o CA/SA (Geografia Humana, Demografia, Planejamento Urbano e Regional e
Arquitetura), mas, também, o CA/CE (Economia, Direito e Administração) e o CA/HF
(História e Filosofia).
É bom lembrar que os estudos urbanos constituem um campo eminentemente
transdisciplinar que se desenvolveu, no Brasil, a partir de trabalhos de Geografia Urbana,
desde a década de 1930 (Valladares & Coelho, 1995). A consolidação desse campo – me-
diante o crescimento do número de pesquisadores, centros de pesquisa e programas de
pós-graduação – acarretou uma expansão cada vez maior da transdisciplinaridade, agre-
gando, primeiramente, disciplinas como a Sociologia, a Antropologia, a Administração
Pública, a Economia, a História, a Demografia, o Urbanismo e o Planejamento. Mais re-
centemente, registra-se a presença, nesse campo temático, de pesquisadores das discipli-
nas de Direito Urbano, Ciência Política e Medicina Social (Valladares & Coelho, 2001).
Daí a necessidade de uma maior interação entre os CAs que agrupam essas disciplinas, in-
clusive no que se refere à escolha de consultores ad hoc.
Em princípio, o sistema de apreciação pelos pares, já consagrado em instituições de
fomento, permite que cada proposta receba adequada atenção por parte de especialistas,
ao mesmo tempo que viabiliza a análise, pelos CAs, de um grande número de solicitações,
em pouco tempo. Infelizmente, porém, nem sempre as avaliações dos pareceristas forne-
cem elementos suficientes para fundamentar as decisões do corpo de assessores, como se-
rá visto adiante.
As reuniões dos assessores acontecem na sede do CNPq, em Brasília, com duração
máxima de cinco dias e frequência média de três vezes ao ano. Embora os CAs atuem co-
mo órgãos colegiados, cada representante costuma analisar separadamente os pedidos
classificados na sua respectiva subárea e indicar os que devem ser atendidos ou negados.
Via de regra, se forem favoráveis os pareceres de ambos os consultores ad hoc, o pedido é
julgado favoravelmente, e, negado, se os dois forem desfavoráveis. Quando há discordân-
cia entre os pareceristas, o representante da subárea do CA exerce o voto de Minerva. En-
tretanto, ele tem autonomia para tomar decisão divergente dos pareceres, desde que a jus-
tifique. Em qualquer caso, os demais membros devem ser ouvidos antes de se chegar às
decisões relativas ao conjunto de solicitações encaminhadas ao CA.
Ressalte-se, porém, que nem todas as solicitações que recebem julgamento favorável
no CA são contempladas, pois as decisões finais dependem das quotas de bolsas e auxílios,
previamente alocadas a cada área e subárea pela direção do CNPq. Tais quotas variam de
Categoria 2
- Nível C: atribuído a pesquisador doutor com produção científica regular há, pelo menos,
2 (dois) anos.
- Nível B: atribuído a pesquisador doutor titulado há, no mínimo, 1 (um) ano e que apre-
sente produção científica/tecnológica regular há, pelo menos, 3 (três) anos. É desejável sua
participação no processo de formação de mestres, quando vinculado à instituição de ensino
pós-graduado.
- Nível A: atribuído a pesquisador doutor titulado há, no mínimo, 2 (dois) anos e que apre-
sente produção científica/tecnológica regular há, pelo menos, 4 (quatro) anos. Deverá estar
participando do processo de formação de mestres ou na orientação de dissertações de mes-
trado, quando vinculado à instituição de ensino pós-graduado.
(…)
Categoria 1
- Nível C: atribuído a pesquisador doutor titulado há, no mínimo, 5 (cinco) anos, que apre-
sente produção científica/tecnológica regular há, pelo menos, 7 (sete) anos e tenha compro-
vada independência científica/tecnológica. É desejável sua participação na orientação de te-
ses de doutorado, quando vinculado à instituição de ensino com esse nível de escolaridade.
- Nível B: atribuído a pesquisador doutor titulado há, no mínimo, 5 (cinco) anos, que apre-
sente produção científica/tecnológica regular há, pelo menos, 7 (sete) anos e tenha compro-
vada independência científica/tecnológica, pela publicação de trabalhos em periódicos reno-
mados. Deverá estar participando do processo de formação de doutores e da orientação de
doutorado, quando vinculado à instituição de ensino com esse nível de escolaridade.
- Nível A: atribuído a pesquisador doutor titulado há, no mínimo, 5 (cinco) anos, com pro-
dução científica/tecnológica regular há, pelo menos, 7 (sete) anos e que tenha comprovada
independência e liderança na sua área de atuação, demonstrada pela publicação de trabalhos
em periódicos de reconhecida importância e pela participação na formação de novos douto-
res e nucleação de grupos de pesquisa. (CNPq, Instrução de Serviço, 1996, 002/96, p.2-3.)
Como, numa certa época, os pesquisadores que entravam no sistema eram sempre clas-
sificados como 2C, e noutros momentos isto não aconteceu, isto resultou em critérios de
classificação não equivalentes para os membros do sistema. De outro lado, não existe con-
senso quanto ao que se chama “produção científica regular”. Os indicadores de produção
científica/tecnológica/artística são distintos para as diferentes áreas … O CA/SA tem procu-
rado corrigir este dado, sempre que algum pesquisador pede e consegue bolsa de produtivi-
dade. Mas sua atuação tem sido restrita. (Pasternak, 2001.)
A fim de que se proceda a uma ampla reclassificação dos pesquisadores, seria re-
comendável, também, proceder a uma revisão dos critérios e divulgá-los na comunida-
de científica. Sem pretender levantar, de forma exaustiva, todos os aspectos que care-
cem de revisão, chamo atenção para a necessidade de se definir, com mais clareza, os
indicadores de uma “produção científica regular”, bem como de se ter um maior rigor
quanto às exigências relativas a pesquisadores de nível 1. A vinculação a programas de
pós-graduação, por exemplo, deveria ser condição sine qua non para a ascensão a esse
nível, a não ser em casos muito especiais, como, por exemplo, na área de Artes. Defi-
nições desse tipo seriam relevantes, também, para subsidiar os consultores ad hoc no jul-
gamento da qualificação dos solicitantes, de sua produção científica e de sua capacida-
de de formar pesquisadores.
Como ponto de partida, sugere-se considerar a produção científica de pesquisadores
doutores, registrada no Curriculum Lattes e divulgada no diretório de grupos de pesqui-
sa. A Tabela 1 dá uma idéia aproximada dessa produção, para o conjunto das subáreas in-
tegrantes do CA/SA (Geografia Humana, Demografia, Planejamento Urbano e Regional e
Arquitetura), no período de 1997 a 2000 – último para o qual se dispõe de dados publi-
cados (CNPq, 2002).
Predominam trabalhos completos publicados em anais de eventos científicos (média
de 3,0 por pesquisador no período, ou seja, 1,0 por ano). De um modo geral, para qual-
quer outro tipo de produção científica, a média anual por pesquisador é inferior a 1,0 tra-
balho publicado. Dividindo-se por três os valores da Tabela 1, tem-se 0,60 trabalhos pu-
blicados em periódicos nacionais/ano; 0,13 no caso de periódicos internacionais; 0,37
livros; 0,40 capítulos de livros. Quanto às dissertações e teses orientadas, as médias anuais
são, respectivamente, 0,43 e 0,06 – e esse último valor reflete a implantação relativamen-
te recente de cursos de doutorado na área.
Em termos comparativos, o desempenho dos pesquisadores do CA/SA é bastante se-
melhante àquele relativo ao CA/CE (Economia, Administração e Direito). Também nesse
caso predominam trabalhos completos publicados em anais de eventos científicos (média
de 3,09 – ou aproximadamente 1,0 por pessoa/ano, também no período de 1997 a 2000).
As demais médias anuais são próximas daquelas aferidas para o CA/SA, situando-se um
pouco acima – nos casos de artigos publicados em periódicos nacionais (0,64) e orienta-
ções de dissertações (0,49) –, ou um pouco abaixo – nos casos de artigos publicados em
periódicos internacionais (0,11), livros (também 0,11) e capítulos de livros (0,28). Quan-
to a orientações de teses, a média por pesquisador/ano é a mesma (0,06), refletindo situa-
ção análoga quanto ao caráter recente dos cursos de doutorado.
Os CA/CS e CA/ED apresentam perfil semelhante entre si, no que respeita a uma
maior concentração da produção na forma de artigos publicados em periódicos nacionais
(respectivamente, 0,75 e 0,72 por pesquisador/ano). Em relação ao CA/SA, ambos apre-
sentam produção ligeiramente superior quanto a capítulos de livros (0,49 por pesquisa-
dor/ano para o CA/CS; e 0,44 para o CA/ED). Não há diferenças significativas no que se re-
fere a publicações internacionais, livros e orientações.
Ressalte-se que, provavelmente, esses dados subestimam a produção científica do
conjunto do CA/SA, já que, como foi mencionado, existem pesquisadores não registrados
em grupos de pesquisa do diretório do CNPq, ou registrados em outras áreas do conheci-
mento. Além disso, seria mais apropriado considerar separadamente a produção científi-
ca dos pesquisadores que são bolsistas do CNPq, desagregando-os de acordo com a classi-
ficação deles.5 Tabulações específicas para a produção dos líderes de grupos de pesquisa 5 Tabulações desses dados
me foram gentilmente envia-
poderiam fornecer parâmetros mais adequados para classificar pesquisadores de nível 1. das por Ricardo Lourenço,
De qualquer forma, a avaliação quantitativa da produção científica dos grupos de do CNPq, quando esse tra-
balho estava em fase final.
pesquisa parece sinalizar a necessidade de esforços que busquem melhorar os indicadores
do CA/SA. Para uma análise mais qualitativa, seria preciso não apenas hierarquizar os veí-
culos de divulgação, como os encontros e os periódicos científicos – a exemplo do que
tem feito a Capes, com o programa Qualis –, mas, também, definir quais os tipos de veí-
culos mais eficientes para a divulgação de trabalhos em cada área ou subárea, tendo em
vista suas especificidades. Por exemplo, nos casos de Arquitetura e Planejamento Urbano
e Regional – campos nos quais é particularmente forte a influência do conhecimento téc-
nico e a presença de profissionais não-vinculados à Academia – é provável que trabalhos
completos publicados em anais de eventos sejam mais difundidos para o público-alvo, do
que aqueles veiculados em revistas científicas especializadas.
Enquanto não se chega a um consenso sobre esses parâmetros, sugere-se que as mé-
dias registradas atualmente sejam tomadas como piso para aqueles que desejarem entrar
no sistema.
A atividade de pesquisa, seja ela aplicada ou não, está sempre ligada, implícita ou ex-
plicitamente, a uma atividade avaliativa. Não caberia, aqui, aprofundar a discussão sobre
as conseqüências sociais que tem toda e qualquer investigação científica, as quais não de-
pendem, necessariamente, dos propósitos explícitos dos pesquisadores e das instituições
que os apóiam. Importa destacar, porém, os diferentes aspectos em que a avaliação deve
ser pensada.
Na pesquisa aplicada, que busca intervir direta e imediatamente para solucionar um
problema de uma instituição ou grupo social, torna-se necessário julgar se as conclusões
e os resultados alcançados, em termos das transformações desejadas, são condizentes com
os objetivos estabelecidos. As pesquisas levadas a efeito no contexto acadêmico, em geral,
não têm um compromisso específico ou imediato com a transformação da realidade pes-
quisada – ainda que possam, a médio ou longo prazo, provocar mudanças (ou reforçar o
status quo), sendo inadequado, portanto, chamá-las de “puras”.
Nesse segundo tipo de investigação, exige-se, em primeiro lugar, o acompanhamen-
to do próprio processo de trabalho do qual resultarão monografias, dissertações, teses e
relatórios de pesquisa. Quando se trata de pesquisadores em formação, ocorre um moni-
toramento direto, por meio da supervisão exercida pelo orientador, e um julgamento pú-
blico por uma banca de especialistas, após a conclusão do trabalho. Em se tratando de
pesquisadores já formados, o mais comum é o acompanhamento e a avaliação serem fei-
tos de forma mais indireta e intermitente, por meio da apreciação de relatórios parciais
ou finais pelos pares (pesquisadores da própria instituição na qual se realiza o trabalho, ou
indicados por órgãos de financiamento). Qualquer que seja o caso, o ponto de partida é
um projeto de pesquisa ou plano de trabalho, o qual constitui, juntamente com a quali-
ficação do pesquisador, o principal foco do julgamento, quando se trata de decidir sobre
a alocação de recursos para o fomento à atividade científica.
Tudo isso parece óbvio, já que esses procedimentos avaliativos fazem parte do coti-
diano das universidades, dos centros de pesquisa e das instituições de fomento. Entretan-
to, precisamente por esse motivo, corre-se o risco de aceitar como evidentes e imutáveis
os critérios que norteiam tais avaliações, ou de não explicitá-los, nem fundamentar sua
aplicação. Daí a pertinência de uma reflexão sobre o formulário utilizado pelos consulto-
res ad hoc do CNPq para analisar projetos de pesquisa, o qual apresenta os seguintes ele-
mentos principais:
Análise do Projeto
• Relevância do tema.
• Adequação da metodologia e fundamentação teórica.
• Viabilidade de execução no contexto institucional previsto.
• Adequação do cronograma à duração da bolsa.
Qualificação do solicitante
• Qualidade e regularidade da produção científica divulgada em publicações especializa-
das arbitradas ou por outros meios mais eficientes da área.
• Capacidade comprovada de formar pesquisadores.
11 necessidade real dos recursos do CNPq, face a recursos recebidos (ou solicitados) de ou-
tras fontes;
12 adequação do cronograma físico e qualidade dos indicadores do progresso técnico-cientí-
fico do projeto;
13 contribuição para a formação de recursos humanos;
14 consistência da natureza da proposta com a infra-estrutura disponível e os recursos hu-
manos envolvidos. (CNPq, 2001, p.3-4.)
CONCLUSÃO
Esse trabalho apresentou algumas reflexões sobre os mecanismos de suporte aos pro-
cessos decisórios do CNPq, especialmente no que diz respeito à concessão de bolsas PQ. Foi
levantada a necessidade de se ampliar o número de consultores ad hoc, o que está relacio-
nado à quantidade de bolsas PQ disponibilizadas. A classificação dos pesquisadores em ní-
veis e categorias (2C, 2B, 2 A e 1C, 1C e 1 A) está a merecer uma revisão, norteada por
critérios mais claramente definidos para a apreciação da produção científica. Isso poderia
ser feito com base em indicadores levantados no diretório dos grupos de pesquisa, em re-
lação aos pesquisadores do CA/SA e de outras áreas afins. É importante que tais parâme-
tros sejam divulgados – não só pelo CNPq, como pela Anpur –, para que os consultores
tomem como ponto de partida a média de publicações de pesquisadores da área, sem es-
quecer de referenciá-la à classificação do solicitante (categorias 1 e 2, níveis A, B ou C).
Tendo em vista a importância do CNPq como agente de fomento e o papel-chave de-
sempenhado pelos CAs na implementação de suas políticas e programas, considerei opor-
tuno discutir os critérios e as condições que têm sido, efetivamente, observados na atuação
Linda M. P. Gondim, soció-
do CA/SA. Foi analisado o formulário para consultores ad hoc, chamando-se a atenção para loga, é professora da Uni-
a necessidade de estabelecer um mecanismo que obrigue os pareceristas a fundamentarem versidade Federal do Ceará
e representante de Planeja-
os seus julgamentos. De um modo geral, a explicitação de critérios avaliativos de projetos mento Urbano e Regional no
de pesquisa se faz premente, já que nem sempre tais critérios são elaborados e aplicados Comitê de Assessoramento
de Geografia Humana, De-
com a clareza, o rigor e a objetividade desejáveis, mesmo quando se trata de avaliar pesqui- mografia, Planejamento Ur-
sadores em formação (candidatos ao mestrado e ao doutorado, por exemplo). bano e Regional e Arquitetu-
ra do CNPq. E-mail:
Nesse quadro, a realização e divulgação de balanços dos trabalhos de pesquisa reali- lgondim@secrel.com.br
zados torna-se tarefa da maior relevância, que pode ser viabilizada com o apoio de ban- Artigo recebido para publica-
cos de dados e da análise da produção neles registrada. ção em novembro de 2002.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
um mandato de três anos. Cabe à representação de área compor uma comissão de área,
que atue no sentido de prestar-lhe assessoria direta, participando, por exemplo, da avalia-
ção anual dos programas de pós-graduação e do julgamento dos pedidos de implantação
de cursos novos. A designação dos integrantes das comissões de área é responsabilidade
única e exclusiva do(a) representante de área, que pode fazê-lo com ou sem consulta a as-
sociações científicas. As comissões podem ser permanentes ou temporárias, mas é comum
que sejam compostas obedecendo critérios de participação interna das subáreas de conhe-
cimento que compõem a área e de representatividade regional.
Há 46 áreas do conhecimento (e, portanto, 46 comissões de área), que são, por sua
vez, agregadas em 11 grandes áreas: Ciências da Saúde, Ciências Biológicas, Ciências Exa-
tas, Engenharias, Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Agrárias, Letras
e Linguística, Artes, Ensino de Ciências e Multidisciplinar. Todas as grandes áreas têm re-
presentação no Conselho Técnico Científico (CTC), que é a instância homologadora de
decisões relativas à avaliação da pós-graduação no País. Com exceção das quatro últimas
grandes áreas, que possuem apenas um representante no CTC, as demais possuem dois.
Todos os representantes de grande área são eleitos por consulta feita aos representantes das
áreas que a compõem. Na Capes, as áreas mais representativas da Anpur fazem parte de
duas grandes áreas do conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas (que congrega Planeja-
mento Urbano e Regional, Arquitetura e Urbanismo, Comunicação, Direito, Economia,
Demografia, Serviço Social e Administração/Turismo) e Ciências Humanas (que inclui
Geografia, História, Sociologia, Ciência Política, Antropologia, Educação, Psicologia e Fi-
losofia/Teologia).
O processo de avaliação tem início com o envio anual, pelos diversos programas de
pós-graduação, de um relatório que dá conta das atividades desenvolvidas nos últimos do-
ze meses (docentes envolvidos, número de teses e dissertações defendidas, produção cien-
tífica docente e discente, disciplinas ministradas etc.). Com base nessas informações bru-
tas, a Capes prepara uma série de tabelas e índices que são depois disponibilizados às
comissões de área. Embora as fichas de avaliação sejam idênticas para todas as áreas (in-
cluindo quesitos relativos à Proposta do Programa, Corpo Docente, Atividades de Pesqui-
sa, Atividades de Formação, Corpo Discente, Teses e Dissertações e Produção Intelectual),
cada comissão é livre para estabelecer os pesos que considera adequados para cada um de-
les, respeitados certos limites máximos e mínimos estabelecidos pela Capes. Da mesma
forma, cada comissão é livre para estabelecer métodos próprios de análise das informações
fornecidas pelos programas, algumas optando por pautar seu julgamento quase que exclu-
sivamente por critérios quantitativos, outras optando por um maior equilíbrio entre cri-
térios quantitativos e qualitativos. Para assegurar a transparência do processo de avaliação,
a Capes disponibiliza, em sua página na Internet (www.capes.br), um documento prepa-
rado por cada uma das comissões de área (chamado Documento de Área), que explicita
os critérios de avaliação por elas utilizados.
AVALIAÇÃO CONTINUADA
A grande maioria das comissões de área confere peso elevado à produção intelectual
docente. A sua mensuração, entretanto, varia conforme a especificidade de cada área. Há
áreas que privilegiam a publicação apenas em periódicos internacionais, que são hierar-
quizados em função de índices de impacto ou de citação fornecidos por instituições pri-
vadas que monitoram o que é publicado (e citado) nas revistas científicas; é o caso, por
exemplo, das áreas que integram as Ciências Biológicas e as Ciências da Saúde. Nas En-
genharias, as conferências em congressos possuem o maior peso. Já para as Ciências Exa-
tas, é muito importante a publicação em anais de congressos. As Artes, por sua vez, pre-
cisam ter critérios bastante específicos de mensuração da produção (no caso, artística). As
Ciências Humanas e as Ciências Sociais Aplicadas dão destaque a quatro tipos de produ-
ção: livros, capítulos de livros, artigos em periódicos e trabalhos completos em anais.
QUALIS
local) e de qualidade (A, B e C). A essa classificação dá-se o nome de Qualis. Seu objeti-
vo é não apenas fornecer uma avaliação, anualmente renovada, dos veículos utilizados por
cada área, mas oferecer também uma sinalização que oriente cada pesquisador em sua de-
cisão sobre o melhor destino a dar à sua produção científica. No momento atual, quase
todas as áreas de avaliação da Capes já contam com o Qualis. Nas humanidades, os Qua-
lis são mais recentes e muitos apresentam-se ainda provisórios e incompletos. Embora sua
aplicação no processo de julgamento tenha estimulado uma série de críticas por parte de
diversas comunidades científicas, que o consideram uma interferência desnecessária e in-
devida da Capes sobre a vida acadêmica, a verdade é que os Qualis, refinados a cada ano
pelas diversas comissões, vêm tendo um papel decisivo na elevação da qualidade técnica
e científica dos veículos de divulgação da produção das ciências humanas e sociais.
maiores pontos de tensão dizem respeito à atribuição das notas 6 e 7, é fundamental de-
finir também o que se entende por “inserção internacional” nessas grandes áreas e indicar
os parâmetros que podem ser usados para mensurá-la. Com o intuito de exemplificar o
que vem sendo discutido, apresentamos, em anexo, os critérios de excelência aprovados
pela Grande Área de Ciências Humanas em reunião de 26/6/2002 e já apresentados ao
CTC. São critérios que ainda merecem mais detalhamento, tarefa que será realizada em
conjunto com a Grande Área de Ciências Sociais Aplicadas.
ANEXO
FORMAÇÃO
CORPO DOCENTE
Nota: Índices de impacto e/ou de citação não são critérios importantes para a avaliação de exce-
lência na Grande Área de Ciências Humanas.
PHILIP GUNN
visando ao edifício. Nos anos setenta, foi acrescentada uma seqüência de Metodologia,
de acordo com um viés instrumentalista que pode ser chamado de “modernismo tardio”.
No departamento de Projeto a divisão da área não seguiu uma separação simples de cam-
pos de arquitetura e de urbanismo.5 Em vez disso, houve tendências de especialização 5 Pelo contrário, houve uma
crença na unicidade de cam-
com o projeto sendo dividido em campos de paisagismo, comunicação visual, desenho po de atuação profissional
industrial, além da divisão por ano do curso de arquitetura e planejamento. Vale a pena do arquiteto numa variedade
de escalas espaciais desde
ressaltar que a crença na utilidade de especializações somente ganhou legitimidade pela o edifício no lote, o ambien-
primazia dos colegas professores – muitos aposentados e excluídos pelo regime militar –, te construído do bairro, da
cidade e até de sua região
praticantes de uma arquitetura moderna vinculada ao sucesso do brutalismo paulista e a de entorno.
outros feitos. Nessas condições a fórmula departamental pareceu adequada à necessida-
de de uma temática central forte de desenho do projeto, mas com espaços consideráveis
para as especializações não somente nos departamentos de História e de Tecnologia de
arquitetura e urbanismo.
Para programas de pós-graduação que nasceram em escolas de Arquitetura, a divi-
são de arquitetura e urbanismo foi uma referência primária. A trilogia modernista His-
tória, Projeto e Tecnologia, que se iniciou como referência de ensino de graduação nes-
sas escolas, foi uma segunda referência institucional importante na área dos programas
da Anpur. Uma terceira referência que rompe com uma lógica de “hegemonia dos arqui-
tetos” é a questão institucional da interdisciplinaridade. Na genealogia das escolas que
compõem a Anpur, houve casos em que um programa nasceu numa escola de Engenha-
ria mas “pulou” a etapa de organização da graduação dos arquitetos. Nesse caso, a histó-
ria do Ippur que nasceu na Coppe na UFRJ é exemplar. Mas essa história, na Academia,
reflete uma passagem maior, desde os anos sessenta, do urbanismo para o planejamento
– entendida como uma atividade interdisciplinar com a presença de arquitetos, mas tam-
bém de geógrafos, economistas, sociólogos, além de engenheiros, estatísticos, advogados
e outros profissionais nos campos de estudos urbanos e regionais.6 A questão delicada 6 A reação, tipificada pela
experiência da FAU-USP, se-
aqui é o grau de autonomia permitido, conquistado ou alcançado por cada contribuição ria a de criar uma espécie
disciplinar ao “convívio” multi ou interdisciplinar de planejamento. Os casos institucio- de enclave disciplinar de do-
centes “não arquitetos” para
nais em São Paulo e no Rio de Janeiro demonstram trajetórias historicamente não so- tratar o assunto “fundamen-
mente diferentes mas opostas. tos” no curso de graduação.
O enclave se transforma nu-
A mesma busca de autonomia de uma disciplina poderia acontecer com as especia- ma seqüência, mas dentro
lidades dos novos processos de trabalho, confirmada pela presença de programas de De- de um departamento cujo
conselho exerce a hegemo-
senho e de Demografia nas áreas básicas registradas no censo da Capes. As raízes profis- nia dos arquitetos sobre os
sociólogos, historiadores,
sionais de ambas as especialidades foram estabelecidas nos anos pós-Segunda Guerra, no demógrafos etc.
Brasil. Depois de 1945, a demografia surgiu no campo do planejamento urbano, justa-
mente quando o futuro da cidade ou da região transformaram o trabalho de projeção, in-
clusive estética, do urbanismo num trabalho de previsão científica e multidisciplinar de
planejamento urbano e regional racional e instrumental ante um processo acelerado
de urbanização caótica, desordenada e freqüentemente miserável no padrão de urbaniza-
ção vigente nos meados do século.7 O desenho industrial – que nasce no processo análo- 7 Ref. Marilena Chauí, na
“Mesa-redonda sobre a cida-
go de industrialização nos anos cinqüenta – também sugere uma procura para uma auto- de”, Espaço & Debates.
nomia criativa, fora do alcance restritivo de um mundo imobiliário no ambiente
construído dos arquitetos de projeto.8 Para situar as histórias institucionais de programas 8 Com o fim do projeto na-
cional de industrialização
de pós-graduação essa busca de autonomia e interdisciplinaridade seria uma terceira mar- em 1987, a matéria de De-
ca de análise para o conjunto dos programas nacionais. senho Industrial adotou a lin-
guagem da globalização e
transformou-se em Design.
Com base nas três preocupações oriundas da experiência histórica da evolução ins-
titucional da “área Anpur”, seria interessante examinar as linhas de pesquisa criadas nos
programas de pós-graduação para imaginar o perfil específico de cada programa. As in-
formações sobre os programas foram obtidas com base no censo da área composta pelo
material fornecido pelos programas ao cadastro da Capes e usado na avaliação e na atri-
buição de conceitos feitas nacionalmente por esse órgão do governo federal vinculado ao
Ministério da Educação. Os comentários a seguir seguem uma ordem de exposição geo-
gráfica antes de ressaltar uma determinação disciplinar de organização de atividades de
pesquisa com base em histórias institucionais. Os comentários também refletem os limi-
tes de uma opinião forçosamente subjetiva (ver Quadro 1 para a listagem das linhas de
pesquisa por programa em 2001).
Na geografia institucional dos programas, a região Nordeste tem quatro programas
nas áreas básicas da Capes e dentro da área Anpur. Com a exceção do programa Unifacs
9 Especial por conta da em Salvador, que representa uma tendência especial9 na área básica de PUR/Demografia
perspectiva atual de trans-
ferência de uma série de
na Capes, todos os demais programas possuem vínculos históricos com escolas de arquite-
programas de Desenvolvi- tura no ensino público federal. Em Natal (Arqurb) as linhas de pesquisa sugerem uma in-
mento Regional visando a
sociologia, a economia, a fluência do modelo HPT (História/Projeto/Tecnologia) com uma linha de História da ar-
geografia e a administração quitetura e da cidade que foi ressaltada na organização do último encontro de História da
de desenvolvimento, oriun-
dos de outras áreas bási- Cidade e do Urbanismo. A influência do Projeto poderia ser vista em duas linhas que con-
cas, para a área básica de templam estudos de habitação e de planejamento urbano com preocupações instrumentais
PUR/ Demografia da Capes.
de gestão e “políticas físico-territoriais”. Tecnologia se faz presente também com referências
ao vínculo entre configuração espacial e conforto no “ambiente construído”. Em Recife, di-
ferente de Natal, parece que houve uma tentativa de romper com uma dificuldade real de
fronteiras internas que tendem a se estabelecer nos programas, evitando-se o apelo aos dua-
lismos de A&U ou PU&R ou os apelos do modelo de HPT. Alocado na área básica de Plane-
jamento Urbano e Regional/Demografia da Capes, o programa, nas suas linhas de pesqui-
sa, parece ter uma identidade “mais Planurb do que Planur”, devido à ausência explícita do
conceito de região. Por diversas décadas o programa foi conhecido nacionalmente como
MDU. Depois de criar o programa de doutorado numa época recente de desvalorização do
mestrado, o programa ainda encontra dificuldades de assimilar uma nova identidade DU.
As linhas de pesquisa da nova DU parecem enfrentar dificuldades de identidade externa e
barreiras internas com o recurso a três linhas temáticas de pesquisa, enxutas, que aprovei-
tam a flexibilidade de uma metalinguagem de conservação, espaço construído, e a possível
tautologia de “políticas públicas” (num mundo onde não se estuda como tema políticas pri-
vadas). A solução é criativa e lembra a estratégia da pós-graduação na FAU-USP, onde hou-
ve tentativas de superar as lutas internas do modelo tridepartamental com a definição de-
liberadamente ambígua de uma única área de concentração em que todo mundo virou
mestre ou doutor em “Estruturas Ambientais Urbanas”. O artifício durou três décadas an-
tes de ser atropelado pela morte do estruturalismo althusseriana em um mundo neoliberal.
O programa da UFBA em Salvador parece contar com uma história que inclui os dua-
lismos dos anos sessenta e os requisitos de um modelo tridepartamental, mas que nunca
foi a reboque da trajetória dos programas em São Paulo. A identidade própria da escola
no Bairro de Federação sempre foi o forte da História (A&U) com a integração de Tecno-
logia de conservação e restauro. No viés Projeto, as linhas atuais de pesquisa ressaltam o
pois houve uma série de restrições à liberdade de movimento que incluem alguns arti-
gos menos importantes, como o segundo artigo: “Ele não pode pensar em entrar na me-
trópole [de Brasília?] sem uma ordem expressa com pelo menos duas horas de previsão
de chegada”.
Mas também houve restrições importantes oriundas do respeito citadino com os di-
reitos dos outros, imposta no comportamento de Gulliver. Por essas razões, o terceiro ar-
tigo indica que o “dito homem-montanha deve restringir seus movimentos às estradas
principais do reino e não deitar em plantações (de milho ou de outros)”. O artigo seguin-
te aprofunda o antecedente: “Quando andar pelas estradas, ele deve tomar o maior cui-
dado para não pisar nas pessoas do reino, seus animais ou pertences e não pegar neles sem
seu consentimento”. Entendemos que o Programa 33002010097P-3 deve reconhecer os
perigos de sua situação perante os outros e zelar por sua reputação de um programa mi-
nimamente cordial.
Os outros artigos tratam de exigir vantagens da presença do gigante no país desempe-
nhando tarefas especialmente facilitadas pelo seu próprio tamanho. A lei sugere a carto-
grafia da área dos domínios do rei como uma tarefa especialmente facilitada pelo tamanho
do homem-montanha. A redação do oitavo artigo foi explícita: “O homem-montanha de-
ve apresentar num prazo de dois ciclos da Lua um mapeamento dos nossos domínios com-
putados por via dos passos que faz andando pela costa dos nossos domínios”. Também no
quinto artigo, a lei exigiu que Gulliver deve apoiar a infra-estrutura de comunicações no
reino. “Por conta da facilidade de mobilidade proporcionada pelo seu tamanho, o ho-
mem-montanha deve auxiliar um mensageiro do rei em qualquer diligência urgente, nu-
ma jornada de seis dias cada ciclo completo da Lua, e devolver o mensageiro, com segu-
rança, à presença do rei”. Até nas suas horas vagas as vantagens de seu tamanho podem ser
solicitadas por terceiros. O artigo sétimo cita o caso de pedreiros pedindo apoio para le-
vantar pedras enormes para a construção das muralhas das dependências do rei.
A liberdade do homem-montanha também foi condicionada pela aceitação de ser
aliado de Lilliput em situações de necessidade urgente. Nesse caso foi o sexto artigo que
estipulou a condição de “ser nosso aliado na luta contra os nossos inimigos na Ilha de Ble-
fuscu e fazer de tudo para destruir a armada preparada para invadir nosso reino”. Obser-
vando as condições nos artigos escritos indicados, o homem-montanha tinha o direito à
liberdade e o direito de receber diariamente uma quantidade de carne e comida equiva-
lente ao consumo de 1.728 habitantes do reino, além de acesso franqueado à presença do
rei e outras regalias. O cálculo da razão 1:1.728 foi efetuado pelos cientistas do palácio de
Belfaborac com base no exame comparativo do tamanho dos órgãos responsáveis para a
força metabólica do gigante comparada com um cidadão médio do reino.
O cálculo da distribuição da carne e comida foi fundamental nesse acordo, que su-
gere uma outra faceta de uma história institucional de Gulliver em Lilliput, contrabalan-
çando o cálculo liberal de vantagens comparativas a serem aproveitadas, no caso.
Quando as cenas de Lilliput foram transfiguradas para uma realidade inversa, as
conseqüências foram, no mínimo, interessantes. Houve uma inversão de realidade para
Gulliver, conforme seu relato na parte II das Viagens, quando nosso herói se encontrava
no país de Brobdingnag, após mais um desastre marítimo. Nesse reino alternativo, Gul-
liver assume uma estatura antrópica consideravelmente menor, comparada até com a fi-
gura malévola do anão da rainha. Mas, no relato satírico de Swift, as vivências do gigan-
te Gulliver em Lilliput e do subanão em Brobdingnag ressaltam qualidades antrópicas
distintas. No primeiro caso, de gigantismo, foi a sabedoria com a razão que dominaram
Fapesp – Biologia
Data IC MSI+MSII DRI+DRII Outros TOTAL
30/11/96 109 115 90 30 344
30/11/97 130 210 165 97 602
30/11/98 155 298 301 159 913
30/11/99 186 356 428 195 1.165
30/11/00 252 389 551 283 1.475
30/11/01 285 313 591 280 1.469
Nota: Para outras bolsas e auxílios da Fapesp (PD, TT, PC, JP), ver informações no site da Fapesp em agos-
to de 2002.
Com esses resultados explícitos e sistemáticos, para não dizer polêmicos, parece que
a área de Arquitetura e Urbanismo tem como destino, no Estado de São Paulo, uma si-
tuação relativa de subanão semelhante à de Gulliver no país de Brobdingnag.
Para a Arquitetura e Urbanismo como uma área, o problema parece estar localizado
na “Coordenação de Áreas” exercida na Fapesp. Quando uma bolsa é negada, a notícia é
transmitida numa carta polida e compreensível, mas padrão, pelo diretor científico da ins-
tituição. O tom cordial da comunicação inclui o seguinte teor:
… a Fapesp já não pode atender a mais que uma fração das solicitações incondicionalmente
recomendadas, no mérito, por sua assessoria externa. Por essa razão, todas as solicitações, até
mesmo aquelas com pareceres irrestritamente favoráveis dos assessores ad hoc, são submeti-
das, no âmbito das Coordenações de Área, a um processo altamente competitivo de avalia-
14 Carta do professor dou- ção comparativa.
tor José Fernando Perez, di- Nesse processo, define-se a posição relativa de cada solicitação numa escala de priorida-
retor científico da Fapesp,
para um candidato recusa- des, conforme seu grau de excelência nos itens Projeto, Candidato e Orientador … A pre-
do preliminarmente numa
sente solicitação foi submetida a uma tal análise comparativa e não obteve o grau de priori-
solicitação de bolsa de mes-
trado em agosto de 2002. dade necessário para seu atendimento...14
Se a norma é isso e se consideramos que a função de uma norma ou uma lei não é
a de “punir” mas a de “educar”, então parece faltar para a área de Arquitetura e Urbanis-
mo um entendimento melhor de como funciona o assinalado “processo altamente com-
petitivo de avaliação comparativa” no âmbito das Coordenações de Área da Fapesp.
“a antropologia sempre teve um sentido bem aguçado de que aquilo que se vê depende do
lugar em que é visto, e das outras coisas que foram vistas ao mesmo tempo”
Clifford Geertz, O saber local.
pela agregação de novas disciplinas e temáticas seja por ajustes teórico-conceituais e meto-
dológicos trazidos pela expansão de suas fronteiras, o que desafia fortemente o ensino.
Em síntese, essa é uma área particularmente sensível a mudanças no teor dos proje-
tos sociais; bastando citar, nessa direção, a recente inclusão, em seu cerne, da questão am-
biental e daquelas questões que têm origem na atual centralidade das políticas culturais,
em seus vínculos com velozes alterações na base técnica da vida coletiva. Num contexto
de aceleração da mudança nas relações sociais e técnicas, principalmente nos países peri-
féricos (Santos, 1993), constitui um forte desafio preservar a coerência analítica da área,
o que torna especialmente relevantes, e também estratégicas, as decisões relativas aos con-
teúdos obrigatórios da formação de novas gerações de especialistas.
DESAFIOS DA ATUALIZAÇÃO
da vez mais reduzido o tempo dedicado à formação, incluindo o do próprio professor, da-
das a velocidade adquirida pela difusão de novas idéias (e ideários) e as atuais condições
do trabalho universitário. Assim, corre-se o risco de que prevaleçam as regras do pensa-
mento operacional e pragmático, o que atinge, sobretudo, o ensino, cujos frutos são es-
perados para além do presente imediato. A aceitação acrítica da aceleração permite que a
renovação analítica envolva, num mesmo ritmo, professor e aluno, impossibilitando que,
para o último, seja oferecido o acúmulo reflexivo indispensável a um longo (e, em gran-
de parte, imprevisível) período de exercício profissional.
É indubitável que o ensino em planejamento urbano e regional não pode distan-
ciar-se da “presentificação”, quando relacionada a ideários políticos e, sobretudo, à urgen-
te análise de processos que reorganizam a economia e o território, marginalizando amplos
contingentes de brasileiros. Essa é, sem dúvida, a marca de fundo da sua particular pre-
sença na problemática do espaço – a conjugação obrigatória de teoria e modelo; de aná-
lise e projeto; de pesquisa e intervenção (Topalov, 1997). Porém, é preciso garantir às prá-
ticas didáticas o tratamento da complexidade, necessário à valorização das singularidades
de cada lugar, já que dessa valorização depende a concepção de intervenções socialmente
conseqüentes no território e no tecido social, cabendo acrescentar que a compreensão da
complexidade é, também, uma exigência do rigor científico, associado a descobertas rele-
vantes de largo alcance (Morin, 1996).
DESAFIOS DA PEDAGOGIA
DESAFIOS DA INTERDISCIPLINARIEDADE
Na história acadêmica da área, existem acúmulos reflexivos decorrentes da efetiva vi-
vência do diálogo entre disciplinas. Estes acúmulos não podem ser avaliados, de forma sa-
tisfatória, somente através de pautas temáticas, como tantas vezes ensaia-se realizar em
DESAFIOS DA FORMAÇÃO
reunidas na pós-graduação, já que o teor prático de formações pretéritas precisa ser incor-
porado aos níveis superiores de ensino.
As exigências que atingem a área são também relativas à transformação dos veios teó-
ricos e políticos da sua fundação. A ação do Estado capitalista tem sido fortemente mo-
dificada, como exemplificam a substituição de funções e a descentralização de responsa-
bilidades administrativas, em consonância com a reorganização da economia e a alteração
em formas de exercício do poder. Essas transformações correspondem a confrontos entre
ideários para a democracia e a cidadania, que incluem mudanças em leis e normas e o re-
desenho de alianças entre agentes econômicos e atores sociais e políticos (Ribeiro, 1998;
Rio & Peixoto, 2001).
Também os avanços alcançados na teoria do espaço exigem, hoje, a sua atenta con-
sideração em leituras da totalidade social (Santos, 1996) e na análise da nova base técni-
ca da vida coletiva: desde a afirmação das condições gerais da denominada sociedade de
fluxos até o envolvimento da cultura na promoção de lugares ou na conformação de re-
des de movimentos sociais e empresariais. Por outro lado, a reflexão atualizada do espaço
não pode ser alcançada, em plenitude, sem a reflexão de matrizes teóricas, relacionadas à
análise do capitalismo, e interpretações da história técnica dos lugares.
Na face da sociedade, o violento processo de exclusão e o esgarçamento da sociabili-
dade exigem práticas didáticas que favoreçam o real compromisso do Estado com o enfren-
tamento da questão social. Trata-se da necessidade de que sejam concebidas (e difundidas)
formas generosas e integradoras de organização do território e de gestão dos recursos. Ain-
da afloraram, nas últimas décadas, formatos organizativos e atores sociais que possibilitam
interlocuções inovadoras na área do planejamento urbano e regional, como demonstram
os grandes temas das reformas agrária e urbana e da justiça ambiental (Acselrad, 1999).
DESAFIOS INSTITUCIONAIS
PROPOSTAS À ANPUR
• Criação da cátedra Milton Santos, dedicada ao estímulo de práticas de ensino que de-
mocratizem o conhecimento do espaço;
• instauração de uma comissão permanente de ensino junto à Diretoria;
• lançamento de desafio à área para que explicite os conceitos de espaço, Estado e socie-
dade que orientam o ensino;
• mapeamento, junto com as instituições filiadas, do processo de renovação/superação
de matrizes teóricas;
• definição da posição da Anpur perante os cursos profissionalizantes estimulados pela
Capes;
• formulação de demanda à Capes para que sejam ampliados os critérios qualitativos uti-
lizados na avaliação dos cursos;
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACSELRAD, H. Discursos da sustentabilidade urbana. Revista Brasileira de Estudos Ur-
banos e Regionais, n.1, maio 1999.
BARROS, F. (Org.). As estratégias dos bancos multilaterais para o Brasil (2000-2003). Bra-
sília: Rede Brasil, 2001.
INTRODUÇÃO
biografias urbanas e história do urbanismo até então hegemônicos. A década de 1960 foi
especialmente profícua a esse respeito. Além de vários trabalhos de peso sobre a história
do processo de urbanização (por exemplo, Hauser & Schnore, 1965), algumas outras
obras e eventos marcam o surgimento de determinados grupos de pesquisadores que pas-
sam a se auto-intitular “historiadores urbanos”. O Joint Center for Urban Studies do MIT
e a Universidade de Harvard (EUA) organizaram uma conferência que resultou na publi-
cação, em 1963, de The Historian and the City (editada por Oscar Handlin e John Bur-
chard). A importância dessa publicação, para o assunto em questão, foi a reunião, não de
estudos de caso, mas de reflexões sobre a perspectiva histórica e o urbano.
O GRUPO DE LEICESTER
AS QUESTÕES CENTRAIS
São três as questões principais em torno das quais giram o que se poderia chamar de
reflexões fundadoras:
a. o balanço, categorização e análise da produção historiográfica já existente;
b. a procura de uma definição do que seria a história urbana, em especial no que diz res-
peito a sua relação com o resto das ciências sociais; e
c. a definição de um programa/agenda de pesquisa.
No que diz respeito ao primeiro aspecto (mas também ligado ao segundo), podem-
se afirmar a explicitação de uma insatisfação e a procura de diferenciação em relação à tra-
dição biografista de gênero antiquarista (enaltecedora do passado). Esse poderia ser apon-
tado como o principal ponto em comum. Mas a produção biografista então existente já
não se resumia a esse antigo gênero antiquarista. Já havia a produção de história de cida-
des aplicando abordagens mais compreensivas. O balanço da produção existente dá con-
ta dessa transformação, mas a contrapõe aos estudos de caráter temático mais geral. O ar-
tigo “Agenda for Urban Historians”, de autoria de H. J. Dyos, que faz a abertura do The
Study of Urban History (1968), é bastante revelador de uma determinada visão, não só da
produção existente, como de uma agenda de continuidade. Nesse artigo, Dyos identifica
duas abordagens possíveis: uma particularista e outra generalista. A primeira delas mais
pectiva da história urbana consistia uma estratégia operacional para uma “história total”,
um ponto de convergência das contribuições transdisciplinares para a interpretação his-
tórica (Burke, 1981, p.55-7, apud Sutcliffe, 1984, p.124). Ainda referindo-se à concep-
ção de Dyos de história urbana, Fraser e Sutcliffe (1983b, p.IX) afirmam que “na sua con-
cepção a história urbana seria um grande fórum das ciências históricas, ‘um lugar central’
para o qual convergiriam uma inusual variedade de disciplinas, interesses e tendências”.
Esta foi a criticada e radicalizada abordagem Urban History. Durante os anos 70, Dyos e
Reeder, por exemplo, sustentam a existência de uma ligação intrínseca entre a “economia
da produção habitacional urbana e o sucesso comercial britânico” (Sutcliffe, 1983,
p.234), isto é, todo o setor econômico de exploração dos slums organicamente inseridos
na economia de baixos salários.
Num lado oposto à perspectiva “cidade como processo” alinham-se historiadores e
outros cientistas sociais que se interessam pelo urbano apenas como local onde os emba-
tes e transformações sociais acontecem. Alguns deles, durante algum tempo, paradoxal-
mente se intitulavam, eles também, historiadores urbanos. Nessa perspectiva, entretanto,
não havia uma história urbana como um domínio específico. Os fenômenos por ela tra-
tados eram apenas incidentalmente urbanos. Essa visão recebeu o rótulo de perspectiva
“urbano como sítio”, em inglês, urban as a site. Na verdade, esse debate transcende e é an-
terior à constituição dos grupos de auto-intitulados historiadores urbanos. A divergência
possui raízes bem mais profundas e antigas. Esse embate de posições vem acontecendo de
maneira declarada, no âmbito da historiografia americana, desde, pelo menos, o início
dos anos 40. Uma pequena digressão é necessária para o entendimento da evolução das
posições. Existia uma corrente da historiografia americana, da qual Frederick Jackson Tur-
ner foi um porta-voz, para a qual a chave de compreensão da história dos EUA não estava
na evolução das colônias atlânticas, mas sim na expansão em direção ao Oeste. Com a
evolução do processo de urbanização, em 1925, Turner, numa carta, menciona que teria
chegado o momento de uma “reinterpretação urbana da história” (Diamond, 1941; 1992,
p.572). Essa incitação foi posta em prática por Arthur Schlesinger nas entrelinhas do seu
livro The Rise of the City 1878-1898 e pouco tempo mais tarde como argumento central
do artigo “The City in American History”. Pois é exatamente contra esse argumento que,
em 1941, William Diamond publica o artigo: “On the dangers of an urban interpretation
of history, historiography and urbanization” (republicado em francês, em 1992). Diamond
aponta a falta de uma definição clara do que seria a cidade, e a inconsistência de sua uti-
lização como elemento causal na interpretação do desenvolvimento histórico. Para ele, as
classes sociais tinham um potencial explicativo muito maior do que as condições de cita-
dino/ou não em relação, por exemplo, às posições políticas ou ao comportamento demo-
gráfico (natalidade, mortalidade etc.). Essa discussão sobre a cidade (e/ou o urbano) co-
mo variável independente ou variável dependente é retomada, nos mesmos termos, pelas
visões “cidade como processo” versus “urbano como sítio”. Dada a importância desse de-
bate na configuração e delimitação do campo de conhecimento da história urbana, ele
merece, no âmbito desse trabalho, um detalhamento um pouco maior. Vejamos, então,
alguns dos principais protagonistas e seus argumentos.
Um nome de primeira grandeza da crítica à história urbana é o de Philip Abrams,
pensador de orientação weberiana que, no artigo “Towns and economic growth: some theo-
ries and problems” (1978), aborda como objeto central essa discussão. Para ele, havia um
equívoco bastante freqüente, principalmente no âmbito da história urbana, mas também
ocorrente na sociologia urbana, aliás ambas verdadeiros “cemitérios de generalizações so-
bre a cidade” (1978, p.9). O equívoco assentava-se na concepção da cidade como uma
“entidade social” sui generis. Na verdade, a cidade seria “uma forma social na qual as pro-
priedades essenciais de um sistema mais amplo de relações sociais são grosseiramente
concentradas e intensificadas – até um ponto em que a extensão residencial, a densida-
de e a heterogeneidade, as características formais de uma cidade parecem ser nelas mes-
mas propriedades constituintes de uma ordem social distinta” (1978, p.9-10). Assim co-
mo na crítica de Diamond, a origem dessa confusão estava no próprio conceito de
“cidade”. Para exemplificar, Abrams usa a interpretação de Maurice Dobb (1963, p.33-
127), para quem a transição do feudalismo para o capitalismo está diretamente ligada à
emergência das cidades.
história urbana como paradigma explicativo da mudança social. Outra referência impor-
tante, também na mesma linha crítica, é o artigo de R. H. Hilton, “Towns in English feu-
dal society”, que questiona a interpretação de Henri Pirenne de que as cidades são a antí-
tese e fator de desagregação da sociedade feudal (Sutcliffe, 1983, p.235). Enfim, existe
toda uma linha de questionamento, não só em relação à história urbana, mas de todas as
análises de processos sociais que empregam o urbano como categoria de análise. Uma con-
tribuição historicamente importante, até mesmo porque é bastante lida e discutida, se
bem que seja exterior ao universo anglofônico, provém de Jean-Claude Perrot. Esse his-
toriador francês apresenta uma posição com sensíveis nuances em relação ao embate de
posições “cidade como processo” versus “urbano como sítio”. A sua concepção de cidade
é a de um observatório privilegiado dos fatos sociais. Segundo ele:
a consideração dos fatos urbanos constitui um meio, dentre outros, para revelar a história das
relações sociais imprecisas na consciência daqueles que as vivenciam … Evidentemente, as
cidades não se constituem em agentes de revoluções, cujas raízes estão nas profundezas da
economia, da demografia, das transformações técnicas e das decisões políticas. Entretanto,
entre causas e efeitos, as aglomerações ocupam um cruzamento privilegiado: de uma certa
maneira, a influência delas escapa à compreensão das consciências contemporâneas, por ou-
tro lado diametralmente oposto, as transformações urbanas contribuem, quando necessário,
para rasgar a aparência da sociedade de ordens, desvendando as verdadeiras características dos
grupos sociais.3 (Perrot, 1992, p.47-52.) 3 “… la considération des
faits urbains est un moyen,
parmi d’autres, de faire au
jour de l’histoire des rap-
ports sociaux imprécis dans
A NEW URBAN HISTORY la conscience de ceux qui
les vivent … Bien sûr, les vil-
les ne sont pas d’abord
Se do lado europeu apontou-se como fato desencadeador da “constituição da histó- l’agent de révolutions dont
ria urbana” a formação do “grupo de Leicester”, no lado americano, ainda que não par- les eaux mères viennent des
profondeurs de l’économie,
tindo das mesmas opções conceituais, esse papel coube ao grupo e à “visão” conhecidos de la démographie, des mu-
tations techniques et des
como New Urban History. O evento de “fundação”, nesse caso, foi a conferência “Nine- décisions politiques. Mais
teenth Century Industrial City”, organizada na Universidade de Yale (New Haven, EUA) entre les causes et les ef-
fets, les agglomérations oc-
por Richard Sennett e Stephan Thernstrom, em 1968. A publicação ligada ao evento e cupent un croisement privilé-
que serve de referência para essa abordagem em história urbana intitula-se The Nineteenth gié: d’une certaine manière,
leur influence échappe à la
Century City: Essays in New Urban History, cujos editores são exatamente Sennett e saisie des consciences con-
Therntrom. É importante ressaltar que, tanto no caso britânico como no americano, es- temporaines, d’une autre au
contraire, les transforma-
ses eventos não estão iniciando a produção historiográfica urbana, que obviamente lhe é tions urbaines contribuent,
anterior, mas, principalmente, articulando a constituição de paradigmas, no sentido kuh- quand il faut, à déchirer
l’apparence de la société
niano do termo, isto é, estabelecendo referências teóricas comuns, procedimentos meto- d’ordres, dévoilant les traits
réels des groupes sociaux. ”
dológicos, associações, publicações etc. (Khun, 1962). A história urbana concebida no
âmbito do grupo New Urban History parte de uma perspectiva marcadamente sociológi-
ca e claramente identificada com a abordagem “urbano como sítio”. Nesses aspectos, ela
pode ser considerada diametralmente oposta à orientação do grupo de Leicester, cujas afi-
nidades e passado disciplinar eram muito mais ligados à ciência econômica e à história
econômica, e cuja concepção de história urbana era declaradamente “cidade como pro-
cesso”. Os principais pontos que caracterizaram esse grupo americano são: a procura do
estabelecimento de “pontes” entre os dados históricos e outras disciplinas das ciências
sociais, em particular com a teoria sociológica; a aplicação de abordagens quantitativas; e
o interesse por aspectos das experiências cotidianas. Os primeiros anos foram de grande
Possivelmente tanto quanto ou até mais importante que a New Urban History na
constituição e difusão da história urbana americana foi o papel do Journal of Urban His-
tory (JUH ). Ele apareceu em 1974, isto é, significativamente mais tarde que o seu correla-
to britânico – o Urban History Newsletter foi publicado pela primeira vez em 1963. Um
detalhe de considerável importância é que o JUH, desde o seu princípio, procurou manter
um distanciamento estratégico em relação à New Urban History. Em meados da década
de 1970 já se desenhavam claras as limitações dessa abordagem. No seu primeiro edito-
rial, Raymond Mohl explicitava o perfil da publicação: “estudos de pequenos ou estreitos
fragmentos da experiência urbana … somente se eles estiverem claramente e fortemente
relacionados a um contexto mais amplo” (apud Blumin, 1994). Isso era um aviso de in-
terdição às “limitadas e estreitas” pesquisas de mobilidade desenvolvidas pela New Urban
History. O JUH assim como o Urban History (UH ) – que em 1992 sucedeu o Urban His-
tory Yearbook, que por sua vez, em 1974, havia sucedido o Urban History Newsletter – ape-
sar de se pretenderem internacionais, têm uma cobertura geográfica, quanto à origem das
contribuições assim como quanto às temáticas abordadas, significativamente restritas aos
respectivos países de origem. No caso do UH, esses limites se estendem ao Commonwealth,
já o JUH apresenta uma visão de história urbana mais estritamente americana. Entre as ex-
ceções, são de especial importância para os leitores interessados na história urbana latino-
americana: Morse, 1974; Socolow e Johnson, 1981; Greenfield, 1989; e Armus & Lear,
1998. Já existem alguns artigos que fazem balanços dessas duas publicações periódicas que
continuam a ser as duas mais consolidadas e praticamente únicas com distribuição larga-
mente internacional: Browell, 1984; Bloomfield, 1987; Rodger, 1992; Blumin, 1994; e
Stave, 1994. Potencializadas pela língua, mas também pelo volume e qualidade do mate-
rial já publicado.
O principal marco desse outro período aconteceu logo no ano de 1980. Foi a “Dyos
Memorial Conference”, inicialmente sob organização do próprio Dyos que, ao falecer, foi
substituído por Derek Fraser e Anthony Sutcliffe. A importância do evento deve-se tan-
to ao seu caráter internacional como ao caráter de avaliação do estado da arte após cerca
de vinte anos de articulações pró consolidação da história urbana como campo de conhe-
cimento. Aconteceu em Leicester e teve um impacto comparável ao do encontro de 1966.
A publicação correspondente, The Pursuit of Urban History, só veio a ser editada em 1983,
sob responsabilidade de Derek Fraser e Anthony Sutcliffe, e o conteúdo não coincide exa-
tamente com o programa da Conferência. Essa obra, conjuntamente com o artigo de Sut-
cliffe (1984) sobre o evento, quatro anos depois, constituem fontes fundamentais para a
compreensão das perspectivas e balanços feitos não exatamente sobre, mas durante os
anos 80. São, a nosso ver, três as temáticas principais que aparecem nas discussões episte-
mológicas, nesse período:
a) um aprofundamento da discussão sobre a transdisciplinaridade e a necessidade de es-
tudos comparativos;
b) um foco sobre a organização institucional da pesquisa (necessidade de projetos coleti-
vos); e
c) reflexões sobre a experiência da New Urban History e as abordagens quantitativas.
O tom geral dos artigos que procuram fazer o balanço das quase duas décadas ante-
riores de produção historiográfica é de franca decepção em relação às expectativas da dé-
cada de 60. Bédarida (1983, p.397), por exemplo, menciona especificamente o caráter
disperso e desconexo dessa produção que, apesar de crescente, careceria de obras de sín-
tese. Hershberg (1983), por sua vez, expressa a sua decepção em relação à questão da
transdisciplinaridade.4 Sua interpretação envereda pelo âmbito da sociologia das ciências. 4 Hershberg (1983) faz uma
diferenciação: multidiscipli-
Para ele, as dificuldades são de ordem ideológica, cultural, psicológica assim como decor- naridade (preservação do
rentes de fatores estruturais. A própria institucionalização das disciplinas que, por um la- paradigma disciplinar) di-
ferenciar-se-ia de interdis-
do, potencializou avanços devidos à especialização, também criou barreiras. A formaliza- ciplinaridade (utilização de
ção das disciplinas5 implicou a estruturação das universidades em departamentos. No caso variáveis explicativas prove-
nientes de outras discipli-
americano, o sistema de recompensas (no âmbito universitário) privilegiou os empreen- nas). Ele indica, para um
aprofundamento da ques-
dimentos individuais. Daí as dificuldades de síntese. A problemática não seria tanto de tão, um outro texto de sua
especialização, mas principalmente de isolamento. No caso das pesquisas aplicadas e das autoria: Hershberg, 1981.
hard sciences, haveria uma natural interdependência e cumulatividade entre disciplinas ir- 5 Apenas a título de curiosi-
mãs. No caso das ciências humanas existe uma valorização da criatividade, e conseqüen- dade, reproduzimos a infor-
mação referente às datas
temente um isolamento. Daí a ênfase na necessidade de projetos colaborativos. Durante de institucionalização, nos
os anos 80 houve uma formulação bastante clara da necessidade desses projetos. Eles são EUA, de algumas discipli-
nas, conforme apresenta-
ao mesmo tempo uma solução à questão da transdisciplinaridade e à necessidade de estu- das por Hershberg (1983,
dos comparativos. p.431): história, 1884; eco-
nomia, 1885; ciência políti-
Apesar de um certo tom de desilusão, os anos 80 foram, no âmbito da história ur- ca, 1903; e sociologia,
1905.
bana, bastante profícuos. De um lado já estavam bastante digeridas as críticas feitas
às abordagens “quantitativistas” americanas. Após a “ressaca” em relação à New Urban
Seguindo uma tendência já delineada nos anos 80, a história urbana produzida na
Europa nos anos 90 caracterizou-se por um grande dinamismo e proficuidade (Lees,
1994). No âmbito das ações cooperativas, tão preconizadas anteriormente, os avanços
continuaram notáveis: projetos de pesquisa – por exemplo, o Ontwikkelung van de Stad,
Hilversum-Holanda, 1992 (Lees, 1994), ou ainda o notável projeto Atlas histórico de las
ciudades europeas –, publicações, constituição de associações nacionais e de redes associa-
tivas, notadamente a Associação Européia de Historiadores Urbanos. Esse dinamismo
europeu, segundo Lees (1994, p.8), contrasta com o quadro norte-americano em que a
história urbana continuou a ser uma atividade marginal. Há avanços na antiga questão
da transdisciplinaridade, no entanto, existe também um reconhecimento de que se tra-
ta de um empreendimento mais difícil do que podia parecer: “poucos foram suficiente-
6 A propósito, essa última
obra apresenta, anexa, uma mente promíscuos em termos intelectuais para experimentar as delícias metodológicas e
interessante e vastíssima se- teóricas emprestadas da vasta gama de possibilidades interdisciplinares disponíveis”
ção bibliográfica (336 pági-
nas) organizada, ela também, (Rodger, 1992, p.9).
por países com subdivisões Apesar da efervescência da produção, existe a constatação da raridade das ações de
por tipo de produto e por te-
mática. A sub-seção final, síntese. Mesmo as obras que adotam uma perspectiva comparativa são organizadas sob
após todos os países, é de-
dicada às pesquisas compa-
forma de coletâneas, em que as contribuições continuam circunscritas às barreiras nacio-
rativas internacionais. nais (por exemplo, Rodger, 1993; Biget & Hervé, 1995; Engeli & Matzerath, 1989).6
Curiosamente, as principais obras que conseguiram essas análises mais globais são quase
todas produzidas nos EUA, por exemplo, Hohenberg & Lees, 1985; Vries, 1984; e Moch,
1992. As exceções são Bairoch, 1985, e Pinol, 1991 (Lees, 1994, p.9). A transcendência
da dimensão local continua a ser um dos grandes desafios, aos olhos das análises existen-
tes sobre os anos 90. Como pudemos acompanhar, desde os anos 60, as biografias urba-
nas têm sido uma temática constante das reflexões sobre a produção historiográfica urba-
na. A evolução do olhar e das posições sobre essa modalidade historiográfica é reveladora
das transformações das concepções metodológicas e epistemológicas sobre a história ur-
bana. Para Dyos, as histórias de cidades eram uma espécie em perspectiva de extinção:
“Está em declínio … o período dos estudos idiossincráticos empreendidos individual-
mente sobre uma determinada cidade sem propósito analítico particular” (Urban History
Yearbook, 1975, p.3). Posteriormente, durante a década de 1980, diante da constatação
de sua sobrevivência e vitalidade, Fraser & Sutcliffe (1983c, p.XXVIII) consideram-na co-
mo “produção cabível para historiadores juniores”. Já nos anos 90 as análises são mais ela-
boradas. De um lado, ao constatar que as biografias continuam a constituir a maior par-
te da produção exterior aos projetos coletivos, Lees (1994, p.9) interpreta o fato como
uma conseqüência da estrutura da pesquisa acadêmica, enquadrada em programas indivi-
duais com prazos limitados. As formas combinadas de biografias urbanas com abordagens
regionais têm o mérito de atrair um público não-especializado. Há também uma razão
metodológica inerente à própria disciplina histórica, naturalmente mais ligada às fontes e
consciente dos riscos das generalizações. Entretanto, ele propõe estratégias de transcen-
dência: estudos comparativos a partir de tópicos específicos ou o estudo de redes de cida-
des. Richard Rodger (1992, p.8), por sua vez, apresenta uma visão um pouco mais posi-
tiva. Para ele “as biografias urbanas constituem o alicerce empírico para as análises
sistemáticas dos processos em curso nas cidades”. Além do mais, elas seriam uma modali-
dade de história urbana mais pertinente para as abordagens antropológicas e etnográficas.
Aliás, as abordagens culturalistas de forma geral, assim como as contribuições metodoló-
gicas provenientes das análises de linguagem constituem uma das marcas vislumbradas
nos anos 80 e aprofundadas nos anos 90 (Lees, 1994, p.11).
Quanto às perspectivas de desenvolvimento, Richard Rodger (1992) vê na fragmen-
tação de interesses um risco de empobrecimento da história urbana. Fragmentação pela
constituição de grupos ligados a temáticas específicas, como por exemplo, períodos histó-
ricos de interesse, ou então grupos especificamente interessados em história do planeja-
mento/urbanismo ou os grupos de morfologia urbana.
Essa patologia urbana, a dissecação do tecido da cidade, concentrado como ele é, a par-
tir de trabalhos detalhados sobre uma simples parcela negligenciou a atenção sobre as inte-
rações com o corpo urbano como um todo. Para eles, a cidade é essencialmente um adjunto
do objeto de estudo. (p.8.)
Luís Octávio da Silva, urba- dade, necessariamente abarcam diferentes modalidades historiográficas. Eventualmente, a
nista, é professor do Curso
de Arquitetura e Urbanismo
constituição de fóruns especializados pode ser a trajetória que mais propiciará o avanço
da Universidade São Judas do conhecimento. A apreensão de um objeto tão multifacetário como o urbano implica
Tadeu e assessor do Progra-
ma de Reabilitação do Cen-
necessariamente a adoção de perspectivas privilegiadas. Nesse sentido, sempre haverá, a
tro de São Paulo. E-mail: nosso ver, sob o rótulo de “história urbana” várias modalidades historiográficas, eventual-
luisoctavio@hotmail.com
mente constituindo saberes específicos.
Artigo recebido para publica-
ção em setembro de 2001.
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A B S T R A C T The aim of this article is to highlight and analyse the main events,
markers and cases in point and discussions concerning the emergence of urban history as a spe-
cific field of knowledge. Our focus will be on the events of international impact. This article
is mainly based on British and American literature due to the innovative role played by UK
and USA in the development of historical analysis concerning the city, as well as the diffusion
potential given by the language on which these contributions were made. In this work our in-
terest will be more on the marks and references concerning the constitution of this knowledge
field rather than the historiographic production itself.
INTRODUÇÃO
vro-manifesto, Debord quer denunciar, entre outras coisas, a invasão dos meios de co-
municação de massa na sociedade, o princípio do fetichismo das mercadorias e a acumu-
lação dessas mercadorias produzidas em série. Guy Debord profeticamente anunciou
que a cultura seria a estrela da sociedade do espetáculo, a “mercadoria vedete” na próxi-
ma rodada do capitalismo, exercendo a mesma função estratégica desempenhada nos
dois ciclos anteriores pela estrada de ferro e pelo automóvel. E ele estava certo: nunca a
tirania das imagens e a submissão alienante ao império da mídia foram tão fortes como
agora. Nunca os profissionais do espetáculo e os promotores culturais tiveram tanto po-
der: invadiram todas as fronteiras e conquistaram todos os domínios, da arte à econo-
mia, da vida cotidiana à política.
O conceito de cultura passou por diversas fases, diversos momentos, e foi se modi-
ficando de acordo com o contexto vigente na época. Adorno e Debord podem ter soa-
do excessivamente alarmantes na época em que se manifestaram. Hoje, porém, temos a
confirmação de que eles somente estavam prevendo o que ocorreria com um crescente
processo de globalização da economia e uma conseqüente agudização das questões para
as quais eles já chamavam nossa atenção.
O momento atual, inserido na chamada “cultura econômica”, pode ser definido
como o tempo de uma cultura globalizada, em que aparecem inúmeros fenômenos li-
gados a essa fase. Novas formas de capital cultural e uma série mais extensa de experiên-
cias simbólicas estão em oferta num campo de cidades mundiais cada vez mais globali-
zado – isto é, mais facilmente acessível por meio das finanças (dinheiro), comunicações
(viagens) e informação (radiodifusão, publicações, mídia). Encontramos nesse momen-
to diversos teóricos trabalhando a questão da globalização da cultura e desenvolvendo
algumas noções importantes para o entendimento do processo pelo qual a cultura está
passando, como por exemplo Otília Arantes, que fala de image-making, de culturalismo
de mercado e da “mercadorização” da cidade. O que ela está denunciando é a questão de
a cidade estar subjugada aos ditames do mercado e se utilizar da cultura para promover
sua imagem.
Com a globalização, a cultura passa a ser uma espécie de “isca” para atração de in-
vestimentos nas cidades. Os novos projetos urbanos se utilizam dessa política institu-
cional do city marketing visando tornar a cidade mais atrativa e, portanto, mais compe-
titiva. Para tal, busca-se atender à demanda de qualidade de vida e de equipamentos
culturais para que a cidade possa efetivamente atrair investimentos (Ribeiro & García,
1995).
Nos anos recentes, tem-se verificado um reconhecimento crescente do valor das in-
dústrias culturais para a economia das cidades. Nesse contexto, vemos como, paralela-
mente ao capital econômico, existem modos de poder e processos de acumulação basea-
dos na cultura, nos quais o fato de que a cultura pode ser capital e possui valor está
muitas vezes oculto e dissimulado.
O importante é ressaltarmos que atualmente não se pode falar de cidade sem falar
obrigatoriamente de cultura e de capital. Os três elementos parecem estar indissociáveis e
aparentemente estão se combinando e produzindo um objeto síntese dessa mercadoriza-
ção da cidade e da cultura: os novos museus.
OS NOVOS MUSEUS E A
TRANSFORMAÇÃO NA IMAGEM DAS CIDADES
tão urbana tem, agora, como nexo central, a problemática da competitividade urbana. Es-
se projeto implica a direta e imediata apropriação da cidade por interesses empresariais
globalizados e depende, em grande medida, do banimento da política e da eliminação do
conflito e das condições de exercício da cidadania. Vender a cidade, ou seja, fazer o mar-
keting urbano, converteu-se em uma das funções básicas dos governos locais. A cidade
tornou-se uma mercadoria a ser vendida, num mercado extremamente competitivo, em
que outras cidades também estão à venda; o que fatalmente conduz à destruição dessa ci-
dade como espaço da política e como lugar da construção da cidadania (Vainer, 2000).
A CRIAÇÃO DO MUSEU
exposições cercado de paredes retas, circulando por uma galeria que o protegesse e permi-
tisse aos visitantes, nos momentos de pausa, apreciar a vista extraordinária. Deixei o tér-
reo livre de construções, localizando as áreas de trabalho, direção, recepção etc., no pri-
meiro piso e, no subsolo, o restaurante e a reserva técnica. E utilizei o núcleo central como
ligação direta entre esta última e o salão de exposições”.5 5 Extraído do depoimento
de Oscar Niemeyer ao jornal
Como o museu foi uma iniciativa da prefeitura e a obra foi toda custeada pelo mu- Setedias, n.896, p.3, 31 de
nicípio de Niterói – o que gerou longas interrupções na construção por falta de verba – agosto a 6 de setembro de
1996.
surgiu uma forte “onda” de desconfiança de que a obra não seria completada.6 Contra- 6 O museu custou muito ca-
riando essas desconfianças, e após quase cinco anos de obras, o MAC foi inaugurado em 2 ro para a cidade de Niterói.
A previsão de custo era de
de setembro de 1996 para ser um marco, um símbolo da cidade de Niterói, tendo como 4 milhões de dólares, mas
ele acabou custando US$ 6
núcleo inicial de seu acervo a coleção de arte brasileira – da década de 1950 até os dias milhões.
atuais – de João Leão Sattamini Neto.
O prédio do MAC está sendo visto como o ícone de uma nova Niterói, agora consi-
derada por muitos mais moderna, arrojada, cosmopolita, bonita e portanto mais orgulho-
sa de si. O museu se ergue sobre o promontório a pique sobre o mar, dividido em duas
seções: o embasamento de ancoragem da estrutura central, que contém as instalações e o
restaurante, e o volume do museu propriamente dito, projetado na saliência do suporte
oco cilíndrico de 8m de diâmetro. A leveza produzida pela assombrosa diferença entre as
dimensões do núcleo de sustentação e o balanço de 23m é acentuada pelo espelho d’água
que oculta a ancoragem do edifício.
O acesso acontece por meio de uma rampa externa curvilínea, cujo complexo tra-
çado contrasta com a pureza do volume. Grandes placas de cristal térmico possibilitam
a percepção da costa de Niterói e da baía de Guanabara em toda a extensão do percur-
so dos salões de exposições, convertendo a paisagem no principal protagonista da expe-
riência plástica.
O MAC se insere nessa nova “onda” de arquitetura de museus, em que a própria ar-
quitetura cada vez mais se apresenta como um valor em si mesmo, como uma obra de
arte, como algo a ser apreciado como tal e não apenas como uma construção destinada
a abrigar obras de arte. Mais do que as obras de arte expostas, o que verdadeiramente
atrai os visitantes é o próprio edifício do museu: a arquitetura do MAC parece empobre-
cer o seu discurso expositivo, podendo chegar a comprometer sua função museológica.
Aparentemente, a preocupação em relação à forma do MAC se sobrepôs à questão
funcional de um museu. Apesar de todos os modernos recursos tecnológicos utilizados
no projeto do MAC, a reserva técnica do museu não comporta nem 10% do seu acervo.7 7 O acervo de João Sattami-
ni é o segundo maior do
Isso é no mínimo curioso, já que o MAC foi criado justamente para abrigar o acervo (pe- Brasil, com 1.200 peças.
lo menos é o que afirmam seus idealizadores). Entretanto, ele não cabe e portanto não Ele só perde para a coleção
de Gilberto Chateaubriand,
fica no museu; fato que explicita a complicada relação forma–função desse equipamen- localizada no Museu de Arte
to cultural. Moderna do Rio de Janeiro.
Há que se abrir aqui um importante parênteses, pois esse fato chamou nossa aten-
ção e provocou um importante questionamento: será que a principal intenção dos cria-
dores do MAC teria sido a de criar um museu ou a de criar um marco, um monumento
na cidade de Niterói, e para isso se utilizaram de um museu?
Outra importante questão levantada em nossa pesquisa foi a respeito da opinião pú-
blica quando o museu foi construído. O MAC desagradou à população de várias formas:
na agressão à paisagem onde foi implantado; na retirada da “função de encontro” daque-
le local; em seu alto custo, gerando até mesmo aumento de IPTU na cidade (IPTU esse que
já era considerado bastante elevado). Além desses fatores, só ao se iniciar a construção é
que a população foi tomando conhecimento do que seria ali construído e da própria for-
ma do museu. Sua arquitetura em princípio causou bastante estranhamento e reações ne-
gativas da população, tanto pelo seu caráter ousado e “futurista” – considerado “moder-
no” demais para a cidade – como por sua escala monumental.
Não foi à toa que o morador sentiu-se agredido, já que o conceito de participação
social foi inteiramente abolido. Ficou evidente que a população não foi consultada em ne-
nhum momento a respeito da criação do museu em sua cidade. A decisão de sua constru-
ção foi imposta de cima para baixo e à população só coube depois pagar a conta. Além
disso, os moradores se mostraram bastante preocupados com a destruição da encosta do
morro da Boa Viagem.
Finalmente, ao relacionar o formato do museu ao de um disco voador, apelidaram-
no pejorativamente de “nave da Xuxa”. Houve outros apelidos tais como: taça, cálice, dis-
co voador, nave espacial, OVNI. Apesar dessas reações iniciais, o fato é que a imagem da
cidade de Niterói vem se alterando profundamente e a implantação do Museu de Arte
Contemporânea contribuiu imensamente para essa mudança de imagem tanto interna co-
mo externamente; vindo a modificar inclusive a auto-imagem de seus habitantes. Ou se-
ja, a promoção da imagem que se faz do museu tem um efeito direto na promoção da
imagem que se faz da cidade de Niterói. Parece que ficou para trás o tempo em que os
habitantes da cidade “torciam o nariz” para o “disco voador” ou a “nave da Xuxa”. Hoje,
pode-se dizer que praticamente todos se gabam de ter um “Oscar Niemeyer” e de fazer
parte de uma cidade que foi inserida no circuito turístico/cultural mundial. A que preço
é que não descobriram ainda.
CONSEQÜÊNCIAS NA CIDADE
Os museus são vistos agora não apenas como fontes de disseminação cultural, mas
também como agentes do desenvolvimento urbano, porque atraem visitantes, criam em-
pregos e geram reportagens positivas sobre as cidades. Um importante aspecto presente
nessa negociação da qual resultou a nova imagem da cidade de Niterói é o fato de ela
anunciar que – guardadas as devidas proporções e singularidades – a cidade tem um Nie-
meyer, assim como Bilbao tem um museu assinado por Frank Gehry, São Francisco tem
um Mario Botta etc. Portanto, a imagem estratégica de Niterói estaria informando, por
meio do Museu de Arte Contemporânea, que existe na cidade uma real vontade de in-
serção nas redes globais, e que ela pode vir a ser uma confiável cidade-negócio.
Recentemente, confirmando o já comentado prestígio internacional atingido pelo
MAC, o museu teve destaque na mídia por ter sido eleito uma das sete maravilhas do mun-
do moderno. Uma das mais importantes publicações voltadas para a área turística, a re-
vista americana Condé Nast Traveller, incluiu o Museu de Arte Contemporânea de Nite-
rói em sua lista das sete novas maravilhas mundiais.
A arquitetura do museu se transformou em ícone, logotipo da prefeitura, peça pu-
blicitária, marca da cidade, com a sua imagem sendo reproduzida infinitamente pela ci-
dade. E, ao se tornar ícone, a população alterou sua percepção a respeito do museu e até
de sua cidade.
Conforme já foi mencionado, as cidades não passariam de balcões de negócios a dis-
putar a nuvem financeira e as hordas de turistas que circulam pelo mundo. Porém, há ain-
da outros ingredientes indispensáveis aos bons negócios: o “orgulho cívico” dos habitan-
2000). Se Paris é a cidade da Torre Eiffel e Londres é a cidade do Big Ben, Niterói é a
cidade do MAC.
Mas como será que se deu a assimilação desse símbolo? Por que a cidade acabou in-
corporando a forma do MAC como seu símbolo? Pode ser que esse fato se explique, pelo
menos em parte, devido à forma do museu ser de fácil leitura, por causa da simplicidade
de suas linhas. Portanto, sua forma seria facilmente absorvível e também identificável. É
óbvio que há uma estreita ligação com o que se aprende no marketing: utilizar proposita-
damente as formas de fácil assimilação.
Além disso, devemos observar que ocorreu um fenômeno de intensa reprodução da
imagem do museu pela cidade de Niterói. É sintomático que a prefeitura tenha adotado
como logotipo justamente o perfil do museu, e que seu desenho se encontre disseminado
pela cidade em pôsteres, camisetas, sacolas, adesivos, quadros, outdoors, panfletos etc. No-
te-se que diversos conceitos e imagens são associados ao MAC; a forma do museu parece
transmitir idéias como: futurismo, vanguarda e modernidade, e esses conceitos são atri-
buídos a qualquer coisa que esteja ligada a sua imagem. Talvez por essa razão haja tanto
interesse em associar um negócio ou uma empresa à imagem do museu.
A reprodução da forma do museu é tanta que já estamos correndo o risco de essa
forma vir a não significar mais nada, já que o seu simbolismo está sendo desconstruído
devido à repetição pelos agentes econômicos locais. No futuro, isso pode significar até
uma redução simbólica da própria obra de Niemeyer.
Hoje em dia, basta caminhar por Niterói para se deparar com o desenho do MAC re-
produzido – embora algumas vezes de forma estilizada – em logomarcas que vão desde
copiadoras, imobiliárias, empresas de táxi e mecânicas de automóveis até grandes empre-
sas de ônibus que circulam por quase toda a cidade exibindo o desenho do MAC nas late-
rais. A utilização da imagem do museu é tanta que, por vezes, tem-se a impressão de que
estamos em uma cidade temática, com a forma do MAC “pipocando” em cada esquina. O
pior é que a tendência é isso tudo se agravar com a chegada do “Caminho Niemeyer” a
Niterói: uma espécie de parque temático com uma arquitetura de formas fortes como
a do MAC. A cidade vai receber, de supetão, mais meia dúzia de edificações projetadas por
Oscar Niemeyer cujo impacto na cidade ainda não se pode prever. O nosso receio de que
Niterói se torne uma cidade espetacular (na acepção debordiana do termo) é grande.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há que se lembrar que a cidade de Niterói já havia sido a capital do Estado, mas
por causa da fusão do Estado do Rio com o da Guanabara, a capital passou a ser a ci-
dade do Rio de Janeiro. De lá para cá, o que se viu foi um sentimento generalizado de
baixa auto-estima e insatisfação. Formou-se uma imagem da cidade de Niterói essen-
cialmente negativa, sempre comparada à imagem positiva da cidade vizinha: o Rio de
Janeiro – tão cheio de atrativos, tão cosmopolita… Até que surge algo novo: um ele-
mento de forte atratividade e que rapidamente passou a chamar atenção de uma forma
positiva para Niterói. Embora inicialmente a cidade o tenha desprezado, aos poucos o
julgamento exterior influenciou a própria cidade e os seus moradores foram modifican-
do sua opinião.
A administração de Niterói parece ter adquirido a confiança de ter restabelecido sua
autonomia e reencontrado sua vocação turística e importância política. O então prefeito
de Niterói, Jorge Roberto Silveira, comandou a cidade por três mandatos, em quase tre-
ze anos de continuidade administrativa: de 1989 a 2001. Ele considera que Niterói tem
se destacado tanto que irá se candidatar ao governo do Estado e pensa até em propor a
transferência, de novo, da capital para Niterói.
Porém, é chegada a hora de questionarmos se valeu a pena sermos “fisgados” pela se-
dução monumental do MAC; pois, ao que tudo indica, a cidade não mudou com a chega-
da do museu, como tanto se propagandeia. Ela não se tornou – como em um passe de
mágica – moderna, ousada, futurista, inovadora, cosmopolita. Niterói não possui agora
uma melhor qualidade de vida por causa do museu. E, principalmente, não acreditamos
ter havido uma elevação do padrão cultural da população local.
Ao investigarmos a intencionalidade do projeto do MAC, percebemos que a admi-
nistração municipal de Niterói espelhou-se em modelos de administração “brizolista”, e
até mesmo “juscelinista”, para a concepção da obra. E, nessa ótica, convidar Oscar Nie-
meyer para realizar o projeto do museu era algo até bastante previsível. O que não se po-
dia prever na época eram os vários desdobramentos que tal projeto viria a provocar e a
significação que ele viria a ter na cidade. Afinal, o prefeito pode até ter partido de um
modelo já conhecido, mas o “fenômeno MAC” vem ao encontro de uma outra fórmula
de sucesso bem mais atual: a utilização dos museus nas políticas de image-making. Por-
tanto, o MAC de Niterói é um caso singular, um caso único e híbrido, que combina o
modelo clássico (de grande arquitetura e poder) a elementos do paradigma atual (o do
novo modelo cultural).
Niterói não possuía um grande marco – em oposição ao Rio de Janeiro, repleto de
cartões-postais –, e teve a oportunidade de construir uma obra projetada por um arquite-
to internacionalmente reconhecido como Oscar Niemeyer, justamente quando já está
ocorrendo um boom de arquitetura de grife pelo mundo. Além disso, Niterói escolhe jus-
tamente um museu – numa época em que ocorre também um boom de museus e em que
esses equipamentos culturais estão cada vez mais valorizados no mercado da competição
global, significando como que um passaporte para os circuitos globais superiores.
Gostaríamos de ressaltar ainda que o caso do MAC apresenta singularidades e se dife-
rencia, por vezes, do modelo utilizado pelas cidades ao construírem seus museus. No caso
de Niterói, a inserção do museu não visou a recuperação de alguma região degradada da
cidade, diferentemente da maioria das cidades em que tal fenômeno se processou. O MAC
foi construído para servir como um marco, um símbolo de toda a cidade.
Concluímos que o museu acabou funcionando como uma estratégia bastante efi-
caz de marketing urbano ao alterar profundamente a imagem da cidade. Porém, o que
nos interessou foi pesquisar se o cidadão niteroiense foi beneficiado de alguma outra for-
ma que não só com um cartão-postal ou um ponto turístico para poder exibir aos que
vêm de fora.
O fato é que os políticos usam os arquitetos para promover sua própria imagem e fi-
gurar sua própria “monumentalidade”, fazendo o seu nome entrar para a história. Quan-
to aos habitantes – seduzidos pela vaidade –, eles se vêem através da imagem de sua cida-
de. Sua identidade pessoal confunde-se com a identidade, com a marca da cidade criada
ou promovida pela construção do novo museu. Dessa forma, o MAC serviu também para,
internamente, obter a construção de uma ampla adesão social a um determinado mode-
lo de gestão e administração da cidade.
Hoje, “fisgados” pela sedutora idéia de se exibir diante das demais cidades em tem-
pos de acirrada competitividade, os niteroienses parecem nem mesmo se lembrar da
época em que se sentiram vilipendiados em seus direitos como moradores de uma pa-
cata cidade. Já quase não se lembram da revolta que sentiram em relação à agressão da
paisagem do mirante da Boa Viagem. Em tempos de “ver e ser visto” parece que Nite-
rói muito se orgulha de possuir uma bela imagem para ostentar externamente. Como
vimos, essa relação não é de mão única e a cidade passa a se ver de forma mais positiva
mesmo internamente.
Nessa guerra de marketing, estilo e qualidade de vida, visualizados e representados
nos novos museus, tornam-se trunfos importantes que as cidades orgulhosamente exi-
bem; e Niterói realmente obteve muita publicidade favorável ao proclamar-se a “primei-
ra em qualidade de vida”. Porém, apesar de o prefeito Jorge Roberto Silveira – em sua
campanha para o governo do Estado – aparecer em horário nobre na televisão posando
em frente ao MAC e afirmando: “Qualidade de vida é nossa marca registrada”, a cidade de
Niterói perdeu recentemente sua posição de primeira em qualidade de vida no Estado.
Esse fato se deve ao aumento da violência, à falta de segurança e à crescente favelização
na cidade.
Até mesmo a própria monumentalidade do edifício do museu já parece não inco-
modar os niteroienses: tido, a princípio, como assustadoramente fora de escala, o MAC ho-
je é considerado dotado de rara beleza. A cidade, que até então tinha como maior monu-
mento símbolo a estátua de Araribóia com as costas voltadas para a cidade como que a
olhar para o Rio de Janeiro, agora se orgulha do museu, que já não lhe parece tanto com
uma nave espacial.
Será que até mesmo valores estéticos podem ser tão facilmente cambiáveis? Será que
isso se deve somente ao fato de as pessoas terem se habituado a ele? Acredito que não.
Acredito que, mais que isso, a população tenha importado valores externos. Sim, por-
que, ao ser construído, o sentimento de estranhamento e desagrado foi inegável; dizia-
se que o museu não combinava com a escala de Niterói e a sua monumentalidade inco-
modava profundamente. Hoje, essa mesma monumentalidade virou sinônimo de
sucesso, já que quanto mais olhares atrair melhor.
O fato é que o museu hoje é bastante visitado sim, embora os moradores de Ni-
terói, quando o utilizam, é principalmente para mostrá-lo a algum parente ou amigo
em visita à cidade. Além do mais, cabe a nós questionar de que forma se dá a utiliza-
ção do museu, já que parece que seus visitantes estão muito mais interessados em ver
a belíssima vista emoldurada pelas suas janelas do que em apreender o conteúdo do
museu: suas obras de arte, acervo e exposições. No MAC, as obras de arte muitas vezes
servem de fundo para as poses fotográficas dos visitantes e a galeria externa serve de
mirante para as pessoas olharem não para dentro do museu, mas para fora, para a pai-
sagem da baía de Guanabara.
Sem dúvida o MAC contribuiu imensamente para a promoção da imagem da cidade
de Niterói. Porém, em termos culturais ele pouco tem beneficiado a população niteroien-
se. Afinal de contas, cabe refletir sobre para que (e para quem) serve um museu, se não
para influenciar positivamente as pessoas em termos culturais? Ao que tudo indica, sua
imagem de empreendimento de sucesso deve ser relativizada. Aos que desejavam uma gri-
fe arquitetônica, o MAC pode ser considerado um sucesso, pois como marco de uma ar-
quitetura de vanguarda, ele já representa um incremento em termos da cultura local. No
entanto, para os que almejam um espaço cultural apropriado pela população, no qual ela
participe rotineiramente, para esses o MAC é uma imagem vazia, já que o museu não cum-
pre seu principal papel, pois representa somente um marco, um monumento.
Parece lógico que os novos museus criados por motivos econômicos, turísticos ou de
prestígio político, pensados mais para impressionar o espectador do que para lhe trazer
conhecimentos, não são capazes de aproveitar a capacidade de retenção, assimilação e
aprendizado do visitante. Sabe-se que o MAC hoje não é um centro irradiador de cultura
e sobretudo não clama por uma participação da população. Mas quem sabe ele ainda não
possa se tornar um verdadeiro centro de desenvolvimento da cultura local e também de
irradiação da cultura brasileira em geral? Embora o museu tenha sido criado de uma ma-
neira autoritária, sem consulta, quem sabe ele não possa passar a se desenvolver incorpo-
rando a noção de participação social?
Por fim, no que se refere à política urbana de Niterói, a conclusão a que chegamos
é a de que se faz urgente incorporar a concepção de uma intervenção que signifique uma
verdadeira política de cidade e não se limite à produção de grandes acontecimentos mi- Joana Sarmet Cunha Bue-
diáticos ou de uma imagem para consumo externo. Ou seja, não queremos uma “cida- no, arquiteta, é Mestra em Ur-
banismo pelo Prourb/UFRJ.
de do espetáculo”, uma cidade que viva de aparências, mas sim uma cidade que possa ter E-mail: jsarmet@ig.com.br
o envolvimento e a participação de seus moradores, que só então poderão ser chamados Artigo recebido para publica-
de cidadãos. ção em fevereiro de 2002.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A B S T R A C T This article proposes the discussion about the role of culture in the
late urban renovation projects, analyzing the contemporary use of the new museums in the at-
tempt to promote a positive image to the cities. We will study the role of cultural equipment
on urban development, objecting a promotion on the cities’ prestige and symbolic capital, as
well as on its’ inhabitants self-esteem and feeling of belonging. We will analyze one of the most
paradigmatic cases in which a museum becomes the symbol or the ‘registered trademark’ of the
city in which it was built: the Museum of Contemporary Art of Niterói, RJ, Brazil. So, the
study focuses the effects of this museum on the city of Niterói, approaching the relation between
urbanism and culture.
APRESENTAÇÃO
TENDÊNCIAS DO CRESCIMENTO
DEMOGRÁFICO DISTRITAL: 1980-2000
Já nos anos 60, algumas regiões do interior paulista passaram a disputar a primazia
do crescimento urbano com a Região Metropolitana então constituída. A população do
município de São Paulo, que ainda crescia a 3,7% ao ano na década de 1970, apresen-
tou uma forte queda no ritmo de crescimento na década seguinte (1,2% ao ano), pas-
sando a registrar, pela primeira vez em sua história recente, saldos migratórios negativos.
Nos anos 90, o ritmo de crescimento demográfico permaneceu baixo, sinalizando a con-
A análise dos dados de crescimento demográfico distrital nos anos 90 revela a con-
tinuidade do processo de periferização da população no município (vide dados trazidos
em Apêndice). As taxas de crescimento dos distritos centrais passam a ser não apenas mais
baixas como também negativas, denotando uma forte evasão de população residente nos
4 O termo “esvaziamento” é
bairros centrais e de ocupação mais antiga. Nos anos 80, dos 96 distritos paulistanos 41
certamente um tanto inade- apresentaram diminuição absoluta de população residente; entre 1996 e 2000, esse nú-
quado para ser usado nesse
contexto, dados os enormes
mero aumentou para 56, ao incorporar outros distritos localizados em região menos cen-
contingentes populacionais tral. Observa-se, pois, um movimento de “esvaziamento” populacional absoluto em ritmo
ainda residentes nos distri-
tos centrais e o ritmo em que crescente no tempo e no espaço se processando a partir dos distritos mais centrais.4
o processo está se dando A natureza crescente do processo de “esvaziamento” pode ser ilustrado, por exem-
(taxas negativas inferiores a
5% em geral). Mas talvez se- plo, pelo comportamento observado nos distritos da Sé, Brás e Santa Cecília: nos anos
ja um termo mais simples 80 esses distritos apresentavam taxas anuais de crescimento negativas em torno de 1% a
para denotar um processo
ao longo do tempo e espa- 2%; entre 1991 e 1996, as taxas passaram a situar-se entre valores negativos acima
ço que outros como “decre-
mento” ou “decrescimento”
de 2% ao ano. O espraiamento espacial do processo pode ser atestado pelo comporta-
populacional. mento dos distritos do Limão, Freguesia do Ó e Moema, mais afastados do centro, mas
1980-1991
1991-1996
1996-2000
Nota: Taxa líquida de migração calculada como razão do saldo migratório pela população em 1996.
Nota: Taxa líquida de migração calculada como razão do saldo migratório pela população em 2000.
É possível identificar a associação entre alguns desses fatores com a atratividade re-
sidencial para os distritos paulistanos com base em alguns indicadores aproximativos
(Gráfico 4). Tomando-se, por exemplo, como um indicador do valor médio do terreno
nos distritos o Índice de População vivendo com renda do chefe até dois salários míni-
mos, definido no Mapa da Exclusão/Inclusão Social de Sposati (1996), nota-se que os dis-
tritos de maior atratividade residencial são os com nível mais baixo do indicador (menor
renda, terrenos mais baratos, maior atratividade). Era de se esperar que tal relação se mos-
trasse significativa: são as periferias, onde vive a população mais pobre, que mais crescem
na capital, isso já há muito tempo. É por essa razão que a relação entre tempo gasto de
viagem ao trabalho ou distância ao centro também estão associados com o coeficiente
de atratividade residencial (mais periférico, mais longe, mais demorado, custos de mora-
dias mais baixos, maior atratividade).
A antiguidade da ocupação distrital (indicada pela proporção de idosos com 70 anos
ou mais), pelo seu significado em termos de avanço do comércio, escritório de serviços e
valorização dos aluguéis, repercute negativamente para a atratividade residencial, como
era de se esperar (mais antigo, maior avanço do comércio, valorização do aluguel, menor
atratividade). De fato, com base nos indicadores urbanísticos dos distritos paulistanos no
começo dos anos 90, trazidos por Hermann (2001), pode-se verificar que a atratividade
é decrescente com a participação do comércio na área total construída: maior a área ocu-
pada por lojas e outros equipamentos comerciais, menos propenso é o distrito em receber
novos moradores.
Assim, acaba não sendo possível à população continuar morando próximo de onde
são oferecidos os empregos (daí a relação inversa entre atratividade e taxa de criação de
empregos). Morar longe não é uma opção para a maior parte dos residentes da capital, é
uma imposição do mercado imobiliário, pela valorização fundiária urbana; e do mercado
de trabalho, que não garante rendimentos compatíveis com os custos de moradia e vida
na cidade.
Ainda que não surpreendente, vale destacar a relação significativa entre atratividade
e adensamento populacional: distritos com maior densidade populacional, medido por
habitantes por km2 ou por um índice de verticalização (Hermann, 2001), tendem a atrair
cada vez menos residentes pelos efeitos indiretos das deseconomias a ela associadas (con-
gestionamentos, poluição do ar e sonora, avanço do comércio etc.).
Por fim, vale lembrar que as relações empíricas mostradas nos gráficos trazem implí-
citas a associação inversa entre renda fundiária e atratividade residencial. Mas cada fator
selecionado (grau de verticalização, área ocupada pelo comércio etc.) apresenta algum
efeito interveniente específico, cuja magnitude pode vir a ser objeto de análise mais apro-
fundada a partir de bases de dados temporal e metodologicamente mais consistentes, co-
mo os que disponibilizados pelo Censo 2000.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ra municípios com mais de vinte mil habitantes (Plano Diretor). A julgar pelo que colo- Nicoláo Jannuzzi é Espe-
cam Valladares & Coelho (1996), a preocupação com o melhor embasamento técnico nas cialista Sênior da Fundação
Instituto Tecnológico para a
atividades relacionadas ao Planejamento Urbano parece estar ganhando terreno no País, Informática.
depois da desilusão com as distorções induzidas pelas práticas de planejamento tecnocrá- Artigo recebido para publica-
tico dos anos 70. Esse trabalho é uma modesta contribuição neste sentido. ção em fevereiro de 2002.
APÊNDICE METODOLÓGICO
Para decompor o crescimento populacional distrital nas suas duas parcelas constitu-
tivas – crescimento vegetativo, relacionado ao balanço líquido entre nascimentos e óbitos
de pessoas, e o saldo migratório, relacionado ao balanço líquido de entradas e saídas de
pessoas em cada distrito –, empregou-se um sistema de equações diferenciais usado em
ecologia para representar a dinâmica populacional de espécies competitivas dentro de um
hábitat fechado, com capacidade de suporte limitada, apresentado anteriormente em Jan-
nuzzi & Jannuzzi (2000).
Nesse modelo ecológico o crescimento de cada espécie depende de sua taxa de cres-
cimento vegetativo (nascimentos menos óbitos) e da forma de interação com as demais
espécies existentes (competição, predação ou parasitismo), forma essa que pode potencia-
lizar o ritmo de crescimento ou mesmo a extinção de uma dada espécie (Dajoz, 1983). A
adaptação desse modelo para representar a dinâmica populacional de pequenas áreas de
uma região é intuitivamente simples, e foi implementado anteriormente por Szwarcwald
& Castilho (1989) para estimar quantitativos populacionais de municípios fluminenses
entre 1980 e 1990. Na adaptação do modelo para demonstrar a dinâmica demográfica,
as populações das pequenas áreas (no caso, distritos) representam as “espécies”, e a região
(município de São Paulo), o hábitat, com seus recursos limitados de espaço físico, imó-
veis, vias públicas, empregos etc.
Assim, a taxa de crescimento populacional de cada distrito no município depende-
rá de sua respectiva taxa de crescimento vegetativo – e portanto, em última instância, dos
níveis prevalecentes de fecundidade e mortalidade em cada área – e de seu grau de atrati-
vidade residencial, proporcionado pelas economias e deseconomias de aglomeração de ca-
da distrito: preços do aluguel; custo dos terrenos e moradias; proximidade de locais de
maior oferta de empregos; poluição; custos de transporte; determinantes urbanísticos (uso
do solo, grau de verticalização permitido etc.); restrições de natureza ambiental ou geo-
gráfica (presença de áreas de proteção, áreas sujeitas a inundação etc.); existência de va-
zios urbanos; características do sistema viário e do transporte público; e impactos decor-
rentes das intervenções públicas.
Como representado no sistema de equações diferenciais do Quadro 1, os parâmetros
ai dizem respeito à taxa de crescimento vegetativo específico de cada pequena área, en-
quanto os parâmetros bi referem-se ao grau de atratividade de cada área relativamente às
demais (isto é, a competitividade residencial de cada área em relação à população da re-
gião). Trata-se, pois, de um modelo que discrimina, para cada área, a contribuição do
crescimento vegetativo e do saldo migratório no crescimento populacional.
Como mostrado por Szwarcwald & Castilho (1989), é possível encontrar uma solu-
ção algébrica recursiva para esse sistema de equações diferenciais, desde que se disponha
da população municipal em dois momentos, no caso, o Censo Demográfico de 1991 e a
Contagem Populacional de 1996.
ai + {ln (P i (t)/ P i (0 )}
{ ln (T(t)/T(0))}x ( T(t) - T(0) )
APÊNDICE ESTATÍSTICO
Cidade Líder E2 70.156 97.012 100.364 116.089 2,99 0,68 3,71 -5128 8354 8,4 -2,6 8,8 4,5 0,14 1,66 -0,53 67 9510,98 0,19
122
C R E S C I M E N T O
Distritos Zona População Total Taxa Média Anual Saldo Migrat. Ai Bi Ai Bi Ind. Prop. Ind. Tempo Densid. Ind.
cresc. Demog. (%) x100 x1E-6 x100 x1E-6 Qual. pop. c/ pop. até médio hab/km2 varia-
Vida 70 + 2 mí- viagem ção em-
R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002
nimos prego
1980 1991 1996 2000 80-91 91-96 96-00 91-96 96-00 91-96 91-96 96-00 96-00 1991 1991 1991 1987 1991 90-94
Cidade Tiradentes E2 8.566 95.926 166.046 190.421 24,56 11,60 3,48 63490 11775 6,7 25,1 9,1 3,8 0,25 0,71 -0,72 90 6395,067 0,15
Consolação C 76.953 66.343 59.815 54.263 -1,34 -2,05 -2,41 -8292 -6471 2,6 -6,8 1,9 -6,6 0,42 8,22 -0,09 44 17930,54 1,1
Cursino S1 115.876 110.028 106.261 101.858 -0,47 -0,69 -1,05 -8523 -8434 4,2 -4,0 4,6 -4,6 0,40 3,86 -0,38 46 9169 0,43
E. Matarazzo E2 80.166 95.257 107.396 106.656 1,58 2,43 -0,17 4524 -8604 7,7 2,2 8,8 -4,5 -0,20 1,94 -0,66 67 10949,08 0,17
Freguesia do Ó N2 149.946 152.110 145.310 144.367 0,13 -0,91 -0,16 -15559 -8457 5,6 -5,3 6,3 -3,3 0,05 3,04 -0,57 56 14486,67 0,25
Grajaú S2 116.717 193.042 278.362 331.738 4,68 7,59 4,48 66274 26519 9,4 14,2 11,4 5,0 -0,36 0,85 -0,61 73 2098,283 0,13
U R B A N O ,
Guaianazes E2 50.167 81.074 90.860 98.068 4,46 2,31 1,93 -2188 -1557 13,8 -1,2 11,4 -0,8 -0,52 1,33 -0,71 83 9427,209 0,11
Iguatemi E2 33.002 59.600 91.707 101.617 5,52 9,00 2,60 27402 2784 7,6 18,5 9,3 1,7 -0,49 1,07 -0,93 73 3040,816 0,16
Ipiranga S2 117.075 101.158 95.962 98.166 -1,32 -1,05 0,57 -8622 -783 3,3 -4,5 3,8 -0,4 0,41 6,29 -0,4 46 9634,095 0,63
Itaim Bibi S2 127.886 107.099 90.418 81.274 -1,60 -3,33 -2,63 -20897 -11326 3,9 -10,8 3,0 -7,6 0,69 5,33 -0,19 44 10818,08 0,84
Itaim Paulista E2 106.787 162.669 184.533 212.528 3,90 2,55 3,59 4024 11046 10,4 1,1 10,9 3,2 -0,43 1,25 -0,89 83 13555,75 0,16
Itaquera E2 127.300 174.720 188.392 201.037 2,92 1,52 1,64 -445 -192 7,8 -0,1 8,2 0,0 -0,30 1,79 -0,64 75 11967,12 0,16
Jabaquara S1 195.416 213.559 216.889 214.049 0,81 0,31 -0,33 -11152 -15992 6,6 -2,6 7,3 -4,2 -0,10 2,73 -0,47 54 15146,03 0,31
S A L D O S
Jaçanã N1 79.682 86.511 91.517 91.585 0,75 1,13 0,02 1341 -4389 4,1 0,8 5,9 -2,7 0,15 3,28 -0,57 60 11091,15 0,21
Jaguará W 32.609 29.688 26.266 25.683 -0,85 -2,42 -0,56 -5840 -1597 7,8 -10,5 4,7 -3,5 -0,06 3,68 -0,56 61 1075,652 0,32
Jaguaré W 39.701 44.199 36.857 42.380 0,98 -3,57 3,55 -9812 3124 5,4 -12,3 7,8 4,6 0,03 2,26 -0,45 50 6696,818 0,68
Jaraguá N2 47.213 92.841 116.759 145.423 6,34 4,69 5,64 17979 19689 6,2 8,7 9,2 8,7 0,07 1,48 -0,57 20182,83 0,33
Jardim Ângela S2 107.113 177.717 226.041 243.674 4,71 4,93 1,90 29678 -5104 10,0 7,3 11,8 -1,1 -0,47 0,91 -0,7 76 4751,791 0,13
Jardim Helena E2 90.663 117.945 140.472 138.488 2,42 3,56 -0,35 11352 -13145 9,1 4,4 9,5 -5,3 -0,62 1,3 -0,94 75 12960,99 0,16
M I G R AT Ó R I O S
Jardim Paulista S2 116.561 102.754 91.131 82.599 -1,14 -2,37 -2,43 -13706 -9465 2,0 -7,3 1,3 -6,4 0,45 8,04 0 46 16844,92 1,05
Jardim São Luís S2 162.808 203.533 227.908 236.801 2,05 2,29 0,96 4448 -10473 9,3 1,0 10,1 -2,5 -0,33 1,25 -0,57 74 8240,202 0,16
José Bonifácio E2 23.936 103.330 106.102 106.978 14,22 0,53 0,21 -4057 -5220 6,4 -2,0 6,9 -2,7 0,27 1,31 -0,5 84 7328,369 0,1
Lajeado E2 69.107 112.392 132.434 157.724 4,52 3,34 4,47 11206 13565 7,6 4,6 10,5 5,4 -0,75 1,14 -0,96 82 12216,52 0,12
Lapa W 83.284 70.059 64.276 60.028 -1,56 -1,71 -1,69 -7586 -5141 2,5 -5,8 1,7 -4,8 0,70 7,7 -0,31 44 7005,9 1,06
Liberdade C 82.062 75.963 65.695 61.807 -0,70 -2,86 -1,51 -15243 -6795 6,3 -10,9 5,4 -6,1 0,12 5,47 -0,27 40 20530,54 0,68
Limão N2 88.515 90.089 85.748 81.959 0,16 -0,98 -1,12 -9252 -7854 5,3 -5,3 5,8 -5,3 -0,04 3,17 -0,53 54 14299,84 0,4
Mandaqui N1 87.789 103.639 104.092 102.989 1,52 0,09 -0,27 -5780 -5668 5,8 -2,8 5,3 -3,1 -0,05 2,86 -0,4 53 7911,374 0,22
Marsilac S2 4.420 5.970 7.570 8.410 2,77 4,86 2,67 1069 229 8,5 7,9 9,6 1,7 -1,00 2,32 -1 29,85 0
R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002
C R E S C I M E N T O
Distritos Zona População Total Taxa Média Anual Saldo Migrat. Ai Bi Ai Bi Ind. Prop. Ind. Tempo Densid. Ind.
cresc. Demog. (%) x100 x1E-6 x100 x1E-6 Qual. pop. c/ pop. até médio hab/km2 varia-
Vida 70 + 2 mí- viagem ção em-
R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS, V.4, N.1/2 – MAIO/NOVEMBRO 2002
nimos prego
1980 1991 1996 2000 80-91 91-96 96-00 91-96 96-00 91-96 91-96 96-00 96-00 1991 1991 1991 1987 1991 90-94
Socorro S2 40.558 43.035 39.177 38.990 0,54 -1,86 -0,12 -6905 -2042 6,8 -8,5 5,8 -3,0 0,20 3,18 -0,36 50 3336,047 1,38
Tatuapé E1 88.969 81.539 79.111 79.050 -0,79 -0,60 -0,02 -4908 -1753 3,0 -3,1 2,6 -1,2 0,42 6,27 -0,36 49 9943,78 0,63
Tremembé N1 96.410 124.615 146.288 163.668 2,36 3,26 2,85 15553 9205 4,8 5,9 6,8 3,5 -0,01 2,61 -0,55 59 2213,41 0,22
Tucuruvi N1 115.085 111.471 104.087 99.104 -0,29 -1,36 -1,22 -12532 -8179 4,5 -5,9 3,8 -4,6 0,06 4,57 -0,41 59 12385,67 0,24
Vila Andrade S2 22.485 42.420 55.276 75.340 5,94 5,44 8,05 9797 14962 7,0 10,2 10,9 13,1 -0,05 1,14 -0,32 67 4118,447 0,32
Vila Curuçá E2 94.992 123.843 141.705 146.118 2,44 2,73 0,77 7060 -6047 8,4 2,7 8,8 -2,3 -0,37 1,43 -0,69 75 12767,32 0,11
U R B A N O ,
Vila Formosa E1 105.649 97.580 93.317 93.685 -0,72 -0,89 0,10 -10858 -3669 6,5 -5,7 5,3 -2,2 -0,10 3,55 -0,59 57 13186,49 0,24
Vila Guilherme E2 68.118 61.399 54.651 49.898 -0,94 -2,30 -2,25 -9569 -6995 4,5 -8,4 5,0 -7,7 0,20 4,75 -0,48 49 8898,406 0,62
Vila Jacuí W 69.378 100.864 112.662 141.531 3,46 2,24 5,87 3827 20151 7,6 1,8 9,2 9,1 -0,19 1,48 -0,74 71 13099,22 0,19
Vila Leopoldina N1 28.055 26.728 27.041 26.813 -0,44 0,23 -0,21 -819 -1299 4,1 -1,6 4,8 -2,7 0,11 4,98 -0,43 53 3712,222 1,09
Vila Maria S1 131.439 122.210 115.575 112.390 -0,66 -1,11 -0,70 -12782 -9879 4,9 -5,5 7,0 -4,9 -0,03 3,4 -0,65 52 10356,78 0,41
Vila Mariana E1 142.482 132.331 126.791 123.531 -0,67 -0,85 -0,65 -8357 -5115 2,1 -3,3 1,8 -2,3 0,66 7,1 -0,14 43 15387,33 0,59
Vila Matilde N1 116.953 108.621 101.490 102.182 -0,67 -1,35 0,17 -12415 -2945 4,7 -6,0 4,4 -1,6 -0,04 3,79 -0,55 61 12204,61 0,19
S A L D O S
Vila Medeiros W 161.319 155.565 148.511 140.402 -0,33 -0,92 -1,39 -16221 -14715 5,7 -5,4 5,4 -5,8 -0,06 2,7 -0,63 56 20203,25 0,23
Vila Prudente N1 124.253 113.876 102.525 102.000 -0,79 -2,08 -0,13 -16895 -4384 4,8 -8,0 4,6 -2,4 0,09 4,5 -0,58 53 11502,63 0,28
Vila Sônia E1 62.555 82.700 80.975 87.190 2,57 -0,42 1,87 -4998 1576 3,9 -3,1 6,9 1,1 0,15 2,94 -0,31 58 8353,535 0,38
TOTAL 8.475.380 9.610.659 10.044.78710.398.5761,15 0,89 0,87 -199446 -242318
Fonte: Censos Demográficos 1991 e 2000; Contagem Populacional 1996; Sposati (1996); Prefeitura de São Paulo (www.prefeitura.sp.gov.br); Fundação Seade.
M I G R AT Ó R I O S
PAULO DE MARTINO JANNUZZI, NICOLÁO JANNUZZI
APÊNDICE GRÁFICO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O R I E T TA FAVA RO
GRACIELA IUORNO
Argentina pasa por una profunda crisis política. Al respecto, en un reciente artículo,
señala Juan Carlos Portantiero que la dimensión de la crisis parece no conmover a los
partidos políticos históricos, “las tradicionales configuraciones políticas parecen sordas y
permanecen inmóviles frente a los reclamos de la ciudadanía. Amuralladas tras una lógica
autorreferente de comportamiento, viven más preocupadas por mantener sus mecanismos
de reproducción interna que por mediar entre la ciudadanía y el Estado”.1 En otro 1 Citado por Jorge Gadano
en “La peor decadencia”,
artículo, Gabetta se pregunta – en el contexto de la crisis de América Latina – porque Río Negro, diciembre del
nuestro país después de haber pasado por diferentes formas políticas parece encontrarse 2002.
nacional; sus internas parecen más que de “principios opuestos, (de) intereses opuestos.
La pelea es por el poder…”.3 Son fuerzas políticas hegemónicas que arrastran detrás una 3 GADANO, J., op.cit., 2002.
4 ROHTER, Larry: “Some in recientemente en la prensa norteamericana4 sobre el canje tierras (en la Patagonia) por
Argentina see secession as
the answer to economic pe-
deuda. En espacios de la norpatagonia, el Estado nacional fue un regulador del modelo
ril”, The New York Times, 27 socioterritorial regional. En este orden, ejerció un rol tutelar, garantizando niveles básicos
de agosto de 2002.
de bienestar general y de solidez en las relaciones de trabajo; la empresa pública, más en
Neuquén que en Río Negro, conformó un circuito productivo alrededor de los recursos,
que se constituyó en un capital físico y simbólico de gestión a nivel regional, con una red
de equipamientos sociales, culturales, recreacionales y residenciales para el personal,
implicando toda una estrategia de desarrollo urbano regional. Es decir, la empresa pública
subsidiaba el territorio donde se asentaba, más allá de cualquier visión mercantilista y con
5 ROFMAN, Alejandro: Las una contundente ocupación del espacio.5
economías regionales a fi-
nes del siglo XX, Buenos
El desmatelamiento de las redes estatales, la cruda aplicación del neoliberalismo, la
Aires: Ariel, 1999, p.99. pugna interprovincial y con el Estado nacional por la coparticipación, las nuevas tensiones
pos-devaluación hacen del escenario de la Patagonia un lugar donde se pone a prueba la
unificación nacional en el marco de los intereses en juego por los enclaves productivos.
Hace unos meses, con el argumento de instalar la marca registrada Patagonia, el
gobierno neuquino propone a sus pares un proyecto de regionalización. Esto no es nuevo,
ya en 1994, Dromi, con el apoyo del entonces presidente Menem, propone Regiones
Económicas y Sociales Argentinas como la versión pública del Nuevo Federalismo,
proyecto monitoreado por Buenos Aires. Dos años después, con apoyo de senadores
locales, el gobernador de Río Negro, Pablo Verani, lanza su propuesta de regionalización,
que tuvo la colaboración del CFI (Consejo Federal de Inversiones). Plantea, entre otras
cosas, la rotación de la capital regional, divide el territorio de la Patagonia en Norte y Sur
e intenta rescatar la región Comahue.
Recordemos que el constitucionalismo y sus teorías claramente plantean que es
necesario para un Estado Federal un pacto entre provincias, y la constitución nacional
contempla los pactos especiales – art.104 – y no se habla de soberanías provinciales sino
de autonomías provinciales, la soberanía es de la nación. Aunque nuestro federalismo
profusamente discutido sea “impuro”, mixto con muchos elementos de unidad y de
centralidad, como por ejemplo la pretensión de uniformidad cultural del país, la
existencia de poder de policía del Estado Federal, la necesidad de una planificación
general en temas de energía y de infraestructura básica, entre otros. Por otra parte, en
Europa tras una fuerte tradición unitaria, después de la Segunda Guerra Mundial,
en términos económicos se ensayan en Italia y España proyectos de descentralización de
regiones y comarcas, siendo en sus formas políticas estados unitarios. La Constitución
Argentina en su reforma de 1994 contiene dos artículos (124 y 125) donde se introducen
ciertas innovaciones en el concepto de región del que derivó el Tratado Fundacional de la
Región de la Patagonia, suscripto en 1996 en la ciudad de Santa Rosa, La Pampa. La
6 Tal como lo recuerdan pe- ratificación de este tratado en Río Negro – ley 3004 – incluye una mención a su
riodistas locales, el tema de
los territorios al sur del Co-
indisoluble pertenencia a la nación argentina. En este contexto, es prioritario discutir la
lorado, prácticamente son distribución de poderes entre la nación y las provincias no en desmedro de las existencias
mencionados, desde el siglo
XVI; asimismo, recordemos de instituciones políticas de estas últimas, sino con la inserción de entidades
los antecedentes de la Go- socioeconómicas para reforzar el poder real.
bernación militar de Como-
doro Rivadavia, la de Tierra Ya la idea de una “Patagonia integrada o la institucionalización de la región
del Fuego, las franquicias al patagónica” reconoce antecedentes históricos.6 Entre los impulsores de la idea, es
sur del paralelo 42. En:
OREJAS, Pablo Fermín: “La importante mencionar desde el roquense Enrique Gadano al propio Felipe Sapag. Así, en
región Patagonia y sus pro-
vincias”, Río Negro, mayo
los años cincuenta el CFI propone la división del país en siete regiones; una de ellas, la
de 2002, p.11. región Comahue (La Pampa, Neuquén, Río Negro, y partidos del sur de Buenos Aires).
Tengamos en cuenta que el CFI estudia el tema de las regiones como una cuestión que
permita un modelo alternativo al centralismo, “instando a la formación de espacios
periféricos más fuertes que equilibren una Argentina macrocefálica”.7 Unos años después, 7 PELLIN, Osvaldo: “Refle-
xiones acerca de la regiona-
en el contexto del Conade, nuevamente se divide el país en regiones, ahora en ocho (la lización”, Río Negro, mayo
Patagonia y Comahue eran dos de ellas). Con la llegada de la democracia en los años de 2002, p.11.
ochenta, otra vez surgen acuerdos regionales gestionados por las propias provincias, 8 Para mayor información
asimismo, la reforma constitucional de 1994 introduce novedades respecto de los sobre los temas tratados,
ver el trabajo de Gabriel
procesos regionales, hay reunión de gobernadores, acuerdos, resoluciones, etc.8 No Rafart y Francisco Camino
obstante, la integración no puede ser objetivos planteados en un papel, deben darse Vela: “Hacia donde va la
Norpatagonia: Neuquén y
importantes avances – entre otros – en materia de recursos naturales,9 infraestructura, Río Negro, una región o una
nueva provincia, proyecto
comunicaciones, demografía.10 de ‘partido’ o una necesidad
Sin embargo, algunos encuentros entre gobernadores patagónicos no avanzan lo real”, presentado en las Jor-
nadas Nacionales sobre “La
suficiente después del fracaso del proyecto Dromi y el modelo Verani. De todos modos, Región, un ámbito para la
La Patagonia para armar, como la denomina la prensa local, tiene una primer etapa: Río planificación y la acción”,
Universidad Nacional del Co-
Negro y Neuquén. mahue, Neuquén, noviem-
bre de 2002, policopiado.
historia local, las condiciones naturales y materiales para lograr una articulación socio-
política simétrica.13 Los franceses también, entre otros, estudiaron el tema de la 13 IUORNO, G. y ZANINI, S.
“Reconstrucción histórica
regionalización como un problema multisectorial y la necesidad que operen múltiples de un paese. Pervivencias y
interdependencias en el espacio seleccionado. cambios de los inmigran-
tes”. En: Temas de Historia
Ubicamos a la integración no como un programa exclusivamente económico; Oral. Selección, Buenos Ai-
aunque esto es importante, sólo es viable a partir de supuestos de naturaleza supra- res: 1995. p.198-9.
que posibilitarán el discurrir desde una comunidad menos humana hacia una más
14 IUORNO, Graciela y MAS, humanizada sustentada en la solidaridad con otras comunidades y regiones.14
Gloria: “La política de inte-
gración y reconversión. No-
En la década del noventa, en cambio, en nuestro país, los funcionarios del gobierno
tas sobre los efectos en el central insistieron en el reordenamiento de provincias con el propósito de que se reduzca
mercado laboral neuquino”.
En: Revista de Historia, De- el gasto y en la descentralización de los servicios, obligando a revisar los regímenes de co-
partamento de Historia, Fa- participación provincial. Lo que no estaba claro era si la liberación de espacios del
cultad de Humanidades, UN-
CO, Neuquén, mayo 1995, contralor del sistema existente daría paso al fortalecimiento de esferas y ámbitos de
5, p.321. comunicación para la formación de identidades individuales y colectivas, producto ya no
de estrategias sino de argumentaciones responsablemente fundadas.
15 VACA, Josefina y CAO, En un reciente artículo,15 sus autores recuerdan no sólo los antecedentes
Horacio: “¿Peligra la integri-
dad territorial?”. Le Monde
secesionistas de Argentina sino que también se preguntan con preocupación si no es
Diplomatique, Buenos Aires, posible la disgregación territorial en algún segmento de la Patagonia, alrededor de la renta
2002, n.33, p.8.
petrolera y por el gas. Este análisis es motivador para algunas reflexiones, desde el oficio
de historiador, que tienen que ver con lo que encubre la regionalización-integración del
norte de la Patagonia.
16 Para mayor información, Como ya se escribió en otro lugar,16 Neuquén y Río Negro, cuentan con gobiernos-
ver Orietta Favaro y Graciela
Iuorno: “Poder, representa-
partidos, con vocación hegemónica. Gobiernos-partidos porque cada vez se hace más
ción y prácticas políticas en difícil separar al gobierno del partido y, en este orden, permitir que un hombre del partido
la norpatagonia. Los casos
de Neuquén y Río Negro, vote diferente a lo que dispone el gobierno. No obstante, en Neuquén, algunas voces,
1983-1999”. En prensa. importantes y del propio partido se alzan en contra de esta propuesta unívoca del
gobernador de concretar la “integración” de las dos provincias; a su vez, en Río Negro, la
legislatura recientemente rechazó el proyecto.
Ambas provincias cuentan con gobernadores que no sólo pretenden continuar sino,
además, instalarse en el escenario nacional en el marco de una frente federal que sea
alternativa a los tradicionales partidos. Las políticas públicas ejecutadas y las iniciativas
son elementos fundantes para mostrar a la hora de acreditar el peso de las figuras y
candidatos posibles como así el margen de negociación para el posicionamiento nacional.
La ciudadanía de las dos provincias observa, cuestiona, se moviliza, resiste, intenta anudar
los fragmentados lazos sociales y responde cada vez que es interpelada por el poder
político con las “aggiornadas” prácticas clientelares y de prebenda política. Los gobiernos
siguen adelante con sus proyectos, frente a una oposición que pareciera que sólo pretende
resguardar su lugar – sea en la estructura partidaria, en la legislatura o en los concejos
municipales – y puja por un trozo de la renta estatal en el caso neuquino. En el caso
rionegrino, el veranismo, temeroso de perder la conducción provincial, se resiste a definir
el inmediato cronograma electoral, dentro de un contexto de internas abiertas y
simultáneas, que pondría en peligro el aparato político que lo sostuvo por casi veinte años
17 Actualmente, sólo 5 de
en el poder rubricado por graves casos de corrupción.
las 30 empresas que más Hoy la preocupación se centra en que no hay una clase dirigente con un proyecto
facturan en el país están
controladas localmente. En:
que unifique; la heterogeneidad es un factor demasiado presente en el espacio, el padrón
MAAS, Pablo: “Fábricas sin de acumulación dominante tiende a debilitar a los estados nacionales, los estudios señalan
obreros”, Le Monde Diplo-
matique, 2002, 39, p.6. la posibilidad de movilidad de fronteras, los intereses del centro hegemónico poco
contribuyen a la estabilidad socioeconómica de los países periféricos y, sobre todo, la
18 Tiene una población de
549.204 habitantes, según desestatización/desnacionalización de la economía en Argentina17 y el estado de malestar
el censo de 2001 y una den- presente ¿pueden ser motivos de tensiones que apunten a la fragmentación del territorio?
sidad por km2 de 2.7%.
La idea se inicia con la “integración” de Río Negro18 y Neuquén.19 Las economías
19 Tiene 471.825 habitan-
tes (Censo 2001) y una den-
de ambas provincias tienen puntos en común aunque en distinto grado: la fruticultura, la
sidad de 5.0% por km2. ganadería, el turismo y la explotación energética; definiéndose la estructura económica de
Neuquén en cuanto al PBG en el sector primario y Río Negro en los servicios. Aunque
la primera se sostiene sobre bases no sustentables en el tiempo, ya que depende de la renta
hidrocarburífera, su vecina, a pesar de su déficit fiscal, sus gastos y servicios precarios,
tiene una estructura más diversificada y sustentable en el tiempo. En efecto, en la
actividad petrolera, parte de Río Negro integra la “cuenca neuquina” y en lo que hace a
la fruticultura y ganadería, operan firmas que actúan en una y otra provincia, aunque la
magnitud de la fruticultura es significativa en este último estado.
Es importante señalar que Neuquén es geográficamente más pequeña y con menor
población que Río Negro y, excepto la parte sur, tiene un desarrollo más equilibrado que
la anterior. Una es una provincia básicamente marítima (Río Negro), la otra,
mediterránea (Neuquén), con una concentración de población en un 70% en el área
denominada Confluencia (unión de los ríos Limay y Neuquén).20 20 GIULIANI, Adriana y BIL-
DER, Ernesto: “Región y Pa-
Las principales diferencias están dadas en los ingresos de una provincia y otra. tagonia Norte”. En: Jorna-
Cuando se evalúa las exportaciones de ambos estados, se observa el disímil porcentaje en das Nacionales sobre “La
Región, un ámbito para la
la composición de PBG en el sector primario, industrial y servicios. Ello apareja, planificación y la acción”,
lógicamente, consecuencias importantes para una y otra provincia; así, Neuquén tiene un Universidad Nacional del Co-
mahue, Neuquén, noviem-
60% más de ingresos que Río Negro y esto influye en el presupuesto provincial e ingreso bre de 2002, policopiado.
por habitante. De este modo, la erogación por habitante de cada instancia es muy
importante: Neuquén duplica a su vecina provincia (2.400 pesos por habitante), el
ingreso por regalías hidrocarburíferas – a pesar de la caída de la convertibilidad – no
disminuyó; antes bien, va en aumento. La renta que otorga las regalías hidrocarburíferas,
contrastan con el 53% de pobreza, que el estado provincial trata de contener con 22.000
ciudadanos que viven en la indigencia, 40.000 que “trabajan” o reciben subsidio y más de
100.000 (en la ciudad capital) en situación de pobreza, obligando al gobierno a gastar
ocho millones de pesos por mes para atender en alimentos a los carenciados. Del
presupuesto anual, más de trescientos millones de pesos se destinan a salud y educación.21 21 La Mañana del Sur, Neu-
quén, 25 de agosto de
Resulta claro, para el caso neuquino, que la mayoría de la desocupación viene de ámbito 2002, p.8.
privado – suma un 47,6%22 – y que el estado es el gran empleador.23
22 La Mañana del Sur, Neu-
En definitiva, la economía neuquina tiene bases menos sustentables a largo plazo – quén, 1 de septiembre de
respecto de la de Río Negro –, por la dependencia de la explotación hidrocarburífera que 2002, p.8.
permite (y permitió) conformar una estructura estatal amplia. El caso de Río Negro, tiene 23 Neuquén tiene una plan-
una economía ligada a la exportación frutícola y desarrolla la pesca y la ganadería, además ta ocupada de 36.543 per-
sonas; Río Negro tiene
de un turismo altamente diversificado.24 29.295 empleados públi-
cos. En: Río Negro, 30 de
Precisamente por los datos aportados, Neuquén tiene un alto nivel de junio de 2002, p.4.
conflictividad respecto no sólo de Río Negro, sino también de otras provincias. Un
24 Para mayor información,
elemento central lo constituye el funcionamiento de la educación, la salud y la ayuda ver “Río Negro y Neuquén,
social, a diferencia de otros estados donde estos servicios se encuentran prácticamente como mucho en común...”
Suplemento económico dia-
desmantelados. De modo que la situación no sólo deriva en conflictos laborales para rio Río Negro, 30 de junio
mantener “una mayor participación del Estado en el futuro de sus vidas. Ingresar como de 2002, p.2-3.
del barril de crudo (recodar la posible guerra contra Irak), los ingresos de regalías
hidrocarburíferos, etc. acentúan las asimetrías en la región. En un último estudio, el
diario local analiza las diferencias salariales entre las dos provincias y afirma que durante
26 “Complicar las finanzas la gestión de Sobisch se profundizaron.26
públicas”, Río Negro, 9 de
febrero de 2003, p.2-3.
dades e defende que estes devem ter atuação de caráter com vistas à superação da dicotomia cidade-campo,
inovador e estratégico. Após apresentar a experiência considera também a possibilidade da ruralização do es-
do poder municipal brasileiro na promoção do desen- paço urbano. A segunda parte enfoca a “(re)valorização
volvimento econômico, defende a “centralidade do do espaço rural no contexto de um novo padrão de desen-
econômico para o equacionamento das questões social volvimento”. A perspectiva apresentada é a da adoção
e urbana” e o papel dos governos locais para o avanço de um padrão de desenvolvimento ancorado no tripé
da democracia. crescimento econômico, social e ambiental; portanto,
“Cidadania, lugar e globalização” é o título do dentro da perspectiva do desenvolvimento sustentável.
quarto capítulo. Seu autor, José Borzacchiello da Silva, Arnon Alberto M. de Andrade, em texto intitula-
ressalta a inexistência de prodigalidade da Geografia do “Globalização x educação. Uma aproximação ao ca-
quanto à discussão do espaço, tendo como foco o ter- so brasileiro”, capítulo sétimo, apresenta inicialmente a
ritório e o lugar como elos de uma cadeia que articula globalização com todos adornos com os quais os de-
o local e o global. A cidade – o lugar – é tida como o fensores desse fenômeno costumam apresentá-lo: a for-
espaço que expressa, no interior do País, o caráter frag- mação de uma aldeia na qual valores, mercados, in-
mentário do processo de globalização. É nela que se formações, ciência, tecnologia, língua, cultura etc.
encontram visíveis todas as diferenças e todos os con- homogeneízam-se. Em seguida, desnuda-o, apresen-
trastes, entre os quais se destacam: diferenças de renda tando-o como o que é: império da mercantilização, da
e diversidade de paisagens fazendo que a questão am- marginalização, do desemprego, da exclusão. Ao movi-
biental “expresse níveis diferenciados de acesso à ci- mento avassalador da globalização contrapõe a “cultu-
dade, à cidadania e ao mercado”. Apesar de toda essa ra”, notadamente a cultura do mundo “sem cultura”,
problemática, identifica que “o conturbado mundo identificando que a Escola, principalmente a Pública,
moderno tem na cidade sua melhor mediação”. e as mulheres das classes baixas da sociedade têm um
Beatriz Maria S. Pontes no capítulo quinto “Glo- importante papel civilizatório. Mostrando-se um entu-
balização, meio ambiente e pobreza”, defende que a so- siasta das pequenas ações, encarna a expressão poética:
ciedade global é uma categoria em formação e enu- “devagar também é pressa”.
mera uma série de características da globalização: Em “Na mira do mercado: políticas educacionais
transnacionalização das instituições, autonomia da em tempos de globalização”, capítulo oitavo, José Wil-
economia ante a política, internacionalismo do capital, lington Germano foca a análise no processo de refor-
enfraquecimento dos Estados-nação e fortalecimento ma do Estado que tem se desenvolvido, com o pressu-
das corporações transnacionais e de alguns organismos posto da “mercadização dos serviços públicos”. Mostra
internacionais. Enfatiza, ao mesmo tempo, uma das fa- que na América Latina o resultado desse processo tem
ces do novo mundo: a questão ambiental. Para Pontes, sido o aumento da pobreza e da exclusão social e a for-
o binômio pobreza-degradação ambiental existe em ma de solução, a proliferação de programas compensa-
decorrência dos subseqüentes estilos de desenvolvi- tórios. Não se opõe às políticas compensatórias, desde
mento. Logo, somente a modificação do modelo de que relacionadas a políticas de reinserção. Combate a
desenvolvimento poderá romper o elo que mantém es- educação de orientação liberal, focada na empregabili-
ta “deplorável” imbricação. dade que, em essência, atribui a responsabilidade pelo
O capítulo sexto “Meio rural: o espaço da exclu- desemprego aos próprios desempregados. Combate
são?”, de autoria de Aldenôr Gomes da Silva, encontra- ainda a educação voltada exclusivamente para o merca-
se dividido em duas partes. Na primeira, é discutido o do, pois configura “um adestramento”. Para o ensino
espaço rural como objeto do discurso da modernidade: superior, defende que “a constituição de uma nova
o rural seria o espaço do vazio, da pobreza, do atraso, aliança e o aprofundamento das relações (da Universi-
da exclusão e à mercê das políticas de cunho compen- dade) com a sociedade formam o cerne de uma pro-
satório. O autor alinha-se a outros estudiosos da temá- posta de mudança”.
tica e defende que não há necessidade de urbanização, O capítulo nono, “Poder municipal e governabi-
mas tão-somente a extensão ao campo de alguns bene- lidade”, de autoria de Ilza Araújo L. de Andrade, enfo-
fícios característicos do meio urbano. De outra parte, ca as ações governamentais num quadro marcado por
forças opostas: de um lado, forças externas que pressio- Flávio Antônio Miranda de Souza subscreve o ar-
nam pela diminuição da intervenção do Estado, de ou- tigo que constitui o capítulo doze: “Inclusão disputa-
tro, forças internas que pressionam para que as ações da: acesso à moradia em assentamentos informais em
governamentais tornem-se mais eficientes e eficazes. Recife”, onde discute o processo de exclusão no acesso
Após breve referência ao processo de descentralização ao solo urbano para construção de moradias. Para ele,
ocorrido no Brasil a partir da Constituição de 1988, a a questão fundamental é o direito à construção de mo-
autora discute a “questão da governabilidade nos go- radias, como forma de fazer valer a função social da
vernos locais”. Ela defende que um requisito funda- propriedade. Além da legalização da terra, sugere que
mental à governabilidade é a ampliação da cultura par- o poder público deve atuar com vistas a garantir a per-
ticipativa e o desenvolvimento de ações transparentes manência dos cidadãos no espaço ocupado. Assim, o
no exercício da gestão pública. foco da ação deve ser a construção de moradias em as-
O capítulo décimo foi escrito por José Lacerda A. sociação a programas de ocupação e renda para os mo-
Felipe. Após apresentar os elementos caracterizadores radores dos espaços urbanos em pauta.
do processo de globalização, o autor analisa “O local e No capítulo treze: “O trabalho e a corrosão da
o global no Rio Grande do Norte”. Destaca que nessa consciência coletiva: um estudo de caso em bairro de
unidade federativa não ocorreu a “efetivação de um es- Natal”, Orlando de Miranda apresenta resultados de
paço global, mas o surgimento de espaços de globaliza- pesquisa realizada no bairro de Mãe Luísa, na qual pro-
ção”. Descreve as chamadas atividades tradicionais: cura detectar em meio urbano, sob influência capitalis-
cultivo da cana-de-açúcar, extração e refino do sal ma- ta e estatal, “a dinâmica das relações entre comunidade
rinho e extração da xelita para, em seguida, destacar os e sociedade”. Segundo o autor, no citado bairro o am-
espaços que se encontram conectados à economia glo- biente comunitário encontra-se consolidado nas “es-
bal: a região de Natal – turismo, comércio, alguns ser- truturas de ‘sangue’ e de ‘lugar’”. A pesquisa aborda vá-
viços e atividades industriais; e a região do Vale do As- rias áreas da sociabilidade, no entanto, tratamento
su e parte da região de Mossoró – fruticultura. O autor mais sistemático é dado à área relativa ao trabalho e à
ressalta a quase ausência de processos produtivos no se- geração de renda. Mostra também que a luta pela ob-
mi-árido e parte do agreste, onde a base da sobrevivên- tenção de renda envolve várias modalidades de “vira-
cia são a pecuária e a agricultura de sequeiro, enquanto ção”: mendicância, assaltos, roubos e prostituição. Es-
os investimentos estatais concentram-se quase exclusi- sas atividades têm sido “toleradas”, em razão da
vamente na região de Natal. existência de uma “moralidade instrumental” envol-
“Ilegalidade urbana, segurança da posse e integra- vendo a luta pela sobrevivência. Argumenta que essa
ção socioespacial na era da globalização econômica e situação não expressa necessariamente corrupção e de-
da liberalização da política” foi redigido por Edésio sagregação de valores, pois a comunidade tem cons-
Fernandes (capítulo onze). O autor enfoca a importân- ciência de que tais práticas e valores não são consentâ-
cia da legislação e das instituições jurídicas para o de- neos com os da consciência coletiva, o que gera
senvolvimento urbano de países com características si- constrangimentos; mas não se lança na decadência e
milares ao Brasil. Defende que diante da rigidez da no pessimismo.
legislação e da ilegalidade que imperam no meio urba- O capítulo quatorze: “O setor terciário em Natal”
no deve ser realizada uma reforma urbana articulada a é de autoria de Rita de Cássia da C. Gomes, Anieres
uma reforma jurídica. Ao mesmo tempo, expressa que Barbosa da Silva e Valdenildo Pedro da Silva. Os auto-
a mera regularização fundiária não resolve o problema, res estudam o setor terciário na capital potiguar, tendo
a menos que se articule a outras políticas, tais como de em vista a reconfiguração territorial efetivada no meio
renovação urbana e construção habitacional. Enfim, urbano da cidade a partir dos anos setenta. Mostram
ressalta a imperativa necessidade de um planejamento que a partir deste período o setor terciário da capital
urbano participativo que vise à inclusão social ampla, sofreu acentuada transmutação e passou a redesenhar o
envolvendo os setores públicos, privado, e da sociedade espaço de sua atuação – antigas áreas comerciais “cede-
civil (comunidades e voluntariado), com o governo no ram” espaço a novas áreas de comércio e prestação de
papel de liderança. serviços. Esse movimento prosseguiu nas décadas se-
guintes, definindo nova espacialização, com base na ló- PLANNING LATIN AMERICA’S
gica de ocupação das grandes avenidas – “vias expres- CAPITAL CITIES – 1850-1950
sas de circulação”. Nesse processo, identificam que é Arturo Almandoz (Org.)
nessas vias, sobretudo nas que se localizam na parte sul Prefácio de Anthony Sutcliffe
da cidade, que se concentram as atividades mais mo- Londres: Routledge, 2002.
dernas do terciário, enquanto as localizações terciárias
tradicionais têm assumido novas funcionalidades. Eloísa Petti Pinheiro (UFBA)
No texto final: “Globalização. Idéias soltas no ar”,
Márcio M. Valença faz uma exposição sintética de vá- A idéia de um livro sobre as capitais da América
rias temáticas vinculadas ao processo de globalização Latina, publicado na Planning, History and the Envi-
por ele denominadas de “idéias soltas no ar”. Limito- ronment Series, foi proposta por Arturo Almandoz
me a enumerá-las: o conceito de “globalização”; GLO- em 1999 e logo se materializou. Essa publicação, que
BALIZAÇÃO ou globalização?; os excluídos da globa- consta de um ensaio do organizador sobre a urbaniza-
lização; o comando da globalização; Saber ver a ção e o urbanismo na América Latina e de oito artigos
globalização; globalização e Estados nacionais; globali- com estudos de caso envolvendo nove cidades,1 não
zação e identidade; mundialização x globalização; cul- pretende esgotar os estudos sobre as transformações e
tura da globalização; a pós-modernidade; ideologia da a europeização do espaço de todas as cidades da Amé-
globalização; instabilidade no sistema; decisão racio- rica Latina, mas, baseada nos casos estudados, enten-
nal, caos e crise; os veículos da globalização de infor- der como a América Latina processou, em maior ou
mações; a globalização financeira; o mercado globaliza- menor grau, suas reformas urbanas tendo a Europa
do; a produção globalizada; produção de energia e como referência.
meio-ambiente; globalização de ontem e de hoje. O período trabalhado – 1850-1950 – se justifica
Finalizada a apresentação dos trabalhos, defendo pela identificação da modernização urbanística im-
que o livro Globalização & desigualdade constitui um portada pela América Latina da Europa, ao mesmo
bem-sucedido momento de articulação de esforços in- tempo que as economias e as sociedades latino-ameri-
telectuais para a análise acurada de questões contem- canas foram profundamente transformadas por suas
porâneas, sem ficar na mera constatação dos resultados ligações com países europeus, um processo que se es-
das pesquisas. Rompe com essa tradição, ao assumir tende de meados do século XIX a meados do século XX,
uma postura propositiva, indicando a celebração de quando então a influência dos Estados Unidos torna-
uma nova arquitetura institucional e a implementação se mais forte.
de políticas públicas com caráter participativo como Mais especificamente, os textos demonstram
caminhos para a superação da imbricação até então que quase todas as capitais da América Latina foram,
existente entre Globalização & desigualdade. de formas diferenciadas, influenciadas pela arquitetu-
ra e o urbanismo Beaux-Arts. Essa influência aconte-
ce pelo grande número de profissionais latino-ameri-
canos que estudam na Europa, a maioria na França,
e, também, pelo trabalho de muitos profissionais
franceses que elaboram planos e projetos para cidades
latino-americanas. O resultado é uma série de proje-
tos e intervenções que buscam, na escala e grandeza para reinvenção cultural – o que o autor chama de
de Paris, inspiração para criar sua própria imagem. “inovação sintética” (synthetic innovation) nos países
Para que o leitor possa compreender os diferen- receptores.
tes processos de desenvolvimento e urbanização das As idéias importadas da Europa são apenas parte
cidades abordadas, Almandoz apresenta, na “Introdu- de uma cultura urbana mais ampla. Na base da aproxi-
ção”, uma análise das diferentes perspectivas com que mação cultural, chegando até a transferência de propos-
os diversos autores, que se debruçaram sobre os pro- tas urbanas, identifica-se a existência de um híbrido de
cessos urbanos na América Latina, tratam o período manifestações, na arquitetura e no urbanismo, de pecu-
proposto. Com uma visão diferente da teoria da de- liaridades em busca de uma identidade, via progresso e
pendência – que reduz as mudanças sociais a uma modernização, a partir de meados do século XIX.
imposição do modelo cultural de fora –, a adoção do Pode-se perceber mais essas manifestações em ci-
modelo urbanístico europeu é vista como um com- dades de países com economias em desenvolvimento,
ponente da relação cultural mantida pela sociedade como Argentina, Brasil e Chile. Nos países onde esse
latino-americana com os mais avançados países capi- desenvolvimento ocorre mais lentamente, como Peru,
talistas do Atlântico Norte. Venezuela e Costa Rica, e onde o capital internacional
Em todo o livro destacam-se as questões que ana- do bloco do Atlântico Norte não tem tanto interesse,
lisam desde o forte domínio da Inglaterra na economia percebemos menos as manifestações próprias. Nesses
e da França na política e na cultura até a necessidade países são as cidades latino-americanas que servem co-
de modernização como forma de atrair capitais inter- mo referência – como ocorreu no Brasil, em que algu-
nacionais e a importação de propostas urbanísticas da mas cidades tem como modelo a reforma de Pereira
Europa, sem com isso generalizar processos distintos Passos, ocorrida no Rio de Janeiro de 1902 a 1906. Por
na incorporação dessas influências nas capitais das re- exemplo, Buenos Aires influencia as intervenções em
públicas emergentes. No que se refere às questões ur- Santiago e esta última serve de modelo para as refor-
banas, o período abordado vai desde a influência das mas de Lima.
intervenções de Haussmann em Paris e da Beaux-Arts, O progresso e a civilização buscados pelos gover-
que inspiraram propostas para a criação da “cidade nantes liberais do século XIX abriram caminho para a
burguesa”, até o surgimento das metrópoles, quando se incorporação dos preceitos da Belle Époque nas capitais
encerra o ciclo europeu e cresce o domínio dos Estados latino-americanas. Como se pode perceber, nos estu-
Unidos na região. dos de caso apresentados por Almandoz, muitas vezes
Com exceção de Havana, cujo domínio espanhol as comemorações do centenário da Independência
se estende até final do século XIX e permite a adoção do possibilitam o debate urbanístico e arquitetônico que
modelo de ensanche de Cerdà, na maioria das capitais evidencia o conflito entre o ideal estético do século XIX
latino-americanas são os trabalhos de Haussmann na e a demanda social e política do século XX, como, por
Paris do Segundo Império a base de referência implíci- exemplo, os projetos elaborados por visitantes estran-
ta ou explícita para os governos nacionais e locais. geiros, inspirados pelos princípios acadêmicos da cons-
Na formação da “cidade burguesa”, a fascinação trução estética, como os projetos de Bouvard para São
das jovens repúblicas latino-americanas pela França e Paulo e Buenos Aires; as propostas de Forestier para
Grã-Bretanha pode-se atribuir à forte presença econô- Buenos Aires e Havana; e, mais tarde, o plano de Aga-
mica e política européia nos seus mercados, porém, che para o Rio de Janeiro. A partir de 1930, as propos-
longe de ser uma imposição cultural, revela a neces- tas passam a incorporar novas metodologias e concei-
sidade de as elites latino-americanas estreitarem laços tos técnicos.
com metrópoles mais desenvolvidas. Todas essas questões discutidas ao longo do texto
Outra questão importante é a de que apesar da são relevantes, mas a problemática principal do livro
importação urbanística ser o resultado da dependên- centra-se na transferência das idéias urbanísticas – e
cia cultural das elites, nos casos apresentados, é a in- também da arte, literatura e moda – da Europa para a
corporação de elementos locais que leva Almandoz a América Latina, tendo como tema paralelo o articula-
sugerir a mudança da noção de colonialismo cultural do debate urbano nas capitais e a fundamentação do
moderno urbanismo como disciplina nas repúblicas, da europeização. Também é de grande importância sua
processo que, aparentemente, ocorre em contato com publicação em inglês por uma grande editora inglesa
o background europeu. possibilitando sua inserção na historiografia interna-
A divisão em três partes dos estudos de caso, se- cional, que pouco espaço tem dado às questões urba-
gundo o organizador, expressa a diferença de desenvol- nas da América Latina.
vimento entre os países latino-americanos e facilita o
entendimento dos distintos processos, deixando clara a
existência de um fio condutor, um ponto em comum
– a referência a modelos urbanos europeus.
Na primeira parte, “Capitals of the booming econo-
mies”, estão incluídas as cidades de Buenos Aires, San-
tiago do Chile, Rio de Janeiro e São Paulo, como
emergentes metrópoles de economias em desenvolvi-
mento que se relacionam com o bloco do Atlântico
Norte a partir da segunda metade do século XIX.
Em “Early viceregal capitals”, segunda parte, a Ci-
dade do México e Lima são classificadas como antigas
capitais dos vice-reinos espanhóis que perdem impor-
tância regional após a independência.
Já na terceira parte, “The Caribbean rim and Cen-
tral America”, as três capitais estudadas – Havana, Ca-
racas e San José da Costa Rica – possuem diferentes
condições políticas e econômicas combinadas com
áreas urbanas diferenciadas, em escala e problemáticas,
e produzem intrigante e inexplorada expressão de eu-
ropeização na era republicana.
Apesar das consideráveis diferenças entre as capi-
tais latino-americanas, é possível encontrar um eixo
comum na transferência das idéias urbanísticas euro-
péias que ajudaram a recriar o caráter dessas capitais
sob a égide da modernidade européia. O que Alman-
doz pretende, com essa publicação, é preencher um va-
zio existente na historiografia urbana ao prover as
coordenadas para se entender as tendências de difusão
de um urbanismo importado pelas capitais latino-ame-
ricanas, desde o período pós-colonial, quando a euro-
peização é mais evidente, até a consolidação da predo-
minância da técnica e da cultura dos Estados Unidos.
Por fim, essa coletânea que Almandoz nos apre-
senta reúne textos de qualidade e de grande importân-
cia para a historiografia da cidade e do urbanismo lati-
no-americanos. A perspectiva comparada nos mostra
como as cidades capitais de países latino-americanos
social, política, cultural e economicamente distintos
realizam processos de transformação urbana compará-
veis, em que se identificam muitos pontos de conver-
gência através da adaptação de modelos importados e
der as formas de sua participação e da participação tra- apontando, assim, na direção de inúmeras possibilida-
duzida na presença às reuniões e os vínculos com suas des de fontes de conhecimentos a serem desvendadas,
bases organizativas. Indagações a serem aprofundadas, ampliando o leque de alternativas capazes de ensejar
além do âmbito dessa pesquisa. futuros estudos devido à premência em responder, fre-
O estudo mostra com bastante intensidade que o qüentemente, a novos desafios da realidade em curso.
Orçamento Participativo encontra-se institucional- Outrossim, o conjunto de informações, articuladas na
mente atrelado ao Gabinete do prefeito – segundo o publicação da pesquisa, constitui fonte segura para re-
estudo, aproximadamente a metade do conjunto dos fletir os meandros da prática do Orçamento Participa-
municípios estudados apresenta essa configuração ins- tivo, da qualidade da participação referente ao uso de
titucional. Nesse momento, parece ficar patente a re- recursos coletivos aos elementos que daí se depreen-
lação de dependência da autoridade, indicando, por dem para rever a ação político-administrativa e o alar-
um lado, um estado de incerteza, de fragilidade, dian- gamento da vivência democrática da sociedade.
te da conquista na iniciação de práticas participativas,
e, por outro, sinalizando as disputas geradas em de-
corrência do processo participativo e as relações de
poder gestadas nas entranhas da esfera governamental.
Realidade sugestiva de longa caminhada para a remo-
ção desses obstáculos.
As novas expressões de práticas democráticas sus-
citam a formulação de uma ampla gama de questões,
dentre as quais a relação democracia participativa e or-
çamento participativo. Ao leitor atento, inúmeras des-
cobertas advirão do mergulho aprofundado no manu-
sear cuidadoso dos dados disponíveis sobre as recente
experiência de Orçamento Participativo.
As autoras – Ana Clara Torres Ribeiro, a quem o
título de professora ressoa com bastante propriedade,
pesquisadora e intelectual de envergadura; e Grazia de
Grazia, mestra em Planejamento Urbano e Regional,
pesquisadora e profissional de competência reconheci-
da –, imprimiram à análise das informações um tom
que reafirma seus compromissos éticos e profissionais
com as lutas sociais e o empenho em subsidiar e forta-
lecer canais de participação popular, abertos e em fran-
ca caminhada no pós-Carta Magna de 1988.
Para realizar uma empreitada tão ampla, as auto-
ras somaram esforços de um conjunto significativo de
organizações não-governamentais e de outras entida-
des comprometidas, por suas práticas, em dar suporte
às mudanças em curso na sociedade e de acompanhar
os diversos processos sociais a partir dos quais essas
mudanças se delineiam. Essas organizações comparti-
lharam a responsabilidade pelo levantamento de infor-
mações, junto aos municípios, e contribuíram em de-
bates a respeito das novas situações desveladas.
Mas além do expresso, outra relevante contribui-
ção faz-se presente pelos veios abertos com a pesquisa,
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GODARD, O. “Environnement, modes de coordination et systèmes de légitimité: analyse de la catégorie de patri-
moine naturel”. Revue Economique, Paris, n.2, p.215-42, mars 1990.
BENEVOLO, L. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1981.
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