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HIJOS [DE LOS HIJOS] DA TIERRA: Reflexões acerca da violência ancorada

na América Latina, confluências histórico-político-sociais entre Colômbia e


Brasil durante os anos 801.

Marlen Lorena Oliveira Soares

Y si la sangre
Siguiera siendo sangre después de derramada;
mi país sería rojo.
Territorio uno -Ana Milena Puerta

Os filhos (dos filhos) da terra somos nós, filhos dos indígenas que sobreviveram a
exploração colonial, filhos e filhas de Zumbi e Dandara, filhas das bruxas que não
foram queimadas…..

Para entender a situação de violência e racismo no cenários sociopolíticos de


Brasil e Colômbia, considerou-se pertinente voltar um pouco para o período onde
foi criada a ideia de América latina que temos hoje, período esse onde a Europa
se estabelece como centro do sistema mundo2. Esse movimento de re-pensar o
período de invasão colonial, tem objetivo de apontar algumas categorias de
opressão/violência que foram iniciados aí e que permanecem até hoje como:
Raça, Território e Gênero

Assim como Dussel, para Quijano(2010) a colonização da América iniciada nos


séculos XV e XVI marcou novos tipos de opressão, principalmente as ligadas ao
conceito de raça, que segundo ele, foi criado no mesmo período. Para Quijano
(2010, p.183) a ideia de raça é, com toda a certeza, o instrumento de dominação
mais eficaz dos últimos 500 anos, pois a “ideia de raça nasce com a América”, e
se refere originalmente as diferenças fenotípicas entre indígenas e
conquistadores, principalmente Castellanos, porém, a primeira vez que a ideia de

1
O propósito desse ensaio é compartilhar reflexões geradas pelas experiências vividas por mim
durante o período de intercâmbio cultural na cidade de Bogotá-Colômbia, de Julho de 2018 até
2019.

2
Tema abordado de forma mais detalhada na tese de conclusão de curso em Filosofia, de Marlen Lorena
Oliveira Soares, 2018.
raça foi aplicada, não foi contra os indígenas “fueron los esclavos secuestrados y
negociados desde las costas de lo que ahora se conoce como África y a quienes
se llamará negros”. (QUIJANO 2010, p. 189)

Mesmo com várias formas de ver o conceito de raça, é depois da chegada de um


projeto hegemônico de modernidade ocidental e com pretensões universais que a
raça converteu-se em um princípio estruturador das relações sociais, culturais e
políticas. Esse projeto hegemônico europeu, teve êxito graças a ajuda de toda a
ideologia econômica capitalista e do discurso da ciência e teologia da época3.

Em sua análise, Quijano parte da afirmação de que a ideia de raça tem sido
construída historicamente para sustentar uma colonialidade de poder, mas que
não tem verdadeiramente um fundamento biológico, como tenta aparentar4.

O racismo, como dimensão das relações sociais cotidianas, não é, de acordo com
Quijano(2010) a única manifestação da colonialidade de poder, mas é sem dúvida
a mais perceptível, omnipresente e por consequência o principal campo de conflito
social. O poder ideológico racista foi tão forte que em meados do século XIX se
pretendeu inclusive apresentar raça como uma teoria científica, essa mesma
iniciativa foi usada como apoio, quase um século depois, na construção do projeto
de dominação mundial alemã, Nationalsozialismus, mais conhecido como
nazismo(Gobineau in Quijano 2010).

Torres (2010) no ensaio “Colores de Piel: Una revisión histórica de larga duración”
afirma que o conceito de raça não tem sustento científico-genético, e assim como
Quijano (2010), defende a ideia de que ambos surgiram após o período de
invasão das Américas, e acrescenta dizendo que há comprovações nos escritórios

3
TCC Marlen Lorena Oliveira Soares
4
Aníbal Quijano estabelece uma comparação entre os conceitos de cor e raça com os conceitos de sexo e
gênero. Neste comparação, o autor conclui que o sexo e as diferenças sexuais são reais e estão sustentadas
em aspectos biológicos, enquanto que o gênero é uma construção social que temos ao redor do sexo.
Portanto, quando se trata de cor e raça, nenhum dos dois conceitos são reais, do ponto de vista biológico,
además, o conceito de raça, sendo uma construção social, não tem base comprovativa da superioridade de
uma raça sobre outra.
da época de que por meios retóricos foi inventado a categoria índio para
diferenciar os europeus daqueles serem tão “monstruosos”5 do novo mundo.

Torres mostra que nos escritos de Cristóvão Colombo, em seu diário oficial
escreveu em 11 de outubro de 1492, a San Salvador: “D'ellos se pintan de prieto y
ellos son de la color de los canarios, ni negros ni blancos, y [algunos] d'ellos se
pintan de blanco y [otros] d'ellos de colorado” (Varela in Torres 2010). Francisco
López (1555) descreveu como via esses homens e mulheres do continente recém
descoberto, na sua descrição podemos ver a prepotência do espírito europeu de
crer que a sociedade europeia era o símbolo a ser seguido, começa a
hierarquização de culturas e formas de pensar, através da teoria de raça, onde as
novas raças “descobertas” como, a negra e indígena, seriam as menos evoluídas,
enquanto que a europeia a mais evoluída.

Ni moneda, ni bestia de carga; cosas principalísimas para la


policía y vivienda del hombre; que ir desnudos, siendo la tierra
caliente y falta de lana y lino, no es novedad. Y como no conocen
al verdadero Dios y Señor, están en grandísimos pecados de
idolatría, sacrificios de hombres vivos, comida de carne humana,
hablan con el diablo, sodomía, muchedumbre de mujeres y otros
así (De Gómara in Torres 2010, p.123-124)

Na obra “Afrodescendientes en las Américas : trayectorias sociales e identitarias,


150 años de la abolición de la esclavitud en Colômbia”, Mosquera et al(2002) fala
que dentro de um debate histórico contemporâneo já se admite que o curso da
diáspora africana em terras americanas é um dos eventos da história humana com
mais dívidas para saldar, com mais feridas abertas, com mais silêncios cúmplices
da parte dos produtores do discurso nas instituições oficiais e acadêmicas, e cada
vez mais é possível perceber as dimensões econômicas, sociais, políticas,
culturais, e o impacto do que chamam de “un movimiento demográfico, sem
paralelo, de escravização de humanos”. (MOSQUERA 2002, p.13)

5
Max E. Hering Torres, no texto citado, afirma que esse imaginário foi criado com base nas alegorias e
mediante imaginários sobre as criaturas monstruosas da Idade Média.
Mosquera et al(2002) levanta um dado interessante: Com exceção da Nigéria,
todo o resto do Caribe, Estados Unidos, Brasil, Cuba, Colômbia e Venezuela tem
população de origem africana maior que grande parte dos países africanos. Ou
seja, a escravidão não foi apenas um comércio muito cruel de venda de seres
humanos, foi um deslocamento em massa da população de um continente a outro.

A abolição, tanto em Colômbia quanto em Brasil, não foi um simples ato de


bondade com os seres humanos que estavam sofrendo, foi um jogo político, e
como tal não levou em consideração o bem estar destes novos cidadãos, assim
como o exercício efetivo de seus direitos, em Colômbia a abolição aconteceu em
1851, e assim como no Brasil, os chamados negros foram postos em condição de
sub-civilizados, onde a cor da pele se associou a atraso e selvageria, uma
situação que só poderia ser resolvida, segundo a elite da época, com uma mescla
da cultura européia, que seria responsável por trazer civilização e melhores
condições de vida para essas pessoas, porém, mesmo depois da mestiçagem,
grande parte da população afro e mestiça continua em péssimas condições de
moradia:

Los lugares y las regiones habitadas por las gentes de ancestro africano
fueron y continúan siendo sometidos al generalizado abandono del Estado,
a la carencia de infraestructura mínima, de servicios públicos, de salud, de
educación. Los índices de mortalidad, de morbilidad, de analfabetismo, de
pobreza absoluta son mucho más altos entre los afrodescendientes que en
el resto de la población nacional. (MOSQUERA 2002, p. 16)

Em um cenário mais atual, no que diz respeito a Colômbia e Brasil, para entender
o conceito de raça e racismo, é preciso sobretudo refletir acerca da ideologia de
mestiçagem tri-étnico. Durante o período áureo do Café no Brasil, adotou-se uma
política de branqueamento: facilitar a vinda de imigrantes europeus
(principalmente italianos, franceses e alemães) e suas famílias para trabalhar nas
grandes plantações de café e cana de açúcar. Essa estratégia, gerou um grande
impacto no cenário político nacional da época, algo tão complexo que até hoje
causa conflitos ideológicos entre o Sul/Sudeste e Norte/Nordeste6.

6
As cidades do sul do país, onde 70% da população é branca, montaram uma campanha de separação de
território. Nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, como a Bahia, mais de 80% da população é negra.
No que tange ao cenário colombiano, as políticas de branqueamento do século
XIX, projeto republicano, definiu a ordem sociorracial distanciando-se
discursivamente das hierarquias de uma sociedade de castas e proibiu, por meio
de dispositivos públicos de poder como a igreja, a escola, as universidades e os
partidos políticos, que os novos cidadãos se refiram ao termo raça, mas ao
mesmo tempo favorecia certa mobilidade social de quem se mesclou
biologicamente até apagar todos os rastros da “desgraça genealógica africana” e
adotaram as normas e valores da sociedade branca- mestiça guardiões da
“brancura”, “entendida não como a cor da pele, e sim como símbolo hegemônico
de cultura, de beleza, de razão, de felicidade, de ser”. (Dos Santos, 2004: 33-35)

Lao-Montes (in Mosquera et al 2010), no texto intitulado Cartografía del campo


político afrodescendiente en América Latina, diz que todas as instituições que
conhecemos hoje são posteriores a criação e imposição do conceito de raça,
portanto, essas instituições já trazem consigo o racismo, o que torna difícil a
ascensão e participação das pessoas negras. A exemplo de tais instituições
podemos citar: escola, família, igreja, presídio, instituições provedoras de saúde 7 e
regulamentadoras de leis.

Todas estas instituições atuam de forma diferenciada para negro e brancos, como
se vivêssemos em um grande jogo de xadrez, onde a regra obriga que a cor
branca sempre sai na frente.

Como categoria ancorada na história, a raça atravessa diversos tempos, espaços


e eventos, na América Hispânica colonial, avança com a limpeza de sangue e a
obsessão genealógica, no resto do mundo se aplicou na fobia contra os judeus
durante o nazismo, no sistemas de cotas hindu, na escravização de africanos, no
apartheid sul africano. No século XXI, no que Parizeau (2006, p.6) chama de neo
racismo, os instrumentos de dominação racial tem aparecido como um “racismo
cultural”, nas derivações da medicina genética e da investigação genômica que

7
A exemplo do SUS no Brasil, que apesar de ter sido criada para contemplar a população mais pobre no
Brasil, são vários os relatos de violência médica e principalmente violência obstétrica contra mulheres
negras.
tiveram um crescimento exponencial e nos ecocidas causados por interesses
econômicos.

A ideologia da raça, cria políticas de favorecimento para alguns indivíduos em


detrimento de outros, essas políticas vão desde “coisas pequenas” como ….. até
grandes técnicas de opressão, um grande exemplo disso é o sistema carcerário8
onde a maior parte dos presidiários é negra.

A política estadunidense antidrogas, nos anos 80, surgiu com o discurso de


diminuir o impacto social do narcotráfico, mas esconde uma estratégia de limpeza
social contra a população negra norte americana9, a mesma lei de tolerância zero
contra drogas expandiu-se rapidamente para outros países e hoje vários países na
América Latina enfrentam uma crise no sistema carcerário.

No Brasil, a crise do sistema carcerário somente virou assunto conhecido quando


em 02/10/1992 aconteceu o massacre do Carandiru, a maior penitenciária do Rio
de Janeiro nos anos 80/90. Desde então muito pouco foi feito sobre o massacre, o
Carandiru foi emplodido em 2001, mas diferente de outros “monumentos de
tragédia” - como o muro de Berlim- que são destruídos mas guardam memória
impedido que isso se repita, o Carandiru foi emplodido e junto com os escombros
se foi a esperança das famílias das vítimas de conseguir justiça.

O sistema carcerário brasileiro tem carácter punitivo, e são incontáveis os casos


de pessoas presas sem prova ou que ganham penas gigantes para crimes de
caráter leve10.

As populações afrocolombiana e afro-brasileira se coincidem em vários aspectos,


alguns já citados: opressão, preconceito etc. Porém, nem só de sofrimento está
feito a história dos descendentes africanos nas Américas, Mosquera et al (2002)
ressalta como uma das formas para saldar a dívida histórica da escravidão a
visibilidade e reconhecimento, portanto, estudar os processos de resistência pré e

8
Documentário original Netflix: 13°Emenda
9
Idem.
10
Caso do cara preso na manifestação e da mulher que pegou pena alta por roubar comida.
pós república são formas de (re)ler a história através da visão dos oprimidos e não
mais dos opressores.

Os escravizados articularam mil formas de sobreviver, e acima de tudo, vencer a


subordinação e a anomalia em que o sistema escravista pretendia mantê-los, em
um plano político, estabeleceram por todo o continente sociedades e colectivos de
resistência, formado no início por fugitivos, que na Colômbia foram chamados de
cimarrones, construíram os primeiros Quilombos, ou como são conhecidos em
território colombiano: Palenques.

FALAR SOBRE QUILOMBOS E PALENQUES

Diante da falta de oportunidade para compôr a cultura acadêmica, a população


negra para expressar-se vem criando e recriando uma complexa cultura popular
de múltiplas expressões:

La música, el canto, la danza, integrados en un complejo


festivo de intensa participación colectiva, es uno de los
rasgos vitales de las poblaciones de ascendencia africana.
Cuando las culturas urbanas de los países del continente
americano, en la primera mitad del siglo XX, empiezan a
masificarse -con la generalización de la radiodifusión y de la
industria discográfica- y a cambiar sus concepciones sobre
lo festivo y lo público, la música de las poblaciones negras
con su profundo sentimiento, su espectacularidad rítmica y
la sensualidad de sus bailes se va convirtiendo en un objeto
de consumo popular masivo. (MOSQUERA 2002, p.17)
Temos como exemplo, infinitas manifestações artísticas que tiveram sua origem
no processo de resistência negra no continente americano- o Samba, Carimbó e
Funk no Brasil; a Cumbia, Champeta e “Musica de Pacifico” em Colômbia; Salsa e
Santeria em Cuba; Rap, Hip-hop, Jazz, Blues e Rock nos Estados Unidos- que
apesar de não fazerem parte de políticas efetivas para diminuição de
descriminalização da população negra, ainda contribuem na formação de
elementos de auto valorização da identidade e de seus integrantes, auxiliando na
incorporação da expressividade de ancestralidade africana dentro dos imaginários
nacionais.
Outra forma de preservar a ancestralidade africana, que também tem importancia
na estetica e auto valorizacao de identidade sao as Trancas Africanas

Ambos os países enfrentam taxas altíssimas de violência, feminicídio, miséria,


mortes violentas por arma de fogo etc; Porém, considerou-se pertinente centrar
nossa discussão no preconceito racial pois marcou e segue em vários cenários do
ambiente urbano e rural, visto que as formas de opressão estão sempre
entrelaçado, usaremos na temática do racismo em ambos os países, serão citados
também outros aspectos e fenômenos histórico-político-sociais usados como
mecanismo de opressão, como: o conflito armado na Colômbia, as ditaduras e
mudanças “repentinas” de governo, os Desplazamientos11 forçados, a miséria
persistentes em certas localidades dos dois países etc.

11
Traduzido ao português seria “Deslocamento” forçado, porém optou-se pelo uso original do termo visto
que essa palavra ganhou dimensões muito grandes dentro dos debates sobre conflito colombiano.
POEMA: Yo que soy ignorante de (Poeta Chocoano Manuel Saturio
Valencia)

A yo que soy ignorante


Me precisa preguntar
Si el color blanco es virtud
Pa' yo mandarme a blanquear

Pregunta el hombre leal


Porque saber me precisa
Si el negro no se bautiza
En la pila bautismal

Si hay otra más principal

Má pa' tras o má pa'lante


Más bonita o más brillante
Onde bautizan al blanco
Me darán un punto franco
A yo, que soy ignorante

Dos hombres y una mujer


Todos somos descendientes
Porque al negro solamente
Con desprecio lo han de ver

La misma sangre ha de ser


Aunque el negro singular
Siempre han de colocar
En un lugar separado

Si el negro no se bautiza
Me preciso preguntar
Negro fue san Benedicto
Negras fueron sus pinturas
Y en la sagrada escritura
letras blancas yo no he visto

Negros los clavos de Cristo


Que murió en la santa cruz
Será que bajo Jesús
Por el blanco a padecer
Solo así podré saber
Si el color blanco es virtud
Cuando tengamos que darle
A mi Dios estrechas cuentas
Como el negro va pagar
Por el blanco las ofensas

Si al negro no se le encuentra
Un delito que culpar
Me dirán que no es verdad
Que el blanco no tiene pena
O si es que no se condena
Pa' yo mándame a blanquear

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