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Y si la sangre
Siguiera siendo sangre después de derramada;
mi país sería rojo.
Territorio uno -Ana Milena Puerta
Os filhos (dos filhos) da terra somos nós, filhos dos indígenas que sobreviveram a
exploração colonial, filhos e filhas de Zumbi e Dandara, filhas das bruxas que não
foram queimadas…..
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O propósito desse ensaio é compartilhar reflexões geradas pelas experiências vividas por mim
durante o período de intercâmbio cultural na cidade de Bogotá-Colômbia, de Julho de 2018 até
2019.
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Tema abordado de forma mais detalhada na tese de conclusão de curso em Filosofia, de Marlen Lorena
Oliveira Soares, 2018.
raça foi aplicada, não foi contra os indígenas “fueron los esclavos secuestrados y
negociados desde las costas de lo que ahora se conoce como África y a quienes
se llamará negros”. (QUIJANO 2010, p. 189)
Em sua análise, Quijano parte da afirmação de que a ideia de raça tem sido
construída historicamente para sustentar uma colonialidade de poder, mas que
não tem verdadeiramente um fundamento biológico, como tenta aparentar4.
O racismo, como dimensão das relações sociais cotidianas, não é, de acordo com
Quijano(2010) a única manifestação da colonialidade de poder, mas é sem dúvida
a mais perceptível, omnipresente e por consequência o principal campo de conflito
social. O poder ideológico racista foi tão forte que em meados do século XIX se
pretendeu inclusive apresentar raça como uma teoria científica, essa mesma
iniciativa foi usada como apoio, quase um século depois, na construção do projeto
de dominação mundial alemã, Nationalsozialismus, mais conhecido como
nazismo(Gobineau in Quijano 2010).
Torres (2010) no ensaio “Colores de Piel: Una revisión histórica de larga duración”
afirma que o conceito de raça não tem sustento científico-genético, e assim como
Quijano (2010), defende a ideia de que ambos surgiram após o período de
invasão das Américas, e acrescenta dizendo que há comprovações nos escritórios
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TCC Marlen Lorena Oliveira Soares
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Aníbal Quijano estabelece uma comparação entre os conceitos de cor e raça com os conceitos de sexo e
gênero. Neste comparação, o autor conclui que o sexo e as diferenças sexuais são reais e estão sustentadas
em aspectos biológicos, enquanto que o gênero é uma construção social que temos ao redor do sexo.
Portanto, quando se trata de cor e raça, nenhum dos dois conceitos são reais, do ponto de vista biológico,
además, o conceito de raça, sendo uma construção social, não tem base comprovativa da superioridade de
uma raça sobre outra.
da época de que por meios retóricos foi inventado a categoria índio para
diferenciar os europeus daqueles serem tão “monstruosos”5 do novo mundo.
Torres mostra que nos escritos de Cristóvão Colombo, em seu diário oficial
escreveu em 11 de outubro de 1492, a San Salvador: “D'ellos se pintan de prieto y
ellos son de la color de los canarios, ni negros ni blancos, y [algunos] d'ellos se
pintan de blanco y [otros] d'ellos de colorado” (Varela in Torres 2010). Francisco
López (1555) descreveu como via esses homens e mulheres do continente recém
descoberto, na sua descrição podemos ver a prepotência do espírito europeu de
crer que a sociedade europeia era o símbolo a ser seguido, começa a
hierarquização de culturas e formas de pensar, através da teoria de raça, onde as
novas raças “descobertas” como, a negra e indígena, seriam as menos evoluídas,
enquanto que a europeia a mais evoluída.
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Max E. Hering Torres, no texto citado, afirma que esse imaginário foi criado com base nas alegorias e
mediante imaginários sobre as criaturas monstruosas da Idade Média.
Mosquera et al(2002) levanta um dado interessante: Com exceção da Nigéria,
todo o resto do Caribe, Estados Unidos, Brasil, Cuba, Colômbia e Venezuela tem
população de origem africana maior que grande parte dos países africanos. Ou
seja, a escravidão não foi apenas um comércio muito cruel de venda de seres
humanos, foi um deslocamento em massa da população de um continente a outro.
Los lugares y las regiones habitadas por las gentes de ancestro africano
fueron y continúan siendo sometidos al generalizado abandono del Estado,
a la carencia de infraestructura mínima, de servicios públicos, de salud, de
educación. Los índices de mortalidad, de morbilidad, de analfabetismo, de
pobreza absoluta son mucho más altos entre los afrodescendientes que en
el resto de la población nacional. (MOSQUERA 2002, p. 16)
Em um cenário mais atual, no que diz respeito a Colômbia e Brasil, para entender
o conceito de raça e racismo, é preciso sobretudo refletir acerca da ideologia de
mestiçagem tri-étnico. Durante o período áureo do Café no Brasil, adotou-se uma
política de branqueamento: facilitar a vinda de imigrantes europeus
(principalmente italianos, franceses e alemães) e suas famílias para trabalhar nas
grandes plantações de café e cana de açúcar. Essa estratégia, gerou um grande
impacto no cenário político nacional da época, algo tão complexo que até hoje
causa conflitos ideológicos entre o Sul/Sudeste e Norte/Nordeste6.
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As cidades do sul do país, onde 70% da população é branca, montaram uma campanha de separação de
território. Nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, como a Bahia, mais de 80% da população é negra.
No que tange ao cenário colombiano, as políticas de branqueamento do século
XIX, projeto republicano, definiu a ordem sociorracial distanciando-se
discursivamente das hierarquias de uma sociedade de castas e proibiu, por meio
de dispositivos públicos de poder como a igreja, a escola, as universidades e os
partidos políticos, que os novos cidadãos se refiram ao termo raça, mas ao
mesmo tempo favorecia certa mobilidade social de quem se mesclou
biologicamente até apagar todos os rastros da “desgraça genealógica africana” e
adotaram as normas e valores da sociedade branca- mestiça guardiões da
“brancura”, “entendida não como a cor da pele, e sim como símbolo hegemônico
de cultura, de beleza, de razão, de felicidade, de ser”. (Dos Santos, 2004: 33-35)
Todas estas instituições atuam de forma diferenciada para negro e brancos, como
se vivêssemos em um grande jogo de xadrez, onde a regra obriga que a cor
branca sempre sai na frente.
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A exemplo do SUS no Brasil, que apesar de ter sido criada para contemplar a população mais pobre no
Brasil, são vários os relatos de violência médica e principalmente violência obstétrica contra mulheres
negras.
tiveram um crescimento exponencial e nos ecocidas causados por interesses
econômicos.
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Documentário original Netflix: 13°Emenda
9
Idem.
10
Caso do cara preso na manifestação e da mulher que pegou pena alta por roubar comida.
pós república são formas de (re)ler a história através da visão dos oprimidos e não
mais dos opressores.
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Traduzido ao português seria “Deslocamento” forçado, porém optou-se pelo uso original do termo visto
que essa palavra ganhou dimensões muito grandes dentro dos debates sobre conflito colombiano.
POEMA: Yo que soy ignorante de (Poeta Chocoano Manuel Saturio
Valencia)
Si el negro no se bautiza
Me preciso preguntar
Negro fue san Benedicto
Negras fueron sus pinturas
Y en la sagrada escritura
letras blancas yo no he visto
Si al negro no se le encuentra
Un delito que culpar
Me dirán que no es verdad
Que el blanco no tiene pena
O si es que no se condena
Pa' yo mándame a blanquear