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Finanças Públicas

➢ As Instituições Financeiras: razão de ordem

Os Estados possuem hoje, como sempre, valores institucionais e estes também se podem
encontrar na ciência das finanças públicas. Por isso, falamos no conceito de instituições
financeiras.

Contudo, ao falarmos de instituições financeiras, podemos falar em dois sentidos:


instituições instrumentais​ e ​instituições de enquadramento.

Instituições Financeiras – são os modos de racionalizar e controlar o desenvolvimento


dos processos financeiros, isto é, o exercício da actividade financeira por parte dos entes
públicos competentes, visando a satisfação das necessidades colectivas, tendo em conta
os valores, as prioridades públicas e os recursos disponíveis.

Instituições de Enquadramento – são aquelas pelas quais a actividade financeira é


levada a efeito, executando-se por seu intermédio uma dada vontade financeira do
Estado, definida pelos competentes órgãos da política financeira, dentro dos valores
vigentes.

Instituições Instrumentais – são aquelas pelas quais a política financeira se executa.


São, assim, os instrumentos financeiros ao dispor dos Estados Modernos para efectivar
as suas políticas financeiras.

Hoje, podem distinguir-se três tipos de instituições financeiras:

1. As instituições com competência para a decisão financeira de alto nível;


2. As instituições com competência para a execução financeira;
3. As instituições de controlo financeiro.

➢ Os órgãos superiores da decisão financeira: a Assembleia da


República e o Governo
Os órgãos da decisão financeira são aqueles a quem está confiada a competência ligada
à acção no domínio financeiro público.

A Constituição política portuguesa atribui a supremacia da decisão financeira à


Assembleia da República, o órgão a quem estão entregues as competências para a
tomada das mais relevantes decisões financeiras, tais como, por exemplo:
- A aprovação do Orçamento de Estado, dos planos nacionais e das Grandes
Opções do Plano (art. 161, al. f);

- A criação de impostos e sistema fiscal (art. 165, al. i);

- A aprovação do regime das leis das finanças locais (art. 165, al. q), entre
outras.

Embora os parlamentos sejam os órgãos da decisão financeira por excelência, os


Governos possuem hoje algumas competências financeiras.

Assim, os executivos possuem vários poderes de iniciativa em matéria financeira, tal


como elaborar e aprovar em Conselho de Ministros a proposta de Orçamento de Estado
ou solicitar autorização para a contracção ou concessão de empréstimos públicos e bem
como de outras operações de crédito. Todavia, o poder financeiro dos Governos é um
poder de segunda linha no sentido de que eles devem limitar a sua acção, nestas
matérias, às aprovações e autorizações da Assembleia da República.

A supremacia financeira garante também a discussão e o controlo dos gastos do Estado


por parte dos representantes do povo, eleitos por sufrágio directo e universal.

Uma vez que o poder de orientação geral da política financeira compete à Assembleia
da República, o Governo possui uma competência subordinada, de conformação,
administração e gestão das finanças públicas. Nesta perspectiva, a decisão financeira
compete ao Ministro das Finanças, que é coadjuvado, normalmente, por três Secretários
de Estado, que completam a estrutura de decisão financeira, juntamente com o
Primeiro-Ministro e o Conselho de Ministros:

- Secretário de Estado do Orçamento, que tutela sobre a área de controlo


orçamental da receita e despesa pública;

- Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, que tutela o sector financeiro


e a tesouraria do Estado;

- Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que tem a área da receita fiscal.

Finalmente, as Assembleias Legislativas dos Governos Regionais dos Açores e da


Madeira possuem também extensas competências financeiras próprias, embora estejam
subordinadas às leis gerais da República.
➢ O Sector Público em Portugal
Sector Público

Sector Público Administrativo Sector Empresarial do Estado

O SPA – Sector Público Administrativo

O Sector Público Administrativo é constituído pelo conjunto de entidades e serviços da


Administração Central, Regional e Local, bem como pela Segurança Social e pelos
Fundos Autónomos e compreende dois níveis, a saber:

1. O Estado e as demais entidades públicas dele dependentes, a saber:


a) A ​Administração Central do Estado, que compreende os serviços
integrados que não dispõem de autonomia administrativa e financeira.
São serviços que estão sujeitos ao regime de mera autonomia
administrativa, ou seja, que estão sujeitos ao poder de direcção,
supervisão e inspecção dos membros do Governo e que o seu orçamento
está integrado no Orçamento de Estado;
b) Os ​serviços e fundos autónomos,​ considerados como tais os que ​não
tenham natureza e forma de empresa, fundação ou associação públicas,
tenham autonomia administrativa e financeira e disponham de receitas
próprias para a cobertura das suas despesas;
c) As ​entidades com autonomia administrativa e financeira​, isto é, com
competência para elaborarem e gerirem os seus próprios orçamentos
privativos e realizarem despesas correntes e não correntes e de
ordenarem o seu pagamento;
d) A ​Segurança Social que possui consagração constitucional expressa –
artigo 63º da CRP – onde se definem os objectivos do Estado neste
domínio (Universalidade, Generalidade, Unidade, Descentralização).

Só estas entidades estão abrangidas pelo Orçamento de Estado, por se encaixarem no


conceito de serviços integrados, serviços e fundos autónomos e Segurança Social.
Todos os demais gozam de independência financeira.

2. A Administração descentralizada do ponto de vista territorial mas meramente


desconcertada do Estado, a saber:
a) As autarquias locais (descentralizadas territorialmente);
b) As regiões autónomas (desconcentradas politicamente).

Estas entidades gozam de um estatuto de independência orçamental. Porém, isso não


significa que possuam autossuficiência financeira. Bem pelo contrário, elas dependem
das receitas provenientes do Orçamento do Estado.

Do ponto de vista orgânico, é possível distinguir na Administração Pública três níveis


ou grupos de entidades públicas:

▪ Administração directa do Estado;


▪ Administração indirecta do Estado;
▪ Administração Autónoma do Estado, que pode ser de base territorial (regiões
autónomas e autarquias locais) ou de base associativa.

A ​Administração Autónoma é​ composta por entidades que prosseguem interesses


próprios das pessoas que as constituem, que definem autonomamente e com
independência a sua orientação e actividade. Podemos agrupar estas entidades em três
categorias: Administração Regional, Administração Local e Associações Públicas.

A ​Administração directa do Estado integra todos os órgãos, serviços e agentes


integrados na pessoa colectiva Estado que, de modo directo e imediato e sob
dependência hierárquica do Governo, desenvolvem uma actividade tendente à satisfação
das necessidades colectivas. O Governo exerce sobre elas, portanto, o poder de
direcção. Mas nem todos os serviços da Administração directa do Estado têm a mesma
competência territorial, existem os Serviços Centrais e os Serviços Periféricos. Os
primeiros têm competência em todo o território nacional (por exemplo,
Direcções-Gerais) e os segundos têm uma competência territorial limitada ou os
serviços de representação externa (por exemplo, Direcções Regionais e as embaixadas,
respectivamente).

A ​Administração indirecta do Estado integra as entidades públicas, distintas da pessoa


colectiva “Estado”, dotadas de personalidade jurídica e autonomia administrativa e
financeira que desenvolvem uma actividade administrativa pela qual prosseguem os fins
próprios do Estado. Trata-se de administração “do Estado” porque se prosseguem fins
próprios deste, e de “administração indirecta” porque estes fins são prosseguidos por
pessoas colectivas distintas do Estado. Contudo, o Governo detém sobre estes poderes
de orientação, de fiscalização e controlo.

A Administração indirecta do Estado compreende três tipos de entidades: ​Serviços


personalizados (por exemplo: Institutos Públicos e Empresas Públicas), F ​ undos
personalizados (​ por exemplo: Serviços Sociais das forças de segurança) e ​Entidades
públicas empresariais​ (por exemplo: Hospitais públicos empresarializados).

Existem ainda algumas ​entidades administrativas independentes​, de supervisão e


regulação do sistema financeiro, como o Banco de Portugal, o Instituto de Seguros de
Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

O Sector Empresarial do Estado

O SEE – Sector Empresarial do Estado é constituído pelo conjunto de unidades


produtivas do Estado, organizadas e geridas de forma empresarial, integrando as
empresas públicas e as empresas participadas do Estado. Caracteriza-se pelo facto de as
entidades que o integram funcionam segundo uma lógica de mercado, ao passo que o
sector público administrativo funciona segunda uma lógica de serviço público. Ele
compreende:

a) As ​empresas públicas – as empresas em que o Estado ou outras entidades


públicas estaduais possam exercer uma influência dominante decorrente da
detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto;
b) As ​empresas participadas – as empresas em que, não se encontrando reunidos
os requisitos para serem consideradas empresas públicas, existe uma
participação permanente do Estado através da qual exerce uma influência
significativa ou detém direitos especiais de accionista.

É importante recordar que todas as entidades que integram o SEE gozam de um estatuto
de independência orçamental, tal como as regiões autónomas e as autarquias locais.

➢ Os órgãos de execução financeira – a Administração Financeira


Na medida em que o Governo é órgão superior da Administração Pública, ele
superintende aos órgãos da administração financeira, sujeitando-os às suas directrizes,
orientação e controlo. A Administração Pública está sujeita às directrizes emanadas pelo
Ministro das Finanças através de despachos, despachos normativos, Portarias e outros
regulamentos administrativos, mas também está sujeita às orientações do Conselho de
Ministros por via de decretos-lei e de resoluções.

A Administração financeira está inserida na administração pública que é uma realizada


vasta e complexa.
Administração Pública – é entendida num duplo sentido: sentido orgânico e sentido
material. Em sentido orgânico, a ​administração pública é o sistema de órgãos, serviços
e agentes do Estado e de outras entidades públicas que visam a satisfação regular e
contínua das necessidades colectivas. Em sentido material, a administração pública é a
própria actividade desenvolvida por aqueles órgãos, serviços e agentes.

O Ministério das Finanças: missão, estrutura e órgãos

A Administração Financeira do Estado está essencialmente centralizada no ​Ministério


das Finanças que é o órgão que tem por missão definir e conduzir a política financeira
do Estado e as políticas da Administração Pública, promovendo a gestão racional, o
aumento da eficiência e da equidade, a melhoria dos sistemas e processos de gestão dos
recursos públicos.

Fazem parte da estrutura do Ministério das Finanças alguns serviços de administração


directa, de administração indirecta, organismos sob tutela, órgãos de apoio, entidades
administrativas independentes, organismos de tutela conjunta. Dos quais, destaco:

- Inspecção-geral de Finanças (administração directa)

- AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (administração directa)

- Caixa Geral de Aposentações, IP (administração indirecta)

- Agência Nacional de Compras Públicas (organismo sob tutela)

- Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações (órgão de apoio)

- Conselho Nacional do Mercado de Valores Imobiliários (órgão de apoio)

- Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (entidade administrativa


independente)

- Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (organismo de tutela


conjunta)

- Instituto Financeiro para o Desenvolvimento, IP (organismo de tutela


conjunta).

O Banco de Portugal enquanto Banco Central é a autoridade responsável pela


supervisão e regulação do sector financeiro a quem a lei interna e os Tratados que
regem a União Europeia reconhecem garantias de independência.
Assim, compete ao Ministério das Finanças exercer a generalidade dos poderes políticos
e administrativos respeitantes à actividade financeira do Estado, possuindo assim
algumas atribuições tais como: definir e controlar a execução da política financeira do
Estado tendo em atenção a prossecução de objectivos de estabilização conjuntural e de
desenvolvimento económico; conceber executar a política fiscal; gerir os instrumentos
financeiros do Estado, designadamente o Orçamento do Estado, o Tesouro e o
Património; coordenar e controlar a actividade financeira dos diversos subsectores do
sector público administrativo.

O Ministério das Finanças desenvolve as suas atribuições através de serviços integrados


na administração directa do Estado, de organismos integrados na administração
indirecta do Estado, de órgãos consultivos, de entidades integradas no sector
empresarial do Estado e de outras estruturas.

São ​serviços da administração directa do Estado que interferem mais directamente na


actividade financeira do Estado. Por exemplo, a ​Inspecção-geral de Finanças (IGF)
assegura o controlo estratégico da administração financeira do Estado, compreendendo
o controlo da legalidade e a auditoria financeira e de gestão. A ​Direcção-Geral do
Orçamento (DGO) tem por missão superintende na elaboração e execução do
Orçamento do Estado, na contabilidade do Estado, no controlo da legalidade, na
regularidade e economia da administração financeira do Estado. A AT – ​Autoridade
Tributária e Aduaneira tem por missão administrar os impostos sobre o rendimento,
sobre o património e sobre o consumo e outros tributos que lhe sejam atribuídos por lei.

➢ Tribunais Financeiros
São tribunais financeiros nacionais: o ​Tribunal de Contas e os ​Tribunais Fiscais​. São
estruturas da organização do poder judicial e verdadeiros órgãos de soberania. Foram
criados pela necessidade de exercer o controlo financeiro das receitas, das cobranças
dos tributos e da necessidade de garantir uma regular e eficiente gestão das despesas
públicas.

Aos ​Tribunais Fiscais​, compete-lhes conhecer, apreciar e julgar as acções e recursos


contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações
jurídicas fiscais e bem assim os recursos contenciosos de anulação, dos actos de
liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais.

O ​Tribunal de Contas (nacional) é o órgão supremo de fiscalização da legalidade das


despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe. Estão
sujeitas à jurisdição e ao controlo financeiro do Tribunal de Contas todas as entidades
de qualquer natureza que tenham participação de capitais públicos ou sejam
beneficiárias, a qualquer título, de dinheiros ou outros valores públicos, na medida
necessária à fiscalização da legalidade, regularidade e correcção económica e financeira
da aplicação dos mesmos dinheiros e valores públicos.

➢ A Constituição Política Financeira


A Constituição política pode ser entendida como o conjunto de normas do texto
fundamental (CRP) que integra os princípios fundamentais respeitantes à organização
do modelo financeiro. A Constituição política financeira contém, por isso, normas
especificamente financeiras, e para além destas, normas mais gerais, que corporizam
uma dada ideia de Estado de Direito democrático.

Opções financeiras das constituições políticas portuguesas: monismo e dualismo


financeiro

As constituições políticas portuguesas nem sempre atribuíram aos órgãos do poder


político os mesmos poderes em matéria financeira. Isto é, a supremacia do poder
financeira coube, umas vezes, à assembleia representativa dos cidadãos, outras, ao
poder executivo. É da oscilação desta supremacia que falamos quando nos referimos ao
monismo​ e ao ​dualismo financeiro​.

As opções das constituições políticas do liberalismo (1822, 1838, 1911 e a Carta


Constitucional de 1826) foram claramente no sentido de atribuir a supremacia financeira
à assembleia representativa dos cidadãos, uma clara ​opção monista​. Aqui, o poder
disciplinar através da lei a actividade financeira e bem como de tomar as contas do
Estado competia exclusivamente ao parlamento.

Diferente foi na Constituição política de 1933 onde aqueles poderes vieram a ser
substancialmente outorgados segundo um ​regime dualista onde a Assembleia Nacional
e Governo partilhavam competências Financeiras de primeira grandeza.

Este ​dualismo financeiro que caracterizou a Constituição política de 1933 veio a ser
também adoptado pela Constituição de 1976, embora por razões diferentes. Todavia, o
retorno à “normalidade” deu-se logo depois, sendo hoje inequivocamente monista a
opção de fundo em matéria financeira plasmada na Constituição política de 1976, graças
à revisão constitucional de 1982.

Portanto, podemos afirmar que a Constituição política portuguesa é hoje claramente


monista, isto é, atribui ao órgão representativo dos cidadãos, a Assembleia da
República, eleita por sufrágio directo e universal, a supremacia da decisão financeira.

Princípios fundamentais com relevância financeira

Para além dos princípios especificamente financeiros, existe um conjunto mais vasto de
princípios gerais que são igualmente importantes uma vez que possuem, em alguma
medida, incidência financeira. É o caso, entre outros, dos princípios:

- Da dignidade da pessoa humana;

- Da igualdade jurídica dos cidadãos;

- Da democracia política participativa;

- Da separação e interdependência dos órgãos de soberania;

- Da forma de governo e da descentralização financeira.

Tais princípios constituem verdadeiros objectivos financeiros do Estado, para cujo


aprofundamento se torna necessário dotar os órgãos do poder público dos
correspondentes meios financeiros. Daí que o fenómeno financeiro se constitua a partir
de uma dada ideia de modelo social. Ele é, assim, uma tradução concreta de opções
sociais, políticas e económicas de fundos anteriores, constituindo um instrumento de
execução financeiro de tais vontades políticas, económicas e sociais.

O fenómeno financeiro supõe uma articulação entre os interesses e os direitos dos


cidadãos e os dos órgãos políticos.

Princípios gerais do Estado Financeiro

Os princípios do Estado financeiro podem ser gerais ou específicos. São gerais, aqueles
que têm uma manifesta vertente financeira. Tais como:

- O ​princípio da independência e da soberania nacional;

- O ​princípio da construção de uma sociedade livre, justa e solidária​;


- O ​princípio da consagração da economia de mercado e da livre iniciativa;

- O ​princípio da protecção da propriedade privada;

- O ​princípio democrático;​

É importante lembrar que os princípios do Estado financeiro não podem deixar de se


articular com os princípios financeiros da União Europeia uma vez que o direito
financeiro Europeu impõe obrigações e limites crescentes à actuação isolada dos
Estados.

Objectivos do Estado financeiro

Para além dos princípios do Estado financeiro, a Constituição político consagra ainda
um conjunto de ​objectivos do Estado financeiro​, que compreendem ​tarefas
fundamentais do Estado. ​Estas podem ser de dois tipos, gerais ou específicas:

- São gerais, por exemplo as previstas no artigo 9º da CRP, tais como a garantia
da independência nacional, a garantia dos direitos e liberdades fundamentais, a defesa
da democracia ou a promoção da igualdade entre homens e mulheres.

- São específicas as relativas aos princípios fundamentais da organização


económica e aos objectivos económicos constantes dos artigos 80º e 81º da CRP, uma
vez que as próprias tarefas prioritárias do Estado em matéria económica configuram
outras tantas incidências financeiras, requerendo alguma medida de acção política no
sentido de lhes dar consecução.

São também tarefas fundamentais específicas do Estado financeiros as tarefas referentes


aos princípios relativos à área do direito financeiro denominado ​direito fiscal​, que trata
das receitas do Estado sob a forma de impostos.

A Constituição fiscal

Finalmente importa notar que o texto fundamental prevê um conjunto de normas


habitualmente designadas de Constituição tributária (a expressão tributos compreende
os impostos propriamente ditos, as taxas e as contribuições especiais que possuem um
diferenciado enquadramento e regime).

Aqui, alinham-se alguns dados estruturantes sobre a natureza finalista do sistema fiscal,
a saber, um fim essencialmente financeiro, que é o da satisfação das necessidades
financeiras do Estado em primeiro lugar, e, logo depois, um fim não financeiro mas
social, que é o da justa repartição de rendimentos e da riqueza.

Contudo, alguns dos princípios fundamentais consagrados não cobram adequadamente


as garantias e os valores que pretendiam proteger, como é o caso do princípio da
legalidade fiscal. Ele diz-nos que ​“o sistema fiscal será estruturado por lei”​, ​“os
impostos são criados por lei” e o dever de pagar imposto exige que ele tenha sido
liquidado na forma prevista na lei – art. 103º, fundando-se no princípio do
consentimento por parte dos que o vão suportar.

É de registar que associado ao princípio da legalidade está o princípio da reserva (ou


proeminência) de lei, que no nosso caso, é absoluta e formal. O facto desta reserva ser
absoluta significa que a lei criadora de um imposto não pode ser qualquer tipo de acto
normativo. Mas tem que ser um dos tipos de lei previstos no artigo 112º da CRP, a
saber, a Lei da Assembleia da República, Decreto-Lei do Governo ou Decreto
Legislativo Regional. Nenhum outro tipo de acto normativo pode criar impostos, sob
pena de ser inconstitucional.

Por outro, a reserva de lei é formal pois a lei do imposto deve conter não apenas o
fundamento da conduta da administração tributária, mas também os critérios das
decisões dos casos concretos.

A Constituição creditícia

Designa-se habitualmente por ​constituição creditícia o conjunto de normas


fundamentais que estabelecem os princípios basilares a que deve obedecer a decisão
bem como o processo de autorização no recurso ao crédito público, interno e externo.

O recurso ao crédito público não é uma actividade na livre disposição dos Governos
pois o endividamento público não é mais do que impostos diferidos ou futuros. Se assim
fosse, os Governos poderiam facilmente subverter os princípios da legalidade e da
reserva de competência legislativa que existe no lançamento de impostos,
substituindo-os por endividamento público. Assim, o recurso ao crédito público, tal
como o lançamento de impostos, deve ser consentido pelo povo através dos seus
legítimos representantes, a Assembleia da República.

Não existe qualquer norma sobre limites do endividamento nem os poderes e


instrumentos de fiscalização da Assembleia da República ou de outros órgãos de
soberania, como o Tribunal de Contas impediram a contracção de défices excessivos.
Alguns Estados, como a Espanha, introduziram recentemente nas suas Constituições
políticas limites máximos do endividamento público, como forma de evitar os défices
excessivos e seus problemas.

➢ O princípio constitucional da descentralização financeira


Um outro valor estruturante que constitui hoje um vector essencial do Estado político e
financeiro é o da descentralização das finanças públicas. A Constituição política
consagra poder tributário próprio às regiões autónomas e às autarquias locais.

O princípio da descentralização financeira confere assim às autarquias locais poderes


tributários próprios. A Lei das Finanças Locais (LFL) veio estabelecer e reforçar os
poderes financeiros e fiscais das autarquias locais. Desta forma, as autarquias locais são
actualmente titulares de receitas próprias, para além de receberem fundos do Orçamento
do Estado. A Lei das Finanças Locais confere ainda aos municípios o poder de criar
taxas nos termos do regime geral das taxas das autarquias locais, subordinado aos
princípios da equivalência jurídica, da justa repartição dos encargos públicas e da
publicidade, incidindo sobre utilidades prestadas aos particulares, gerada pela actividade
dos municípios ou resultantes da realização de investimentos municipais.

➢ Os instrumentos financeiros do Estado


Os Estados dispõem hoje de um significativo conjunto de instrumentos financeiros. Em
parte eles foram-nos legados pela dogmática liberal e, noutra, resultam dos
desenvolvimentos posteriores à medida que o Estado se foi transformando. Hoje, está ao
dispor dos órgãos do poder político um conjunto de instituições financeiras, designadas
de ​instituições de enquadramento​, a saber:

- A Constituição política financeira;

- Os órgãos (políticos) que decidem as questões financeiras;


- A administração pública financeira.

Por outro lado, a actividade financeira do Estado é também levada a efeito através de
um conjunto de ​instrumentos financeiros (instituições instrumentais), de que se
socorre o Estado financeiro no exercício das suas funções político-financeiras, que são:

- O tesouro público;

- O crédito público;

- A dívida pública;

- Os planos financeiros, em especial, o Orçamento do Estado;

- Os programas financeiros, como o PEC – Pacto de Estabilidade e Crescimento


ou do PAEF – Programa de Assistência Económica e Financeira;

- O património do Estado.

O Tesouro Público

O Tesouro Público mantém toda a sua relevância, continuando a ser a instituição que
centraliza e gere de modo coordenado todos os recebimentos e pagamentos do Estado.
O Tesouro constitui a estrutura central da actividade financeira do Estado e o seu bom
funcionamento reveste-se de grande importância para toda a administração pública. As
tarefas de gestão das disponibilidades de tesouraria estão concentradas no IGCP –
Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, concentrando-se nele a gestão da
totalidade da tesouraria central do Estado e da dívida pública.

O Crédito Público

O Crédito Público é o conjunto de operações levadas a efeito pelo Estado tendo em vista
a obtenção de meios de liquidez (empréstimo público) para a satisfação de
responsabilidades financeiras. Assim, ele pode ser visto de duas formas: instituição
pública ou instrumento financeiro. Esta última denomina o conjunto de operações de
endividamento e de gestão da dívida pública levados a efeito pelo Estado com a
finalidade de obter os meios de liquidez necessários para a cobertura das suas
necessidades e responsabilidades.

A Dívida Pública
Por dívida pública entende-se o conjunto das situações passivas constituídas em
resultado do recurso ao crédito por parte do Estado (crédito público), materializado na
emissão de títulos, colocados no mercado de capitais para que os interessados possam
neles investir, tendo em vista alcançar um dado número de recursos, estimado, para
fazer face aos défices orçamentais.

É preocupante quando um Estado contrai dívida pública para satisfazer necessidades de


despesa corrente. Isso viola a regra de ouro das finanças públicas.

Enquanto instituição pública, o IGCP – Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito


Público, tem por missão contribuir para o desenvolvimento dos mercados financeiros e
efectuar a gestão, de forma integrada, da tesouraria e do endividamento público directo
do Estado de modo a assegurar:

- A estabilidade no financiamento público e a eficiência na gestão da carteira da


dívida pública;

- A minimização do custo da dívida numa perspectiva inter-temporal, de acordo


com as estratégias de risco definidas pelo Governo;

- A redução dos saldos de tesouraria para níveis de segurança mínimos


aceitáveis, em função de um desejo de diminuição da dívida em circulação e da redução
dos encargos financeiros do Estado.

Existem vários tipos de dívida pública, tais como:

- ​Dívida amortizável - pode ter prazo certo ou incerto. A dívida amortizável de


prazo mais frequente concretiza-se através da emissão de Obrigações do Tesouro ou
Bilhetes do Tesouro, colocados no mercado de capitais, de empréstimos obrigacionistas
ou certificados de aforro, colocados junto dos cidadãos.

- ​Dívida não amortizável – diz-se não amortizável a dívida pública pela qual o
adquirente fica com direito a uma renda perpétua, pela qual recebe rendas anuais, mas
sem qualquer limite de tempo.

Os planos financeiros: o Orçamento do Estado em especial

Existem vários planos financeiros tais como Planos sectoriais e o Plano das Grandes
Opções do Plano (GOP’s).

O Orçamento do Estado é também um importante plano financeiro. Este é um


documento de previsão, incorporando uma autorização para a cobrança de receitas pelo
Estado e bem assim das despesas a realizar para satisfazer as necessidades colectivas,
limitando os poderes financeiros das administrações financeiras no período a que
respeita.

Esta instituição financeira vive actualmente algumas vicissitudes, tais como a perda de
generalidade, por um lado, e a ausência de verdadeira discussão parlamentar, por outro.
Todavia, tem uma clara função dirigente e um forte instrumento da estabilidade
orçamental coordenando a actividade financeira do Estado, incluindo a dos subsectores
com independência orçamental.

Por outro lado, existe uma espécie de pré-conformação legal muito expressiva das
despesas públicas, cuja rigidez reduz, na prática, a possibilidade de tomada de
verdadeiras opções de fundo em sede de discussão e aprovação parlamentar do
Orçamento do Estado. A rigidez da despesa retira também conteúdo prático a uma
verdadeira audição dos povos através dos seus representantes, como era intenção da
dogmática liberal de onde a instituição orçamental surgiu.

Para além da rigidez da despesa existe um outro problema relevante: o da crescente


consignação das receitas. Esta situação coloca em crise o princípio do consentimento.

Acrescem ainda as questões ligadas à proliferação de Institutos Públicos, de entidades


reguladores de sectores de actividade e de EPE’s – Entidades Públicas Empresarias que
são pessoas colectivas de direito público com natureza empresarial, criadas pelo Estado.
Todas estas novas entidades bem como a descentralização financeira do Estado
subvertem a uniformidade do regime financeiro que caracterizou as finanças públicas,
sobretudo na segunda metade do século passado.

O Património do Estado

O património do Estado é o acervo dos bens de que o Estado é titular num dado
momento, capaz de satisfazer necessidades públicas, compreendendo ainda as posições
passivas (responsabilidades) de que seja sujeito num determinado momento.

Capítulo 5 – Os Ambientes da Decisão Financeira


➢ Os novos decisores financeiros nacionais, internacionais e
comunitários
O Estado, de fronteiras próprias, fechadas, capaz de controlar os factos económicos e a
própria tomada de decisões financeiras deu lugar a economias abertas e um maior relevo
ao factor nas finanças públicas. Assim, o Estado perdeu o papel central na matéria
financeira por uma multiplicidade de factores de ordem contextual e espacial. O
problema do espaço da decisão financeira apresenta-se numa dupla perspectiva:

▪ A supra e infra-estadualidade que trouxeram consigo a diversificação dos


centros da decisão financeira. Os Estados estão actualmente sujeitos a regras
novas que lhes retiram a centralidade financeira. Não são tão livres como antes
no que toca à disposição de recursos bem como vêm sido confrontados com a
necessidade de articular as suas preferências com as obrigações assumidas na
cena internacional, de que é exemplo a União Europeia.

Parte das competências financeiras dos Estados, sobretudo fiscais, mas também quanto
a algumas políticas financeiras relevantes, como é o caso da política monetária, cambial
e taxa de juro, o centro de decisão passou a estar nas instâncias comunitárias como é o
caso da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu e do Conselho.

▪ A desmaterialização, a desintermediação e a deslocalização das operações


económicas para jurisdições, financeira e fiscalmente, amigáveis, com níveis de
tributação inferiores. Estas não só afectam a decisão financeira como alteram o
comportamento dos agentes financeiros, obrigando a um assinalável
reposicionamento do Estado.

Existem assim novos actores internos com competências financeiras, compreendendo


um vasto conjunto de entes financeiros públicos distintos do Estado, bem como, no
plano externo, os órgãos internacionais e os órgãos próprios da União Europeia. No que
diz respeito ao plano interno, para além dos Estados, temos os organismos públicos
administrativos, políticos e territoriais menores, tais como:

- Os organismos da Administração Pública, directa e indirecta;

- As Regiões Autónomas;

- As Autarquias Locais;

- A Segurança Social;

- As empresas detidas pelo Estado, independentemente da forma que assumam.

No plano internacional, podemos facilmente identificar um conjunto de instituições


financeiras muito relevantes, tais como:
- A União Europeia – que é uma parceria económica e política única entre 28
países europeus;

- O FMI – Fundo Monetário Internacional – que é uma organização


intergovernamental que tem por missão promover a cooperação internacional;

- O Banco Mundial – que é a instituição financeira internacional que realiza


empréstimos aos países em desenvolvimento.

- O BEI – Banco Europeu de Investimento, cuja acção contribui para a


realização de investimentos que promovem a integração europeia, o desenvolvimento
equilibrado, a coesão económica e social e uma economia inovadora baseada no
conhecimento. O BEI concede crédito aos Estados-Membros ou a empresas privadas ou
públicas para projectos de investimento nos vários Estados-Membros.

- A OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico


cuja missão consiste em auxiliar o Governo, apoiando o crescimento económico, o
emprego, a qualidade de vida das populações e a estabilidade financeira.

- A própria ONU, de forma mais abrangente, na medida em que a sua acção


política tem clara tradução financeira, inclusive através dos seus organismos
especializados.

➢ A descentralização financeira em Portugal


O poder de decisão coube, tradicionalmente, ao Estado central, na sequência dos
movimentos reformistas iniciados nas revoluções liberais, mantidos ao longo do século
XIX e reforçados no período do Estado Novo. Hoje, porém, a realidade é muito
diferente.

A decisão financeira está espalhada por um vasto conjunto de órgãos estruturados de


variadas formas e organicamente localizados em diversificadas estruturas do Estado.
Como referido anteriormente, o sector público administrativo é bastante vasto podendo
distinguir-se entre sector público administrativo que abrange o Estado e as demais
entidades públicas dele dependentes, incluindo a Administração central do Estado e
sector empresarial do Estado, os serviços e fundos autónomos, as entidades com
autonomia administrativa e financeira e a própria Segurança Social.

Por outro lado, a Administração descentralizada do Estado compreende as autarquias


locais (descentralizadas territorialmente) e as regiões autónomas (desconcentradas
politicamente) ao passo que o sector empresarial do Estado abrange as empresas
públicas, as EPE’s – Entidades Públicas Empresariais e as Empresas participadas.

A tendência tem sido a de criar organismos com autonomia financeira, administrativa e


patrimonial, assim como empresas de capitais públicos. Estes organismos possuem
autonomia para cobrar receitas próprias sem prescindirem, todavia, na maioria dos
casos, do financiamento através do Orçamento do Estado.

Mas, afinal, em que consiste a descentralização?

Fala-se em ​descentralização para designar o fenómeno de transferência de poderes ou


competências do Estado para outras pessoas colectivas de direito público diferentes do
Estado, dotadas de personalidade jurídica própria, diferenciada daquele.

A ​descentralização financeira é, assim, o fenómeno pelo qual essa transferência de


poderes se dá ao nível dos instrumentos e competências financeiras.

É, ainda, possível distinguir entre descentralização política e descentralização


administrativa:

▪ A ​descentralização política diz respeito à criação de entes públicos aos quais se


atribuem poderes ou funções de natureza política, relativas à definição do
interesse público ou á tomada de decisões políticas (designadamente, de
decisões legislativas). Por exemplo, Regiões Autónomas e Autarquias Locais.
▪ Na ​descentralização administrativa trata-se da organização da estrutura
horizontal do poder, isto é, da criação de entidades com autonomia
administrativa e financeira às quais se atribuem poderes ou funções de natureza
administrativa, conducentes à satisfação diária das necessidades colectivas das
populações. É o que acontece quando, por exemplo, o Estado cria entidades
públicas que tutela, mas que são independentes e autónomas do ponto de vista
administrativo e financeiro.

Importa ainda reter que o espaço da decisão financeira se alargou em vários sentidos.
Em termos mais amplos, a descentralização é perpassada tanto por fenómenos de infra
como de supra estadualidade. Há novos espaços e centros de decisão tanto em órgãos
intraestaduais, como é o caso das Autarquias Locais, como em órgãos supra estaduais,
extravasando a esfera territorial do Estado como é o caso das competências da União
Europeia, sobretudo em matéria financeira, agora reforçadas no âmbito do Tratado de
Lisboa.
➢ Os subsectores financeiros
O Estado financeiro está reflectido por um conjunto de órgãos muito diversificado,
integrados em diferentes níveis da estrutura administrativa. Assim, podemos distinguir,
desde logo, os seguintes subsectores financeiros:

O subsector da Administração Central

Num sentido restrito, a Administração Central corresponde ao conjunto dos serviços


integrados no Orçamento do Estado e na Conta do Estado.

Esta denominação integra um conjunto variado de organismos que hoje possuem,


normalmente, autonomia administrativa. Os serviços integrados na administração
directa são essencialmente financiados pelo Orçamento do Estado sendo
tendencialmente diminutas as suas receitas próprias. Dado que não possuem autonomia
administrativa, realizam apenas actos em matéria financeira de natureza definitiva e
executória de contratação, autorização e pagamento de despesas no âmbito dos seus
poderes de gestão corrente.

Ainda que se assista a uma tendência para atribuir autonomia gestionária, financeira e
patrimonial a um leque cada vez maior de serviços, a regra geral é a de que esse regime
de autonomia financeira só é outorgado quando o interesse público o justifica.

O subsector das finanças regionais

A Administração regional é, do mesmo modo que as autarquias locais, uma


administração autónoma de base territorial. Elas prosseguem, tal como as demais
pessoas colectivas autónomas de base territorial, fins públicos respeitantes aos
interesses próprios das suas populações.

As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais, dotadas de personalidade


jurídica de direito público. O regime autonómico próprio das regiões autónomas
funda-se nas suas características geográficas, económicas, sociais e culturais.

Contudo, elas fazem parte da organização democrática do Estado na medida em que a


autonomia político-administrativa regional não afecta a integridade da soberania do
Estado.

As regiões autónomas possuem autonomia política, administrativa, financeira


económica e fiscal. As regiões autónomas gozam de independência financeira e
orçamental. A independência orçamental das regiões autónomas traduz-se na atribuição
a cada Região do poder de aprovar o seu próprio orçamento, que constitui competência
reservada das Assembleias Legislativas Regionais.

Por outro lado, a independência financeira não significa autossuficiência financeira uma
vez que o financiamento das regiões autónomas depende em parte de fundos do
Orçamento do Estado.

Ainda, de acordo com a LFRA – Leia de Finanças das Regiões Autónomas, elas
possuem poder tributário próprio, podendo proceder à adaptação do sistema fiscal
nacional.

O subsector das Autarquias Locais

As autarquias locais são o que se designa de administração autónoma de base territorial.


Esta corresponde aos municípios e às freguesias. Tal como as regiões autónomas,
também as autarquias locais integram a estrutura do Estado.

As autarquias locais podem ser definidas como pessoas colectivas territoriais dotadas de
órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações
respectivas.

As autarquias locais prosseguem livremente as suas atribuições e competências, desde a


autonomia financeira até à auto-organização dos seus serviços. Num sentido mais
restrito, este princípio designa a liberdade de condução das políticas públicas
municipais, por decisão dos seus órgãos próprios, mediante responsabilidade própria,
sem interferência governamental, mediante prestação de contas perante os seus
eleitores.

Elas gozam de independência orçamental e possuem um regime de enquadramento


orçamental específico. Isso não significa que sejam economicamente autossuficientes,
não podendo igualmente decidir sobre todas as suas fontes de financiamento. Assim
como nem todas as suas receitas podem ser consideradas receitas próprias, sendo muito
elevado o peso das transferências do Orçamento do Estado através de fundos
específicos, previstos na Lei das Finanças Locais. É por isso que o seu regime tem sido
caracterizado como um ​regime imperfeito de federalismo financeiro​.

A actividade financeira das autarquias locais é exercida através dos respectivos órgãos
autónomos com responsabilidade na sua circunscrição territorial. As autarquias possuem
órgãos próprios com competência para a aprovação dos instrumentos financeiros e
orçamentais bem como competências administrativas e financeiras para as concretizar.
A lei fundamental consagra o princípio de que as autarquias locais possuem receitas
próprias provenientes da gestão do seu património e cobradas pelas utilidades que
prestam. No regime de finanças locais, consagram-se alguns princípios que constituem
corolários lógicos deste valor fundamental, a saber:

▪ Princípio da coerência nos termos do qual o regime financeiro dos municípios e


das freguesias deve ser estruturado de acordo com um postulado geral de
coerência com o quadro de atribuições e competências que a lei lhes defira na
LAL – Lei das Autarquias Locais, designadamente prevendo regras que visam
assegurar o adequado financiamento de novas atribuições e competências que
lhe venham a ser deferidas conforme previsto na LFL – Lei das Finanças Locais.
▪ Princípio da autonomia financeira dos municípios e das freguesias segundo o
qual os municípios e as freguesias têm património e finanças próprios, cuja
gestão compete aos respectivos órgãos.
▪ Princípio da independência orçamental ​– A elaboração, aprovação e execução
dos orçamentos das Autarquias Locais é independente do Orçamento do Estado,
nos termos do artigo 5º nº2 da LEO – Lei de Enquadramento Orçamental.

Por outro lado, do princípio da autonomia financeira dos municípios e das freguesias
resultam ainda os seguintes poderes:

▪ De elaborar, aprovar e modificar as opções do plano, orçamentos e outros


documentos previsionais;
▪ De elaborar e aprovar os documentos de prestação de contas;
▪ De exercer os poderes tributários que legalmente lhes estejam cometidos;
▪ De arrecadar e dispor de receitas que por lei lhes sejam destinadas;
▪ De ordenar e processar as despesas legalmente autorizadas;
▪ De gerir o seu próprio património, bem como aquele que lhes seja afecto.

Tal como os demais órgãos da administração directa do Estado, os municípios também


estão sujeitos a um conjunto vasto de princípios e regras orçamentais. Tais como:

▪ Ao princípio da ​não consignação​, salvo algumas situações;


▪ Ao princípio da ​equidade intergeracional​, relativo à distribuição de benefícios e
custos entre gerações;
▪ Ao princípio da ​estabilidade orçamental;
▪ Ao princípio da ​transparência orçamental​, traduzido na existência de um dever
de informação mútuo entre o Estado e as autarquias locais, como garantia da
estabilidade orçamental e da solidariedade recíproca, bem como no dever de
estas prestarem aos cidadãos, de forma acessível e rigorosa, informação sobre a
sua concreta situação financeira;
▪ Entre outros – ver página 166.

A lei das finanças locais (LFF) prescreve ainda o dever de:

▪ Coordenação das finanças locais com as finanças estaduais – tem


especialmente em conta o desenvolvimento equilibrado de todo o País;
▪ Promoção da estabilidade local ​– o regime financeiro dos municípios e das
freguesias deve contribuir para a promoção do desenvolvimento económico,
para a preservação do ambiente, para o ordenamento do território e para o
bem-estar social;
▪ Participação das autarquias locais nos recursos públicos ​– visa o equilíbrio
financeiro vertical e horizontal.

Ler páginas 169, 170 e 171.

O subsector da Segurança Social

Este subsector é constituído por entidades munidas de um regime especial que integra
hoje poderes orçamentais e fiscais, estando autonomamente integrado no Orçamento do
Estado.

O orçamento da Segurança Social é igualmente aprovado pela Assembleia da


República, mas está sujeito a um regime de especialidade orçamental que se manifesta
nos planos orçamental, patrimonial e de tesouraria. Ele possui um regime específico de
preparação, aprovação e execução, uma vez que possui uma particular importância para
a prossecução dos valores da coesão económica e social, do financiamento dos sistemas
e subsistemas de protecção social, familiar, de solidariedade, previdencial e da própria
cobertura de riscos sociais.

A CRP consagra o direito genérico à Segurança Social, que prescreve as funções do


Estado neste respeito. Dele resulta um conjunto de princípios fundamentais
caracterizadores da ideia de Segurança Social, que a levam a possuir relativa autonomia.

Aqui estão alguns desses princípios mais salientes, conforme o artigo 63º da CRP:

▪ Princípio da universalidade​ segundo o qual todos têm direito à segurança social;


▪ Princípio da prevalência do sector público na gestão,​ organização e
coordenação da segurança social;
▪ Princípio da unidade do sistema​, que não impede que existam subsistemas da
segurança social;
▪ Princípio da autonomia e da participação​, segundo o qual o sistema é autónomo
em relação à administração central e materializar-se com a participação das
associações representativas dos trabalhadores e demais beneficiários;
▪ Princípio da generalidade (ainda que não totalidade) da cobertura de riscos
incluindo a falta ou diminuição dos meios de subsistência ou de capacidade de
trabalho.

Este subsector é composto por serviços integrados e serviços e fundos autónomos pelos
que os seus recursos acham-se dispersos pelo Orçamento do Estado. A Segurança Social
compreende assim vários sistemas, financiados de forma diferenciada, tais como o
subsistema de solidariedade, o subsistema de protecção familiar ou o subsistema de
acção social.

Este subsector tem conhecido profundas modificações, essencialmente por razões de


sustentabilidade, mas também de equidade relativa.

O subsector empresarial do Estado

O Estado prossegue alguma medida de actividade económica através das empresas do


sector público, entidades onde o Estado detém parte ou a totalidade do seu capital
social. No passado, assumiam a natureza de empresas públicas, hoje assumem
normalmente a forma de sociedades comerciais, sendo mais frequentes as sociedades
anónimas ou, mais recentemente, Entidades Públicas Empresarias (EPE), as quais estão
sujeitas a tutela financeira e administrativa. Como exemplos citam-se as Estradas de
Portugal EPE; a Navegação Aérea de Portugal, EPE ou os vários hospitais e centros
hospitalares EPE.

Entidades Públicas Empresarias (EPE) – são pessoas colectivas de Direito público


criadas pelo Estado com capitais públicos destinados à formação de organizações de
meios produtores de bens para a troca, com denominação parcialmente
taxativo-exclusiva e que, sob a superintendência e tutela estaduais, visam prosseguir
(directa ou indirectamente) finalidades públicas

Capítulo 6 – Os Espaços da Decisão Financeira

➢ O federalismo financeiro e fiscal


Foi criada uma área nova designada genericamente de ​fiscal federalism cujos limites se
têm vindo a alagar sucessivamente visando agora tratar não apenas dos problemas dos
Estados federais, onde estes temas primeiramente se colocaram, mas também das
especificidades da comunidade dos Estados e dos diferentes níveis de entes públicos do
mesmo espaço político.

Por “​fiscal federalism”​ devemos entender a divisão das funções do sector público
financeiro entre os diferentes níveis de governo. Ao proceder a essa divisão, tem-se em
vista melhorar o desempenho do sector público e a prestação dos seus serviços,
garantindo uma boa articulação entre as competências e os recursos e instrumentos
financeiros.

O federalismo fiscal implica a distribuição de competências constitucionais fiscais entre


os diferentes níveis de Estado, para que cada um, de modo autónomo e na medida das
respectivas competências e capacidade de financiamento, exerça e discipline a gestão da
realidade financeira pública e tributária, nesta se incluindo as transferências fiscais, a
composição, a dimensão e a natureza da despesa.

Ler páginas 179, 180, 181, 182 e 183 – parece pouco importante!

➢ As finanças e o direito financeiro da União Europeia


As finanças da União Europeia são uma realidade complexa. Elas têm um impacto
extraordinário nas finanças internas de todos os Estados-Membros e muito para além
das fronteiras políticas da União.

A União Europeia tem orçamento próprio e receitas próprias para além das
contribuições financeiras dos Estados-Membros. Existem vários órgãos da União
Europeia envolvidos no processo financeiro da União.

Caracteres e instrumentos de controlo do sistema financeiro da União Europeia

A União Europeia possui um sistema financeiro complexo interagindo directamente


com a realidade financeira de todos e de cada um dos Estados-Membros. Com os
progressivos alargamentos para países periféricos, eles próprios com graves assimetrias
internas, os desequilíbrios da União aumentaram e trouxeram novos problemas ao
processo de integração europeia.

Estamos perante um movimento lento de progressivo esbatimento do papel central dos


Estados e do reforço das competências centrais da União Europeia no âmbito do
processo de construção da ideia europeia. A União Aduaneira, o mercado único
europeu, o Acto Único Europeu, o Tratado de Maastricht e os critérios de transição para
a terceira fase da União Económica e Monetária, o Tratado de Lisboa e, mais
recentemente, as perspectivas de um acordo sobre o fundo de estabilidade e ou criação
de um fundo europeu de emergência mostram que estamos perante um movimento
cauteloso onde o PEC – Pacto de Estabilidade e Crescimento se revelou insuficiente
para evitar os défices excessivos nos orçamentos nacionais.

A União Económica e Monetária (UEM) designa o processo destinado a harmonizar as


políticas económicas e monetárias dos Estados-Membros da União, que tinha o
objectivo de instaurar uma moeda única, o euro.

Os maiores desafios para assegurar o êxito a longo prazo da UEM são dois:

- A prossecução da consolidação orçamental;

- O desenvolvimento de uma coordenação mais estreita das políticas económicas


de todos os Estados-Membros.

Ainda que o projecto europeu tenha começado pela vertente económica e que as
primeiras metas se dirigissem para a construção do mercado único, a verdade é que os
desequilíbrios regionais, económicos, sociais e culturais têm sido um obstáculo à
integração. Assim, rapidamente se compreendeu que a eficiência económica
pressupunha uma convergência ao nível do desenvolvimento das regiões.

O controlo financeiro da União Europeia e os défices excessivos

A União Económica e Monetária (UEM), a moeda única, o Pacto de Estabilidade e


Crescimento (PEC), o Tratado de Lisboa e vários outros actos normativos criaram
regras fundamentais em matéria financeira, visando resolver o problema dos défices
excessivos e reforçar as fontes de financiamento da União Europeia. Poderá estar em
marcha a criação de um imposto europeu. O sistema de recursos próprios poderá ser
reforçado através de um imposto já cobrado no EM’s canalizando-o para o orçamento
da União Europeia como um verdadeiro recurso próprio. Isso estabeleceria uma ligação
mais directa entre a União e os contribuintes europeus.

Despesas comunitárias exigem receitas comunitárias, todas elas agregadas em torno de


um orçamento comum – o orçamento da União Europeia.

O sucesso da política monetária depende do rigor da execução dos orçamentos dos


Estados-Membros, como se tem visto. Assim, as questões sobre disciplina orçamental
ganharam um peso enorme influenciando o modo como cada Estado-Membro executa a
sua própria disciplina orçamental.
Através de um Regulamento do Conselho, foi definido o ​défice como a necessidade
líquida de financiamento das administrações públicas, tal como decorre do Sistema
Europeu de Contas (SEC), e descreve ​dívida como o valor nominal da dívida bruta
consolidada das administrações públicas, no final do ano. Através do PEC:

▪ Os Estados-Membros comprometeram-se a agir sobre as suas contas e finanças


públicas de modo a aproximarem-se da situação de equilíbrio ou de excedente e,
se necessário, a aplicar as medidas de correcção necessárias para resolver ou
evitar as situações de défice excessivo;
▪ A Comissão e o Conselho ficaram obrigados a acompanhar a situação
orçamental dos Estados-Membros, a elaborar relatórios, pareceres e
recomendações pelos quais sejam tomadas decisões céleres visando levar os
Estados a tomar as medidas necessárias para sair da situação do défice
excessivo.

Contudo, esta disciplina não foi suficiente para evitar que alguns Estados apresentassem
situações de défice e de endividamento excessivo.

As competências financeiras e o processo orçamental na União Europeia

A União Europeia possui um quadro institucional peculiar. Assim, é de esperar que as


suas competências financeiras partilhem das especificidades do projecto europeu. Elas
estão repartidas pela Comissão, pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu segundo um
regime que reflecte o princípio do equilíbrio institucional de poderes.

Segundo o Tratado da União Europeia, a Comissão Europeia controla a aplicação do


direito da União, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça da União Europeia, executa o
orçamento e gere os programas. Exerce ainda funções de coordenação, de execução e de
gestão, incluindo a gestão financeira.

As competências financeiras da União Europeia reflectem particularidades institucionais


onde o exercício das funções legislativas e executivas cabe articuladamente ao
Parlamento Europeu, à Comissão Europeia e ao Conselho.

Hoje em dia, o Parlamento Europeu assume-se como a instituição onde ocorre


essencialmente o processo de decisão orçamental. No Tratado sobre o Funcionamento
da União Europeia (TFUE), determina-se que “​O Parlamento Europeu e o Conselho,
deliberando de acordo com um processo legislativo especial, elaboram o orçamento
anual da União​”.
Assim, o montante das receitas do orçamento e a repartição das despesas são decididos
segundo um processo democrático que envolve tanto o Parlamento como o Conselho e a
Comissão Europeia.

Todavia, compete em primeiro lugar à Comissão Europeia apresentar, em cada ano, um


anteprojecto de orçamento que cubra todos os domínios políticos e programas.

O Orçamento da União Europeia é utilizado para um conjunto de fins muito


diversificado. Trata-se de um documento de previsão onde se estimam as receitas e as
despesas a incorrer no ano económico seguinte. O orçamento contém ainda uma
autorização para cobrar as receitas e realizar as despesas e constitui, do mesmo modo,
uma limitação para acção dos órgãos próprios da União Europeia em matéria financeira.

Em geral, o orçamento comunitário visa promover o desenvolvimento económico e


social da própria União Europeia, mas possui um horizonte mais alargado à intervenção
económica e financeira da União noutras regiões do mundo e ainda promover a paz e
contribuir para atenuar o sofrimento das vítimas de catástrofes naturais, da fome ou de
conflitos em todo o mundo.

O quadro financeiro plurianual da União Europeia

O próprio TFUE prevê a existência de um quadro financeiro plurianual por um período


de pelo menos cinco anos. Este destina-se a garantir que as despesas União sigam uma
evolução ordenada dentro dos limites dos seus próprios recursos. Trata-se de um
instrumento financeiro que fixa os montantes dos limites máximos anuais das dotações
para autorizações por categoria de despesa e do limite máximo anual das dotações para
pagamentos.

O quadro é hoje complementado por regras adicionais sobre disciplina e flexibilidade


orçamental que permitem à União criar reservas financeiras de emergência ou fundos
especiais para fazer face a necessidades específicas.

As receitas da União Europeia

São, essencialmente, quatro os recursos da União:

▪ Os direitos niveladores agrícolas cobrados na importação de produtos agrícolas


que têm a função económica de os aproximar dos preços europeus;
▪ Os direitos aduaneiros e as quotizações sobre o açúcar fixadas de acordo com a
pauta exterior comum;
▪ A parte das receitas do IVA dos Estados-Membros, aplicada à base do imposto
sobre o valor acrescentado (IVA) de todos os países da União Europeia;
▪ As contribuições financeiras de todos os Estados-Membros, calculadas sobre o
respectivo RNB de modo a limitar as contribuições financeiras individuais e a
assegurar a respectiva equidade na repartição do encargo entre os
Estados-Membros, as quais representam a mais larga fatia das receitas da União.

Para além destas, a UE ainda possui outras receitas de menor expressão, tais como juros
e coimas, taxas sobres os rendimentos pagos aos funcionários da União, rendimentos
próprios.

As despesas da União Europeia

No domínio das despesas da União, sobressaem as seguintes:

1) Com a ​Política Agrícola Comum (PAC) e os respectivos Fundos, como o


FEAGA – Fundo Europeu Agrícola de Garantia, o FEADER – Fundo Europeu
Agrícola para o Desenvolvimento Rural e o Fundo Europeu das Pescas;
2) Com as acções estruturais da União,​ visando atenuar as diferenças de
desenvolvimento entre as diferentes regiões da União e assegurar uma maior
homogeneidade e coesão económica e social no espaço comunitário.
● O FEDER – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional;
● O FEOGA – Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola;
● O FSE – Fundo Social Europeu;
● O IFOP – Instrumento Financeiro de Orientação para a Pesca;
● O FC – Fundo de Coesão.

As despesas comunitárias também são submetidas ao controlo do Tribunal de Contas


Europeu.

➢ Os princípios orçamentais da União Europeia


O Regulamento Financeiro estabelece no seu artigo 3º os seguintes princípios
orçamentais:

▪ Princípios da unicidade e da verdade orçamental – o orçamento da União


Europeia constitui um documento único sobre o qual têm poder de decisão o
Parlamento Europeu (quanto às despesas não obrigatórias) e o Conselho
Europeu quanto às receitas e às despesas obrigatórias. O princípio exige que
todas as receitas e despesas das Comunidades, bem como as da União Europeia
(quando forem imputadas ao orçamento), sejam inscritas no orçamento. O
princípio da verdade orçamental impõe que o orçamento seja verdadeiro e não
existam rubricas ou políticas sub-orçamentadas nem se recorra a técnicas de
desorçamentação com o mero propósito de esconder despesa pública ou défices
orçamentais, como tende a suceder, na prática.
▪ Princípio da anualidade – O Orçamento da União Europeia é coincidente com o
ano civil. Utiliza-se o orçamento de gerência na medida em que as receitas
devem ser imputadas a um exercício com base nos montantes recebidos no
decurso desse exercício e os pagamentos serão imputados a um exercício com
base nos pagamentos executados até 31 de Dezembro de cada exercício. Assim,
as dotações inscritas no orçamento serão aprovadas para um exercício
orçamental, que começa em 1 de Janeiro e termina em 31 de Dezembro.
▪ Princípio do equilíbrio orçamental ​– Segundo o Tratado sobre o Funcionamento
da União Europeia (TFUE), as receitas previstas devem cobrir as despesas
previstas no orçamento. As Comunidades não estão autorizadas a recorrer a
empréstimos para cobrir as suas despesas.
▪ Princípio da unidade de conta ​– O euro é a unidade de conta aplicável à
elaboração, à execução e à prestação de contas do orçamento comunitário. Ainda
assim, o Regulamento Financeiro (RF) permite que algumas operações possam
ser efectuadas nas moedas nacionais.
▪ Princípio da universalidade –​ Este princípio é um corolário lógico da unidade
orçamental. A receita total cobre o total das dotações para pagamento e as
receitas e despesas são registadas pelo seu montante bruto. Ele determina que a
totalidade das receitas do orçamento deverá cobrir a totalidade das despesas.
Dele decorrem dois efeitos relevantes: a não afectação (consignação) e a não
compensação ou orçamento bruto. Deste princípio decorrem, desde logo, dois
outros princípios, a saber:
▪ Princípio da não consignação ​– As receitas não podem estar especialmente
destinadas à realização de certas despesas pois isso impede a segmentação das
políticas europeias e a própria solidariedade entre as instituições europeias e as
suas políticas. A não consignação reforça o carácter unitário do orçamento da
União Europeia. Todavia, o Regulamento Financeiro prevê algumas situações
especiais de afectação de receitas a certas despesas específicas, como é o caso
das contribuições financeiras dos Estados-Membros relativas a certos programas
de investigação.
▪ Princípio da não compensação ou orçamento bruto ​– Todas as receitas e
despesas do orçamento da UE estão inscritas pelo seu valor bruto, isto é, não
poderá haver compensação entre receitas e despesas. Todavia, o Regulamento
Financeiro também prevê algumas excepções à não compensação, como é o caso
dos preços dos produtos ou serviços fornecidos às Comunidades.
▪ Princípio da especificação ​– estabelece que as receitas e despesas previstas
devem estar suficientemente descriminadas. Elas devem ser especificadas por
títulos e capítulos.
▪ Princípio da boa gestão financeira – impõe que o orçamento comunitário se
regule pelos princípios da economia, da eficiência e da eficácia, traduzidos na
delimitação de objectivos verificáveis objecto de controlo através de indicadores
de desempenho. O orçamento europeu está orientado para uma gestão centrada
na definição de objectivos e na avaliação dos resultados, obrigando as
instituições europeias a efectuar avaliações ex-ante e ex-post, de acordo com as
indicações definidas pela Comissão Europeia.
▪ Princípio da transparência orçamental –​ trata-se de assegurar que a elaboração,
a execução do orçamento e a prestação de contas sejam transparentes. A
transparência traduz-se ainda na publicação do orçamento e dos orçamentos
rectificativos, se os houver, no Jornal Oficial da União Europeia no prazo de três
meses contados da data da declaração de aprovação definitiva do orçamento pelo
Parlamento Europeu.

➢ A execução do orçamento da União Europeia


A Comissão Europeia tem um papel preponderante ao nível da execução orçamental. Na
verdade, o direito comunitário consagra o princípio da responsabilidade pela execução
do orçamento comunitário. Cabe-lhe, desde logo, executar o orçamento dentro dos
limites aprovados e no respeito pelo princípio da boa gestão financeira. Todavia, o
Regulamento Financeiro prevê a possibilidade de delegação de poderes nesta matéria
nas condições nele previstas.

A Comissão deve executar o orçamento em cooperação com os Estados-Membros, sob a


sua própria responsabilidade e até ao limite das dotações concedidas, de acordo com o
princípio da boa gestão financeira.

A gestão orçamental supõe que exista uma correlação estável e adequada entre as
despesas previstas e as receitas estimadas. Existe, no artigo 310º do Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia uma regra parecida com a Lei-travão que consta do
artigo 167º da Constituição política portuguesa, nos termos da qual a Comissão se deve
abster de propor quaisquer medidas que envolvam ou tenham impactos significativos no
aumento da despesa, quando não seja dada a garantia expressa de que essas propostas
ou medidas podem ser financiadas nos limites dos recursos próprios da Comunidade,
previstos.

A Comissão Europeia tem de prestar contas ao Parlamento Europeu sobre a forma como
foram efectuadas as despesas. O TFUE obriga a Comissão a apresentar anualmente ao
Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório de avaliação das finanças da União
baseado nos resultados obtidos, nomeadamente em relação às indicações dadas pelo
Parlamento Europeu e pelo Conselho.

As novas regras sobre o processo orçamental europeu são mais flexíveis, conferindo à
Comissão um papel mais relevante. Ela pode tomar a iniciativa de procurar a
conciliação das posições do Parlamento e do Conselho Europeu sempre que se verifique
um impasse. Pode, inclusive, criar-se um ​Comité de Conciliação tendo em vista
alcançar a uniformidade de posições sobre o orçamento comunitário anual.

A execução do orçamento por parte da Comissão Europeia está sujeita a um conjunto de


princípios estruturantes, a saber:

▪ O ​princípio da boa gestão financeira​, exigindo um controlo interno eficaz e


eficiente, e assegurar a observância do princípio da não discriminação, bem
como a visibilidade da acção comunitária;
▪ O ​princípio da autonomia de cada instituição segundo o qual o poder de
execução de cada uma delas não pode ser afectado por medidas de execução;
▪ O ​princípio da execução não centralizada do orçamento europeu que resulta do
facto de a Comissão Europeia não gerir senão uma pequena parte desse
orçamento, o qual na vertente das despesas deve ser articulado com os fundos
estruturais existentes e os compromissos que deles decorrem;
▪ O ​princípio do respeito pelos Comités de Gestão,​ que coadjuvam a Comissão
Europeia na gestão dos fundos europeus.

➢ O controlo do orçamento da União Europeia

A Comissão Europeia tem de prestar contas ao Parlamento Europeu sobre a forma como
realizou a execução orçamental pois é ele que exerce as funções de controlo sobre a
execução do orçamento europeu. O Parlamento Europeu exerce um controlo
permanente sobre a gestão dos créditos e avalia os efeitos dos financiamentos realizados
ao abrigo do orçamento comunitário, desenvolvendo uma acção contínua com o
objectivo de detectar e reprimir fraudes.
O controlo do Orçamento da União Europeia pode ser de dois tipos:

▪ Controlo de carácter político – que se materializa na apresentação pela


Comissão Europeia, no termo do período orçamental, ao Parlamento e ao
Conselho, as contas que reflectem a execução orçamental, assim como um
relatório de avaliação das finanças da União.
▪ Controlo jurisdicional ​– efectivado pelo Tribunal de Contas Europeu. O
Tribunal é o auditor externo da União Europeia cuja acção visa melhorar a
gestão financeira comunitária agindo como defensor independente dos interesses
financeiros dos cidadãos da União. No âmbito do controlo jurisdicional, o
Tribunal de Contas Europeu examina as contas da totalidade das receitas e
despesas da União pelo que pode realizar auditorias mas não possui funções
jurisdicionais.

➢ A harmonização financeira e fiscal na União Europeia


O funcionamento das instituições da União Europeia, das suas relações com os
Estados-Membros e bem assim com os agentes económicos neste amplo espaço
integrado que é o mercado interno europeu, requer regras comuns. A União Europeia
tem tido dificuldades de implementação de uma verdadeira política fiscal comunitária.

Os campos da harmonização/coordenação fiscal têm incidido sobretudo no domínio da


tributação indirecta e, de algum modo em alguns aspectos da tributação das empresas,
na parte relativa à distribuição dos lucros, à tributação das mais-valias de participações
sociais, aos efeitos fiscais das fusões e cisões, às relações entre sociedades mães e
filhas, no quadro das preocupações de manter uma sã política de concorrência em
sentido mais amplo. É esse o objectivo do processo de harmonização da legislação
financeira comunitária.

A adopção de regulamentação comunitária permite ultrapassar os entraves criados pelas


diferentes disposições nacionais. Podemos falar de duas espécies: a ​harmonização
fiscal ​e a ​harmonização da legislação financeira​.

Apesar de a harmonização fiscal na União Europeia não ser um fim em si mesmo,


constitui um veículo necessário e adequado para prosseguir as finalidades últimas do
Tratado. Dentro desta, a harmonização da tributação indirecta é a que mais avanços
conhece por razões relativas à ideia de comunidade europeia como um espaço que,
começando por atingir a fase da união aduaneira, veio depois a evoluir para uma união
económico e logo depois monetária, com integração, no todo ou em parte, de algumas
das políticas nacionais como é o caso da política de taxa de juro, de moeda ou da
inflação.

Embora exista um imposto geral sobre o consumo harmonizado, não existe


harmonização ao nível dos impostos especiais sobre o consumo. Cada Estado decide
como tributar certos consumos específicos.

Sendo certo que o fenómeno da harmonização fiscal comunitária é mais evidente no


domínio da tributação indirecta, ele tem-se vindo a alargar também, embora de forma
localizada, a certos aspectos dos impostos sobre o rendimento.

A harmonização fiscal comunitária traz consequências ao nível da limitação da


soberania fiscal dos Estados-Membros. Ela traduz-se, sem esgotar, na introdução de
limitações à liberdade interna em matéria de impostos sobre o consumo em geral através
da adopção de um modelo comum, de limites à tributação sobre certos consumos
específicos, da tributação de novos consumos específicos e, finalmente, na coordenação
e harmonização de alguns aspectos da tributação do rendimento das pessoas singulares e
colectivas, como é o caso da tributação das sociedades mães e filhas, da tributação dos
lucros, royalties e dos juros.

A harmonização e a concorrência fiscal prejudicial

Na segunda metade do século passado um fenómeno novo passou a dominar a dinâmica


do papel do Estado. Tratou-se do reconhecimento da necessidade de uma crescente
intervenção dos poderes públicos ao nível da sociedade global, em ordem à coordenação
e à promoção dos esforços visando o progresso económico orientado para o bem-estar
social, a defesa dos indivíduos contra os riscos e efeitos perversos da vida em sociedade
e a atenuação das distorções provocadas pela concorrência. Tal concorrência não se faz,
todavia, apenas entre agentes económicos mas também entre Estados.

Procurando atrair investimento internacional, sobretudo nas décadas de setenta e oitenta


do século XX, praticamente todos os países da OCDE adoptaram ​regimes fiscais
preferenciais​, em regra separados da sua ordem tributária interna ou geral, ao passo que
o número de paraísos fiscais aumentou para quase o dobro.

Ora, num plano de acção globalizado e aberto e sobretudo quando os Estados se acham
integrados em espaços ou blocos económicos, como é o caso da União Europeia, a
acção concorrencial de uns prejudica os outros. Os Estados têm, de facto, vindo a sofrer
as consequências nefastas das políticas fiscais agressivas dos outros.

Os esforços da União Europeia e da OCDE na disciplina da concorrência fiscal

Os problemas da concorrência fiscal são actualmente objecto da maior ocupação


internacional. Merecem especial destaque a regulamentação desenvolvida tanto pela
União Europeia como pela OCDE, pela ONU e até pelo próprio FMI.

Hoje, existem regras e princípios aceites pelos Estados-Membros em matéria de


concorrência fiscal prejudicial susceptíveis de limitar a acção dos Estados e seus
governos.

A necessidade de limitar as políticas fiscalmente competitivas e agressivas dos


interesses de outros Estados soberanos tem merecido particular atenção por parte dos
organismos internacionais, de modo a destacar o trabalho desenvolvido pela UE e pela
OCDE. Um passo relevante consistiu na aprovação pela UE de um Código de Conduta
Europeu para a fiscalidade das empresas. Ora, a concorrência fiscal tem uma dupla face:
de um lado, dentro de certos limites, pode ser benéfica na medida em que estimula o
crescimento económico, serve de factor de dinamização das economias e, de outro, leva
a uma certa medida de harmonização de facto dos sistemas fiscais. Mas também pode
ter efeitos perversos.

A concorrência aberta e desenfreada entre os sistemas fiscais tende a conduzir à erosão


das bases fiscais dos Estados-Membros, agravando os défices públicos por reduzir as
receitas. Este provoca maiores dificuldades na manutenção de amplas políticas públicas,
sobretudo sociais, indutoras de fortes gastos públicos. Pode assim justificar-se a tomada
de medidas que visem evitar o falseamento da concorrência no mercado interno
europeu, impedindo ou restringindo práticas prejudiciais induzidas pelo comportamento
fiscal dos Estados.

Em geral, a União tem procurado neutralizar as medidas consideradas nefastas para a


concorrência económica, respeitando o princípio da subsidiariedade e a identidade das
políticas fiscais nacionais, isto é, procurando respeitar o que cada Estado disponha na
sua lei interna para minimizar o fenómeno da concorrência fiscal prejudicial.

A actuação comunitária tem-se manifestado essencialmente de três modos distintos, a


saber:

▪ A via ​normativa​, através de actos próprios das instâncias da União, através de


Directivas sobre domínios como a poupança, a tributação dos juros e dividendos,
entre outros;
▪ A via ​administrativa​, clarificando as regras quanto à admissibilidade de auxílios
de Estado pela via de isenções, desagravamentos e outras medidas similares de
índole fiscal;
▪ A via da concertação política, pela tomada de compromissos visando assegurar
sãs políticas fiscais, hoje essencialmente plasmadas no ​Código de Conduta sobre
a Fiscalidade das Empresas​.

Ler páginas 223, 224 e 225.

➢ A afirmação de um direito financeiro e fiscal europeu


Ao contrário do que sucedia no passado, os sistemas fiscais e financeiros nacionais não
estão fechados nem são alheios à vontade soberana dos demais Estados na cena
internacional. Os fenómenos de globalização económica e a consequente abertura dos
mecanismos de troca de informação e a circulação de pessoas e bens ditaram uma
exposição inusitada do poder de tributar.

Para conter as práticas agressivas dos agentes económicos, têm vindo a ser
desenvolvidas várias iniciativas, a saber:

▪ No plano interno, os Estados e de forma unilateral, dotam-se de um conjunto de


normas e regimes jurídicos destinados a manter o pleno controlo dos factos
tributários.
▪ A União Europeia, através de um crescente conjunto de actos legislativos e
políticos, tem procurado dotar o espaço comunitário de instrumentos jurídicos
que, entre outros fins, contenham as práticas fiscais abusivas, de que são
exemplos, o estabelecimento claro das liberdades fundamentais; o alargamento
das competências das instituições europeias em matéria de tributação, indirecta e
directa; o aprofundamento dos instrumentos processuais e de protecção do
contribuinte; a criação de um direito comunitário primário integrado por
princípios, normas dos tratados e outros actos comunitários e por regras
jurisprudenciais do TJCE e de um direito fiscal secundário.

Em âmbito mais geral constata-se que os sistemas fiscais estão a evoluir rapidamente.
Eis algumas das tendências dessa evolução:

1. Uma mudança na atitude das administrações fiscais face à volatilidade dos


factores económicos;
2. Maior empenho no controlo de novas formas de produzir riqueza: o comércio
electrónico, as vendas à distância e a desmaterialização das operações
económicas;
3. Um escrutínio mais intenso sobre os regimes de baixa tributação prejudiciais –
como é o caso dos paraísos fiscais;
4. Uma mudança no equilíbrio entre as ideias de eficiência e de equidade/justiça
tributária;
5. Uma diminuição da progressividade formal e uma maior ênfase nas taxas
proporcionais no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares.

O direito financeiro tem conhecido um desenvolvimento assinalável. Os actos


comunitários em matéria financeira não são muito mais numerosos mas abrangem um
leque de matérias mais amplo.

Capítulo 7 – O Orçamento do Estado


Há alguns anos, o Orçamento do Estado designava-se de Orçamento ​Geral do Estado e
permitia não apenas atingir um mais efectivo controlo dos cidadãos sobre a receita e a
despesa pública ali aglutinadas sob um texto único, como também obter conhecimento
sobre quem e em que termos era suportada a despesa pública, e quais eram as
prioridades nesta matéria. Mas a verdade é que a actividade financeira está hoje
espartilhada em vários orçamentos. São eles:

▪ O Orçamento do Estado propriamente dito;


▪ Os Orçamentos das Regiões Autónomas, que abrangem a actividade financeira
dos organismos com autonomia administrativa e financeira das regiões
autónomas;
▪ Os Orçamentos das Autarquias Locais, abrangendo a actividade financeira dos
municípios, das freguesias e demais organismos com ou sem autonomia
financeira.

O Orçamento do Estado constitui um instrumento central na dogmática financeira


moderna, com plenos reflexos em matéria de política e de ciência do poder, mas
também como instrumento essencial ao desenvolvimento económico dos povos e
nações.

O Orçamento do Estado cumpre um papel garantístico, alcançando o desejado


consentimento dos povos, impedindo excessos dos governos nos gastos públicos e
garantindo níveis razoáveis de tributação.
As teorias económicas favoráveis à utilização de recursos públicos como forma de
controlar o desenvolvimento das variáveis económicas, de inspiração Keynesiana, fez
aportar o conceito de finanças públicas funcionais e trouxe, como consequência, uma
complexidade crescente à actividade financeira pública.

A realidade financeira conhece hoje movimentos em direcções opostas. Por um lado,


parece reforçar-se o peso do Orçamento do Estado na parte em que ele agrega as
questões relativas ao equilíbrio das contas públicas, à eficiência dos gastos públicos e à
necessidade de retorno ou, pelo menos, de reforço de uma mais intensa disciplina
orçamental, especialmente reforçadas pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento.

No plano mais teórico assiste-se a uma renovação do interesse pelas matérias mais
orçamentais, na perspectiva normativa e económica, mais na óptica de contenção das
despesas públicas e não tanto na das políticas financeiras. Ganha relevo a questão da
execução orçamental e do controlo da despesa. Por outro lado, assiste-se a um intenso e
alongado movimento de desorçamentação de receita e despesa.

➢ Origens e evolução da instituição orçamental


A moderna concepção de Orçamento do Estado tem origem nas revoluções liberais, das
quais resultou uma melhor definição da coisa pública, a ​res pública que corresponde a
uma nova concepção do poder político, do Estado e das instituições políticas. Existe
pois uma evidente ligação entre o surgimento da instituição orçamental em Portugal e a
revolução liberal no nosso país, dada a importância que o pensamento financeiro da
época lhe atribuía.

Podemos dizer que as suas razões justificativas se podem alinhar em duas direcções:

▪ A sua institucionalização atendeu aos novos valores e ideias sobre a concepção


do poder político, a uma nova ideia de Estado, fundado em valores muito
distintos daqueles em que assentava o Estado absolutista, estamental. O
consentimento também cumpre os valores do Estado financeiro moderno criados
pelos ideais liberais de maior transparência e rigor das contas públicas.
▪ De outro lado, o Orçamento do Estado dá satisfação às reivindicações dos povos
em ver limitado o poder de gasto dos governantes e bem assim o esforço
financeiro pedido aos cidadãos para cobrir as despesas públicas.

Tratando-se de um instrumento criado pela dogmática do pensamento financeiro liberal


com fundamentos específicos, o Orçamento do Estado é hoje utilizado para a satisfação
de fins de ordem económico e não estritamente financeira. As profundas modificações
verificadas no papel e na própria relevância do Orçamento do Estado como plano
financeiro retiram-lhe a centralidade que já deteve. Esta perda foi ditada por um
diversificado conjunto de factores, tais como:

▪ A evolução das próprias ideias liberais que forçaram a utilização do orçamento


como instrumento de política económica e não como autorização limitadores dos
poderes financeiros do Estado num dado ano económico;
▪ O comportamento da própria actividade económica, os ciclos económicos e a
necessidade de se desenvolverem políticas económicas e financeiras anti
cíclicas, tornando necessário o desenho e a implementação de programas de
fomento e de medidas de estimulo à actividade económica;
▪ A crescente supremacia do poder executivo face ao poder legislativo;
▪ A perda de relevância dos parlamentos nacionais, ainda que por razões estranhas
à realidade financeira;
▪ A descaracterização da figura do orçamento que perdeu a generalidade por força
dos fenómenos de desorçamentação;
▪ O recurso à parafiscalidade como modo alternativo de financiar a despesa
pública.

Ainda assim, o Orçamento do Estado mantém-se como instrumento central de política


económica. Todavia, tem perdido importância, por outro conjunto de razões, a saber:

▪ Em primeiro lugar, assiste-se a uma desautorização das regras orçamentais que


apresentam, em diferenciada medida, uma descaracterização cada vez mais
acentuada;
▪ Por outro, há um volume cada vez maior de receita (e despesa) pública que
escapa ao seu controlo através do fenómeno da desorçamentação,
frequentemente através da criação de órgãos do poder público dotados de
autonomia administrativa, patrimonial e financeira, como é o caso dos Institutos
Públicos, das autoridades de supervisão e das próprias empresas públicas
empresariais;
▪ Finalmente podemos apontar o crescente e frequente recurso às receitas
parafiscais, que não carecem de ser criadas através de lei em sentido próprio ou
estrigo, mas vêm sendo crescentemente utilizadas como forma de financiar as
despesas correntes dos organismos que as cobram sem uma verdadeira discussão
e legitimação popular, ainda que permitidas pela dogmática constitucional.

➢ Conceito de Orçamento do Estado


O Orçamento do Estado pode ser entendido como o instrumento financeiro aprovado
pela Assembleia da República sob proposta do Governo, pelo qual se procede a uma
detalhada descrição da receita e da despesa pública previstas para um determinado ano
económico, que comporta uma autorização com a força de lei conferida aos órgãos
próprios da administração financeira, para a cobrança das receitas e realização das
despesas previstas estimadas, ao mesmo tempo que limita a acção financeira do Estado
no seu período de vigência.

➢ O orçamento do Estado e a actividade financeira


Pese embora as vicissitudes conhecidas, o Orçamento do Estado ainda constitui o
quadro básico da actividade financeira em gera, cuja discussão e aprovação na
Assembleia da República ainda é o ponto alto de cada ano legislativo. Ele tem uma
função claramente dirigente, conformando os orçamentos das regiões autónomas e das
autarquias locais.

Nele se discute e aprovam os termos e o modo como se processará a utilização dos


recursos públicos previstos para o ano económico seguinte: um assunto que interessa
aos agentes de saúde, às polícias, às Universidades e aos seus investigadores, enfim, a
todos os órgãos públicos independentemente da sua natureza e funções.

A relação entre o orçamento e as políticas públicas é dialéctica pois o orçamento prevê e


autoriza as despesas que atenderão as políticas públicas, mas estas estão limitadas pelas
possibilidades financeiras e pelos valores e princípios jurídicos.

Todavia, importa focar que o orçamento é um instrumento central mas não exclusivo da
actividade financeira pública.

Por isso, é possível identificar quatro áreas fundamentais que se sistuam para além da
execução orçamental:

1. A ​actividade do tesouro público ou de tesouraria do Estado, que garante a


materialização da cobrança das receitas e a realização das despesas. O Tesouro
agrega a actividade de tesouraria do Estado, assegura a gestão dos meios de
liquidez, sendo diariamente alimentado com as receitas dos impostos cobrados
pela administração financeira;
2. A ​actividade patrimonial do Estado​, muitas vezes impropriamente
secundarizada em face do mediatismo do orçamento e da gestão orçamental,
relativa às operações sobre os bens do activo patrimonial do Estado (bens
patrimoniais do Estado) e sobre o seu passivo patrimonial, quando não estejam
sujeitas à disciplina orçamental;
3. A ​actividade do crédito público​, relativa à obtenção e gestão, através das
formas previstas na lei, de recursos financeiros por parte do Estado para fazer
face às necessidades públicas. O recurso ao crédito público constitui uma das
maneiras que o Estado possui para obter meios financeiros (liquidez) no
mercado interno e internacional.

➢ Elementos do orçamento e figuras afins: a Conta do Estado e planos


financeiros
O orçamento, sendo um plano, não se confunde com outros planos, igualmente previstos
na constituição política. Em si mesmo o Orçamento do Estado é um plano – trata-se de
um plano financeiro. De facto, ele prevê a elaboração de planos sectoriais e, a par
destes, o plano das Grandes Opções do Plano (GOP’s).

O orçamento não se confunde, pois, com os planos sectoriais e o plano das Grandes
Opções do Plano, os orçamentos de outros agentes económicos, nomeadamente do
sector privado, a Conta do Estado, os orçamentos das pessoas colectivas públicas
dotadas de mera autonomia financeira, administrativa e patrimonial, para mencionar
apenas os mais relevantes.

Assim, o orçamento deve distinguir-se das seguintes realidades com as quais comunga
algumas correlações:

▪ Os ​orçamentos dos serviços públicos – em especial no que respeita à


administração central do Estado, é obrigatória a elaboração de planos
financeiros, os orçamentos individuais dos serviços públicos onde constam as
receitas previstas, próprias e oriundas do Orçamento do Estado e as despesas
estimadas, devidamente classificadas segundo um regime de classificação
uniforme;
▪ Os planos e o plano das Grandes Opções do Plano (​ GOP’s) – a Constituição da
República Portuguesa prevê a elaboração de planos sectoriais em vários
domínios, como o energético, saúde, educação, economia e, para além, destes,
um plano transversal que consta de um documento denominado de Grandes
Opções do Plano onde constam as grandes linhas de orientação geral e
estratégica para o desenvolvimento do pais no período das legislaturas por ele
abrangidas, tais como as seguintes:
✓ Estimular o crescimento, promover o emprego e a modernização do País;
✓ Reforçar a coesão social, reduzir a pobreza e promover a igualdade;
✓ Melhorar e alargar o acesso à educação, ensino superior, ciência e
cultura;
✓ Melhorar a qualidade de vida e promover a coesão territorial e o
desenvolvimento sustentável;
✓ Elevar a qualidade da democracia, modernizar o sistema político e
melhorar a justiça e a segurança dos cidadãos;
✓ Valorizar o posicionamento externo de Portugal e reforçar as
comunidades portuguesas.
▪ Os ​planos específicos de reequilíbrio e de ajuda financeira – como é o caso do
PAEF – Programa de Assistência Económica e Financeira celebrado entre
Portugal, a Comissão Europeia, o BCE e o FMI.

O Orçamento do Estado deve ser desenvolvido em conformidade com as Grandes


Opções do Plano e demais planos elaborados.

▪ O orçamento privativo – que são os orçamentos dos serviços públicos,


integrados ou não, onde estes estimam as receitas e despesas para o ano
económico, efectivam a gestão financeira dos recursos de que dispõem, próprios
ou não, e conduzem a sua política de gastos visando a satisfação dos interesses
públicos que lhes são entregues.
▪ A ​Conta do Estado é o documento que revela a efectiva execução orçamental
relativa a um determinado ano económico, elaborada ​a posteriori de acordo
com os factos financeiros nele efectivamente ocorridos. Nele, contêm-se todas
as receitas e gastos efectivos do Estado nesse ano orçamental.
▪ O ​Balanço do Estado que constitui, como o nome indica, uma avaliação do
activo e passivo do Estado num período ou momento concretamente
considerado. Ele é, assim, o documento ou registo onde se procede à
demonstração da situação económica/financeira do Estado, na data a que o
mesmo diz respeito. O balanço avalia a riqueza, isto é, o valor total do activo e
passivo do Estado.
▪ Os ​orçamentos das famílias e dos agentes económicos privados – estes são
meras estimativas, podendo verificar-se desvios na sua execução sem que por
esse facto decorram quaisquer vinculações ou responsabilidades externas.

O Orçamento do Estado possui três elementos distintos, a saber:

▪ Um ​elemento económico​, de resto o mais visível, na medida em que ele é um


plano financeiro através do qual se estrutura a actividade financeira do Estado, a
realizar de forma mais directa e através dos seus subsectores financeiros, onde se
materializa a gestão orçamental do Estado, nela se compreendendo a actividade
patrimonial e a gestão dos recursos da tesouraria do Estado ou do Tesouro
público. Este elemento económico revela-se na justa medida em que o
Orçamento do Estado é um plano financeiro, isto é, um documento de previsão
sobre o modo como se processará a gestão orçamental do Estado.
▪ Um ​elemento jurídico,​ na medida em que o Orçamento do Estado se constitui
como uma Lei da República dotada de força obrigatória geral, isto é, que vincula
tanto os cidadãos como os agentes económicos e os órgãos e serviços do Estado,
que obedeceu, no seu modo de formação, ao processo de feitura das leis como
tal previsto na lei fundamental e demais normas aplicáveis. O elemento jurídico
resulta ainda do facto de ele ser objecto de aprovação através de Lei em sentido
estrito ou próprio, isto é, lei em sentido formal, ou seja, de acto legislativo e não
mero acto normativo.
▪ Um ​elemento político​, na medida em que ele corporiza uma autorização política
ou acto de consentimento dos povos que expressa a sua vontade num órgão
eleito por sufrágio directo e universal.

➢ As funções do orçamento do Estado


Nas finanças modernas ou contemporâneas, o Orçamento do Estado não cumpre apenas
funções estritamente financeiras, alargando-se às de natureza económica, política e
jurídica.

Assim, distinguem-se habitualmente no Orçamento do Estado três tipos de funções ou


efeitos distintos, que são as seguintes:

▪ O orçamento possui, desde logo, ​funções económicas ligadas à evidente


funcionalidade, eficiência, racionalidade e transparência da actividade financeira
pública.

Na medida em que o fenómeno financeiro e económico público influencia largamente a


actividade económica global, o orçamento é chamado a cumprir um destacado papel na
satisfação das necessidades colectivas, na promoção do desenvolvimento económico
geral e no desenvolvimento de políticas públicas adequadas à conjuntura económica,
visando um crescimento económico e um aumento da riqueza e do bem-estar geral
harmonioso.

As funções económicas emergem do facto de o orçamento visar a racionalidade


económica e a eficiência na gestão dos recursos comuns, ajudar na definição e execução
das políticas financeiras, não esquecendo que ele é, também, hoje, um instrumento
estruturante na definição das políticas sociais, dos programas, dos apoios e dos planos
de ajuda aos cidadãos mais desfavorecidos, às empresas, às famílias, que deve visar um
equilíbrio geral do bem-estar e políticas saudáveis e eficientes.

▪ As ​funções jurídicas do orçamento radicam no facto de ele se constituir,


materialmente, como uma lei da república criada no ambiente próprio que é o
processo de feitura das leis e de produzir os efeitos próprios das leis quanto à sua
força vinculativa.

Este sentido de juridicidade manifesta-se no facto de o orçamento gozar das


características da lei, em termos de coercibilidade e generalidade. Mas também possui,
no seu contexto jurídico, a assinalada dimensão limitadora dos poderes executivos, a
partir do respeito do princípio do consentimento prévio dos povos no lançamento dos
tributos.

As funções jurídicas permitem que nele se acolham todos os princípios garantísticos e


formais aplicáveis à determinação dos encargos financeiros a lançar, assim como à
realização da despesa prevista. Mas também porque a autorização para a cobrança das
receitas e para a realização dos gastos públicos carece de ser renovada anualmente.

▪ As ​funções políticas do orçamento materializam o princípio da separação de


poderes e o sentido de equilíbrio que dele emana.

As funções políticas do orçamento destacam o facto de a autorização política e a sua


aprovação se materializarem numa ​garantia dos direitos fundamentais e numa ​garantia
de equilíbrio e separação dos poderes​ entre os diversos órgãos de soberania.

➢ As Regras Orçamentais em especial


O Orçamento do Estado rege-se na sua concepção, elaboração, aprovação, execução e
controlo, por um conjunto de disposições gerais e comuns de enquadramento dos
orçamentos e contas de todo o sector público administrativo, incluindo as regras e os
procedimentos relativos à organização, elaboração, apresentação, discussão, votação,
alteração e execução do Orçamento do Estado.

As regras orçamentais e a sua actualidade

O estudo das regras e princípios orçamentais requer uma análise da actual Lei de
Enquadramento Orçamental.
Ganham especial destaque, nos nossos dias, os princípios da estabilidade e transparência
orçamental.

As regras orçamentais clássicas, a que posteriormente se acrescentaram outras, foram


estabelecidas num contexto económico, social e político muito distinto do actual.
Assim, quanto às regras orçamentais importa desde já destacar os seguintes aspectos
específicos:

1. São, em parte, de inspiração liberal e reflectem a ortodoxia financeira desta


corrente do pensamento;
2. Reforçam tais ideias, materializando as aspirações de transparência, e a
necessidade de protecção dos particulares contra os abusos ou excessos
financeiros dos Governos e do Estado;
3. Enquadram-se na ideia da institucionalização do consentimento representativo;
4. Reforçam a estrutura do edifício financeiro em torno da ideia da limitação do
sacrifício patrimonial dos cidadãos;
5. Há um claro alargamento do número de regras adoptadas, sobretudo depois da
quinta alteração á LEO, ocorrida em 2011.

A importância que é atribuída às regras orçamentais variou no tempo, mas essas regras
subsistem, recuperando fulgor, recaracterizando-se por vezes, sem contudo impedir o
surgimento de regras novas, como é o caso das regras da equidade intergeracional, da
estabilidade ou da transparência orçamental. Estas novas regras contribuem para a
renovação do direito orçamental e para o robustecimento das garantias que delas
promanam.

1) A anualidade orçamental

A anualidade orçamental cumpre a finalidade do controlo popular, materializado no


desejo confesso dos povos de realizar uma discussão sobre os fins da tributação e as
prioridades a satisfazer com os recursos colectivos disponíveis. A anualidade como
regra está consagrada no artigo 4º da LEO e no próprio artigo 106º da CRP, obrigando a
que os orçamentos do sector público administrativo sejam anuais, coincidindo com o
ano civil.

Contudo, hoje, sem descartar a regra da anualidade, é também necessário articulá-la


com uma perspectiva plurianual, adoptando-se técnicas ou meios para fazer face às
exigências de estabilidade financeira.

A regra da anualidade orçamental assume duas vertentes distintas, porém


complementares:
- O Orçamento do Estado deve ser votado anualmente pela Assembleia da
República;

- O Orçamento do Estado deve ser executado anualmente pelo Governo.

Todavia, existem factores que levam a uma recaracterização da regra da anualidade, que
são os seguintes:

1. A necessidade de desenvolvimento de políticas de conjuntura;


2. As políticas de médio e longo prazo e a necessidade de se prosseguirem políticas
e objectivos estruturais, pelas quais se definem planos de investimento público
em áreas como o investimento em equipamento militar, em infraestruturas, etc.;
3. A necessidade de se demonstrar a sustentabilidade financeira dos orçamentos
dos organismos do sector público, perspectivada no tempo.

A propósito da regra da anualidade orçamental importa ainda reter que o registo das
receitas e despesas pode ser realizado segundo as perspectivas do orçamento de gerência
ou do orçamento de exercício.

▪ O ​orçamento de gerência corresponde ao conjunto de cobranças e de


pagamentos ocorridos num determinado período ou o conjunto de cobranças e
pagamentos nascidos nesse período. Assim, o orçamento de gerência
compreende as receitas a cobrar e as despesas a realizar efectivamente nesse
período. A noção acolhe a previsão das receitas e as despesas efectivas.
▪ O ​orçamento de exercício é aquele onde se prevêem as receitas e despesas que
o Estado irá pagar em virtude dos créditos e débitos estimadas para o período
orçamental em causa. Atende-se portanto ao momento em que a receita ou a
despesa foi gerada independentemente do momento do seu recebimento ou
pagamento.

O primeiro é mais exigente e não permite a relevação de valores estimados, quer de


receita quer de despesa, ainda que seja previsível a sua arrecadação ou gasto. O segundo
é menos rigoroso e presta-se mais facilmente à cosmética de números sem uma efectiva
tradução financeira.

O orçamento português é de gerência e não de exercício, relevando as receitas e as


despesas efectivas e não meramente estimadas.
2) A plenitude orçamental

A regra da plenitude trouxe à teoria do orçamento duas ideias estruturantes, saber:

▪ A de que o orçamento do Estado é único (​unicidade orçamental)​ no sentido de


que o Estado não tem outros orçamentos ou planos de despesa e receita anuais,
abrangentes;
▪ A de que ele é universal (​universalidade orçamental)​ no sentido de que,
tendencialmente, nele se englobam todas as receitas e despesas. O princípio
nunca foi entendido em termos absolutos pois que sempre existiram massas de
receita fora do orçamento, como é o caso dos meios financeiros das empresas,
dos institutos e das fundações públicas, que escapam ao controlo orçamental.

A regra da plenitude orçamental tem um sentido finalista uma vez que visa conferir
racionalidade e transparência à afectação dos recursos obtidos. Com isso tem-se em
vista tanto fins de ordem política quanto de racionalidade económica: evitar que massas
de receita escapem ao controlo orçamental e, consequentemente, à autorização política,
ao controlo político e até à responsabilização jurisdicional ou parlamentar exercidas
pelo Tribunal de Contas e pela Assembleia da República, respectivamente.

Contudo, a regra da plenitude sofre importantes restrições. É o caso da


desorçamentação, que constitui um dos fenómenos mais frequentes e preocupantes das
finanças públicas dos nossos dias. Ela pode ser definida como o processo pelo qual
parte das despesas e das receitas que antes eram objecto de relevação orçamental, sendo
aí especificadamente registadas, passa a estar na esfera de outras entidades colectivas e,
logo assim, escapam ao controlo financeiro do Orçamento do Estado, dispersando uma
realidade que era objecto de um tratamento unitário.

A desorçamentação comporta níveis, uma vez que há serviços públicos que dispõem de
orçamentos privativos, mas que estão, ainda assim, subordinados ao Orçamento do
Estado, e que existem massas de receita pública que estão totalmente à margem do
orçamento, das suas regras de previsão e execução próprias.

Todavia, trata-se, formalmente, de uma desorçamentação lícita na medida em que é


permitida por lei. Por outro lado, estão consagradas situações de independência
financeira, como é o caso das competências financeiras próprias das regiões autónomas
e das autarquias locais, que abrangem todas as receitas e despesas das administração
regional e local, incluindo as de todos os seus serviços e fundos autónomos.

Esta problemática insere-se num movimento que autonomizou cada vez mais áreas da
administração pública através da criação algo profusa de Institutos Públicos, de
Autoridades de Supervisão, das próprias Empresas Públicas do Estado e das Fundações
Públicas, todas elas dotadas em alguma medida, de receitas próprias, sem prejuízo de
beneficiarem de fundos do próprio Orçamento do Estado.

Existem diversos factores que explicam o ​fenómeno da desorçamentação​, que resulta


das seguintes causas principais:

a) Causas ​jurídicas fundadas no surgimento de regras novas, ditadas por


necessidades específicas, que regulam o funcionamento de certos fundos
públicos;
b) Causas de ​natureza organizativa e política ligadas, muitas vezes, à necessidade
de não tornar evidente o crescimento do sector público bem como de reduzir o
controlo parlamentar, levando à criação de institutos públicos;
c) Causas de ​natureza económica​, como é o caso da criação de empresas públicas
ou de capitais exclusivamente públicos ou relativas ao processo de
descentralização política e de transferência de competências e de receitas para a
titularidade das autarquias locais.

A desorçamentação tem vantagens e inconvenientes.

Quanto às primeiras podemos invocar uma maior racionalidade económica e mais


eficácia na prossecução dos interesses públicos. Quanto às segundas podem invocar-se a
duplicação de estruturas e órgãos, o risco de desperdício de dinheiros públicos e,
consequentemente, um menor controlo.

A desorçamentação comporta graus, a saber:

- A independência orçamental;

- A autonomia financeira;

- A autonomia administrativa;

- A gestão de fundos públicos por entidades privadas.

No plano das receitas assiste-se, do mesmo modo, a uma perda de influência da regra da
plenitude orçamental devido a um fenómeno igualmente criticável, que o da
parafiscalidade​. Esta designa a realidade pela qual os entes públicos recorrem a formas
de financiamento através de receitas tributárias (taxas em vez de impostos) como forma
de alargar as suas fontes de financiamento regular, para satisfação das necessidades
correntes.
3) A discriminação orçamental

A regra discriminação consagrada nos artigos 6º e 8º da LEO deve ser abordada numa
perspectiva tríplice:

● De ​especificação, ​nos termos do qual se requer que cada receita e cada despesa
sejam objecto de suficiente discriminação ou individualização, embora nada
impeça a sua inscrição em globo, por tipo de imposto, como é o caso das receitas
fiscais. Visa-se impedir a constituição de dotações e fundos secretos, mas
admite-se a especificação por programas.

O artigo 8º da LEO prevê que “​as receitas previstas devem ser suficientemente
especificadas de acordo com uma classificação económica​”. Por outro lado, as
“​despesas são fixadas de acordo com uma ​classificação orgânica, económica e
funcional​”.

● De ​não compensação ou orçamento bruto​, previsto no artigo 6º da LEO,


segundo a qual as receitas e despesas devem ser inscritas pelo seu montante
bruto, isto é, sem qualquer compensação, abatimento ou desconto de qualquer
natureza. Do que se trata é de evitar que seja defraudada a transparência ou a
veracidade orçamental, dando aos cidadãos ou órgãos de controlo, de aprovação
ou de execução orçamental, uma ideia real sobre os volumes de receita e despesa
realmente envolvidos e colocados à disposição das autoridades públicas.
● De ​não consignação​, segundo a qual todas as receitas devem servir para cobrir
todas as despesas, não devendo, por princípio, afectar-se receitas à cobertura de
certas despesas previstas no artigo 7º da LEO.

A não consignação tem vindo a conhecer importantes excepções, sendo algumas


estruturantes, como é o caso:

1. Das situações de independência e autonomia financeira onde as receitas próprias


são afectas à cobertura de certas despesas, fundadas em razões de relevante
interesse público;
2. Das situações de consignação previstas na lei, artigo 7º - nº2 da LEO;
3. Das situações denominadas de ​duplo cabimento,​ isto é, aquelas em que certas
despesas só podem ser efectuadas se forem cobradas receitas que as permitam
cobrir, como é o caso da consignação de certas receitas cobrirem a perda de
receita de impostos abolidos.
4) O equilíbrio orçamental: evolução, sentidos de equilíbrio e défice
orçamental

O equilíbrio orçamental foi tradicionalmente considerado uma das regras mais


estruturantes da dogmática orçamental. Trata-se, pois, da regra claramente mais
controversa e também a que maior evolução sofreu nos vários sentidos ou âmbitos de
equilíbrio orçamental consagrados.

Globalmente, o Orçamento de Estado deve prever receitas efectivas em montante


suficiente para cobrir, ao menos, as despesas efectivas. Isto significa que o Orçamento
do Estado se considera equilibrado quer nos casos em que cubra das despesas com
encargos da dívida pública com receitas efectivas (saldo global) quer se cobrir tais
encargos com receitas não efectivas (saldo primário).

Em geral, diz-se que há equilíbrio quando existe uma situação de igualdade entre
receitas e despesas orçamentais, podendo significar, todavia, um excedente das receitas
sobre as despesas. Por outro lado, importa ter presente que o equilíbrio pode ser
apreciado antes da execução orçamental, caso em que se fala de equilíbrio ​ex ante ou
equilíbrio de previsão, assim como em equilíbrio da execução ou ​ex post​, sendo este
muito mais difícil de obter.

Por outro lado, diz-se que há ​superavit quando a receita prevista é maior do que a
despesa esperada e défice quando ocorre o inverso.

5) A publicidade orçamental

A publicidade cumpre o requisito hoje plasmado como regra geral para todas as leis da
República, de publicitação sob pena de inconstitucionalidade formal, para que sejam
conhecidas e observadas pelos cidadãos e demais agentes económicos.

As “novas” regras orçamentais

Mais recentemente surgiram novos princípios, ou regras através das quais claramente se
pretende fazer com que as regras orçamentais acompanhem a realidade. Estes tanto
chamam a atenção para problemas fundamentais das finanças públicas, como procuram
introduzir novos limites e valores estruturantes, verdadeiras balizas à actuação dos
poderes públicos.

1. A equidade intergeracional
A equidade intergeracional equaciona o problema do esgotamento dos recursos dos
povos, a necessidade de conter os défices e a obrigação moral (e legal) de cada geração
viver dentro dos seus parâmetros de riqueza.

A equidade orçamental obriga ainda a uma ponderação das responsabilidades


contratuais plurianuais dos serviços integrados e dos serviços e fundos autónomos,
agrupados por Ministérios. Mas requer também uma avaliação e projecção do
investimento público, dos encargos com a dívida pública e das necessidades de
financiamento do sector empresarial do Estado bem como dos encargos com pensões de
reforma ou similares.

2. A estabilidade orçamental

A estabilidade orçamental é mais do que uma regra orçamental. Ela é um valor


estruturante das finanças públicas modernas em face dos problemas actuais e futuros
que os défices excessivos vêm colocando aos Estados.

A estabilidade orçamental consagrada no artigo 10º-A da LEO ​consiste numa situação


de equilíbrio ou excedente orçamental calculada em função da definição do Sistema
Europeu de Contas Regionais.

A estabilidade é um requisito necessário para que todos os organismos sujeitos


contribuam para garantir a estabilidade – ​equilíbrio ou excedente orçamental – do
Orçamento do Estado e contrair as tendências para o “natural” desequilíbrio do
Orçamento do Estado em vista das suas alargadas funções na vida colectiva.

3. A solidariedade recíproca

A ​solidariedade recíproca entre todos os organismos do sector público administrativo e


subsectores requer um engajamento na procura de maiores níveis de racionalidade e
eficiência da elaboração e aprovação dos seus orçamentos. Desta regra resulta a
obrigação para todos os subsectores financeiros a contribuírem proporcionalmente para
a realização do princípio da estabilidade orçamental tendo em vista evitar situações de
desigualdade financeira.

4. A transparência orçamental

A regra da transparência orçamental, sendo de natureza eminentemente formal, obriga a


que todos os subsectores do sector público administrativo melhorem qualitativa e
quantitativamente a informação que devem prestar para garantir um perfeito e exacto
conhecimento da forma como cada um está a executar o seu próprio orçamento. Ela visa
criar condições para um controlo mais efectivo, actualizado e imediato de eventuais
desvios e evitar a cumulação de défices.

Capítulo 8 – O Processo, o Conteúdo e a Estrutura do Orçamento


do Estado
➢ O processo orçamental
O ​processo orçamental pode ser entendido como o conjunto estruturado de
procedimentos legais que tem por objecto a determinação, execução e controlo dos
meios financeiros públicos para um determinado ano económico a partir das medidas de
política económica e das projecções financeiras já definidas para esse ano e os anos
seguintes e por objectivo a qualidade, a estabilidade e a sustentabilidade das finanças
públicas no curto, médio e longo prazo e bem assim o crescimento económico.

A Lei nº 64-C/2011, de 30 de Dezembro, define o processo orçamental como o conjunto


de regras e procedimentos, de carácter formal ou informal, que regem a elaboração,
aprovação, execução, monitorização, controlo e correcção do orçamento, bem como a
prestação de contas.

O processo orçamental globalmente considerado compreende um conjunto de


instrumentos de política financeira cuja elaboração, apresentação, votação, ajustamento
e execução decorre ao longo do ano civil, a saber:

▪ O ​PEC – Programa de estabilidade e crescimento a elaborar e aprovar pelo


Governo, que constitui o documento onde se especificam as medidas previstas
de política económica e orçamental para o ano económico seguinte, o qual deve
ser anualmente revisto e objecto de remessa para conhecimento e controlo à
Assembleia da República, ao Conselho e à Comissão Europeia;
▪ O ​Quadro Plurianual de Programação Orçamental,​ a elaborar pelo Governo
para os quatro anos seguintes, a apresentar aquando da apresentação do
Orçamento do Estado e a aprovar pela Assembleia da República. Nele, devem
verter-se as opções de política orçamental e financeira, de forma articulada com
as opções manifestadas nas Grandes Opções do Plano, no Orçamento do Estado
e no PEC – Programa (interno) de Estabilidade e Crescimento. Nele se devem
definir, com carácter vinculativo:
I. Os limites da despesa da administração central;
II. Os limites da despesa para cada programa e para cada agrupamento de
programas orçamentais.
▪ O ​Orçamento do Estado​.

A iniciativa da lei orçamental pertence ao Governo conforme está estipulado em


diversos artigos na CRP. A proposta deve ser aprovada em Conselho de Ministros e só
depois remetida à Assembleia da República.

O processo de elaboração do Orçamento do Estado apresenta algumas especificidades,


começando a ser trabalhado pelo Gabinete do Ministro das Finanças a partir dos
objectivos e prioridades dos parâmetros macroeconómicos plurianuais e bem assim das
imposições resultantes do PEC e do Quadro Plurianual de Programação Orçamental.
Nele se fixam os saldos orçamentais e dos limites da despesa bem como dos tectos da
despesa específica para cada Ministério.

Actualmente, o processo orçamental inicia-se com a revisão anual do PEC que é o


documento onde se especificam as medidas de política económica e orçamental,
apresentando os seus efeitos financeiros, devidamente justificados, e o respectivo
calendário de execução. Para além disso, o Governo tem ainda que apresentar à
Assembleia da República, de harmonia com as Grandes Opções do Plano, uma proposta
para ser debatida simultaneamente com a primeira proposta de lei do Orçamento do
Estado apresentada após a tomada de posse do Governo, uma lei com o quadro
plurianual de programação orçamental.

Elaboração do Orçamento – 1ª Fase

A elaboração do Orçamento do Estado toma por base os objectivos e prioridades fixadas


nos parâmetros macroeconómicos plurianuais bem como nas imposições resultantes do
PEC – Pacto de Estabilidade e Crescimento (europeu) e do Quadro Plurianual de
Programação Orçamental.

O processo de elaboração decorre ao longo de vários meses, sendo estruturadas as


propostas formuladas pelos parceiros sociais, pelas associações representativas de
interesses sectoriais, pelos serviços da administração pública e pelos agentes
económicos em geral. Uma vez elaborada, a proposta de Orçamento do Estado é
agendada para a reunião semanal de Secretários de Estado, uma reunião preparatória da
reunião do Conselho de Ministros onde é aprovada, podendo nela ser sujeita a
modificações.

Os orçamentos das despesas são elaborados pelos organismos dos serviços integrados e
objecto de integração pelos serviços próprios do orçamento após aprovação.

Discussão e aprovação em Conselho de Ministros – 2ª Fase

Uma vez elaborado, o orçamento tem que ser aprovado pelo Governo. A aprovação em
Conselho de Ministros faz-se mediante discussão prévia embora, no rigor, as grandes
linhas de orientação e as questões de fundo de orientação estratégica do Governo
estejam como que predeterminadas, senão mesmo decididas antecipadamente nas
reuniões que o Ministro das Finanças tem previamente com o Primeiro-Ministro durante
a fase de elaboração.

Uma vez decidida a aprovação do Orçamento do Estado, todos os ministros assinam o


projecto de proposta de lei do Governo que passa então a designar-se de ​proposta de
lei​.

Discussão e aprovação da Assembleia da República – 3ª Fase

Uma vez aprovado em Conselho de Ministros, o orçamento é entregue na Assembleia


da República até ao dia 15 de Outubro de cada ano para se dar início à sua discussão e
aprovação neste órgão de soberania, a qual deve ser realizada no prazo de 45 dias.

Promulgação – 4ª Fase

Ao Presidente da República compete promulgar e mandar publicar as leis da


Assembleia da República. A falta de promulgação determina a inexistência jurídica do
diploma.

Em alternativa à promulgação, o Presidente da República pode vetar a Lei do


Orçamento do Estado ou então, suscitar a apreciação prévia da sua constitucionalidade.

Referenda Ministerial – 5ª Fase

Cabe ao Primeiro-Ministro reformular as leis da República. A promulgação – não o


decreto da Assembleia da República – está sujeita a referenda ministerial. A sua falta
determina a inexistência jurídica do diploma. O actor de referenda permite ainda ao
Primeiro-Ministro conhecer o teor das leis da República aprovadas e promulgadas pois,
sendo o chefe do executivo, entende-se que deve delas ter conhecimento no âmbito das
suas competências executivas.
Publicação e entrada em vigor – 6ª Fase

Uma vez referendada, a lei é enviada para publicação no jornal oficial, o Diário da
República devendo, desejavelmente, entrar em vigor no dia um do ano a que respeita.

➢ O conteúdo formal e substancial do orçamento: o articulado, os


mapas, os desenvolvimentos orçamentais e o relatório
Naturalmente, a proposta de Orçamento do Estado deve respeitar as obrigações externas
assumidas por Portugal e prever as necessárias dotações financeiras para as cumprir,
como é o caso das decorrentes do Tratado da União Europeia e do Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia e das demais normas financeiras.

A Lei do Orçamento do Estado tem uma estrutura dual devendo conter obrigatoriamente
o Articulado e os Mapas Orçamentais. Vejamos em que consistem:

▪ O ​Articulado consiste no conjunto de normas legais através das quais o Governo


estabelece regras de cariz financeiro e orçamental para todos os órgãos de todo o
sector público administrativo, neste se compreendendo os serviços e organismos
que não possuem autonomia administrativa e financeira, os serviços e fundos
autónomos e a segurança social, onde se estabelecem determinações concretas
em matéria orçamental.
▪ Os ​Mapas Orçamentais de receita e despesa.​ Como se disse, as receitas são
classificadas segundo dois critérios: a classificação económica e a classificação
orgânica, ao passo que as despesas são objecto de uma classificação tripartida:
orgânica, económica e funcional. Os mapas contabilísticos gerais, os
agrupamentos de contas e os demais elementos informativos integram o conceito
de mapas orçamentais que são, ao todo, vinte e um.

➢ A programação financeira e a previsão orçamental


A racionalização orçamental é um imperativo estruturante por força da necessidade de
garantir níveis de satisfação das necessidades colectivas utilizando melhor os (escassos)
recursos públicos garantindo, ao mesmo tempo, os valores da estabilidade, da
transparência e do equilíbrio das contas públicas.

Hoje em dia assiste-se a um acentuado reforço da programação financeira segundo a


qual todas as despesas – ainda que não sejam plurianuais – devem ser inscritas em
Programas.
A previsão das despesas e das receitas assenta num sistema de programação orçamental
que consiste num conjunto de actividades com o objectivo de ajustar o ritmo da
execução do orçamento ao fluxo provável de recursos financeiros.

A programação e a execução orçamental, bem como os instrumentos específicos que


são os orçamentos por programas, a gestão por objectivos e os orçamentos de base zero
assim como os próprios métodos de determinação da receita e da despesa pública visam,
todos eles, alcançar níveis de eficiência, eficácia e economia na utilização dos recursos
públicos.

A previsão das despesas

Na previsão das despesas há que distinguir as despesas que resultam de opções


económicas e políticas dos Governos e as despesas obrigatórias, que são:

a) As dotações necessárias para o cumprimento das obrigações decorrentes de lei


ou de contracto;
b) As dotações destinadas ao pagamento de encargos resultantes de sentenças de
quaisquer tribunais;
c) Outras dotações determinadas por lei.

Mas como se estimam as despesas? Era frequente o recurso a métodos de base


administrativa e empírica, a saber:

- O Método de avaliação directa

A previsão orçamental da despesa é, em larga medida, realizada pelos serviços públicos.


Estes optam, normalmente, por estimar a sua despesa tomando por base o orçamento do
ano anterior, efectuando uma revisão das verbas anteriormente orçamentadas,
aumentando-as em função das necessidades estimadas, sempre crescentes.

A previsão das receitas

Quanto às receitas, é possível, ao menos em teoria, alinhar mais do que um sentido de


previsão. Assim, dentro dos métodos administrativo-empíricos, temos:

A. O método do ​penúltimo exercício,​ que toma por base a estimativa da receita do


penúltimo exercício para projectar a receita futura;
B. O método do ​penúltimo exercício corrigido​, que toma por base o método
antecedente mas toma em consideração a estimativa do exercício corrigido por
factores económicos e outros índices capazes de influenciar a previsão;
C. O método da ​média dos três últimos exercícios​;
D. O método de ​avaliação directa​, não havendo dados históricos sobre o
comportamento da receita em concreto, a solução é estimá-la directamente de
acordo com as sensibilidades sobre os factos económicos sobre os quais o novo
imposto incide.

Os orçamentos funcionais e a gestão por objectivos

A evolução dos paradigmas de gestão da administração pública tem determinado uma


modificação nos métodos de previsão e de afectação das receitas públicas com base nos
denominados sistemas baseados na ​eficiência gestionária,​ assente nos denominados
orçamentos funcionais​.

Nos anos mais recentes, a actividade da administração pública passou a ser vista como u
processo produtivo que procura alcançar elevados níveis de produtividade, através de
melhorias ao nível da eficiência.

Ainda assim, a utilização de técnicas e ideias do sector privado pode levantar


dificuldades assinaláveis tais como, por exemplo, a complexidade da própria
Administração Pública e a impossibilidade de transposição directa de práticas de gestão
do “mercado”. Ora, a implementação das políticas públicas pode, segundo Pollitt e
Bouckaert, ser encarada segundo quatro opções possíveis visando:

A. A manutenção do actual relacionamento entre o sistema político e o sistema


administrativo, o primado da lei e a economia de mercado. Este modelo recorre
a modelos de controlo tradicionais e rigorosos como a restrição dos gastos, a
redução de pessoal e a eliminação da corrupção;
B. A modernização do sistema, introduzindo métodos mais flexíveis em todas as
áreas do sistema administrativo, tais como a gestão orçamental, a contabilidade
pública, a gestão de pessoal e o fornecimento de serviços, com impacto no
próprio sistema político e na desregulamentação de sectores;
C. A introdução de mecanismos de gestão de mercado no sistema público,
admitindo alguns factores de concorrência, sem prejuízo da manutenção do
enquadramento geral do sistema administrativo;
D. A redução das funções do sistema administrativo transferindo para o sector
privado o maior número de tarefas possível através da privatização e da
contratação.

Por outro lado, a ​Gestão por Objectivos (GPO) ou ​Gestão Participada por Objectivos,​
surge de uma nova abordagem iniciada nos anos sessenta para a gestão das empresas. O
sistema de gestão por objectivos resulta da prática das empresas privadas, tendo sido
adoptado nas administrações públicas na procura de técnicas de gestão de acordo com
objectivos previamente definidos.

A gestão por objectivos pretende ser uma aproximação organizada e sistemática, que
permite focar a gestão em metas alcançáveis, para atingir os melhores resultados
possíveis, face aos recursos disponíveis, sendo utilizada no controlo e direcção de
muitos projectos.

Os orçamentos por programas

A despesa pública pode ser determinada em função dos denominados ​orçamentos por
programas ou dos ​orçamentos de actividades.​ Estes colocam uma ênfase acrescida
numa gestão mais racional e eficaz centrada numa lógica de actividade ou no
desenvolvimento de uma região, visando melhorias no desempenho e/ou nos resultados,
bem como na reorientação e no controlo.

A orçamentação por programas está prevista no artigo 19º da LEO, que prescreve a sua
aplicação às contas daqueles mesmos organismos e a sua gestão de acordo com as
medidas neles estabelecidos. Os programas contêm medidas, as quais se podem dividir
em projectos ou actividades. Assim, temos:

- Programas;

- Medidas;

- Actividades e Projectos.

A orçamentação por programas materializa um acentuado reforço da programação


financeira. Todas as despesas – plurianuais ou não – devem ser inscritas em Programas,
materializados nos mapas de programas.

O orçamento por programas está ligado ao planeamento tomando em consideração os


objectivos que o governo pretende alcançar no âmbito de políticas públicas e de
actividades especificadas.

Com base nesta característica, os orçamentos por programas vão além da função dos
orçamentos como simples documentos financeiros, aumentando os seus fins e âmbito.
Eles transformam a gestão dos recursos públicos, orientando-a para o cumprimento de
objectivos traçados. E obrigam à avaliação da qualidade da despesa. O Orçamento do
Estado vê reforçada a sua função de boa gestão dos recursos públicos orientada para
metas específicas, permitindo um melhor controlo e a reorientação da despesa pública
em consonância com os planos e directrizes formuladas nas GOP’s – Grandes Opções
do Plano.

Os orçamentos de base zero

A orçamentação de base zero corresponde a uma metodologia que visa impor que, em
intervalos regulares de quatro ou cinco anos, se proceda a uma reavaliação das reais
necessidades financeiras dos organismos e programas do Estado no sentido de verificar
se as verbas que lhe são atribuídas correspondem às necessárias para que possa
desempenhar a sua missão, atribuições e competências.

A obrigação da orçamentação de base zero abrange as empresas públicas, os institutos


públicos, tendo prioridade os que apresentem situações de défice orçamental.

O instrumento “travão”

Um Governo sem recursos é um Governo que perde muita da sua capacidade para
governar. Assim, tendo em vista acautelar que não se opere o estrangulamento da acção
governativa pela acção financeira, as constituições políticas portuguesas vêm
consagrando o que se designa de Lei ou mecanismo travão.

Trata-se de um limite constitucional, previsto no artigo 167º nº2 da CRP, segundo o


qual os deputados, grupos parlamentares, as assembleias legislativas das regiões
autónomas e os grupos de cidadãos eleitores não podem, no decurso no ano económico
que estiver em curso, apresentar propostas de lei ou propostas de alteração que
envolvam aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no
orçamento dessa não.

O mecanismo “travão” tem em vista impedir a ocorrência do fenómeno e limitar a


utilização da realidade financeira como arma de arremesso política. Trata-se também de
impedir que, por este meio expedito, se altere o orçamento aprovado para o ano
económico, assim se garantindo os meios financeiros de que o poder executivo necessita
e a estabilidade da sua execução e o equilíbrio tal como foi conseguido no momento da
provação do Orçamento do Estado.

➢ Vinculações e programação financeira no orçamento do Estado


As vinculações do Orçamento do Estado são uma realidade transversal aos Estados e às
organizações e demais sujeitos de Direito Internacional. De facto, exemplificativamente,
até mesmo o Orçamento da União Europeia apresenta várias situações de vinculação ou
compromissos financeiros sobre os quais os órgãos da União não possuem uma ampla
liberdade de decisão.
Na elaboração dos seus orçamentos internos, os Governos deparam-se, também, com
obrigações vinculativas de ordem vária, diferentes em cada caso. No nosso caso, temos
vinculações internas e externas. Atendendo à sua fonte, no que ao processo orçamental
português respeita, podemos identificar as vinculações seguintes:

1) Vinculações Internas
▪ Vinculações de ordem legal – são desta natureza as que resultam da
Constituição política, da lei e dos princípios financeiros do Estado;
▪ Vinculações resultantes da programação financeira do Estado e de
obrigações contratuais, judiciais, da prática de actos administrativos
e outras geradoras de despesa – as que resultam de compromissos
assumidos;
▪ Vinculações resultantes de outros instrumentos financeiros – é o caso
das grandes opções em matéria de planeamento e a programação
financeira plurianual elaborada pelo Governo, ou seja, vinculações
emergentes das Grandes Opções do Plano (GOP’s), dos planos
plurianuais, dos planos sectoriais e das orientações estratégicas neles
definidas.
2) Vinculações Externas
▪ Vinculações resultantes de Tratado ou de Acordo Internacional –
incluem-se especificamente as obrigações decorrentes das obrigações
assumidas pelo Estado português na cena internacional, no âmbito das
organizações de que faz parte.
▪ Vinculações resultantes da integração na União Europeia e na zona
Euro – O TFUE e o próprio PEC (europeu) estabelecem vinculações
significativas que apresentam particularidades por relação com as
indicadas anteriormente.

➢ A sustentabilidade das finanças públicas


Os imensos recursos gastos pelos Estados, por um lado, a complexidade das contas
públicas globalmente consideradas por outro, e bem assim a necessidade de garantir os
valores da transparência, da eficiência, da eficácia, da economicidade, da legalidade
orçamental, exigem uma maior preocupação com o processo orçamental e o rigor das
contas públicas, visando o desenvolvimento sustentado.

Ver páginas 314 – 327.

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