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CAPITULO 186 MICROBIOLOGIA DAS INFECCOES EM UTI ‘Marings Dalla Valle Martino Jacyr Pasternak DESTAQUES = A maior parte dos agentes isolados nas infecg&es em UTI est agrupada entre os cocos gram-positivos @ 08 bacilos gram-negativos. = Cepas de S. aureus sao isoladas em varias topografias. Caracteristicamente, elas tém o gene mecA, 0 que Ihes confere resisténcia a oxacilina e meticilina, sendo conhecidas como MRSA (Staphylococcus aureus resistentes & meticilina) 16 existe relatos de cepas resistentes a vancomicina (RSA), = Espécies do género enteracocos também so isoladas em UTI com possibilidade de apresentarem padres especificos de resisténcia. = Os enterococos sao intrinsicamente resistentes aos arinoglicosideos. O uso dessas drogas somente & preconizado em associagdo com os betalactémicos ou glicopeptideos com a finalidade de se obter feito sinérgico. = Na resisténcia 3 vancomicina, ha alteracgo na etapa de transpeptidagio, levando & alteraco desse receptor com consequente diminuico de afinidade do antimicrobiano. "= Entre os gram-negativos, destaca-se o isolamento de membros da familia Enterobacteriaceae, como Enterobacter spp., Klebsiella pneumoniae, Escherichia coli, entre outros, e 0 grupo de bacilos gram- -negativos ndo fermentadores da glicose, assim como a Pseudomonas aeruginosa. A producio de be- talactamases ¢ o mecanismo mais importante de resisténcia dos microrganismos gram-negativos a varios grupos de antimicrobianos. = As betalactamases de espectro estendido (extended-spectrum beta-lactamases ~ ESBL) so enzimas capazes de hidrolisar penicilinas, cefalosporinas de ampla espectro e monobactmicos. = Aprevaléncia de cepas produtoras de ESBL varia nas diferentes partes do mundo e instituiges e, em geral, os valores para Escherichia colle Klebsiella pneumoniae esto em torno de 10% a 40%. = No momento, a maior preocupagio em rela¢o aos gram-negativos é a resisténcia aos carbapenens, que pode ser resultado da producdo de ESBL ou AMPc associadas 8 alterac3o de porinas ou relaciona- da a producdo de carbapenemases. = Aprodugao de KPC (Klebsiella pneumoniae carbapenemase) em enterobactérias é 2 causa mais impor- tante de resisténcia aos carbapenens em nosso meio. 1851 1852 INTRODUGAO AAs infecges estéo relacionadas &s principais causas de morbimortalidade em pacientes internados em uni- dade de terapia intensiva (UTD. Consequentemente, os programa: de vigilincia dessa infecgses, respaldados pelo conhecimento da microbiologia, sao de fundamen- tal importincia, Entce os aspectos mas relevantes desse contexto,estio a frequéncia dos agentes isolados, o perfil de sensibiidade a- sociadoaclese forma de diagnostici-los. Considerando-se 0s microrganismos aerdbios e/ou anaerSbios facult -maior parte dos isolados nessasinfecgSesesté agrupada en: ‘te 0$ cacos gram-positivose os baclos gram-negativos COCOS GRAM-POSITIVOS © ginezo dos Staphylococous spp. compreende vitias es- pécies, destacando-se principalmente os S. aureus e S. efi dermidis.S. aureus si isolados em vitias topografias, como sespiratria¢ corrente sanguinea. Caractersticamente, esses isolados produzem uma akeracio nos receptores denomi aados de proteinas fixadoras da penicilina (PBP2a, do in. lés penicilin-binding protein), codificadas pelo gene mec. ‘A PRP variante tem menor afinidade pelos betalactimicos, 6 que confexe resistencia & oxacilina/meticilina (MRSAVSta- ‘phylocaccus aureus resistentes A metcilina), bem como a toda classe desses antimicrobianos. © gene mecA, por sua vez, é carreado em um elemento genético mével, denominado cassetecromossémico estafilocécica (SCC) ‘Apesar da importincia desses isolados, dados do Cen- to de Controle de Docngas Atlanta (CDC) mostram que a incidéncia, a letalidade e as taxas de infecsio de corrente sanguinea associadas a0 MRSA estio diminuindo? Staphylococcus aureus com o gene mecC aparece em relatos raros na literatura, ¢ néo tem ocorréncia em nosso meio. Apesar de nio haver diferenga do ponto de vista feno- Lipico, dependendo do método wtilizado para o diagnéstico, a resisténcia & oxacilina pode nto ser detectada? A concentracio inibit6ria minima de vancomicina encontrada habitualmente esté entre 0,5 € 2 pgiml. As cepas de S.aureus com CIM para vancomicina entre 4 ¢ 8 igiml. sao classficadas como intermedisrias & vancomi- dina (VISA), 08 igolados para o: quais a CIM ¢ acima de 16 igiml sioresistentes (VRSA)? Cepas VISA estio descritas em virias partes do mundo desde 1997; no Brasil, as primeiras cepas com essas caracte- SECAO 12. Infecgdes e Antimicrobianos sistas foram identificadas em um estudo durante 0 perio do de 1998 ¢ 1999 em dois pacientes com historia prévia de ‘uso de vancomicina, Essas cepas nio tinham os genes van, vanB ou vanC e caracteristicamente apresentavam signifi cante espessamento da parede celular* ‘Uma vez que of dois primeiros isolados VISA nos Es tados Unidos exam também resistentes 4 ceicoplanina (ou tuo antimicrobiano do grupo dos glicopeptideos), o termo GISA (Staphylococcus intermedisrio aos glicopeptideos) é indicado para definir um perfil de resistencia mais global Nota-se, porém, que nem toda cepa VISA apresenta tam- bbém resistencia intermedidria & teicoplanina, portanto 0 termo VISA é mais especifica Segundo o CDC, também estéo notificadas até agora 13 cepas VRSA itoladas nos Estados Unidos. No ano de 2014, houve o primeito relato de infecgéo por essa cepa no Brasil, designada BR_VRSA,’ também considerada MRSA e que contém 0 gene mec. ‘As cepas VRSA descritas contém o gene de resisténcia ‘vanA, tipicamente encontrado em enteracocos,conferindo- -thes resiséneia a vancomicina Do ponto de vista clinico, as cepas VISA ¢ VRSA limi- tam as op¢Ges terapéuticas utilizadas no tratamento de in fecc6es por esses agentes. 'A recomendagio laboratorialé sempre uti rea que detecte a CIM & Vancomicina, em vex de método qualitativo, Esse procedimento esté embasado na dificulda- de que pode ocorrer na detecgto de cepas com perfil inter mediério A vancomicina, Outra razio reside na necessidade de avaliar a CIM pata a decisio terapéutica, visto que sola dos com CIM clevadas, mesmo que sensiveis, podem estar associados 8 faléncia terapéutica com o uso de vancomicina (Os Staphylococcus spp. podem apresentar resistencia 30s macrolideos como a eritromicina, De acordo com 0 meca. nismo de resistencia e gene determinante, pode ou nio ser acompanhada da ressténcia & cindamicina, conforme ob- servado no Quadro 186.1 Cepas com resisténcia induzida & clindamicina podem ser observadas mediante indugdo de produgéo de metila se pela eritromicina, fertmeno descrita laboratorialmente como teste D (zona de achatamento do halo de inbigio da dindamicina quando colocada ao lado da exitzomicina) Expécies do género enlerococos também so isoladas em UTI, com possibilidade de apresentarem padrées espe- cificos de resisténcia uma tée- Mecanismo Determinante (gene) Eritromicina_ ‘Clindamicina etx mth a 5 ) ‘era ribossémies em R | ‘era ribossémies em a Riconsttaive) | MSA: macrolide stretogramin redstorc; EAN erythromycin basome metyaee CAPITULO 186 Microbiologia das Infeccdes em UTI A resisténcia aos betalactimicos se dé, na maior parte ddas vezes, por produgio de PBP de baixa afinidade, particu larmente PBPS. Outra forma mais rara é pela produgio de betalaciamase Os enterococos sio intrinsicamente resistentes a0s ami noglicosideos. © uso dessas drogas somente é preconizado fem associagéo com os betalactimicos ou glicopeptideos com a finalidade de se obter efeto sinérgico. ‘A vancomicina inibe a sintese da parede celular do en terococo por sua ligacio em um sito terminal do peptideo- glicano, Na resisténcia & vancomicina, héalteracao na etapa de transpeptidacio, levando & alteracio desse receptor com consequente diminui¢éo de afinidade do antimicrobiano, De acordo com 0 padrio de resistencia apresentado, existe varios gendtipos ¢ fendtipos de VRE (Vand. VanB, ‘Van, VanD, VanE,Van G ¢ VanL., cuja base da resisténcia resulta na produgio de precursores de peptideoglicanos, na qual a porgio terminal é diferente de D-alanil-D-alanina, 0 principal avo da vancomicina (Os primeiros relatos de VRE datam de 1988 na Inglaterra e Franga, A emergéncia de VRE ocorreu de forma repentina nos Estados Unidos e como um grande problema no sistema de satide, No Brasil, esses casos tém sido publicados desde 19987 BACILOS GRAM-NEGATIVOS Destaca-se o isolamento de membros da familia Entero- bacteriaceae como Enterobacter spp., Klebsiella pneumoniae, Escherichia coli, entre outros, ¢ 0 grupo de bacilos gram-ne- galivos nio fermentadores da glicase, assim como a Pseudo- ‘monas aeruginosa ‘A produsio de betalactamases ¢ 0 mecanismo mais i portante de resisténcia desses microrganismos gram-nega- Livos a virios grupos de antimicrobianos, As betalact de amplo espectro sio numerosas, entze as quais a TEM-L (responsdvel pela resisténcia & ampicilina em cepas de E.coli algumas outras enterobactérias), TEM-2 e SHV, mediadas por plasmideos, sio inibidas pelo cido clavulanico. As betalactamases de espectro estendido (extended. spectrum beta-lactamases ~ ESBL) sio enzimas capazes de hidrolisar penicilinas, cefalosporinas de amplo espectro monobactimicos. Em geral, sio derivadas das enzimas TEM ¢ SHV, normalmente localizadas em plasmideos, po- dendo ser transferidas de uma cepa para outra e entre dife rentes espécies. Atualmente, mais de 150 tipos de ESBL jé foram descritos. Essas cepas in vitro podem ser inibidas por associagSes que contenham inibidores de betalactamases. Do ponto de vista clinico, esa eficicia 6 influenciada, entre outros fatores, pelo inéculo no local da infeccéo, pelo regime de administra- 40 do antimicrabiano e pelo tipo da ESBL produzida” ‘Outras resisténcias, como as relacionadas aos amino: slicosideos e sulfametoxazol-trimetoprim, sio, geralmente, cotransferidas no mesmo plasmideo, Varios fatores também determinam que essas cepas sejam resistentes a quinolonas, 1853, [A prevaléncia de cepas produtoras de ESBL varia nas di ferentes partes do mundo ¢ instituigSes, com os valores para Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae estando em torno de 10% a 40%. “Miltiplos fatores de risco para colonizagio e infeesa0 por ESB foram reportados, como presenca de cateter in. ‘avascular ou gastrostomia ou jejunostomia, cirurgia abdo- ‘inal de emergéncia, colonizagio gastrintestinal, tempo de hospitalizagio ou permanéncia na UTI, uso prévio de anti :icrobianos incluindo cefalosporinas de 3 geragio, presen: ‘cade cateter urinario ¢ ventilagio mecanica. O tempo total de exposigio a antimicrobianos, considerando-se o niimero ea durasio da terapéutica foi considerado fator preditor in dependente para infeccao por cepas produtoras de ESBI.2* “Apesar de setem mais comumente isoladas nas espécies de Bscherichia coli e Klebsiella pneumoniae, essas ESBL. po: dem ser encontradas em outras bactérias gram-negativas, como Eilerobacter spp. Salmonella spp., Proteus spp. « Citro- bacter spp, Morganella morganii, Serratia marcescens, Shigella dysenteriae, Pseudomonas aeruginosa e Burkholderia cepacia, De acordo com o sitio da infeeslo, os earbapenens (imi- ppenem e meropenem) acabam sendo uma das poucas dro- gas clinicamente efetivas, As betalactamases do tipo AMPe séo codificadas por genes localizados no cromossomo de vivios bacilos gram- -negativos, incluindo muitas enterobactérias, ¢ determinam resisténcia a cefalotina cefazolina, cefoxitina, maior parte das penicilinas e combinagies de betalactamicos com inibidores de betalactamases. Podem ser induziveis ¢ expressas em al- tos niveis. A hiperexpressio de AMPe confere resisténcia cefalosporinas de amplo espectro como cefotaxima, ceftazi- dima eceftriaxona, Nessa situacio,isolados como Citrobacter Jreundii e Enterobacter spp, inicalmente sensiveis, podem se ‘ransformar em resistentes durante a vigéncia de antibiotico terapia, Pode haver também transmissio plasmiial em isola- os como Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae. No momento, a maior preocupacio em relacio aos ‘gram-negativos esté reacionada 4 resisténcia aos carbape rnens, que pode ser resultado da producio de ESBL ou AMPc associada a alteragio de porinas ou relacionada a producio de carbapenemases.* Tendo como referéncia a classficagio de Ambler, as carbapenemases podem pertencer a tds classes: A (KPC), B (metalobetalactamase como a New Deli Metalobetalac tamase-NDM, IME, VIM) e D (oxacarbapenemase, a mais frequente em enterobactérias a OXA-48)." ‘A produgio de KPC em enterobactérias foi reportada «em 1996 nos Estados Unidos. No Brasil, os primeitos relatos sio de 2006 e hoje é a causa mais importante de resisténcia ‘aos carbapenens em nosso meio. A principal bactéria produtora da enzima KPC é Klebi- siella pneumoniae, porém ela jé foi descrita em uma série de ‘outros gram-negativos. A KPC tem a capacidade de hidroli- sar a maioria dos betalactimicos, conferindo diminuicio de

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