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Em 431e-1
CAPÍTULO 431e
O ácido úrico é o produto da degradação final das purinas nos seres hu-
manos. Trata-se de um ácido fraco com pKa de 5,75 e 10,3. Os uratos, (“trans-estimulação”). As atividades do URAT1, de outros OATs e do
que são as formas ionizadas do ácido úrico, predominam no líquido plas- transportador aniônico de sódio resultam na excreção de 8 a 12% do
mático extracelular e no sinovial, com cerca de 98% na forma de urato urato filtrado na forma de ácido úrico.
monossódico em pH de 7,4. As crianças apresentam, em sua maioria, concentrações de urato de
O plasma é saturado com urato monossódico em uma concentração 180 a 240 μmol/L (3-4 mg/dL). Os níveis começam a aumentar no sexo
de 405 μmol/L (6,8 mg/dL) a 37°C. Por conseguinte, em concentrações masculino durante a puberdade, porém permanecem baixos nas mulhe-
mais altas, o plasma torna-se supersaturado, criando o potencial de preci- res até a menopausa. As médias mais recentes de valores séricos de ura-
pitação de cristais de urato. Entretanto, a concentração plasmática de ura- to em homens e mulheres na pré-menopausa nos EUA são de 415 e 360
Biossíntese de novo
glomerular e maior reabsorção pelas células tubulares proximais. O au-
Feedback Feedback mento nas concentrações celulares intraepiteliais leva a uma reabsorção
inibitório inibitório
SAICAR aumentada de ácido úrico ao promover a troca de ânions dependente de
3
URAT1, OAT4 e OAT10. Os salicilatos em baixas doses também promo-
vem a hiperuricemia por meio desse mecanismo. A carga de sódio das
AICAR
células tubulares proximais também provoca retenção de urato ao reduzir
3 o volume de líquido extracelular e ao aumentar a liberação de angioten-
Ciclo da
GMP IMP purina AMP
sina II, insulina e paratormônio. Transportadores adicionais de ânions
nucleotídeo orgânicos, o OAT1, o OAT2 e o OAT3, estão envolvidos no movimento
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NH3 4 do ácido úrico através da membrana basolateral, embora os mecanismos
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Guanosina Inosina Adenosina 9 detalhados ainda estejam sendo elucidados.
PRPP 6 O GLUT9 (SLC2A9) é um transportador de hexose eletrogênico com
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PRPP variantes de junção (splicing) que medeiam a correabsorção de ácido úri-
Guanina Hipoxantina co em conjunto com glicose e frutose na membrana apical (GLUT9ΔN/
Adenina SLC2A9v2), bem como através da membrana basolateral (SLC2A9v1), e,
Xantina 10
portanto, na circulação. O GLUT9 foi identificado recentemente como um
10
10 transportador de urato de alta capacidade, com taxas 45 a 60 vezes mais
rápidas que sua atividade de transporte de glicose/frutose. O GLUT9 pode
CAPÍTULO 431e
Urato 2,8-di-hidroxiadenina
ser responsável pela associação observada entre o consumo de refrigeran-
FIGURA 431e.3 Esquema abreviado do metabolismo das puri- tes adoçados com frutose e um risco aumentado de hiperuricemia e gota.
nas. (1) Fosforribosilpirofosfato (PRPP) sintetase, (2) amidofosfor- Os estudos de associação genômica ampla (GWAS, de genome-wide as-
ribosiltransferase (amidoPRT), (3) adenilosuccinato-liase, (4) (mio) sociation studies) sugerem que os polimorfismos em SLC2A9 podem de-
adenilato (AMP)-desaminase, (5) 5´-nucleotidase, (6) adenosina- sempenhar um importante papel na suscetibilidade à gota na população
-desaminase, (7) fosforilase dos nucleosídeos das purinas, (8) hi- branca. A presença de um alelo variante predisponente aumenta o risco
poxantina fosforribosiltransferase (HPRT), (9) adenina fosforribo- relativo de desenvolvimento da gota em 30 a 70%, mais provavelmente
siltransferase (APRT, de adenine phosphoribosyltransferase) e (10) por meio do aumento da expressão da isoforma mais curta, SLC2A9v2
para aqueles com valores situados entre 415 e 535 μmol/L (7,0 e 8,9 mg/ mia euglicêmica possa preceder o início de diabetes tipo 2, hipertensão,
dL). As complicações da gota correlacionam-se com a duração e a gravi- doença arterial coronariana (DAC) e gota em indivíduos com síndrome
dade da hiperuricemia. Para uma discussão mais detalhada da gota, metabólica.
ver Capítulo 395.
A hiperuricemia também provoca vários problemas renais: (1) ne-
frolitíase; (2) nefropatia por urato, uma causa rara da insuficiência renal TRATAMENTO HIPERURICEMIA
atribuída ao depósito de cristais de urato monossódico no interstício re-
HIPERURICEMIA ASSINTOMÁTICA
Endocrinologia e metabolismo
nal, e (3) nefropatia por ácido úrico, uma causa reversível da insuficiência
renal aguda resultante do depósito de grandes quantidades de cristais de A hiperuricemia está presente em cerca de 21% da população em pelo
menos 25% dos indivíduos hospitalizados. A maioria das pessoas com
ácido úrico nos ductos coletores renais, na pelve e nos ureteres.
hiperuricemia não corre risco clínico. No passado, a associação da hipe-
Nefrolitíase A nefrolitíase por ácido úrico ocorre mais comumente em ruricemia com a doença cardiovascular e a insuficiência renal levou ao
indivíduos que apresentam gota. Na gota, a prevalência de nefrolitíase uso de agentes redutores do urato em pacientes com hiperuricemia as-
sintomática. Hoje, essa prática não é mais recomendada, exceto para os
correlaciona-se com os níveis séricos e urinários de ácido úrico, atingindo
indivíduos que recebem tratamento com agentes citolíticos para doen-
cerca de 50% na presença de níveis séricos de urato de 770 μmol/L (13 mg/ ças neoplásicas, os quais são tratados com agentes hipouricemiantes
dL) ou excreção urinária de ácido úrico > 6,5 mmol/dia (1.100 mg/dia). em um esforço para prevenir a nefropatia por ácido úrico. Como a hipe-
Os cálculos de ácido úrico podem surgir em indivíduos sem evidência ruricemia pode ser um componente da síndrome metabólica, sua pre-
de artrite, dos quais apenas 20% apresentam hiperuricemia. O ácido úrico sença constitui uma indicação para a triagem e o tratamento agressivo
também pode desempenhar um papel em outros tipos de cálculo renal. Al- de qualquer obesidade, hiperlipidemia, diabetes melito ou hipertensão
guns indivíduos sem gota, mas com cálculos de oxalato de cálcio ou fosfato associados.
de sódio têm hiperuricemia ou hiperuricacidúria. O ácido úrico pode atuar As pessoas com hiperuricemia, em especial aquelas com níveis séricos
como núcleo sobre o qual o oxalato de cálcio pode precipitar, ou diminuir o de urato mais elevados, têm risco de desenvolver artrite gotosa. Entretanto,
a maioria dos indivíduos com hiperuricemia nunca desenvolve gota, e o tra-
produto de formação para a cristalização do oxalato de cálcio.
tamento profilático não está indicado. Além disso, nem a lesão renal estru-
Nefropatia por urato Algumas vezes denominada nefrose por urato, a tural nem os tofos são identificáveis antes do primeiro episódio. A redução
nefropatia por urato constitui manifestação tardia da gota grave que se da função renal não pode ser atribuída à hiperuricemia assintomática, e o
caracteriza, histologicamente, por depósitos de cristais de urato monossó- tratamento dessa hiperuricemia não altera a evolução da disfunção renal em
pacientes com doença renal. O aumento do risco de formação de cálculos
dico circundados por reação inflamatória de células gigantes no interstício
em indivíduos com hiperuricemia assintomática não foi estabelecido.
medular e nas pirâmides. Hoje, o distúrbio é raro, não podendo ser diag- Por conseguinte, como o tratamento com agentes anti-hiperuricê-
nosticado na ausência de artrite gotosa. As lesões podem ser clinicamente micos específicos acarreta inconveniências, custo e toxicidade potencial,
silenciosas ou causar proteinúria, hipertensão e insuficiência renal. o tratamento de rotina da hiperuricemia assintomática não se justifica,
exceto na prevenção da nefropatia por ácido úrico aguda. Além disso,
Nefropatia por ácido úrico Essa causa reversível da insuficiência renal
não se recomenda a triagem de rotina para a hiperuricemia assintomá-
aguda é decorrente da precipitação do ácido úrico nos túbulos renais e tica. Entretanto, se for estabelecido o diagnóstico de hiperuricemia, será
nos ductos coletores, causando a obstrução do fluxo de urina. A nefropa- preciso determinar a causa. Os fatores causais deverão ser corrigidos se
tia por ácido úrico desenvolve-se após a súbita superprodução de urato e a afecção for secundária, devendo-se tratar os problemas associados,
hiperuricacidúria pronunciada. Os fatores que favorecem a formação de como hipertensão, hipercolesterolemia, diabetes melito e obesidade.
cristais de ácido úrico incluem a desidratação e a acidose. Essa forma de
insuficiência renal aguda é observada com mais frequência durante a fase HIPERURICEMIA SINTOMÁTICA
“blástica” agressiva da leucemia ou do linfoma, antes da terapia citolítica Ver Capítulo 395 para o tratamento da gota, incluindo a nefrose por
ou concomitantemente com ela, mas também foi relatada em indivíduos urato.
com outras neoplasias, após crises epilépticas e exercício físico vigoroso Nefrolitíase Recomenda-se a terapia anti-hiperuricêmica para o indiví-
com estresse térmico. Os exames de necropsia demonstram precipitados duo que apresenta artrite gotosa e cálculos contendo ácido úrico ou cál-
intraluminais de ácido úrico, dilatação dos túbulos proximais e gloméru- cio, os quais podem ocorrer em associação com a hiperuricacidúria. Inde-
los proximais. Acredita-se que os eventos patogênicos iniciais consistam pendentemente da natureza dos cálculos, a ingestão de líquido deve ser
na obstrução dos ductos coletores com ácido úrico e na obstrução da vas- suficiente para produzir um volume diário de urina > 2 L. A alcalinização
culatura renal distal. da urina com bicarbonato de sódio ou acetazolamida pode ser justificada
CAPÍTULO 431e
prevenção, e o tratamento apropriado imediato reduz acentuadamente
a taxa de mortalidade. A hidratação por via intravenosa vigorosa e a diu- por exercício.
rese com furosemida diluem o ácido úrico nos túbulos e promovem um
fluxo urinário ≥ 100 mL/h. A administração de acetazolamida, 240 a 500 ERROS INATOS SELECIONADOS DO METABOLISMO DE PURINAS E
mg a cada 6 a 8 horas, e bicarbonato de sódio, 89 mmol/L por via intrave- PIRIMIDINAS
nosa, aumenta a alcalinidade da urina e, portanto, solubiliza mais ácido (Ver também Quadros 431e.3 e 431e.4 e Figs. 431e.3 e 431e.4.) Mais de
úrico. É importante assegurar que o pH urinário permaneça > 7,0 e inves- 30 defeitos nas vias metabólicas humanas de purina e pirimidina foram
tigar a ocorrência de sobrecarga circulatória. Além disso, o tratamento
identificados até o momento. Muitos desses defeitos são benignos, porém
anti-hiperuricêmico na forma de alopurinol, em dose única de 8 mg/kg,
deve ser administrado para reduzir a quantidade de urato que alcança os
cerca da metade está associada a manifestações clínicas, e alguns causam
-sintase, (4) UMP-sintase, (5) 5′-nucleotidase. CMP, citidina 5′-monofosfato; Deficiência de pirimidina 5′-nucleotidase A pirimidina 5´-nu-
UMP, uridina 5′-monofosfato; UDP, uridina 5′-difosfato; dUMP, desoxiuridi- cleotidase catalisa a remoção do grupo fosfato dos monofosfatos
na 5′-monofosfato; dTMP, desoxitimidina 5′-monofosfato; UTP, trifosfato dos ribonucleosídeos pirimidínicos (citidina 5´-monofosfato ou
de uridina; TTP, trifosfato de timidina. UMP) (Fig. 431e.4). A deficiência hereditária dessa enzima pro-
voca anemia hemolítica com pontilhado basófilo proeminente nos
Aumento da atividade da fosforribosilpirofosfato-sintetase A exemplo eritrócitos. Acredita-se que a hemólise seja induzida pelo acúmulo
dos estados de deficiência de HPRT, a hiperatividade da PRPP-sintetase é de pirimidinas ou de difosfato de citidina colina. Não há tratamento espe-
Endocrinologia e metabolismo
ligada ao cromossomo X, resultando em artrite gotosa e nefrolitíase por cífico. Relatou-se a deficiência adquirida de pirimidina 5´-nucleotidase
ácido úrico. Em algumas famílias, ocorre surdez neurossensorial. na intoxicação por chumbo e na talassemia.
Deficiência de adenina fosforribosiltransferase (APRT) A deficiência de Deficiência de di-hidropirimidina desidrogenase A di-hidropirimidina
APRT é herdada de modo autossômico recessivo. Os indivíduos acometi- desidrogenase é a enzima limitadora da velocidade na via de degrada-
dos apresentam cálculos renais compostos de 2,8-di-hidroxiadenina. Os ção da uracila e da timina (Fig. 431e.4). A deficiência dessa enzima
indivíduos brancos com o distúrbio apresentam deficiência total (tipo I), provoca excreção urinária excessiva de uracila e timina. Além disso, essa
enquanto os japoneses exibem alguma atividade enzimática mensurável deficiência causa disfunção cerebral inespecífica com distúrbios convul-
(tipo II). A expressão do defeito é semelhante nas duas populações, assim sivos, atraso motor e deficiência intelectual. Não há tratamento específico
como a frequência do estado heterozigoto (0,4-1,1 por 100). O tratamento disponível.
com alopurinol evita a formação de cálculos.
Efeitos dos fármacos sobre o metabolismo das pirimidinas Diversos
Xantinúria hereditária A deficiência de xantina-oxidase faz toda a puri- medicamentos podem influenciar o metabolismo das pirimidinas. Os
na na urina ocorrer na forma de hipoxantina e xantina. Cerca de dois ter- agentes antineoplásicos fluorodesoxiuridina e 5-fluoruracila, bem como
ços dos indivíduos deficientes são assintomáticos. No restante, ocorrem o agente antimicrobiano fluorocitosina, causam citotoxicidade quando
cálculos renais compostos de xantina. convertidos em fluorodesoxiuridilato, um inibidor suicida específico da
Deficiência de mioadenilato desaminase Descreveram-se as formas timidilato-sintase. A fluorocitosina deve ser convertida em 5-fluoruracila
primária (hereditária) e secundária (adquirida) da deficiência de mio- para ser eficaz. Essa conversão é catalisada pela atividade da citosina-
adenilato desaminase. A forma primária é herdada como um caráter -desaminase. A ação da fluorocitosina é seletiva devido à presença da
autossômico recessivo. Clinicamente, alguns pacientes apresentam sin- citosina-desaminase nas bactérias e nos fungos, mas não nas células hu-
tomas miopáticos relativamente leves com o exercício ou outros fatores manas. A di-hidropirimidina desidrogenase está envolvida na degrada-
desencadeantes, mas a maioria dos indivíduos com esse defeito é as- ção da 5-fluoruracila. Em consequência, a deficiência dessa enzima está
sintomática. Por conseguinte, deve-se investigar outra explicação para associada à neurotoxicidade da 5-fluoruracila.
a miopatia observada nos pacientes sintomáticos com essa deficiência. A leflunomida, que é usada para tratar a artrite reumatoide, inibe a
A deficiência adquirida ocorre em associação a uma ampla variedade síntese original de pirimidina por meio da inibição da di-hidro-orotato
de doenças neuromusculares, como distrofias musculares, neuropatias, desidrogenase, resultando em um efeito antiproliferativo sobre as células
miopatias inflamatórias e doenças vasculares do colágeno. T. O alopurinol, que inibe a xantina-oxidase na via metabólica das pu-
rinas, também inibe a atividade da orotidina 5′-fosfato-descarboxilase,
Deficiência de adenilossuccinato-liase A deficiência dessa enzima deve- uma etapa na síntese de UMP. Consequentemente, o alopurinol está as-
-se a um caráter autossômico recessivo e provoca acentuado atraso psico- sociado com excreção aumentada de orotidina e ácido orótico. Não há
motor, convulsões e outros distúrbios do movimento. Todos os indivíduos efeitos clínicos conhecidos por essa inibição.
com tal deficiência apresentam deficiência intelectual, e a maioria é autista.
Deficiência de adenosina desaminase e deficiência de fosforilase dos nu-
cleosídeos das purinas Ver Capítulo 374.