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de biossíntese, degradação e recuperação das purinas (Fig. 431e.1).

Em 431e-1

431e Distúrbios do metabolismo


das purinas e das pirimidinas
Christopher M. Burns, Robert L. Wortmann
condições normais, são excretados 66 a 75% do urato pelos rins, enquan-
to a maior parte do restante é eliminada pelo intestino.
Os rins depuram o urato do plasma e mantêm um equilíbrio fi-
siológico ao utilizar transportadores de ânions orgânicos (OATs, de
organic anion transporters) específicos, como o transportador de ura-
As purinas
A pur
urinas (adenina e guan
guanina) e as pirimidinas (citosina, timina, ura- to 1 (URAT1, SLC22A12) (Fig. 431e.2). Em seres humanos, OAT1
cila)) desempenham funções
funçõe fundamentais na replicação do material ge- (SLC22A6), OAT2 (SLC22A7) e OAT3 (SLC22A8) localizam-se na
néti
tico,
ti
i na transcrição gênic
nético, gênica, na síntese das proteínas e no metabolismo membrana basolateral das células tubulares renais proximais. OAT4
celular. Os distúrbios que envolvem anormalidades no metabolismo dos (SLC22A11), OAT10 (SLC22A13) e URAT1 localizam-se na membrana
nucleotídeos incluem desde doenças relativamente comuns – como a hi- apical com borda em escova dessas células. Esses últimos transportado-
peruricemia e a gota, em que ocorre aumento na produção ou diminuição res carregam o urato e outros ânions orgânicos para dentro das células
na excreção de um produto metabólico final do metabolismo das purinas tubulares a partir do lúmen em troca de ânions orgânicos intracelula-
(ácido úrico) – até deficiências enzimáticas raras, que afetam a síntese res. No interior da célula, o urato deve passar para o lado basolateral
ou a degradação das purinas e das pirimidinas. A compreensão dessas do lúmen por meio de um processo controlado por transportadores de-
vias bioquímicas levou, em alguns casos, ao desenvolvimento de formas pendentes de voltagem, incluindo o transportador de glicose 9 (GLUT9,
específicas de tratamento, como o uso do alopurinol e do febuxostate para SLC2A9). Os agentes uricosúricos (Quadro 431e.1) inibem diretamente
reduzir a produção de ácido úrico. o URAT1 no lado apical da célula tubular (a denominada “cis-inibição”).
Em contrapartida, os compostos antiuricosúricos (i.e., os que promovem
a hiperuricemia), como o nicotinato, o pirazinoato, o lactato e outros
METABOLISMO DO ÁCIDO ÚRICO ácidos orgânicos aromáticos, servem como ânions de troca no interior
da célula, estimulando, assim, a troca aniônica e a reabsorção de urato

CAPÍTULO 431e
O ácido úrico é o produto da degradação final das purinas nos seres hu-
manos. Trata-se de um ácido fraco com pKa de 5,75 e 10,3. Os uratos, (“trans-estimulação”). As atividades do URAT1, de outros OATs e do
que são as formas ionizadas do ácido úrico, predominam no líquido plas- transportador aniônico de sódio resultam na excreção de 8 a 12% do
mático extracelular e no sinovial, com cerca de 98% na forma de urato urato filtrado na forma de ácido úrico.
monossódico em pH de 7,4. As crianças apresentam, em sua maioria, concentrações de urato de
O plasma é saturado com urato monossódico em uma concentração 180 a 240 μmol/L (3-4 mg/dL). Os níveis começam a aumentar no sexo
de 405 μmol/L (6,8 mg/dL) a 37°C. Por conseguinte, em concentrações masculino durante a puberdade, porém permanecem baixos nas mulhe-
mais altas, o plasma torna-se supersaturado, criando o potencial de preci- res até a menopausa. As médias mais recentes de valores séricos de ura-
pitação de cristais de urato. Entretanto, a concentração plasmática de ura- to em homens e mulheres na pré-menopausa nos EUA são de 415 e 360

Distúrbios do metabolismo das purinas e das pirimidinas


to pode atingir 4.800 μmol/L (80 mg/dL) sem precipitação, talvez devido μmol/L (6,14 e 4,87 mg/dL), respectivamente, conforme dados de 2007
à presença de substâncias solubilizantes. e 2008 do National Health and Nutrition Evaluation Survey (NHANES).
O pH da urina influencia acentuadamente a solubilidade do ácido Após a menopausa, os valores para as mulheres aumentam até próximo
úrico. Na presença de pH de 5,0, a urina é saturada com ácido úrico em aos dos homens. Na idade adulta, as concentrações elevam-se uniforme-
concentrações que variam de 360 a 900 μmol/L (6-15 mg/dL). Em pH mente com o decorrer do tempo e variam de acordo com a estatura, o
de 7,0, ocorre saturação em concentrações situadas entre 9.480 e 12.000 peso corporal, a pressão arterial, a função renal e o consumo de álcool.
μmol/L (158-200 mg/dL). As formas ionizadas do ácido úrico na urina
consistem em uratos monossódicos, dissódicos, de potássio, de amônio HIPERURICEMIA
e de cálcio.
A hiperuricemia pode resultar de aumento na produção ou diminuição
Embora os nucleotídeos das purinas sejam sintetizados e degrada-
na excreção de ácido úrico, ou uma associação de ambos os processos.
dos em todos os tecidos, o urato só é produzido nos tecidos que contêm a
Ela predispõe algumas pessoas a desenvolver manifestações clínicas que
xantina-oxidase, primariamente o fígado e o intestino delgado. A produ-
incluem a artrite gotosa (Cap. 395), a urolitíase e a disfunção renal (ver
ção de urato varia de acordo com o conteúdo de purina da dieta e as taxas
adiante).
A hiperuricemia em geral é definida como uma concentração plas-
mática (ou sérica) de urato > 405 μmol/L (> 6,8 mg/dL). O risco de de-
Biossíntese de novo Ácidos nucleicos
senvolver artrite gotosa ou urolitíase aumenta com níveis mais elevados
Nucleotídeos de urato, sendo o aumento proporcional ao grau de elevação. A prevalên-
cia de hiperuricemia está aumentando entre pacientes adultos em nível
ambulatorial e mesmo mais marcadamente entre pacientes hospitaliza-
Vias de
Dieta Nucleosídeos recuperação dos. A prevalência de gota nos EUA mais que duplicou entre as décadas
de 1960 e 1990. Com base em dados do NHANES de 2007 e 2008, essas
tendências continuam, com uma prevalência aproximada de gota em ho-
Bases mens de 5,9% (6,1 milhões) e em mulheres de 2,0% (2,2 milhões). Os ní-
veis séricos médios de urato subiram para 6,14 mg/dL em homens e 4,87
mg/dL em mulheres, com consequente prevalência de hiperuricemia
Urato Tofos de 21,2 e 21,6%, respectivamente (com a hiperuricemia sendo definida
Urina Intestino como um nível sérico de urato > 7,0 mg/dL [415 μmol/L] para homens e
> 5,7 mg/dL [340 μmol/L] para mulheres). Esses números representam
FIGURA 431e.1 O reservatório do urato corporal total é o resultado um aumento de 1,2% na prevalência de gota, um aumento de 0,15 mg/
final entre a produção e a excreção de urato. A produção de urato dL no nível sérico de urato e um aumento de 3,2% na prevalência de
é influenciada pela ingestão alimentar das purinas e pelas taxas de hiperuricemia em relação aos números relatados no NHANES-III (1988-
biossíntese de novo das purinas a partir de precursores não purínicos, 1994). Acredita-se que essa elevação tenha sido causada por aumentos
renovação dos ácidos nucleicos e recuperação pelas atividades da na obesidade e na hipertensão e, talvez, por melhor cuidado médico e
fosforribosiltransferase. O urato formado normalmente é excretado longevidade aumentada.
pelas vias urinária e intestinal. A hiperuricemia pode resultar do au-
mento da produção, da diminuição da excreção ou da combinação CAUSAS DE HIPERURICEMIA
de ambos os mecanismos. Na presença de hiperuricemia, o urato A hiperuricemia pode ser classificada em primária ou secundária, depen-
pode precipitar e depositar-se nos tecidos na forma de tofos. dendo de a causa ser inata ou por distúrbio adquirido. Todavia, é mais

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431e-2 rina pela hipoxantina fosforribosiltransferase (HPRT). A
HPRT catalisa a combinação das bases purínicas hipo-
xantina e guanina com o PRPP, formando os respectivos
Membrana basolateral ribonucleotídeos IMP e monofosfato de guanosina (GMP,
voltada para a circulação de guanosine monophosphate).
Os níveis séricos de urato estão intimamente relacio-
Ácido úrico nados com as taxas de nova produção de purinas, a qual
Ácido úrico OAT1
? URAT1
OAT3 Ânions orgânicos depende, em parte, do nível de PRPP, conforme eviden-
monocarboxilatos ciado por dois erros inatos do metabolismo de purinas
Na
+ ligados ao X (Quadro 431e.3). A atividade aumentada da
SLC5A8 PRPP-sintetase e a deficiência de HPRT estão associadas
SLC5A12
Monocarboxilatos
com a produção excessiva de purinas, a hiperuricemia e a
hiperuricacidúria (ver adiante a descrição clínica).
Ácido úrico
Glicose SLC2A9v1 SLC2A9v2 Ácido úrico A degradação acelerada dos nucleotídeos das purinas
Frutose (GLUT9) (GLUT9ΔN) Glicose também pode causar hiperuricemia, isto é, em condições de
Frutose
rápida renovação, proliferação ou morte celular, como nas
Dicarboxilatos Ácido úrico crises blásticas leucêmicas, terapia citotóxica das neoplasias
SLC13A3 OAT4 malignas, hemólise ou rabdomiólise. A hiperuricemia pode
Na
+
Dicarboxilatos
resultar da excessiva degradação de trifosfato de adenosina
(ATP) do músculo esquelético após exercício físico vigoroso
ou estado de mal epiléptico, bem como nas doenças do de-
Membrana apical pósito de glicogênio tipos III, V e VII (Cap. 433e). A hipe-
e luz tubular ruricemia do infarto do miocárdio, da inalação de fumaça
PARTE 16

e da insuficiência respiratória aguda também pode estar


relacionada com a degradação acelerada do ATP.
FIGURA 431e.2 Representação esquemática do processamento do ácido úrico
pelo rim. Uma complexa inter-relação de transportadores nos lados tanto apical Diminuição da excreção de ácido úrico Mais de 90% dos
quanto basolateral da célula epitelial tubular renal está envolvida na reabsorção indivíduos com hiperuricemia persistente apresentam um
do ácido úrico. Ver detalhes no texto. Os compostos uricosúricos inibem, em sua defeito no processamento renal do ácido úrico. Para qual-
maioria, o URAT1 no lado apical, bem como o OAT1, o OAT3 e o GLUT9 no lado quer concentração plasmática de urato, os pacientes com
basolateral. gota excretam cerca de 40% menos ácido úrico que aque-
Endocrinologia e metabolismo

les sem a doença. Quando os níveis plasmáticos de urato


conveniente classificá-la com relação à fisiopatologia subjacente, ou seja, estão elevados por ingestão ou infusão de purinas, a excreção de ácido
se resulta de aumento da produção, diminuição da excreção ou associa- úrico aumenta em pacientes com e sem gota; porém, naqueles com gota,
ção de ambos os processos (Fig. 431e.1 e Quadro 431e.2). as concentrações plasmáticas de urato devem ser 60 a 120 μmol/L (1-2
Aumento da produção de urato A dieta contribui para o nível sérico mg/dL) maiores que o normal para obter taxas equivalentes de excreção
de urato proporcionalmente a seu conteúdo de purinas. A restrição es- de ácido úrico.
trita da ingestão de purinas reduz os níveis séricos médios de urato em Teoricamente, a redução na excreção de ácido úrico pode resultar
cerca de 60 μmol/L (1 mg/dL) e a excreção urinária de ácido úrico em de diminuição da filtração glomerular, diminuição da secreção tubular
cerca de 1,2 mmol/dia (200 mg/dia). Os alimentos com alto conteúdo ou aumento da reabsorção tubular. A diminuição da filtração de urato
de ácido nucleico incluem fígado, outras vísceras (timo, pâncreas), rins não parece causar hiperuricemia primária, mas contribui efetivamente
e anchova. para a hiperuricemia da insuficiência renal. Apesar de a hiperuricemia
As fontes endógenas da produção de purinas também influenciam estar sempre presente na doença renal crônica, a correlação entre as
os níveis séricos de urato (Fig. 431e.3). A biossíntese de novo das puri-
nas é um processo de múltiplas etapas que leva à formação de monofos- QUADRO 431e.2 CLASSIFICAÇÃO DA HIPERURICEMIA DE ACORDO COM A
fato de inosina (IMP, de inosine monophosphate). As taxas de biossíntese FISIOPATOLOGIA
das purinas e a produção de urato são predominantemente determina-
Superprodução de urato
das pela amidofosforribosiltransferase (amidoPRT, de amidophosphori-
bosyltransferase), que combina o fosforribosil pirofosfato (PRPP) com a Idiopática primária Doenças mieloprolife- Rabdomiólise
glutamina. Uma via reguladora secundária é o resgate de bases de pu- Deficiência de HPRT rativas Exercício físico
Hiperatividade da Policitemia vera Álcool
PRPP-sintetase Psoríase Obesidade
Processos hemolíticos Doença de Paget Dieta rica em purinas
QUADRO 431e.1 MEDICAMENTOS COM ATIVIDADE URICOSÚRICA Doenças linfoprolife- Glicogenoses III, V e VII
rativas
Acetoexamida Fenolsulfonftaleína
Diminuição da excreção de ácido úrico
Ácido ascórbico Glicerila guaiacolato
Agentes de contraste radiológicos Glicocorticoides Idiopática primária Cetoacidose por inanição Ingestão de fármacos
Azauridina Glicopirrolato Insuficiência renal Beriliose Salicilatos (< 2 g/dia)
Doença renal policística Sarcoidose Diuréticos
Benzobromarona Halofenato Diabetes insípido Intoxicação por chumbo Álcool
Calcitonina Hormônio adrenocorticotrófico Hipertensão arterial Hiperparatireoidismo Levodopa
Citrato Losartana Acidose Hipotireoidismo Etambutol
Acidose láctica Toxemia da gravidez Pirazinamida
Clorprotixeno Meclofenamato
Cetoacidose diabética Síndrome de Bartter Ácido nicotínico
Dicumarol Probenecida Síndrome de Down Ciclosporina
Diflunisal Salicilatos (> 2 g/dia) Mecanismo combinado
Estrogênios Sulfimpirazona
Deficiência de glico- Deficiência de frutose-1- Álcool
Fenilbutazona Tetraciclina com prazo de validade se-6-fosfatase -fosfato-aldolase Choque
vencido
Abreviações: HPRT, hipoxantina fosforribosiltransferase, de hypoxanthine phosphoribosyl-
Fenofibrato Zoxazolamina transferase; PRPP, fosforribosil pirofosfato, de phosphoribosylpyrophosphate.

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orgânicos lactato, β-hidroxibutirato e acetoacetato. Os ânions mono e di- 431e-3
Ribose-5-P 1 2
PRPP Glutamina
valentes tornam-se substratos do URAT1 e do OAT4, respectivamente, e
ATP são trocados por ácido úrico a partir do túbulo proximal. Os níveis san-
PRA guíneos aumentados desses ânions resultam em aumento de sua filtração

Biossíntese de novo
glomerular e maior reabsorção pelas células tubulares proximais. O au-
Feedback Feedback mento nas concentrações celulares intraepiteliais leva a uma reabsorção
inibitório inibitório
SAICAR aumentada de ácido úrico ao promover a troca de ânions dependente de
3
URAT1, OAT4 e OAT10. Os salicilatos em baixas doses também promo-
vem a hiperuricemia por meio desse mecanismo. A carga de sódio das
AICAR
células tubulares proximais também provoca retenção de urato ao reduzir
3 o volume de líquido extracelular e ao aumentar a liberação de angioten-
Ciclo da
GMP IMP purina AMP
sina II, insulina e paratormônio. Transportadores adicionais de ânions
nucleotídeo orgânicos, o OAT1, o OAT2 e o OAT3, estão envolvidos no movimento
5 5 5
NH3 4 do ácido úrico através da membrana basolateral, embora os mecanismos
8
Guanosina Inosina Adenosina 9 detalhados ainda estejam sendo elucidados.
PRPP 6 O GLUT9 (SLC2A9) é um transportador de hexose eletrogênico com
7 7
PRPP variantes de junção (splicing) que medeiam a correabsorção de ácido úri-
Guanina Hipoxantina co em conjunto com glicose e frutose na membrana apical (GLUT9ΔN/
Adenina SLC2A9v2), bem como através da membrana basolateral (SLC2A9v1), e,
Xantina 10
portanto, na circulação. O GLUT9 foi identificado recentemente como um
10
10 transportador de urato de alta capacidade, com taxas 45 a 60 vezes mais
rápidas que sua atividade de transporte de glicose/frutose. O GLUT9 pode

CAPÍTULO 431e
Urato 2,8-di-hidroxiadenina
ser responsável pela associação observada entre o consumo de refrigeran-
FIGURA 431e.3 Esquema abreviado do metabolismo das puri- tes adoçados com frutose e um risco aumentado de hiperuricemia e gota.
nas. (1) Fosforribosilpirofosfato (PRPP) sintetase, (2) amidofosfor- Os estudos de associação genômica ampla (GWAS, de genome-wide as-
ribosiltransferase (amidoPRT), (3) adenilosuccinato-liase, (4) (mio) sociation studies) sugerem que os polimorfismos em SLC2A9 podem de-
adenilato (AMP)-desaminase, (5) 5´-nucleotidase, (6) adenosina- sempenhar um importante papel na suscetibilidade à gota na população
-desaminase, (7) fosforilase dos nucleosídeos das purinas, (8) hi- branca. A presença de um alelo variante predisponente aumenta o risco
poxantina fosforribosiltransferase (HPRT), (9) adenina fosforribo- relativo de desenvolvimento da gota em 30 a 70%, mais provavelmente
siltransferase (APRT, de adenine phosphoribosyltransferase) e (10) por meio do aumento da expressão da isoforma mais curta, SLC2A9v2

Distúrbios do metabolismo das purinas e das pirimidinas


xantina-oxidase. PRA, fosforribosilamina, de phosphoribosylamine; (GLUT9ΔN). Notavelmente, esses polimorfismos explicam apenas cer-
SAICAR, succinilaminoimidazol carboxamida ribotídeo; AICAR, ami- ca de 6% da diferença nos níveis séricos de ácido úrico em indivíduos
noimidazol carboxamida ribotídeo; GMP, guanilato; IMP, monofosfa- brancos. Certamente, a gota é poligênica e complexa e, no momento, a
to de inosina; ATP, trifosfato de adenosina, de adenosine triphosphate. utilidade dos exames genéticos para polimorfismos relevantes permanece
sob investigação e sem utilidade clínica.
concentrações séricas de creatinina, ureia e urato é fraca. A eliminação O álcool promove a hiperuricemia em razão do aumento na pro-
extrarrenal de ácido úrico aumenta à medida que a disfunção renal se dução de urato e da diminuição na excreção de ácido úrico. O consumo
torna mais grave. excessivo de álcool acelera a degradação hepática de ATP, aumentando a
Muitos agentes que causam hiperuricemia exercem seus efeitos es- produção de urato. O consumo de álcool também pode induzir a hipera-
timulando a reabsorção em vez de inibindo a secreção. Essa estimula- cidemia láctica, que bloqueia a secreção de ácido úrico. O teor mais eleva-
ção parece ocorrer por intermédio de um processo de reabsorção renal do de purina de algumas bebidas alcoólicas também pode constituir um
“iniciadora” de urato pela carga das células epiteliais tubulares proximais fator. O consumo de cerveja confere maior risco de gota que destilados, e
dependente de sódio com ânions capazes de “trans-estimular” a reabsor- a ingesta moderada de vinho não aumenta o risco de gota. A ingesta de
ção de urato. Os transportadores monocarboxílicos acoplados ao sódio carne vermelha e frutose aumenta o risco de gota, enquanto a ingesta de
SMCT1 e 2 (SLC5A8, SLC5A12) na borda em escova das células tubulares laticínios pobres em gordura, vegetais ricos em purinas, grãos integrais,
proximais fazem a mediação da carga dependente de sódio dessas células nozes e legumes, frutas menos adocicadas, café e vitamina C reduz o risco.
com monocarboxilatos. Um transportador semelhante, SLC13A3, medeia
o influxo dependente de sódio de dicarboxilatos para dentro da célula AVALIAÇÃO
epitelial a partir da membrana basolateral. Sabe-se que alguns desses car-
boxilatos causam hiperuricemia, incluindo o pirazinoato (do tratamento A hiperuricemia não necessariamente representa uma doença nem uma
com pirazinamida), o nicotinato (do tratamento com niacina) e os ácidos indicação específica para tratamento. A decisão acerca do tratamento

QUADRO 431e.3 ERROS INATOS DO METABOLISMO DAS PURINAS


Enzima Atividade Herança Características clínicas Características laboratoriais
Hipoxantina fosforribosiltransferase Deficiência completa Ligada ao X Automutilação, coreoatetose, gota e Hiperuricemia, hiperuricosúria
litíase por ácido úrico
Deficiência parcial Ligada ao X Gota e litíase por ácido úrico Hiperuricemia, hiperuricosúria
Fosforribosilpirofosfato-sintetase Hiperatividade Ligada ao X Gota, litíase por ácido úrico e surdez Hiperuricemia, hiperuricosúria
Adenina fosforribosiltransferase Deficiência Autossômica recessiva Litíase de 2,8-di-hidroxiadenina —
Xantina-oxidase Deficiência Autossômica recessiva Xantinúria e litíase por xantina Hipouricemia, hipouricosúria
Adenilsuccinato-liase Deficiência Autossômica recessiva Autismo e retardo psicomotor —
Mioadenilato desaminase Deficiência Autossômica recessiva Miopatia com intolerância ao exercí- —
cio ou assintomática
Adenosina desaminase Deficiência Autossômica recessiva Imunodeficiência combinada severa —
e displasia condro-óssea
Fosforilase de nucleosídeos de purina Deficiência Autossômica recessiva Imunodeficiência mediada por —
células T

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431e-4 depende da causa e das consequências potenciais da hiperuricemia em Quando reconhecida, a nefropatia por ácido úrico é potencialmen-
cada indivíduo. te reversível. O tratamento apropriado tem reduzido a taxa de morta-
A quantificação da excreção de ácido úrico pode ser utilizada para lidade de cerca de 50% para praticamente zero. Os níveis séricos não
determinar se a hiperuricemia é causada por produção excessiva ou ex- são confiáveis para estabelecer o diagnóstico, visto que esse distúrbio
creção diminuída. Com uma dieta isenta de purinas, os homens com fun- tem ocorrido na presença de concentrações de urato que variam de 720
ção renal normal excretam < 3,6 mmol/dia (600 mg/dia). Por conseguin- a 4.800 μmol/L (12-80 mg/dL). A característica distintiva é a concen-
te, a hiperuricemia em indivíduos que excretam ácido úrico acima desse tração urinária de ácido úrico. Na maioria das formas de insuficiência
nível, durante uma dieta isenta de purinas, decorre da produção excessiva renal aguda com diminuição do débito urinário, o conteúdo de ácido
de purinas; para os que excretam quantidades menores com uma dieta úrico da urina apresenta-se normal ou reduzido, e a relação entre ácido
isenta de purinas, representa a consequência de uma diminuição da ex- úrico e creatinina é < 1. Na nefropatia por ácido úrico aguda, a relação
creção. Se a avaliação for efetuada enquanto o paciente estiver seguindo entre ácido úrico e creatinina em uma amostra de urina aleatória ou
uma dieta regular, poderá ser utilizado o nível de 4,2 mmol/dia (800 mg/ amostra de 24 horas é > 1, um valor elevado a ponto de ser essencial-
dia) como valor discriminativo. mente diagnóstico.

COMPLICAÇÕES HIPERURICEMIA E SÍNDROME METABÓLICA


A complicação mais reconhecida da hiperuricemia é a artrite gotosa. O A síndrome metabólica (Cap. 422) caracteriza-se por obesidade abdo-
NHANES de 2007 e 2008 encontrou uma prevalência de gota entre adul- minal com adiposidade visceral, diminuição da tolerância à glicose em
tos nos EUA de 3,9%, com valores de cerca de 6% para homens e de cer- virtude da resistência à insulina com hiperinsulinemia, hipertrigliceri-
ca de 2% para mulheres. Quanto mais elevado o nível sérico de urato, demia, aumento do colesterol de lipoproteína de baixa densidade, dimi-
maior a probabilidade de um indivíduo manifestar gota. Em um estudo, nuição do colesterol de lipoproteína de alta densidade e hiperuricemia. A
a incidência de gota foi de 4,9% para os indivíduos com concentrações hiperinsulinemia diminui a excreção renal de ácido úrico e de sódio. Não
séricas de urato > 540 μmol/L (> 9,0 mg/dL) em comparação com 0,5% surpreende o fato de que a hiperuricemia resultante de hiperinsuline-
PARTE 16

para aqueles com valores situados entre 415 e 535 μmol/L (7,0 e 8,9 mg/ mia euglicêmica possa preceder o início de diabetes tipo 2, hipertensão,
dL). As complicações da gota correlacionam-se com a duração e a gravi- doença arterial coronariana (DAC) e gota em indivíduos com síndrome
dade da hiperuricemia. Para uma discussão mais detalhada da gota, metabólica.
ver Capítulo 395.
A hiperuricemia também provoca vários problemas renais: (1) ne-
frolitíase; (2) nefropatia por urato, uma causa rara da insuficiência renal TRATAMENTO HIPERURICEMIA
atribuída ao depósito de cristais de urato monossódico no interstício re-
HIPERURICEMIA ASSINTOMÁTICA
Endocrinologia e metabolismo

nal, e (3) nefropatia por ácido úrico, uma causa reversível da insuficiência
renal aguda resultante do depósito de grandes quantidades de cristais de A hiperuricemia está presente em cerca de 21% da população em pelo
menos 25% dos indivíduos hospitalizados. A maioria das pessoas com
ácido úrico nos ductos coletores renais, na pelve e nos ureteres.
hiperuricemia não corre risco clínico. No passado, a associação da hipe-
Nefrolitíase A nefrolitíase por ácido úrico ocorre mais comumente em ruricemia com a doença cardiovascular e a insuficiência renal levou ao
indivíduos que apresentam gota. Na gota, a prevalência de nefrolitíase uso de agentes redutores do urato em pacientes com hiperuricemia as-
sintomática. Hoje, essa prática não é mais recomendada, exceto para os
correlaciona-se com os níveis séricos e urinários de ácido úrico, atingindo
indivíduos que recebem tratamento com agentes citolíticos para doen-
cerca de 50% na presença de níveis séricos de urato de 770 μmol/L (13 mg/ ças neoplásicas, os quais são tratados com agentes hipouricemiantes
dL) ou excreção urinária de ácido úrico > 6,5 mmol/dia (1.100 mg/dia). em um esforço para prevenir a nefropatia por ácido úrico. Como a hipe-
Os cálculos de ácido úrico podem surgir em indivíduos sem evidência ruricemia pode ser um componente da síndrome metabólica, sua pre-
de artrite, dos quais apenas 20% apresentam hiperuricemia. O ácido úrico sença constitui uma indicação para a triagem e o tratamento agressivo
também pode desempenhar um papel em outros tipos de cálculo renal. Al- de qualquer obesidade, hiperlipidemia, diabetes melito ou hipertensão
guns indivíduos sem gota, mas com cálculos de oxalato de cálcio ou fosfato associados.
de sódio têm hiperuricemia ou hiperuricacidúria. O ácido úrico pode atuar As pessoas com hiperuricemia, em especial aquelas com níveis séricos
como núcleo sobre o qual o oxalato de cálcio pode precipitar, ou diminuir o de urato mais elevados, têm risco de desenvolver artrite gotosa. Entretanto,
a maioria dos indivíduos com hiperuricemia nunca desenvolve gota, e o tra-
produto de formação para a cristalização do oxalato de cálcio.
tamento profilático não está indicado. Além disso, nem a lesão renal estru-
Nefropatia por urato Algumas vezes denominada nefrose por urato, a tural nem os tofos são identificáveis antes do primeiro episódio. A redução
nefropatia por urato constitui manifestação tardia da gota grave que se da função renal não pode ser atribuída à hiperuricemia assintomática, e o
caracteriza, histologicamente, por depósitos de cristais de urato monossó- tratamento dessa hiperuricemia não altera a evolução da disfunção renal em
pacientes com doença renal. O aumento do risco de formação de cálculos
dico circundados por reação inflamatória de células gigantes no interstício
em indivíduos com hiperuricemia assintomática não foi estabelecido.
medular e nas pirâmides. Hoje, o distúrbio é raro, não podendo ser diag- Por conseguinte, como o tratamento com agentes anti-hiperuricê-
nosticado na ausência de artrite gotosa. As lesões podem ser clinicamente micos específicos acarreta inconveniências, custo e toxicidade potencial,
silenciosas ou causar proteinúria, hipertensão e insuficiência renal. o tratamento de rotina da hiperuricemia assintomática não se justifica,
exceto na prevenção da nefropatia por ácido úrico aguda. Além disso,
Nefropatia por ácido úrico Essa causa reversível da insuficiência renal
não se recomenda a triagem de rotina para a hiperuricemia assintomá-
aguda é decorrente da precipitação do ácido úrico nos túbulos renais e tica. Entretanto, se for estabelecido o diagnóstico de hiperuricemia, será
nos ductos coletores, causando a obstrução do fluxo de urina. A nefropa- preciso determinar a causa. Os fatores causais deverão ser corrigidos se
tia por ácido úrico desenvolve-se após a súbita superprodução de urato e a afecção for secundária, devendo-se tratar os problemas associados,
hiperuricacidúria pronunciada. Os fatores que favorecem a formação de como hipertensão, hipercolesterolemia, diabetes melito e obesidade.
cristais de ácido úrico incluem a desidratação e a acidose. Essa forma de
insuficiência renal aguda é observada com mais frequência durante a fase HIPERURICEMIA SINTOMÁTICA
“blástica” agressiva da leucemia ou do linfoma, antes da terapia citolítica Ver Capítulo 395 para o tratamento da gota, incluindo a nefrose por
ou concomitantemente com ela, mas também foi relatada em indivíduos urato.
com outras neoplasias, após crises epilépticas e exercício físico vigoroso Nefrolitíase Recomenda-se a terapia anti-hiperuricêmica para o indiví-
com estresse térmico. Os exames de necropsia demonstram precipitados duo que apresenta artrite gotosa e cálculos contendo ácido úrico ou cál-
intraluminais de ácido úrico, dilatação dos túbulos proximais e gloméru- cio, os quais podem ocorrer em associação com a hiperuricacidúria. Inde-
los proximais. Acredita-se que os eventos patogênicos iniciais consistam pendentemente da natureza dos cálculos, a ingestão de líquido deve ser
na obstrução dos ductos coletores com ácido úrico e na obstrução da vas- suficiente para produzir um volume diário de urina > 2 L. A alcalinização
culatura renal distal. da urina com bicarbonato de sódio ou acetazolamida pode ser justificada

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para aumentar a solubilidade do ácido úrico. O tratamento específico dos A maioria dos casos de hipouricemia resulta do aumento da excre- 431e-5
cálculos de ácido úrico exige a redução das concentrações urinárias de ção renal de ácido úrico. O achado de quantidades normais de ácido úrico
ácido úrico com um inibidor da xantina-oxidase, como o alopurinol ou o em uma amostra de urina de 24 horas de um indivíduo com hipouricemia
febuxostate.* Esses agentes diminuem a concentração sérica de urato e a fornece uma evidência de causa renal. As medicações com propriedades
excreção urinária de ácido úrico nas primeiras 24 horas, com redução má-
uricosúricas (Quadro 431e.1) incluem ácido acetilsalicílico (em doses
xima em duas semanas. O alopurinol pode ser administrado uma vez ao
dia devido à meia-vida longa (18 horas) de seu metabólito ativo, o oxipu- > 2,0 g/dia), losartana, fenofibrato, meios de contraste radiológicos e gli-
rinol. Nos estudos com o febuxostate, a dose geralmente recomendada cerila guaiacolato. A hiperalimentação parenteral total também pode cau-
de alopurinol (300 mg/dia) foi efetiva para obter uma concentração séri- sar hipouricemia, possivelmente em consequência do elevado conteúdo
ca alvo de urato abaixo de 6,0 mg/dL (357 μmol/L) em < 50% dos pacien- de glicina da fórmula de infusão. Outras causas do aumento da depuração
tes; esse resultado sugeriu que devem ser consideradas doses maiores. de urato consistem em afecções, como doença neoplásica, cirrose hepá-
O fármaco mostra-se efetivo para os pacientes com insuficiência renal, tica, diabetes melito e secreção inapropriada de vasopressina; defeitos
porém a dose deve ser reduzida. O alopurinol também é útil para reduzir no transporte tubular renal, como síndrome de Fanconi primária e sín-
a recidiva dos cálculos de oxalato de cálcio em pacientes com gota e em dromes de Fanconi causadas por doença de Wilson, cistinose, mieloma
indivíduos sem gota que apresentam hiperuricemia ou hiperuricacidúria.
múltiplo e intoxicação por metais pesados, e defeitos congênitos isolados
O febuxostate (40-80 mg/dia) também é administrado uma vez ao dia, e
não há necessidade de ajustar as doses na presença de disfunção renal
no transporte bidirecional do ácido úrico. A hipouricemia pode ser um
leve a moderada. O citrato de potássio (30-80 mmol/dia por via oral em distúrbio familiar que em geral é herdado como caráter autossômico re-
doses fracionadas) fornece um tratamento alternativo para os pacientes cessivo. A maioria dos casos resulta de uma mutação com perda de fun-
com cálculos de ácido úrico apenas ou com cálculos mistos de cálcio/ ção do SLC22A12, o gene que codifica o URAT-1, com consequente au-
ácido úrico. Indica-se também um inibidor da xantina-oxidase para o tra- mento da depuração renal de urato. Os indivíduos com SLC22A12 normal
tamento dos cálculos renais de 2,8-di-hidroxiadenina.1 mais provavelmente apresentam um defeito em outros transportadores
Nefropatia por ácido úrico Tal nefropatia com frequência é passível de do urato. Embora a hipouricemia em geral seja assintomática, alguns pa-
cientes apresentam nefrolitíase por urato ou insuficiência renal induzida

CAPÍTULO 431e
prevenção, e o tratamento apropriado imediato reduz acentuadamente
a taxa de mortalidade. A hidratação por via intravenosa vigorosa e a diu- por exercício.
rese com furosemida diluem o ácido úrico nos túbulos e promovem um
fluxo urinário ≥ 100 mL/h. A administração de acetazolamida, 240 a 500 ERROS INATOS SELECIONADOS DO METABOLISMO DE PURINAS E
mg a cada 6 a 8 horas, e bicarbonato de sódio, 89 mmol/L por via intrave- PIRIMIDINAS
nosa, aumenta a alcalinidade da urina e, portanto, solubiliza mais ácido (Ver também Quadros 431e.3 e 431e.4 e Figs. 431e.3 e 431e.4.) Mais de
úrico. É importante assegurar que o pH urinário permaneça > 7,0 e inves- 30 defeitos nas vias metabólicas humanas de purina e pirimidina foram
tigar a ocorrência de sobrecarga circulatória. Além disso, o tratamento
identificados até o momento. Muitos desses defeitos são benignos, porém
anti-hiperuricêmico na forma de alopurinol, em dose única de 8 mg/kg,
deve ser administrado para reduzir a quantidade de urato que alcança os
cerca da metade está associada a manifestações clínicas, e alguns causam

Distúrbios do metabolismo das purinas e das pirimidinas


rins. Se a insuficiência renal persistir, as doses diárias subsequentes deve- morbidade e mortalidade significativas. Os avanços na genética, bem
rão ser reduzidas para 100 a 200 mg, visto que o oxipurinol, o metabólito como na cromatografia líquida de alto desempenho e na espectrometria
ativo do alopurinol, acumula-se na insuficiência renal. Apesar dessas me- de massa em tandem, facilitaram o diagnóstico.
didas, a hemodiálise pode ser necessária. A urato-oxidase também pode
ser administrada por via intravenosa na prevenção ou no tratamento da DISTÚRBIOS DAS PURINAS
síndrome de lise tumoral. Deficiência de hipoxantina fosforribosiltransferase O gene HPRT está
localizado no cromossomo X. Os homens afetados são hemizigotos para
o gene mutante; as mulheres portadoras são assintomáticas. A deficiência
HIPOURICEMIA completa de HPRT, conhecida como síndrome de Lesch-Nyhan, caracte-
A hipouricemia, definida por uma concentração sérica de urato inferior riza-se por hiperuricemia, comportamento automutilante, coreoatetose,
a 120 μmol/L (< 2,0 mg/dL), pode resultar da diminuição na produção espasticidade e deficiência intelectual. A deficiência parcial de HPRT, a
de urato, do aumento da excreção de ácido úrico ou da combinação de síndrome de Kelley-Seegmiller, está associada à hiperuricemia, mas não
ambos os mecanismos. Isso ocorre em < 0,2% da população geral e em exibe manifestações do sistema nervoso central. Em ambos os distúrbios,
< 0,8% dos indivíduos hospitalizados. A hipouricemia não causa sinto- a hiperuricemia resulta da produção excessiva de urato, podendo causar
mas nem patologia e, por isso, não requer tratamento. cristalúria de ácido úrico, nefrolitíase, uropatia obstrutiva e artrite gotosa.
O diagnóstico precoce e o tratamento apropriado com alopurinol podem
evitar ou eliminar todos os problemas atribuíveis à hiperuricemia sem
*N. de R.T. Ainda não disponível no Brasil. afetar as anormalidades neurológicas ou do comportamento.

QUADRO 431e.4 ERROS INATOS DO METABOLISMO DAS PIRIMIDINAS


Enzima Atividade Herança Características clínicas Características laboratoriais
Uridina 5′-monofosfato-sintetase Deficiência Autossômica recessiva Cristalúria do ácido orótico; uropatia Acidúria orótica
obstrutiva, anemia megaloblástica
hipocrômica
Pirimidina 5′-nucleotidase Deficiência Autossômica recessiva Anemia hemolítica Pontilhado basófilo dos eritrócitos;
níveis elevados de ribonucleotídeos da
citidina e da uridina
Pirimidina 5′-nucleotidase Hiperatividade Não definida Atraso do desenvolvimento, convul- Hipouricosúria
sões, ataxia, déficit de linguagem
Timidina-fosforilase Deficiência Autossômica recessiva Encefalopatia neurogastrintestinal Hipouricosúria
mitocondrial
Di-hidropirimidina-desidrogenase Deficiência Autossômica recessiva Convulsões, atraso motor e deficiên- Níveis elevados de uracila, timina e
cia intelectual 5-hidroximetiluracil e níveis baixos de
di-hidropirimidinas na urina
Di-hidropirimidinase Deficiência Não definida Convulsões, deficiência intelectual Di-hidropirimidinúria
Ureidopropionase Deficiência Não definida Hipotonia, distonia, atraso do de- Excreção urinária elevada de
senvolvimento N-carbamil-β-alanina e ácido
N-carbamil-β-aminoisobutírico

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431e-6 DISTÚRBIOS DAS PIRIMIDINAS
Carbamilfosfato A pirimidina citidina é encontrada no DNA e no RNA; constitui um
+
DNA RNA Ácido aspártico RNA ou DNA par de base complementar para a guanina. A timidina é encontrada
apenas no DNA, onde forma um par com a adenina. A uridina é
encontrada somente no RNA e pode formar um par com a adenina
ou a guanina nas estruturas secundárias do RNA. As pirimidinas
TTP UTP Ácido orótico CTP ou dCTP
podem ser sintetizadas por uma via original (Fig. 431e.4) ou reu-
4 tilizadas em uma via de recuperação. Embora mais de 25 enzimas
3 diferentes participem do metabolismo das pirimidinas, os distúr-
dTMP dUMP UDP UMP CMP bios dessas vias são raros. Foram descobertos sete distúrbios do
5 5 metabolismo das pirimidinas (Quadro 431e.4), três dos quais são
1
Uridina Citidina
discutidos adiante.
Timidina
Acidúria orótica A acidúria orótica hereditária é causada por
Uracil mutações em uma enzima bifuncional, a uridina 5′-monofosfato
Timina 2 (UMP) sintase, que converte o ácido orótico em UMP na via de sín-
2 tese original (Fig. 431e.4). O distúrbio caracteriza-se por anemia
megaloblástica hipocrômica que não responde à vitamina B12 nem
β-alanina ao ácido fólico, atraso do crescimento e anormalidades neurológi-
Ácido β-aminoisobutírico
cas. A excreção aumentada de ácido orótico provoca cristalúria e
uropatia obstrutiva. A reposição de uridina (100-200 mg/kg/dia)
corrige a anemia, reduz a excreção de ácido orótico e melhora as
FIGURA 431e.4 Esquema abreviado do metabolismo das pirimidinas. (1)
outras sequelas do distúrbio.
Timidina-quinase, (2) di-hidropirimidina-desidrogenase, (3) timidilato-
PARTE 16

-sintase, (4) UMP-sintase, (5) 5′-nucleotidase. CMP, citidina 5′-monofosfato; Deficiência de pirimidina 5′-nucleotidase A pirimidina 5´-nu-
UMP, uridina 5′-monofosfato; UDP, uridina 5′-difosfato; dUMP, desoxiuridi- cleotidase catalisa a remoção do grupo fosfato dos monofosfatos
na 5′-monofosfato; dTMP, desoxitimidina 5′-monofosfato; UTP, trifosfato dos ribonucleosídeos pirimidínicos (citidina 5´-monofosfato ou
de uridina; TTP, trifosfato de timidina. UMP) (Fig. 431e.4). A deficiência hereditária dessa enzima pro-
voca anemia hemolítica com pontilhado basófilo proeminente nos
Aumento da atividade da fosforribosilpirofosfato-sintetase A exemplo eritrócitos. Acredita-se que a hemólise seja induzida pelo acúmulo
dos estados de deficiência de HPRT, a hiperatividade da PRPP-sintetase é de pirimidinas ou de difosfato de citidina colina. Não há tratamento espe-
Endocrinologia e metabolismo

ligada ao cromossomo X, resultando em artrite gotosa e nefrolitíase por cífico. Relatou-se a deficiência adquirida de pirimidina 5´-nucleotidase
ácido úrico. Em algumas famílias, ocorre surdez neurossensorial. na intoxicação por chumbo e na talassemia.
Deficiência de adenina fosforribosiltransferase (APRT) A deficiência de Deficiência de di-hidropirimidina desidrogenase A di-hidropirimidina
APRT é herdada de modo autossômico recessivo. Os indivíduos acometi- desidrogenase é a enzima limitadora da velocidade na via de degrada-
dos apresentam cálculos renais compostos de 2,8-di-hidroxiadenina. Os ção da uracila e da timina (Fig. 431e.4). A deficiência dessa enzima
indivíduos brancos com o distúrbio apresentam deficiência total (tipo I), provoca excreção urinária excessiva de uracila e timina. Além disso, essa
enquanto os japoneses exibem alguma atividade enzimática mensurável deficiência causa disfunção cerebral inespecífica com distúrbios convul-
(tipo II). A expressão do defeito é semelhante nas duas populações, assim sivos, atraso motor e deficiência intelectual. Não há tratamento específico
como a frequência do estado heterozigoto (0,4-1,1 por 100). O tratamento disponível.
com alopurinol evita a formação de cálculos.
Efeitos dos fármacos sobre o metabolismo das pirimidinas Diversos
Xantinúria hereditária A deficiência de xantina-oxidase faz toda a puri- medicamentos podem influenciar o metabolismo das pirimidinas. Os
na na urina ocorrer na forma de hipoxantina e xantina. Cerca de dois ter- agentes antineoplásicos fluorodesoxiuridina e 5-fluoruracila, bem como
ços dos indivíduos deficientes são assintomáticos. No restante, ocorrem o agente antimicrobiano fluorocitosina, causam citotoxicidade quando
cálculos renais compostos de xantina. convertidos em fluorodesoxiuridilato, um inibidor suicida específico da
Deficiência de mioadenilato desaminase Descreveram-se as formas timidilato-sintase. A fluorocitosina deve ser convertida em 5-fluoruracila
primária (hereditária) e secundária (adquirida) da deficiência de mio- para ser eficaz. Essa conversão é catalisada pela atividade da citosina-
adenilato desaminase. A forma primária é herdada como um caráter -desaminase. A ação da fluorocitosina é seletiva devido à presença da
autossômico recessivo. Clinicamente, alguns pacientes apresentam sin- citosina-desaminase nas bactérias e nos fungos, mas não nas células hu-
tomas miopáticos relativamente leves com o exercício ou outros fatores manas. A di-hidropirimidina desidrogenase está envolvida na degrada-
desencadeantes, mas a maioria dos indivíduos com esse defeito é as- ção da 5-fluoruracila. Em consequência, a deficiência dessa enzima está
sintomática. Por conseguinte, deve-se investigar outra explicação para associada à neurotoxicidade da 5-fluoruracila.
a miopatia observada nos pacientes sintomáticos com essa deficiência. A leflunomida, que é usada para tratar a artrite reumatoide, inibe a
A deficiência adquirida ocorre em associação a uma ampla variedade síntese original de pirimidina por meio da inibição da di-hidro-orotato
de doenças neuromusculares, como distrofias musculares, neuropatias, desidrogenase, resultando em um efeito antiproliferativo sobre as células
miopatias inflamatórias e doenças vasculares do colágeno. T. O alopurinol, que inibe a xantina-oxidase na via metabólica das pu-
rinas, também inibe a atividade da orotidina 5′-fosfato-descarboxilase,
Deficiência de adenilossuccinato-liase A deficiência dessa enzima deve- uma etapa na síntese de UMP. Consequentemente, o alopurinol está as-
-se a um caráter autossômico recessivo e provoca acentuado atraso psico- sociado com excreção aumentada de orotidina e ácido orótico. Não há
motor, convulsões e outros distúrbios do movimento. Todos os indivíduos efeitos clínicos conhecidos por essa inibição.
com tal deficiência apresentam deficiência intelectual, e a maioria é autista.
Deficiência de adenosina desaminase e deficiência de fosforilase dos nu-
cleosídeos das purinas Ver Capítulo 374.

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