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Propriedades mecânicas relacionadas com o volume–Estática A Figu- 306e-1

306e D
Distúrbios da função
rrespiratória
Edward T. Naureckas, Julian Solway
Ed
ra 306e.1 mostra as propriedades de cada componente do sistema res-
piratório relacionadas com o volume. Em razão da tensão superficial na
interface ar-líquido entre revestimento líquido da parede alveolar e gás
alveolar, e em razão do próprio recolhimento elástico pulmonar, há ne-
cessidade de gradiente pressórico transmural positivo entre gás alveolar e
As principais
A pri
rinc
ri n ipais funções do sist
sistema respiratório – oxigenar o sangue e eli- superfície pleural para que o pulmão se mantenha inflado; essa diferença
mina
minarar dióxido de carbono – requerem contato virtual entre sangue e ar é denominada pressão de recolhimento elástico do pulmão e aumenta com
fresco
c o que facilita a difusão
fresco, difusã dos gases da respiração entre sangue e ar o volume pulmonar. Com o aumento de volume, o pulmão se torna bas-
ambiente. Esse processo ocorre nos alvéolos pulmonares, onde o sangue tante rígido, de forma que alterações relativamente pequenas no volume
fluindo pelos capilares na parede alveolar fica separado dos gases alveo- são acompanhadas por grandes variações na pressão transpulmonar; por
lares por uma fina membrana formada por células endoteliais e epiteliais outro lado, a grande complacência pulmonar é maior com volumes me-
achatadas por meio da qual os gases se difundem até atingir o equilíbrio. nores, incluindo aqueles nos quais a ventilação corrente costuma ocorrer.
O fluxo de sangue para os pulmões é unidirecional, passando por uma Com pressão de insuflação zero, até pulmões normais retêm algum volu-
via vascular contínua ao longo da qual o sangue venoso absorve oxigênio me de ar nos alvéolos, porque as pequenas vias respiratórias periféricas
e libera CO2 para o ar inspirado. Por outro lado, as vias de passagem de do pulmão são mantidas abertas por pressão radial centrífuga produzida
ar chegam a um ponto sem saída nas paredes alveolares; dessa forma, o por parênquima pulmonar insuflado fixado à adventícia; à medida que o
espaço alveolar deve ser ventilado correntemente, com influxo de ar fres- pulmão desinfla durante a expiração, aquelas pequenas vias respiratórias
co e efluxo de gás alveolar alternando-se de maneira periódica segundo são tracionadas e mantidas abertas em grau progressivamente menor até
a frequência respiratória (FR). Para atingir a enorme área de superfície que por fim se fecham, aprisionando algum volume de gás nos alvéolos.
2
alveolar (em geral 70 m ) para difusão sangue/ar dentro do discreto volu- Esse efeito pode ser aumentado com a idade e em especial nas doenças

CAPÍTULO 306e
me da cavidade torácica (normalmente 7 L), a natureza distribuiu o fluxo pulmonares obstrutivas crônicas, resultando em aprisionamento de gran-
de sangue e a ventilação entre milhões de mínimos alvéolos por meio das des volumes nos pulmões.
múltiplas ramificações de artérias pulmonares e brônquios. Como con- O comportamento elástico da parede torácica passiva (i.e., sem
sequência de variações em comprimento e calibre ao longo dessas vias, ativação neuromuscular) difere acentuadamente do observado nos pul-
efeitos da gravidade, de flutuações nas pressões correntes e das restrições mões. Enquanto o pulmão tende à deflação plena quando não há pressão
anatômicas da parede torácica, observam-se variações entre alvéolos no de distensão (transmural), a parede torácica mantém grande volume
que se refere às suas ventilação e perfusão relativas. Não é surpreendente quando a pressão pleural se iguala à pressão (atmosférica) na superfície
que, para eficiência máxima na troca gasosa, a ventilação de um dado do corpo. Além disso, a parede torácica mostra-se mais complacente com
alvéolo deva corresponder à sua perfusão. maiores volumes encerrados, expandindo-se rapidamente em resposta a

Distúrbios da função respiratória


Para que o sistema respiratório seja bem-sucedido na oxigenação do aumentos na pressão transmural. A parede torácica se mantém compla-
sangue e na eliminação de CO2, é necessário que haja ventilação corrente cente com pressões transmurais negativas (i.e., quando a pressão pleural
e, consequentemente, renovação do ar alveolar; perfusão de cada alvéolo cai um pouco abaixo da pressão atmosférica), mas à medida que o vo-
em proporção à sua ventilação; e difusão adequada dos gases entre o ar al- lume contido pela parede torácica se torna muito pequeno em resposta
veolar e o sangue capilar. Além disso, o sistema deve ser capaz de se adap- a grandes pressões transmurais negativas, a parede torácica passiva se
tar a grandes aumentos na demanda por oxigênio ou por eliminação de torna bastante rígida devido à aproximação de costelas e músculos in-
CO2 impostos por necessidades metabólicas ou por desequilíbrio acido- tercostais, extensão do diafragma, deslocamento do conteúdo abdominal
básico. Considerada a multiplicidade de necessidades para sua operação e estiramento de ligamentos de articulações ósseas. Sob circunstâncias
normal, não surpreende que muitas doenças possam perturbar a função normais, o pulmão e a parede torácica passiva contêm essencialmente
respiratória. O presente capítulo considera com alguns detalhes os deter- o mesmo volume, diferindo apenas nos volumes de líquido pleural e do
minantes fisiológicos para ventilação e perfusão pulmonares, esclarece parênquima pulmonar (ambos muito pequenos). Por esse motivo, e con-
como a distribuição equilibrada desses processos e a rápida difusão dos siderando que pulmão e parede torácica funcionam em sequência me-
gases permitem a troca gasosa normal, e discute como doenças comuns cânica, a pressão necessária para deslocar o sistema respiratório passivo
podem perturbar algumas dessas funções e, assim, alterar a troca gasosa (pulmões mais parede torácica) em qualquer dado volume é simplesmen-
– ou, ao menos, aumentar o esforço necessário pela musculatura respi- te a soma da pressão de recolhimento elástico dos pulmões com a pressão
ratória ou pelo coração, para manter uma função respiratória adequada. transmural pela parede torácica. Quando relacionada com os diferentes
volumes do sistema respiratório, a função adquire um traçado sigmoide,
VENTILAÇÃO revelando rigidez quando é alto o volume pulmonar (transmitida pelos
É útil pensar no sistema respiratório como se fosse formado por três com- pulmões), rigidez quando é baixo o volume pulmonar (transmitida pela
ponentes funcionais independentes – os pulmões, incluindo as vias res- parede torácica ou, algumas vezes, por fechamento da passagem aérea) e
piratórias, o sistema neuromuscular e a
parede torácica, que inclui tudo aquilo Volume
que não é pulmão ou sistema neuromus-
cular ativo. Sendo assim, a massa de CPT
músculos respiratórios é parte da pare-
de torácica, enquanto a força que esses
Sistema respiratório
músculos geram é parte do sistema neu- passivo Músculos inspiratórios
romuscular; o abdome (especialmente CRF
Músculos expiratórios Parede
em obesos) e o coração (sobretudo o torácica Pulmões
coração aumentado), nessa concepção,
fazem parte do componente parede to- VR
rácica. Cada um desses três componen-
tes apresenta propriedades mecânicas
–80 –60 –40 –20 0 20 40 60 80
relacionadas com seu volume intrínseco
Pressão (cmH2O)
(ou – no caso do sistema neuromuscular
– com o volume do sistema respiratório FIGURA 306e.1 Curvas de pressão-volume de pulmão isolado, parede torácica isolada, sistema res-
em que está operando) e com a taxa de piratório combinado, músculos inspiratórios e músculos expiratórios. CPT, capacidade pulmonar
alteração no seu volume (i.e., o fluxo). total; CRF, capacidade residual funcional; VR, volume residual.

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306e-2
Área luminal

Capacidade
Volume Capacidade pulmonar
corrente vital total

Volume de
reserva
Capacidade expiratória
residual
funcional
Volume _
residual Pressão transmural +

FIGURA 306e.3 Função comparando área luminal e pressão trans-


FIGURA 306e.2 Espirometria demonstrando manobra de capacida- mural. A pressão transmural representa a diferença de pressão inter-
de vital lenta e diversos volumes pulmonares. na e externa por meio da parede das vias respiratórias.

complacência nos volumes pulmonares médios. Ademais, há um ponto normais (Rvr normalmente <2 cmH2O/L por segundo). Contudo, durante
de repouso passivo do sistema respiratório, obtido quando a pressão dos exalações aceleradas, outro fenômeno reduz o fluxo abaixo daquele es-
gases alveolares se iguala à pressão na superfície corporal (i.e., a pressão perado caso a resistência friccional fosse o único impedimento ao fluxo.
transrespiratória no sistema é zero). Neste volume (denominado capa- Esse fenômeno é denominado limitação dinâmica ao fluxo de ar e ocorre
cidade residual funcional [CRF]), o recolhimento elástico (para fora) da porque os brônquios por meio dos quais o ar é exalado são colapsáveis e
parede torácica é contrabalançado exatamente pelo recolhimento elástico não rígidos (Fig. 306e.3). Uma característica anatômica importante das
(para dentro) dos pulmões. À medida que esses recolhimentos elásticos vias respiratórias pulmonares é sua estrutura em árvore. Como as vias
respiratórias a cada geração sucessiva, desde a mais proximal (traqueia)
PARTE 11

são transmitidos pelo líquido pleural, o pulmão é tracionado simultanea-


mente para fora e para dentro no momento de CRF e, assim, sua pressão até a mais distal (bronquíolos respiratórios), são menores do que aquelas
cai abaixo da pressão atmosférica (em geral, −5 cmH2O). que as antecedem, seu número aumenta exponencialmente de forma que
O sistema respiratório passivo normal se equilibraria na CRF e as- a soma de sua área de superfície aumenta muito em direção à periferia
sim se manteria não fosse a ação dos músculos respiratórios. Os músculos pulmonar. Como o fluxo (volume/tempo) é constante ao longo da árvore
inspiratórios atuam sobre a parede torácica para gerar pressão positiva respiratória, a velocidade do fluxo (fluxo/área de superfície resultante) é
equivalente sobre pulmões e parede torácica passiva, enquanto os mús- muito maior nas vias centrais do que nas periféricas. Durante a expira-
culos expiratórios geram pressão transrespiratória negativa equivalente. ção, o gás que deixa os alvéolos precisa ganhar velocidade à medida que
Distúrbios do sistema respiratório

A pressão máxima que esse conjunto de músculos é capaz de gerar varia avança em direção à boca. A energia necessária para essa aceleração “con-
com o volume pulmonar em que estejam operando. Essa variação decorre vectiva” é retirada do componente energético gasoso manifesto na forma
das relações comprimento-tensão nos sarcômeros dos músculos estria- de pressão local, o que resulta em redução da pressão intraluminal do gás,
dos e das alterações na vantagem mecânica à medida que se alteram os redução da pressão transmural nas vias respiratórias, redução no tama-
ângulos de inserção com a mudança do volume pulmonar (Fig. 306e.1). nho das vias respiratórias (Fig. 306e.3) e redução do fluxo. Trata-se do
De qualquer forma, sob condições normais, os músculos respiratórios são efeito de Bernoulli, o mesmo que mantém voando o avião, gerando uma
“superdimensionados” para o seu papel e geram força mais que suficiente força de sustentação ao reduzir a pressão acima da superfície superior
para levar o sistema respiratório aos seus extremos de rigidez, determi- curva da asa em razão da aceleração do ar que flui sobre ela. Quando um
nados pelos pulmões (capacidade pulmonar total [CPT]) ou por parede indivíduo tenta expirar com mais força, a velocidade local aumenta, as-
torácica ou fechamento da passagem aérea (volume residual [VR]); o sim como é reduzido o tamanho das vias respiratórias, resultando em au-
volume residual sempre evita que o pulmão de adultos se esvazie com- mento zero no fluxo. Nessas circunstâncias o fluxo terá atingido seu valor
pletamente em circunstâncias normais. A variação entre o pulmão total máximo possível, ou fluxo limite. Os pulmões normalmente apresentam
e minimamente insuflado é chamada capacidade vital (CV; Fig. 306e.2) esse limite dinâmico ao fluxo de ar. Tal limitação pode ser avaliada com a
e representa a diferença entre os volumes de dois extremos não relacio- espirometria, na qual o indivíduo inala até a CPT e em seguida exala com
nados de rigidez – um determinado pelo pulmão (CPT) e o outro pela força até o VR. Um parâmetro útil obtido com a espirometria é o volu-
parede torácica ou pelas vias respiratórias (VR). Assim, embora a CV seja me de ar expirado no primeiro segundo (VEF1), como discutido adiante.
facilmente mensurada (ver adiante), ela pouco diz sobre as propriedades O fluxo expiratório máximo a cada volume pulmonar é determinado por
intrínsecas do sistema respiratório. Como ficará claro, é muito mais útil densidade do gás, área e distensibilidade das vias respiratórias, pressão
para o médico considerar a CPT e o VR individualmente. de recolhimento elástico dos pulmões e perda de pressão friccional em
função do limite de fluxo local das vias respiratórias. Em condições nor-
Propriedades mecânicas relacionadas com o fluxo–Dinâmica A parede mais, o fluxo expiratório máximo é reduzido com o volume pulmonar
torácica passiva e o sistema neuromuscular ativo apresentam comporta- (Fig. 306e.4) em função principalmente da dependência da pressão de
mentos mecânicos relacionados com a frequência de alteração dos volu- recolhimento elástico do volume pulmonar (Fig. 306e.1). Nos casos com
mes, mas tais comportamentos se tornam quantitativamente relevantes fibrose pulmonar, a pressão de recolhimento pulmonar aumenta com o
apenas com frequências respiratórias acentuadamente acima das fisioló- volume pulmonar e, assim, o fluxo expiratório máximo encontra-se ele-
gicas (p. ex., durante ventilação mecânica de alta frequência) e, assim, vado quando considerado em relação ao volume pulmonar. Por outro
não são abordados aqui. Por outro lado, as propriedades dinâmicas dos lado, no enfisema, a pressão de recolhimento pulmonar está reduzida;
pulmões afetam substancialmente tal capacidade de ventilar e contri- tal redução é o principal mecanismo a responder pela queda no fluxo
buem de modo decisivo para o trabalho respiratório, e essas propriedades expiratório máximo. As doenças que estreitam as vias respiratórias com
muitas vezes são perturbadas por doenças. Portanto, é importante conhe- qualquer pressão transmural (p. ex., asma ou bronquite crônica) ou que
cer as propriedades dinâmicas do fluxo de ar. causam capacidade excessiva de colapso das vias respiratórias (p. ex., tra-
Como ocorre com o fluxo de qualquer fluido (gás ou líquido) por queomalácia) também reduzem o fluxo expiratório máximo.
qualquer tubo, a manutenção do fluxo de ar pelas vias respiratórias re- O efeito Bernoulli também se aplica à inspiração, mas quanto mais
quer um gradiente de pressão negativo na direção do fluxo, cujo grau negativa for a pressão pleural durante a inspiração, menor será a pressão
é determinado pela velocidade do fluxo e pela resistência friccional ao fora das vias respiratórias, o que leva a aumento da pressão transmural e
fluxo. Durante respiração corrente calma, os gradientes pressóricos a promove a expansão da passagem de ar. Assim, raramente há limitação
determinar o fluxo inspiratório ou expiratório são pequenos em razão do fluxo inspiratório de ar em razão de doença difusa das vias respirató-
da resistência friccional muito baixa produzida pelas vias respiratórias rias. Por outro lado, o estreitamento extratorácico das vias respiratórias

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A B C Ao final de cada expiração de volume 306e-3
Expiratório corrente, as vias de condução aérea estão re-

Expiratório

Expiratório
pletas de gás alveolar que não chegou à boca
ao final do fluxo expiratório. Durante a ina-
lação subsequente, ar fresco entra imediata-
CPT CPT mente na árvore respiratória, mas o gás que
Inspiratório Fluxo

Inspiratório Fluxo

Inspiratório Fluxo
CPT
penetra primeiro nos alvéolos no início da
VR Volume VR Volume VR Volume inalação é o mesmo gás que se encontrava
nos condutos respiratórios e que acabara
de deixar os alvéolos na respiração anterior.
Como consequência, não há entrada de gás
← Volume crescente ← Volume crescente ← Volume crescente fresco nos alvéolos até que se tenha inspira-
do um volume igual ao das vias respirató-
FIGURA 306e.4 Curvas fluxo-volume. A. Normal. B. Obstrução das vias respiratórias. C. Obstrução
rias. Esse volume é chamado espaço morto
central fixa das vias respiratórias. CPT, capacidade pulmonar total; VR, volume residual.
anatômico (VD). A respiração calma com vo-
lumes correntes inferiores ao espaço morto
(p. ex., causado por adenoma traqueal ou por estenose pós-traqueosto- anatômico não introduz ar fresco nos alvéolos; apenas a parte do volume
mia) pode levar a limitações do fluxo de ar inspirado (Fig. 306e.4). corrente inspirado (Vc) que é maior que o espaço morto (VD) introduz ar
fresco nos alvéolos. O espaço morto pode ser aumentado funcionalmente
O trabalho da ventilação No indivíduo sadio, as cargas elásticas (rela-
se parte do volume corrente inspirado for desviado para uma região do
cionadas com a variação de volume) e dinâmicas (relacionadas com o flu-
pulmão que não esteja recebendo fluxo sanguíneo e, consequentemente,
xo) que devem ser superadas para que seja possível ventilar os pulmões
não possa contribuir para a troca gasosa (p. ex., nos segmentos pulmona-

CAPÍTULO 306e
são muito pequenas, e o trabalho dos músculos respiratórios é mínimo.
res distais a um grande êmbolo pulmonar). Nessa situação, a ventilação
Entretanto, o trabalho respiratório pode aumentar de maneira conside-
minuto exalada (2E = Vc × FR) inclui um componente da ventilação do es-
rável em função de demanda metabólica por aumento substancial na
paço morto (2D = VD × FR) e um componente de ventilação alveolar com
ventilação, por aumento anormal da carga mecânica, ou ambos. Como
ar fresco (2A = [Vc – VD] × FR). A eliminação de CO2 dos alvéolos é igual a
discutido adiante, a taxa de ventilação é determinada principalmente pela
2A vezes a diferença na fração de CO2 entre o ar inspirado (essencialmen-
necessidade de eliminar dióxido de carbono e, sendo assim, a ventilação
te zero) e o gás alveolar (normalmente cerca de 5,6% após correção para
aumenta durante exercício (algumas vezes mais de 20 vezes) e durante
umidificação do ar inspirado, correspondendo a 40 mmHg). No estado
acidose metabólica como resposta compensatória. Naturalmente, a taxa
de equilíbrio, a fração alveolar de CO2 é igual à produção metabólica de

Distúrbios da função respiratória


de trabalho necessária para vencer a elasticidade do sistema respiratório
CO2 dividida pela ventilação alveolar. Como, conforme discutido adiante,
aumenta, tanto com a profundidade quanto com a frequência das res-
as tensões alveolar e arterial de CO2 são iguais e como o controlador da
pirações correntes, enquanto o trabalho necessário para vencer a carga
respiração normalmente tenta manter a PCO2 arterial (PaCO2) em cerca de
dinâmica aumenta com a ventilação total. Obtém-se aumento discreto da
40 mmHg, a adequabilidade da ventilação alveolar é refletida pela PaCO2.
ventilação com maior eficiência aumentando-se o volume corrente e não
Se a PaCO2 cair muito abaixo de 40 mmHg, há hiperventilação; se a PaCO2
a frequência respiratória, que é a resposta ventilatória normal ao aumento
ultrapassar 40 mmHg, o quadro é de hipoventilação. Caracteriza-se falên-
do nível de exercício. Com níveis altos de exercício, a respiração profunda
cia ventilatória quando há hipoventilação alveolar extrema.
persiste, mas a frequência respiratória também aumenta. O padrão esco-
Como consequência da captação de oxigênio alveolar pelos capila-
lhido pelo controlador da respiração reduz o trabalho ventilatório.
res sanguíneos, a pressão de oxigênio alveolar cai abaixo daquela do ar
O trabalho ventilatório também aumenta quando alguma doença
inspirado. A taxa de captação de oxigênio (determinada pelo consumo de
reduz a complacência do sistema respiratório ou aumenta a resistência ao
oxigênio com o metabolismo corporal) está relacionada à taxa média de
fluxo de ar. A primeira situação ocorre comumente nas doenças do parên-
produção metabólica de CO2, e a razão entre elas – o “quociente respira-
quima pulmonar (processos ou fibrose intersticiais, doenças com acome- tório” (R = 2CO2 /2O2 ) – depende em grande parte do combustível sendo
timento alveolar como edema pulmonar ou pneumonia, ou nos casos com metabolizado. Para a dieta norte-americana típica, R em geral fica em
ressecção extensa de pulmão), e a segunda, nas doenças pulmonares de torno de 0,85, e mais oxigênio é absorvido do que CO2 é excretado. Jun-
padrão obstrutivo, como asma, bronquite crônica, enfisema e fibrose císti- tos, esses fenômenos permitem estimar a tensão de oxigênio alveolar, de
ca. Além disso, a obstrução intensa do fluxo de ar pode reduzir funcional- acordo com a seguinte relação, conhecida como equação do gás alveolar:
mente a complacência do sistema respiratório produzindo hiperinsuflação
dinâmica. Nesse cenário, o fluxo expiratório retardado pela doença obs-
trutiva das vias respiratórias talvez seja insuficiente para exalação total na
fase expiratória do volume corrente; como resultado, a “capacidade resi- A equação do gás alveolar também ressalta as influências de fração de
dual funcional” a partir da qual ocorrerá a próxima inspiração será maior oxigênio inspirado (FiO2), pressão barométrica (Pbar) e pressão de vapor
que a CRF estática. Com a sequência de expirações incompletas a cada de água (PH2O = 47 mmHg a 37°C) além da ventilação alveolar (que de-
respiração do volume corrente, a CRF operante se torna dinamicamente fine a PaCO2) na determinação da PaO2. Uma das implicações da equação
elevada, algumas vezes a um ponto que a aproxima da CPT. Com esses do gás alveolar é que raramente ocorre hipoxemia arterial grave como
altos volumes pulmonares, o sistema respiratório é muito menos compla- consequência apenas de hipoventilação alveolar quando um indivíduo
cente do que com volumes normais e, assim, o trabalho elástico de cada está ao nível do mar e respirando ar ambiente. A possibilidade de a hipo-
respiração do volume corrente também fica aumentado. A hiperinsuflação ventilação alveolar causar hipoxemia grave em pulmões de outro modo
pulmonar dinâmica que acompanha obstruções graves ao fluxo de ar dei- normais aumenta à medida que a Pbar cai com aumento da altitude.
xa o paciente com dificuldade de inalar – mesmo que a causa raiz dessa
anormalidade fisiopatológica seja a obstrução ao fluxo de ar expiratório. TROCA GASOSA
Difusão Para que o oxigênio chegue aos tecidos periféricos, ele deve
Adequabilidade da ventilação Como dito antes, o sistema de controle passar do ar alveolar para o sangue capilar por difusão através da mem-
da respiração que estabelece a taxa de ventilação responde a sinais quími- brana alveolar. A membrana alveolar é altamente especializada para esse
cos, incluindo as pressões parciais arteriais de CO2 e de oxigênio e o pH processo, com grande superfície e espessura mínima. A difusão pela
do sangue, e às necessidades voluntárias, como respirar profundamente membrana alveolar é tão eficiente no pulmão humano que na maioria
antes de tocar o trompete. Os distúrbios da ventilação são discutidos no das situações a hemoglobina da hemácia já se encontra totalmente sa-
Cap. 318. O foco deste capítulo é a relação entre ventilação pulmonar e turada quando a célula passa por um terço da extensão do capilar alveo-
eliminação de CO2. lar. Portanto, a captação de oxigênio alveolar costuma ser limitada pela

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306e-4 quantidade de sangue que transita pelos capilares alveolares e não pela Além disso, a hipoxemia arterial resultante é refratária à suplementação
rapidez com que ocorre a difusão do oxigênio pela membrana; conse- de oxigênio no ar inspirado. Isso ocorre porque (1) o aumento da FiO2
quentemente, diz-se que a captação de oxigênio pelos pulmões é “limita- inspirada não produz qualquer efeito sobre a pressão de gás alveolar
da pela perfusão”. O CO2 também se difunde rapidamente pela membrana nos alvéolos não ventilados e (2) embora a elevação da FiO2 inspirada de
alveolar. Logo, a pressão de oxigênio e de CO2 no sangue capilar que deixa fato aumente a PaCO2 nos alvéolos ventilados, o conteúdo de oxigênio no
o alvéolo normal é essencialmente igual à observada no ar alveolar. Raras sangue que deixa as unidades ventiladas aumenta muito pouco, já que a
vezes (p. ex., em altitudes elevadas ou em atletas de alto desempenho em hemoglobina já terá sido quase totalmente saturada e a solubilidade do
esforço máximo) a captação de oxigênio em pulmões normais é limitada oxigênio no plasma é muito pequena.
pela difusão. Também é possível haver limitação por difusão em pacien- Mais comum do que os dois exemplos extremos apresentados é a
tes com doença intersticial pulmonar caso paredes alveolares muito es- ocorrência de ampliação na distribuição da relação ventilação/perfusão;
pessadas permaneçam sendo perfundidas. esse tipo de desequilíbrio na relação 2/1 é uma consequência comum
das doenças pulmonares. Nessa situação, a perfusão de alvéolos relativa-
Heterogeneidade na ventilação/perfusão Como assinalado antes, para
mente subventilados resulta em oxigenação parcial do sangue emergente.
que a troca de gases seja maximamente eficiente, a ventilação em cada
Quando misturado com o sangue bem oxigenado que deixa regiões com
alvéolo (entre os milhões de alvéolos) deve ser adequada à perfusão dos
maior relação 2/1, esse sangue parcialmente reoxigenado reduz a PaO2
seus capilares. Considerando os efeitos da gravidade sobre a mecânica
arterial, embora em menor extensão do que a produzida por uma fração
pulmonar e sobre o fluxo sanguíneo, distintos para as diversas áreas dos
de perfusão de sangue semelhante em caso de shunt. Além disso, dife-
pulmões, e considerando as diferenças na arquitetura vascular e das pas-
rentemente do que ocorre em regiões de shunt, a inalação de oxigênio
sagens aéreas nas diversas vias respiratórias, observa-se um discreto de-
suplementar aumenta a PaO2 mesmo em regiões subventiladas com baixa
sequilíbrio na relação ventilação/perfusão mesmo nos pulmões normais;
2/1 e, sendo assim, a hipoxemia arterial induzida por desequilíbrio na
contudo, o desequilíbrio 2/1 pode ser muito acentuado em algumas
2/1 caracteristicamente responde a oxigenoterapia (Fig. 306e.5).
doenças. Dois exemplos extremos são (1) ventilação de parênquima pul-
Em resumo, a hipoxemia arterial pode ser causada por uma redu-
monar distal a êmbolo pulmonar, na qual a ventilação do espaço morto
ção substancial na tensão de oxigênio no ar inspirado; por hipoventila-
PARTE 11

fisiológico é “desperdiçada” na medida em que não contribui para a troca


ção alveolar grave; por perfusão de regiões dos pulmões relativamente
gasosa; e (2) perfusão de pulmão não ventilado (um “shunt”) que permite
subventiladas (2/1 baixa) ou totalmente não ventiladas (shunt); e, em
a passagem de sangue venoso pelo pulmão inalterado. Quando misturado
situações raras, por limitação na difusão dos gases.
com o sangue plenamente oxigenado oriundo de outras unidades pul-
monares bem ventiladas, o sangue venoso desviado reduz de forma des- FISIOPATOLOGIA
proporcional a PaO2 do sangue arterial como resultado do conteúdo não Embora muitas doenças produzam lesão no sistema respiratório, esse
linear de oxigênio contra a relação da PO2 na hemoglobina (Fig. 306e.5). sistema tem relativamente poucas maneiras de reagir às lesões. Por esse
Distúrbios do sistema respiratório

FIO2 = 0,21 FIO2 = 1


Shunt

40 99 40 650
mmHg mmHg mmHg mmHg
40 mmHg 40 mmHg
40 mmHg (75%) 40 mmHg
(75%)
(75%) (75%)
40 mmHg 99 mmHg 40 mmHg 650 mmHg
(75%) (100%) (75%) (100%)

55 mmHg 56 mmHg
(87,5%) (88%)

. . FIO2 = 0,21 FIO2 = 1


V/Q
Heterogeneidade

40 99 200 650
mmHg mmHg mmHg mmHg
40 mmHg 40 mmHg
(75%) 40 mmHg (75%) 40 mmHg
(75%) (75%)
45 mmHg 99 mmHg 200 mmHg 650 mmHg
(79%) (100%) (100%)
(100%)

58 mmHg 350 mmHg


(89,5%) (100%)

FIGURA 306e.5 Variação da ventilação com ar versus oxigênio na oxigenação arterial mista em casos de shunt e desequilíbrio na relação ven-
tilação/perfusão. A pressão parcial de oxigênio (mmHg) e a saturação de oxigênio são apresentadas para sangue venoso misto, sangue capilar
final (alvéolos normais e afetados) e sangue arterial misto. , fração de oxigênio no ar inspirado; 2/1, ventilação/perfusão.

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Padrão restritivo Padrão restritivo Padrão restritivo Obstrução Obstrução 306e-5
causado por aumento causado por causado por fraqueza causada por causada por
do recolhimento anormalidade dos músculos constrição das uma redução do
elástico pulmonar na parede torácica respiratórios vias respiratórias recolhimento elástico
(fibrose pulmonar) (obesidade moderada) (miastenia gravis) (asma aguda) (enfisema grave)

CPT 60% 95% 75% 100% 130%


CRF 60% 65% 100% 104% 220%
VR 60% 100% 120% 120% 310%
CVF 60% 92% 60% 90% 60%
35% pré-b.d. 35% pré-b.d.
VEF1 75% 92% 60%
75% pós-b.d. 38% pós-b.d.
Rvr 1,0 1,0 1,0 2,5 1,5

DCO 60% 95% 80% 120% 40%

Fluxo

Fluxo
Fluxo

Fluxo
Fluxo

Volume Volume Volume Volume Volume

CAPÍTULO 306e
FIGURA 306e.6 Anormalidades comuns na função respiratória (ver texto). Os valores da função pulmonar são expressos em percentual dos
valores preditos, exceto para Rvr, que é expressa em cmH2O/L por segundo (normal < 2 cmH2O/L por segundo). Os números ao final de cada
coluna representam a configuração característica das curvas de fluxo/volume para cada condição, incluindo a função fluxo/volume durante
respiração corrente. b.d., broncodilatador; CPT, capacidade pulmonar total; CRF, capacidade residual funcional; CVF, capacidade vital forçada;
DCO, capacidade de difusão pulmonar de monóxido de carbono; Rvr, resistência das vias respiratórias; VEF1, volume expiratório forçado em um
segundo; VR, volume residual.

motivo, a definição do padrão de alteração fisiológica existente pode ou da parede torácica e a CRF cai. Considerando que a força dos músculos

Distúrbios da função respiratória


não ser suficiente para o diagnóstico diferencial. respiratórios e o recolhimento elástico pulmonar permanecem normais,
Na Figura 306e.6 estão listadas as anormalidades nas provas de a CPT normalmente não é alterada (embora possa cair em caso de obe-
função pulmonar encontradas em diversos distúrbios respiratórios co- sidade massiva) e o VR é normal (embora possa estar reduzido nos ca-
muns, com destaque para a ocorrência simultânea de múltiplas anor- sos de obesidade massiva). É possível haver hipoxemia leve, causada por
malidades fisiológicas. A coexistência de alguns desses distúrbios respi- perfusão de unidades alveolares mal ventiladas em razão de fechamento
ratórios resulta na superposição mais complexa dessas anormalidades. de vias respiratórias em áreas dependentes dos pulmões ao respirar na
Os métodos para avaliação clínica da função respiratória são descritos proximidade da reduzida CRF. Os fluxos se mantêm normais, assim como
adiante neste capítulo. a capacidade de difusão pulmonar para monóxido de carbono (DCO), a
não ser que a apneia obstrutiva do sono (que muitas vezes acompanha a
Restrição ventilatória causada por aumento do recolhimento elástico –
obesidade) e a hipoxemia intermitente crônica associada tenham indu-
Exemplo: fibrose pulmonar idiopática A fibrose pulmonar idiopática
zido hipertensão arterial pulmonar, caso em que a DCO pode estar baixa.
aumenta o recolhimento pulmonar em todos os volumes pulmonares, re-
duzindo desse modo CPT, CRF e VR, assim como a capacidade vital for- Padrão ventilatório restritivo causado por uma redução na força muscular
çada (CVF). Os fluxos expiratórios máximos também estão reduzidos em – Exemplo: miastenia gravis Nesse caso, a CRF permanece normal, uma
comparação com os valores normais, mas elevados quando considerados vez que os recolhimentos elásticos pulmonar e passivo da parede torácica
em função dos volumes pulmonares. O aumento do fluxo ocorre porque se mantêm normais. Contudo, a CPT é baixa e o VR é alto, uma vez que a
o maior recolhimento pulmonar determina aumento do fluxo máximo força da musculatura respiratória é insuficiente para forçar o sistema res-
para qualquer volume pulmonar e porque os diâmetros das vias respi- piratório passivo aos extremos de volume. Presos entre a redução da CPT
ratórias encontram-se relativamente aumentados devido à maior tração e o aumento do VR, CVF e VEF1 são reduzidos a “expectadores inocen-
radial exercida sobre os brônquios pelo parênquima pulmonar enrijecido. tes”. Como o tamanho das vias respiratórias e da vasculatura pulmonar
Pela mesma razão, a resistência das vias respiratórias também é normal. não é alterado, tanto a resistência das vias respiratórias (Rvr) quanto a DCO
A destruição dos capilares pulmonares pelo processo fibrótico resulta em mantêm-se normais. A oxigenação é normal a não ser que a perda de força
redução acentuada da capacidade de difusão (ver adiante). A oxigenação seja tão intensa a ponto de tornar o paciente incapaz de reabrir os alvéolos
costuma se encontrar intensamente reduzida devido à persistência de colapsados ao respirar profundamente, o que resulta em atelectasia.
perfusão em unidades alveolares relativamente subventiladas por causa
Padrão obstrutivo causado por uma redução no diâmetro das vias respi-
da fibrose de áreas pulmonares vizinhas (e mecanicamente vinculadas).
ratórias – Exemplo: asma aguda Durante um episódio agudo de asma,
A curva fluxo/volume (ver adiante) se parece com uma versão miniatura
o estreitamento da luz, causado por uma constrição da musculatura lisa
da curva normal, mas desviada no sentido de menores volumes pulmo-
e por inflamação e espessamento de brônquios de tamanho pequeno a
nares absolutos com fluxos expiratórios máximos aumentados para qual-
médio, aumenta a resistência friccional e reduz o fluxo de ar. A “escava-
quer volume dado quando se compara com o traçado normal.
ção” da curva de fluxo/volume é causada por uma redução do fluxo de ar,
Padrão ventilatório restritivo causado por anormalidade na parede toráci- sobretudo nos menores volumes pulmonares. Muitas vezes, a obstrução
ca – Exemplo: obesidade moderada Considerando o aumento crescente do fluxo de ar pode ser agudamente revertida por inalação de agonistas
no peso médio do norte-americano, esse padrão talvez se torne o mais co- β2-adrenérgicos ou por tratamento crônico com esteroides inalatórios.
mum entre as anormalidades nas provas de função respiratória. Em obe- A CPT costuma se manter normal (embora algumas vezes se observe ele-
sos moderados, o recolhimento externo da parede torácica é reduzido em vação da CPT em pacientes com asma de longa duração), mas a CRF pode
função do peso da gordura da parede torácica e do espaço ocupado pela estar dinamicamente elevada. O VR costuma aumentar devido ao fecha-
gordura intra-abdominal. Nessa situação, o recolhimento interno preser- mento exagerado das vias respiratórias nos volumes pulmonares baixos,
vado dos pulmões prevalece sobre a redução do recolhimento externo e essa elevação do VR reduz a CVF. Como as vias respiratórias centrais

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306e-6 estão estreitadas, a Rvr em geral está elevada. Muitas vezes se observa somando-se a capacidade inspiratória ou subtraindo-se o volume de re-
hipoxemia arterial leve em razão de perfusão de alvéolos relativamente serva expiratória (valores determinados na espirometria) (Fig. 306e.2).
subventilados distais às vias obstruídas (que responde à oxigenoterapia Os determinantes mais importantes para os volumes pulmonares de in-
suplementar), mas a DCO é normal ou levemente aumentada. divíduos normais são estatura, idade e sexo, mas há variações considerá-
veis na normalidade além dos determinados por esses parâmetros. Além
Padrão obstrutivo causado por uma redução do recolhimento elástico –
disso, a raça influencia os volumes pulmonares; em média, os valores da
Exemplo: enfisema grave A perda de recolhimento elástico no enfise-
CPT são cerca de 12% menores em afrodescendentes e 6% menores em
ma grave resulta em hiperinsuflação pulmonar, cuja marca registrada é
asiáticos quando comparados aos valores observados em brancos norte-
o aumento da CPT. A CPT é mais gravemente elevada tanto em razão da
-americanos. Na prática, o valor médio “normal” é predito com cálculos
perda de recolhimento elástico pulmonar quanto de hiperinsuflação di-
usando funções de regressão multivariada considerando estatura, idade e
nâmica – o mesmo fenômeno observado com auto-PEEP, que é a pressão
sexo, e o valor do paciente é dividido pelo valor predito (frequentemente
alveolar positiva ao final da expiração que ocorre quando uma nova ven-
“corrigido para a raça”) para que se determine o “percentual do valor pre-
tilação é iniciada antes que o volume pulmonar tenha retornado à CRF.
dito”. Para a maioria das medições da função pulmonar, consideram-se
O volume residual está extremamente elevado devido ao fechamento de
normais os valores entre 85 e 115% do predito; contudo, no indivíduo sa-
vias respiratórias e porque a exalação para VR pode ser tão demorada que
dio os diversos volumes pulmonares tendem a variar conjuntamente. Por
não é atingida antes que o paciente inale outra vez. A CVF e o VEF1 estão
exemplo, se a CPT for “normal aumentada” calculada em 110% do valor
acentuadamente reduzidos, sendo que a primeira em função de elevação
predito, todos os demais volumes pulmonares e valores da espirometria
intensa do VR e o último porque a perda de recolhimento elástico pulmo-
tenderão a se aproximar de 110% dos seus respectivos valores preditos.
nar reduz a pressão que leva a fluxo expiratório máximo e também reduz
Esse padrão é de particular importância na avaliação do fluxo de ar, con-
a abertura das pequenas vias respiratórias intrapulmonares. A curva flu-
forme discutido adiante.
xo/volume apresenta escavação evidente, com pico inicial transitório do
fluxo, atribuível, em grande parte, à expulsão de ar pelo colapso das vias FLUXO DE AR Conforme observado antes, a espirometria tem papel prin-
centrais no início da expiração forçada. De outra forma, as vias centrais cipal na determinação dos volumes pulmonares. Com maior frequência,
PARTE 11

se mantêm relativamente inalteradas, de forma que a Rvr encontra-se nor- a espirometria é usada para medir o fluxo de ar, que reflete as proprie-
mal no enfisema “puro”. A perda de superfície alveolar e de capilares nas dades dinâmicas dos pulmões. Para a manobra de CVF, o paciente deve
paredes alveolares reduz a DCO, mas porque os ácinos enfisematosos mal inalar até a CPT para então exalar rapidamente e de forma forçada até o
ventilados também são mal perfundidos (devido à perda de seus capi- VR; este método assegura que se atingiu o limite de fluxo para que o es-
lares), em geral não se observa hipoxemia arterial em repouso até que forço exato realizado tenha pouca influência sobre o fluxo real. O volume
o enfisema se torne muito grave. Entretanto, durante o exercício, a PaO2 total de ar exalado é a CVF, e o volume de ar exalado no primeiro segundo
cai rapidamente se houver destruição extensa da vasculatura pulmonar é o VEF1; o VEF1 é uma taxa de fluxo que revela a alteração de volume no
Distúrbios do sistema respiratório

evitando que haja aumento suficiente no débito cardíaco, e o conteúdo de tempo. Assim como ocorre com os volumes pulmonares, os fluxos expira-
oxigênio venoso misto cai de maneira substancial. Nessas circunstâncias, tórios máximos de um indivíduo devem ser comparados com os valores
qualquer mistura venosa em unidades com baixa 2/1 produz um efeito preditos com base em estatura, idade e sexo. Embora a relação VEF1/CVF
particularmente acentuado na redução da pressão de oxigênio no sangue em geral esteja reduzida em paciente com obstrução ao fluxo de ar, nesses
arterial misturado. casos também é possível haver redução na CVF elevando o VR, o que às
vezes torna a relação VEF1/CVF “artificialmente normal”, levando à con-
MEDIÇÕES FUNCIONAIS clusão equivocada de que não há obstrução. Para evitar esse problema, é
Medidas da função ventilatória • VOLUMES PULMONARES Na Figura útil comparar o VEF1, como fração de seu valor predito, com a CPT, como
306e.2 foi apresentado um traçado de espirometria em que os volumes fração de seu valor predito. No indivíduo sadio, os resultados costumam
de ar entrando ou saindo dos pulmões são marcados ao longo do tempo. ser semelhantes. Por outro lado, um VEF1 com 95% do valor predito na
Na manobra de capacidade vital lenta, o indivíduo deve inalar a partir da verdade pode ser relativamente baixo se a CPT tiver 110% do seu valor
CRF enchendo totalmente os pulmões até sua CPT para então exalar len- predito. Neste caso, é possível que haja obstrução das vias respiratórias,
tamente até o VR; a CV é a diferença entre CPT e VR, e representa a ex- independentemente do valor “normal” para VEF1.
cursão máxima do sistema respiratório. A espirometria mostra alterações As relações entre volume, fluxo e tempo durante a espirometria são
relativas nos volumes durante essas manobras, mas não é capaz de revelar mais bem visualizadas em dois gráficos – o espirograma (volume versus
os volumes absolutos em que ocorrem. Para determinar os volumes pul- tempo) e a curva fluxo/volume (fluxo versus volume) (Fig. 306e.4). Nas
monares absolutos, duas abordagens são mais utilizadas – diluição de gás situações que envolvam obstrução das vias respiratórias, o local da obstru-
inerte e pletismografia corporal. Na primeira, um volume conhecido de ção algumas vezes está correlacionado com a forma da curva fluxo/volume.
gás inerte não absorvível (em geral hélio ou neônio) é inalado em uma Nas doenças que causam obstrução das vias respiratórias inferiores, como
única grande respiração ou reinspirado a partir de um circuito fechado; o asma e enfisema, o fluxo decai mais rapidamente com a queda dos volu-
gás inerte dilui-se no ar existente no pulmão no momento da inalação, e a mes pulmonares, levando a uma curva fluxo/volume caracteristicamente
concentração final revela o volume de ar que contribuiu para a diluição. O escavada. Por outro lado, a obstrução fixa de via respiratória superior leva a
problema deste método é que regiões do pulmão mal ventiladas (p. ex., em platôs de fluxo inspiratório e/ou expiratório (Fig. 306e.4).
função de obstrução ao fluxo de ar) talvez não recebam grande volume
do gás inerte inspirado e, sendo assim, não contribuem para sua diluição. RESISTÊNCIA DAS VIAS RESPIRATÓRIAS A resistência total das vias respira-
Portanto, a diluição de gás inerte (sobretudo com o método de respiração tórias superiores e pulmonares é medida com a mesma pletismografia
única) frequentemente subestima os volumes pulmonares reais. utilizada para medir a CRF. O paciente é novamente instado a soprar, mas
Na segunda abordagem, a CRF é determinada medindo-se a com- desta vez contra um obturador fechado e depois aberto. O sopro contra o
pressibilidade do gás dentro do tórax, que é proporcional ao volume do obturador fechado revela o volume de gás torácico como descrito antes.
gás sendo comprimido. O paciente permanece sentado em um pletismó- Quando o obturador é aberto, o fluxo passa a ser dirigido para a caixa
grafo de corpo inteiro, uma câmara em geral feita de material transpa- do pletismógrafo, de forma que as variações de volume revelam a exten-
rente para reduzir a sensação de claustrofobia, e é instruído a, ao final são da compressão torácica pelo gás que, por sua vez, revela as variações
de uma respiração corrente normal (i.e., quando o volume pulmonar é de pressão que determinam o fluxo. A medição simultânea do fluxo
igual à CRF), soprar contra um bocal fechado e, dessa forma, comprimir permite o cálculo da resistência pulmonar (na forma de fluxo dividido
periódica e suavemente o ar dentro dos pulmões. Determinam-se as va- pela pressão). No indivíduo sadio, a Rvr é muito baixa, (< 2 cm H2O/L
riações pressóricas na boca e as flutuações de volume dentro do pletismó- por segundo), e metade da resistência detectada encontra-se nas vias su-
grafo (iguais ainda que opostas àquelas observadas no tórax) e, a partir periores. Nos pulmões, a maior parte da resistência tem origem nas vias
de tais valores, calculam-se os volumes de gás torácico utilizando-se a lei centrais. Por esse motivo, a medição da resistência das vias respiratórias
de Boyle. Uma vez obtida a CRF, calculam-se CPT e VR, respectivamente, tende a ser insensível à obstrução das vias periféricas.

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FORÇA DOS MÚSCULOS RESPIRATÓRIOS Para medir a força dos músculos são em respiração única pode estar aumentada em casos de insuficiência 306e-7
respiratórios, o paciente é orientado a exalar ou inalar com força máxi- cardíaca congestiva aguda, asma, policitemia e hemorragia pulmonar.
ma contra um obturador fechado enquanto a pressão é monitorada na
GASOMETRIA ARTERIAL A efetividade da troca gasosa pode ser avaliada
boca. Pressões acima de ±60 cmH2O na CRF são consideradas adequadas
medindo-se as pressões parciais do oxigênio e do CO2 em amostra de san-
e tornam improvável que a perda de força muscular seja responsável por
gue obtida com punção arterial. O conteúdo de oxigênio no sangue (CaO2)
qualquer disfunção ventilatória em repouso identificada.
depende da saturação arterial (%O2Sat), que é definida por PaO2, pH e
Medição da troca gasosa • CAPACIDADE DE DIFUSÃO DLCO Neste teste, PaCO2 de acordo com a curva de dissociação da oxiemoglobina. O CaO2
utiliza-se um volume pequeno (e seguro) de monóxido de carbono (CO) também pode ser medido pela oximetria (ver adiante):
para medir a troca de gases na membrana alveolar durante 10 segundos
CaO2 (mL/dL) = 1,39 (mL/dL) × [hemoglobina](g) × % O2 Sat
com respiração suspensa. O CO exalado é analisado para que se possa
+ 0,003 (mL/dL/mmHg) × PaO2 (mmHg)
determinar a quantidade absorvida através da membrana alveolar e
combinada com a hemoglobina das hemácias. O valor da “capacidade de Se houver necessidade de determinar isoladamente a saturação da he-
difusão em respiração única” (DCO) varia diretamente com a superfície moglobina, isso pode ser feito de forma não invasiva com a oximetria
disponível para difusão e com a quantidade de hemoglobina dentro dos de pulso.
capilares, e inversamente com a espessura da membrana alveolar. Assim,
a DCO é reduzida nas doenças que causam espessamento ou destruição Agradecimentos
da membrana alveolar (p. ex., fibrose pulmonar, enfisema), redução da Os autores agradecem as contribuições dos Drs. Steven E. Weinberger e
vasculatura pulmonar (p. ex., hipertensão pulmonar), ou redução da he- Irene M. Rosen a este capítulo em edições anteriores, assim como as valio-
moglobina nos capilares alveolares (p. ex., anemia). A capacidade de difu- sas contribuições dos Drs. Mary Strek e Jeffrey Jacobson.

CAPÍTULO 306e
Distúrbios da função respiratória

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