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Trataremos neste capítulo o período em que foi redigida a grande maioria dos escritos da Tanak
(Antigo ou Primeiro Testamento) e em que a religião do antigo Israel se transformou numa
"religião do Livro (sagrado)", como é ainda hoje.
Em 538 aC, o rei persa, Ciro, vence os babilônios e envia os judeus exilados na Babilônia de
volta à sua terra ("Edito de Ciro"). Os exilados repatriados reconstruirão, de fato, os muros,
mas antes dos muros, o Templo, símbolo de sua identidade religiosa. Eles são "o resto de
Israel". Mas Israel depois do exflio não é mais como antes. O "Israel" pós-exílico não conta
com aquilo que uma vez foi o "Reino de Israel".
Na Palestina e na diáspora
As fontes
Para o período persa, o quadro histórico nos é oferecido principalmente pelos livros de Esdras
e Neemias, que junto com 1/2 Crônicas constituem o que se costuma chamar a "~istoriografia
cronista" { 4.3.6.1}. Prescindindo aqui das Crônicas, que tratam do período anterior
encontramos em Esd/Ne informaçõe históricas e até documentos na língua franca da
adm1n1stração persa, o aramaico. Contudo, não apresentam uma reconstituição da história e
sim, uma coleção de testemunhos a favor da hegemonia de Jerusalém na "Transeufratênia" (a
satrapia ou província persa situada do outro lado do Eufrates, ou seja, a Palestina e Celessíria).
Quadro cronológico
A volta do exílio
Por volta de 550 os persas, vivendo entre a Mesopotâmia e a Índia, ocupam o cenário do
imperialismo médio-oriental. Ciro se torna rei dos persas e dos medos - estes últimos
associados ao Império Babilônio. Em 539, Ciro submete os babilônios. Para estabilizar seu
poder no imenso império que conquistou, ele precisa da colaboração das elites nacionais de'
cada país. Por isso, no ano de 538, decreta a volta da elite judaica exilada na Babilônia ("edito
de Ciro"). No caso dos judeus, Ciro tinha um interesse especial, pois Judá fazia fronteira com
o eterno inimigo dos mesopotâmios, o Egito. Os judeus deviam voltar para transformar Judá e
Jerusalém num baluarte contra o Egito, ou num trampolim para invadi-lo. Os exilados se
transformam em repatriados. Porém, não todos voltam. Alguns tinham adquirido uma estância,
outros possuíam florescentes negócios na Babilônia, outros ainda haviam enveredado para o
comércio e os primeiros bancos internacionais. Ficaram no estrangeiro, dando início à grande
tradição da diáspora judaica.
Os primórdios da restauração
Esdras 1-3 narra publicação do Edito de Ciro e a consequente volta dos exilados, com o reinício
do culto no altar restabelecido em 537 Esd 4 narra a oposiçao os samantanos a reconstrução
primeiro, do templo e, depois, da muralha, em todo o penado de 538 até 424, tanto sob Ciro
como sob xerxes e Artaxerxes.
Conforme a cronologia tradicional, em 458, ou, conforme outra hipótese, em 398 aC { 4.8.1},
o escriba e sacerdote Esdras chega a Jerusalém com um grupo de judeus da Babilônia. Depois
de ter celebrado com o financiamento do rei da Pérsia um "sacrifício modelo" (Esd 8), resolve
o problema da mistura do povo pela raiz: obriga os judeus a despedirem suas esposas não-
judias. Ao ler Esd 9-10, tem-se a impressão de que a medida se dirigia em primeiro lugar à
classe sacerdotal.
A "obra deuteronomista"
Durante o exílio, o povo de Judá, carregando sozinho a herança religiosa de "todo Israel", tem
dois pólos de consciência nacional e religiosa. O primeiro pólo é constituído pelos
remanescentes, os que não foram levados para Babilônia, mas, como Jeremias, continuaram
tentando viver como "filhos de Israel" na proximidade de Jerusalém destruída. O segundo pólo
é o grupo dos exilados, constituído de pessoas da elite ligada ao rei e ao Templo.
Aliança e êxodo
O projeto político
Visto que no antigo Israel a comunidade religiosa e comunidade política constituem uma
unidade a visão da "es' cola deuteronomista" inclui um projeto político, sustentado pelo "povo.
da terra" (isto é, os chefes das famílias que puseram Josias no trono). Esse projeto é favorável
à restauração da monarquia, acentuando todavia a justiça e a fraternidade corno características
do "novo eleito" e da "nova Aliança" (Jr 31,3135!) a ser estabelecida. Sua visão não ultrapassa
as fronteiras de Israel e Judá.
Os "livros de Moisés"
Os "livros da Lei (de Moisés)" (Gn-Dt) não nasceram de repente, não caíram do céu como o
Alcorão de Maomé. Esta literatura desenvolveu-se qual embrião no seio do povo, antes de ver
a luz na forma dos cinco "livros de Moisés", o Pentateuco. Na realidade, a gestação durou
muito. Começou no tempo de Moisés e do êxodo e terminou 800 anos mais tarde, depois do
exílio babilônico. Então, não foi Moisés que os escreveu?
Não apenas em relação ao Pentateuco, mas à Bíblia inteira, devemos dizer que os livros bíblicos
não caíram do céu. São condensações de uma vivência e de uma consciência que foi se
formando e se expressando muito antes de ser cristalizada ern forma de livro. Já antes de
Moisés, os "filhos de Israel", nas estepes da Síria e da Palestina, e os "hebreus", no Egito,
tinham seus textos não-escritos: fórmulas rituais para expressar sua relação com a divindade,
mitos ou narrações para estruturar o universo cultuai e cultural, sagas, lendas, poesias, etc.
No período que vai desde os patriarcas até o reinado de Davi e Salomão, a memória de
Israel-ritos, narrações sobre os patriarcas, a epopéia do Êxodo, a história das lutas da
conquista da terra, etc. - é transmitida principalmente por tradição oral.
Na base dos 4 primeiros livros de Moisés - Gn, Ex, Lv e Nm (às vezes chamados de
"tetrateuco"; tetra = 4)-existe um documento escrito, narrativo, que se inicia com a
criação de Adão e Eva (Gn 2,4b) e termina na história doêxodo, no livro de Números.
Depois do exílio babilônico, Dt foi destacado da obra deuteronomista e acrescentado
ao "tetrateuco" (Gn-Nm). A razão aparente é que Dt trata da Lei de Moisés, como os
livros Ex-Nm.
O Pentateuco no seu conjunto, depois da inclusão de Dt, recebeu uma redação final
"sacerdotal", à qual deve ser atribuído também o texto litúrgico da criação em seis dias,
Gn 1,1-2,4a.
O Pentateuco, portão de entrada da Bíblia, é uma monumental narração teológica das origens
do mundo, do homem e do povo, culminando no evento fundante da comunidade de Israel, o
êxodo de Israel do Egito. Apresenta os temas fundamentais aos quais o resto da literatura
bíblica sempre vai recorrer.
Depois da história das origens do mundo e da humanidade, nos defrontamos com as histórias
da origem do povo e dos seus ancestrais, os patriarcas. Antes que histórias curiosas e um tanto
estranhas, são elas, para o povo em crise, uma resposta à pergunta: "Quem sou eu?"
Promessa
Uma ânsia sempre presente, consciente ou inconscientemente, num povo pequeno como Israel
(Dt 7,6!), sobretudo quando ameaçado pelo domínio estrangeiro e o exí1io longe da pátria, é a
sobrevivência como povo na posse de sua terra ancestral.
Etiologias
Nas histórias sobre a circuncisão e o sacrifício do filho reconhecemos um gênero literário muito
usado no Pentateuco, especialmente na história dos patriarcas: a etiologia ou narração
explicativa (aitia, em grego, significa causa, razão). Encontramos na Bíblia etiologias a respeito
das leis, como o caso da circuncisão, mas também a respeito de lugares de culto.
Êxodo-Aliança-Lei (Ex-Dt)
Junto com a referência sociocultural a Jacó (cf. acima), a referência histórica ao êxodo constitui
o "credo do israelita", pronunciado ao oferecer as primícias (Dt 26,4-10). Se muitos povos
contam algum evento referencial, para Israel este evento é o êxodo do Egito. Aos povos
vizinhos, que contavam lendas glorificando e endeusando os seus heróis locais, os israelitas
respondiam com a sua epopéia nacional, bem mais real que os mitos dos vizinhos: a poderosa
libertação da escravidão do Egito por um herói que é ninguém menos que o próprio Deus, Javé.
Aquilo que geralmente se chama "a Lei de Moisés" contém muitos elementos que nós
chamaríamos de instituições sociais e religiosas do povo. Mencionemos os principais textos
que iluminam o modo de vida e organização do povo e da comunidade de fé.
O significado de Moisés
Voltemos agora à atribuição destes livros a Moisés {4.4.1}. Não significa que Moisés os
escreveu de próprio punho, mas que ele presidiu à constituição do povo e da tradição que os
gerou. Moisés não se encontra no fim do Pentateuco, mas no início. A figura de Moisés era tida
em grande estima por todas as gerações de israelitas.
Os "Profetas Posteriores"
Jeremias
Ezequiel não foi o único a manter viva a chama. Num tom completamente diferente,
inspirando-se nas profecias de Isaías, um profeta desconhecido se empenha em exortações à
esperança, no opusculo que os estudiosos intitularam "o livro da consolacao de Israel" ,
atualmente instituido aos capítulos 40--55 de Isaías; chamamo-lo brevemente de Segundo (ou
Dêutero-) Isaías.
Também Is 34-35, chamado às vezes "o pequeno apocalipse de Isaías", pode ter sua origem na
proximidade do 2º Isaías. Indícios disto são as referências à volta e restauração, em Is 35, e aos
edomitas que aplaudiram o saque de Jerusalém, em 586 (p. ex. Is 34,5).
Nem todos vêem na reconstrução do Templo a tarefa mais importante. É preciso reconstruir o
povo, na justiça e fraternidade. O Terceiro ou Trito-Isaías (Is 56-66), ao mesmo tempo que
jubila pela reconstrução de Sião, proclama que a verdadeira reconstrução não consiste em
práticas litúrgicas, mas na prática da justiça: então é que os judeus poderão ser chamados
"reconstrutores" (Is 58).
Malaquias e Joel
Próximo de Malaquiás está Joel, que inclusive usa expressões idênticas (2,11 = MI 3,2; e 3,4
= MI 3,3.23), pelo menos na atual forma da redação. (Há quem pense que a atual forma seja
uma releitura de uma. profecia pré-exílica.).
Jonas:
A "historiografia cronista"
A ordem cronológica dos fragmentos que compõem Esd/Ne é problemática: Ne 8-9, a leitura
da Lei por Esdras, parece interromper o relato da primeira missão de Neemias (Ne 1-7; 10,1-
13,6a; cf. 5,14), no qual de resto não se fala de Esdras.
O midraxe
Rute
Nem todos partilhavam a visão xenófoba de Esdras e de seus partidários ( cf. Esd 10,15).
Exemplo de visão divergente é um pequeno romance midráxico, surgido nesses anos, o livro
de Rute. Conta que a avó de Davi foi uma moabita que, por fidelidade à sua sogra israelita,
veio a Belem de Juda para fazer valer o direito de resgate sobre as terras da familia, mediante
o casamento com o parente próximo, Booz, conforme a antiga lei do levirato prescrita pela
tradição deuteronomista.
Nas primeiras décadas do judaísmo antigo se consolida o culto judaico para os tempos
ulteriores. Como se colecionou a Torá e os Profetas para a leitura na sinagoga, recolhe-se
também o acervo de hinos litúrgicos para o culto no novo Templo: os Salmos (do grego
psalmoi; hebr.: tehillim ).
Os Salmos
O Saltério se apresenta atualmente dividido em cinco partes: 1-41; 42-72; 73-89; 90-106; 107-
150. A referência a Davi, Salomão, Moisés, Coré, Asaf, Emã e Etã, no cabeçalho de cada salmo
não indica necessariamente a autoria, mas garante a autorização das autoridades religiosas para
a recitação no culto; pois a chancela para o uso canônico é expressa, pela referência a um
personagem de reconhecida influencia no povo israelita.
A sabedoria de Israel
Alista-se entre os livros sapienciais também o Cântico dos Cânticos, uma coleção de cantigas
e poesias de amor. O enredo mostra a mulher que luta por seu amor: a "sulamita", que, contra
todas as dificuldades, procura seu namorado para pertencer a ele, e só a ele. Quanto ao
namorado, o texto acena ninguém menos que o rei Salomão.