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P E R F IL D O A D M IN IST R A D O R P Ú B L IC O , N O B R A SIL
m inas para o cultivo da cana. E sta proibição nunca foi m uito respeitada. Q uando o
go v ern ad o r D . L uis de M ascarenhas chegou a G oiás (1739) encontrou engenhos e
engenh o cas espalhados p o r todo o país. P rocurou não tom ar conhecim ento de sua
existência. M as ali e stav a o p ro curador d as en trad as - os engenhos dim inuiam os
direitos cobrad o s n os registros — para reco rd ar-lh e sua obrigação um a e outra vez.
A cossad o , o g overnador achou um m eio de co n serv ar os en g en h o s, ap esar da
proibição, e satisfazer, ao mesm o tem po, os direitos d o c o n tra ta d o r pediu aos e n
genhos que pagassem ao s fiscais d as entradas o s direitos d e sua própria aguar
dente, com o se fosse im portada.”
Seria possível traçar o perfil d o adm inistrador público brasileiro? H averia
traços característicos de um padrão de com portam ento com um em todo o território
nacional?
G ÍO V A N N I V IC O , em su a obra "P rincípios de um a ciência nova sobre a
natureza com um d a s nações, através da q u a l tam bém se revelam novos princípios
da lei natural dos p o vos” já en u n ciara, há m ais de duzentos e sessenta anos
(1725), que ‘...o m undo social é certam ente o b ra do hom em ; e d a í segue-se que se
pode e deve en co n trar o s princípios d esse m undo nas m odificações da própria in
teligência hum ana” . E prossegue: — “ os gov em o s se adaptam necessariam ente à
natureza d os g overnados; são resultado m esm o dessa natureza” . Em outras pala
vras, " a hum anidade cria a s i p rópria” .
A o tentar-se traçar o perfil d o adm inistrador público - ou d o governante -
não se pode esquecer que se está indagando sobre realidade que se diferencia no
tem po e no esp aço , e , p o r vezes, com grande rapidez. A final, adm inistra-se orga
nizações, e as organ izaçõ es são organism os vivos, que têm história, c ad a um a a
sua.
A sociedade é a síntese final d as organizações que a com põem . O E stado,
ex pressão formal da sociedade, é , pois, realidade historicam ente co n stituída q u e se
m odifica com a evolu ção cultural de cada um de seus cidadãos. N esse sen tid o , a
organização E stado, p o r si só e pelas organ izaçõ es que o com põem , é um a reali
dade cultural.
T raçar o perfil do adm inistrador público brasileiro é , pois, ad e n tra r o cam po
da cultura. E p o r em evidência a ação criadora do hom em , subordinando a nature
za a seu s fins, partindo da própria natureza.
N ão se trata de indagar-se, aqui, sobre o conceito de cultu ra - no sentido
antropológico ou n’o utro qualquer. S eja ele qual for - e o são m uitos - o fato é
que a “ cu ltu ra é com o um a lente através da qual o hom em vê o m undo” ® . D ife
rentes hom ens, d iferentes culturas, d iferentes lentes, diferentes visões das coisas.
A ssim o é , tam bém , na adm inistração pública, principalm ente no B rasil, cu ja ca
racterística histórico-cultural é a heterogeneidade.
Não obstante, assim com o detectam os o “ je itin h o b rasileiro” com o um dos
traços com uns d o m odo d e s e r do b rasileiro e , po is, d o adm inistrador público bra
sileiro em todo o território nacional, h á outros traços com uns que igualm ente ca
racterizam um com portam ento nacional. T ais traços histórico-culturais derivam ,
geralm ente, de p eculiaridades de n o ssa co lo n ização, das dim ensões continentais
d e nosso território, d a aculturação rápida d as várias co rren tes m igratórias que
com põem o b rasileiro de h oje, da m iscigenação quase sem entraves d e diversas
culturas q u e se m esclaram em nosso território p o r q uinhentos anos, de nossa ev o
lução econôm ico-financeira dependente e de periferia em relação ao resto do
m undo, e de n o sso desenvolvim ento desigual inter e intra reg iões, in te r e intra
pessoas.
A lguns d esses traços são bem característicos: um nacionalism o típico de
ilhéus, já que som os cercados p o r água de norte a sul, no lado leste, e p o r flores
tas, pântanos, cerrados e outros v azio s cultu rais, n o lado oeste; uma tendência à
burocratização adm inistrativa herd ad a do centralism o português que, ao im por a
form a com o cond ição de confiab ilid ad e, se d eg en era no tráfico d e in fluência, no
em preguism o, n o com padrio, no nepotism o, no servilism o, na servidão a grupos e
no prim ado d o in teresse individual sobre o social: um adm inistrar co n tra e apesar
de form alism os inconseqüentes (que o digam os d irigentes de quaisq u er níveis, ao
elaborarem , p o r obrig ação , seus orçam entos anuais — peças cerebrinas de acom o-
dam entos num éricos); um adm inistrar pessoas im postas, num ritual de fatos con
sum ados que culm inam num acom odam ento estéril ou im produtivo, altam ente o n e
ro so à N ação; um e te m o adm inistrar com escassez de recursos financeiros, invia
b ilizando q u alq u er planejam ento estratégico; um h o rro r a m udanças pela forte te n
dência à inércia das situações criadas e p o r v ezes institucionalizadas; em sum a,
um alheiam ento e mesmo descaso d as técnicas da A dm inistração eficiente, eficaz e
efetiva. T al quadro se evid en cia no distanciam ento ca d a vez m aior entre o discur
so e a ação de nossos hom ens p úblicos, políticos ou dirigentes.
A ex pressão “ cu ltu ra ” , na C iência da A dm inistração, rev este-se, hoje, da
queles m odism os acadêm icos típ ico s de nosso País. D iz tudo o q u e se pensa que
rer que se d ig a, sendo eleg an te, m as poucos com preendem seu significado e real
abrangência.
C ultura é h istória; são valores. A ssim com o hoje se pensa o “ culturalism o
ju ríd ic o ” é possível pensar-se o “ culturalism o adm inistrativo” . Im possível é com
p reender a A dm inistração sem referibilidade a um sistem a d e valores em virtude
do qual se estabeleçam relações de adm inistradores para adm inistrados, de gover
nantes para govern ad o s, com exigib ilid ad e bi o u m ulti-lateral de fazer ou não fa
zer algum a coisa.
P ara M IG U E L R E A L E “ culturalism o é um a concepção d o D ireito que se
integra no historicism o contem porâneo e aplica, no estudo d o E stado e d o D ireito,
os princíp io s d a A xiologia, ou seja da teo ria dos valores em função d o s grau s de
evolução so cial” .*3)
gais. A fin al, constituem eles v erdadeiros faróis orientadores de ações adm inistra
tivas, balizando o d esejável —o que d ev e se r . D e resto, confie-se na história, na
inexorabilidade da conspiração d os fatos o u na natural tendência do se r hum ano
de lutar pelo m elhor, p elo socialm ente melhor.
Isso posto, é b astante difícil traçar um perfil d o atual adm inistrador público
brasileiro, ainda que o apen as desejável. T alv ez seja possível fazê-lo, desde que
se tenha consciência de q u ão lim itada seria su a ap licabilidade, p o is som ente por
acaso seria ele identificável em n o ssa sociedade. N ão se pode p rescindir, porém ,
de um padrão ideal que se preste a com parações d as q u ais derivaria q u alquer ten
tativa de tipicação.
D e um a m aneira g eral, o perfil ideal d o adm inistrador p ú b lico brasileiro
coincide com o de q u a lq u e r adm inistrador. A literatura especializada e farta a res
peito e não foge ao que já se situa com o lu g a r com um . D ependendo d o nível q u e o
adm inistrador ocupe na o rg anização - d e prim eira linha (supervisor), interm ediá
rio ou d e alta adm inistração — será m aior o u m enor à exigência d e alg u n s predica
dos com uns.
A fim de q u e se tom em evidentes as naturais diferenças necessariam ente
detectáveis num esfo rço de tipificação, tais predicad os são agrupáveis, e p o r vezes
se repetem , em três grandes categ o rias, as q u ais m elhor se conform am ao conceito
de cultu ra — em últim a análise, o fato r d iferen ciad o r p o r excelência: 1. sen sib ili
d ad e hum ana; 2. sen sib ilid ad e profission al e 3. sen sib ilid ad e pública.
A sen sib ilid ad e h u m an a d ecorre d o indivíduo com o pessoa; e le com o re
sultante d o m eio social em que viveu e vive, se educou, socialm ente se form ou.
T rad u z su a capacidade de inter-relacionar-se com o utras pessoas, com preendendo
suas necessidades, suas ex igências, seus v alores, su as m otivações. D ela decorrem
capacidades intrínsecas a cada adm inistrador: de lid eran ça, de co m u n icação, de
coord en a çã o de interesses dos que nele confiam e dele dependem , d e n egociação
e de m ed iação. A fin al, o adm inistrador é , sobretu do, um co n d u to r de hom ens,
interagindo-os com bens m ateriais e im ateriais, no propósito de co n d u zir a org an i
zação à realização de seus fins, co n setân eo s com o s fins d a sociedade em que está
inserida.
A sen sib ilid ad e profissional d ecorre do ind iv íduo com o profissional d a ad
m inistração. Em outras p alavras, de su a co m petência técnica na arte/ciên cia da
A dm inistração, q u e r seja ela assentada na su a p articu lar ex periência de vida, q u e r
seja ela adquirida p o r sua educação form al (u n iversitária ou não). O ideal é que
deco rra d e am bas.
P ela com petência técn ica, tal sensib ilid ad e se aguçaria p o r força d a com pre
ensão da im ensa responsabilidade que p esa so b re cada um de seus atos, o que se
traduz po r duas o u tras com preensões fundam entais: a d a n ecessidade d e prestar
contas à sociedade que lhe financia e que lhe d eleg a todos os poderes d e que d is
põe; a das d ificuldades que envolvem o s processos de análise d iag n ó stica e equa-
cionam ento de problem as adm inistrativos, tan to no c o n ceitu ar situações ideais
factíveis, quanto no p rio riz a r alternativas d entro d o legitim am ente possível.