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G EO U SP - Espaço e Tempo, São Paulo, N ° 11, pp.

155-161, 2002

PENSAR E PROJETAR A CIDADE DO SÉCULO


XXI: DESAFIOS PARA A CONSTRUÇÃO DA
PROBLEMÁTICA URBANA
Jo s é Augusto Martins Pessoa*

"A c o n c e n tr a ç ã o e c r a fts m a n s h ip de c rític a da p ro d u ç ã o g e o g r á fic a b ra s ile ira , n o s


V u lca n o s ã o a s c o n d iç õ e s n e c e s s á ­ ú ltim o s c in q ü e n ta a n o s ; q u a n d o se p re te n d e u
ria s p a r a e scre ve r as a v e n tu ra s e fa z e r um b a la n ç o , um a n e c e s s id a d e im p o s ta
m e ta m o rfo s e s de M ercú rio . A m o b ili­ p e lo m o m e n to a tu a l": o VII SIM P U R B apostou no
d ad e e a a g ilid a d e de M e rc ú rio s ã o sentido oposto: "P e n s a r e p r o je ta r a c id a d e do
as c o n d iç õ e s n e c e s s á r ia s p a r a que s é c u lo X X I: d e s a fio s p a ra a c o n s tru ç ã o da p r o ­
as fa in a s in te rm in á v e is de Vulcano se b le m á tic a u rb a n a " Em outros term os, pôs no
tornem p o rta d o ra s de s ig n ific a d o ..." centro dos d e b a te s - é possível co n stru ir um a
ITALO CALVIM O , Rapidez (1 9 8 5 ). p ro b le m ática urb an a que e vid e n cie , ao m esm o
te m p o em q u e c o n te m p le , um p e n s a m e n to
Desde o re ce b im e n to da p rim e ira C ir­
sobre a cid ad e e o urb an o h o je ? Seria a G eo g ra­
cular com a C h a m a d a de T ra b a lh o s para a par­ fia, um cam po de co n h ecim en to ou um a c iê n cia
ticipação no V II S IM P U R B - S im p ó s io M acional parcelar, capaz de ap reen d er este fen ô m en o em
de G eografia U rbana/I Sim p ó sio In te rn a cio n a l - sua to talid ad e? Q uais os lim ites e as p o s s ib ili­
pudem os a n te v e r os largos d e sa fio s que nos dades de no ssa reflex ão sobre a c id a d e e o
defrontaríam os, in d ivid u a l e c o le tiva m e n te , ao u rb a n o ? C om o p ensar as c o n tra d iç õ e s do m u n ­
longo dos vário s m eses que o a n te ce d e ra m e, do m od erno, o que a p a re ce com o novo e o que
em esp ecial, d u ran te os dias de sua realiz ação está posto co m o p e rm a n ên cia; co m o am b o s se
- 15 a 19 de o u tu b ro de 2 0 01 . Doze anos já realizam ? Com o d e sve n d ar os co n teú d o s do pro­
nos s e p a ra v a m do I S im p ó s io M a cio n a l de cesso de urbanização, h o je ? Para tanto apostou
Geografia U rb ana, e o D e p a rta m e n to de G eo g ra­ no novo, no relativam en te novo, nas desconti-
fia da U n iversid a d e de Sã o Paulo (D G /U SP), com nuidades políticas, açõ es e projetos, que o m u n ­
o Lab o ratório de G e o g ra fia U rb an a (L A B U R ) e a do m o d erno e as p o ssib ilid ad es de re p ro d u çã o
A sso ciação dos G eó g rafo s B ra s ile iro s (A G B /SP), da vida hu m ana põem nesse m o m en to no m ais
voltou a sed ia r o eve n to . Se o "/ S im p ó s io n a s ­ am plo sen tid o do h ab itar a cid ad e e do to m ar
ceu da n e c e ss id a d e de se fa z e r um a a a v a lia ç ã o parte na co n stru çã o da so c ie d a d e u rb a n a em

'D outorando em Geografia Hum ana no Departam ento de Geografia, da Faculdade de Filosofia, Letras e C iências Hum anas,
da Universidade de São Paulo - FFLC H /USP sob a orientação do Prof. Dr. André Roberto Martin.
E-mail: jam p esso a@ b ol.com .b r ou jap essoa@ usp .b r
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ato ; nas d e s c o n tin u id a d e s h istó rica s, so c ia is e Sim p ó sio s, m esm o que sob varia d o s nom es: "A
e s p a c ia is , que a c id a d e e o u rb a n o ho je e s ta b e ­ cid ad e, a m etró p o le e o m odo de vida: segrega­
le c e m para a re fle x ão g e o g rá fica ; so b re tu d o , ção, co n flito s, e straté g ia s"; "E s p a ç o e Estado:
ap o sto u nas d e s c o n tin u id a d e s do p en sam en to , p o líticas u rb an as em d iscu ssã o " e "O em bate
p o sitiv o e negativo , q ue d eve n a sc e r das c o n ­ e n tre as q u e s tõ e s a m b ie n ta is e s o c ia is no
fro n ta ç õ e s e c o n flito s entre o s a b e r té cn ico , a u rb a n o "1 Pode-se o b s e rv a r in clu sive que o tem a
c o le ç ã o de fatos, os o b je to s m a te ria is e ima- "E s p a c ia lid a d e s e te m p o ra lid a d e s u rb an a s" sur­
teriais, as a tiv id a d e s (re )p ro d u tiva s, etc. de um ge da fusão de M esas R ed o n d a s de Sim p ó sio s
lado, e do outro as d ú vid as, as crises, as a m e a ­ p assad o s2. Afiguram-se co m o novos, e fe tivam e n ­
ças, os m ed o s, os d e sa b a m e n to s de valo re s, as te, os o utros trés tem as propostos: "C u ltu ra e
estraté g ia s..., a re q u e re r hoje, de nós p e sq u i­ c id a d e "; "O trab alh o na c id a d e " e "O urbano no
sa d o re s, m o b ilid a d e e ag ilid ad e no pensar. m undo da m e rc a d o ria "3 Não ob stante, estes úl­
O term o h o je , a m im p arece, co n tém um tim os tem as, reco rtes o utros ab erto s para e n c a ­
d u p lo sig n ifica d o , nos dirige d u as p erguntas m in h ar o p e n sa m e n to em cam in h o s diversos,
n u cle a re s. In d ica a co n sta ta çã o de um a s o c ie d a ­ tam b ém se pôs co m o n o vid ad e relativa as S e s ­
de e um a u rb a n iz a çã o d in âm ica, m ultifo rm e e sõ es de D ebates, sen d o co m p o stas suas m esas
rica em c o n te ú d o s/ c o n tra d iç õ e s e sp a cia is, reu­ pelos auto res de tra b alh o s s e le c io n a d o s e co n ­
n in d o tanto m u ta çõ e s quanto p ersistê n cias. Há vid ados, por p e sq u isa d o res estran g eiro s e deba-
p e sq u isa s e propostas no âm b ito da geografia tedores, e um co o rd en ad o r, a quem co u b e, no
que e v id e n c ie m a cid ad e e o urban o do p re s e n ­ últim o dia, sin tetizar as id éias a p resen tad as e
t e , q u ais p o ssib ilid a d e s a p o n ta m ? In d ica , tam ­ d e b a tid a s p e lo s p re s e n te s na S e s s ã o , c o m ­
bém , que a geografia urbana b ra sile ira tem , ao pondo então a ú n ica M esa R ed o n d a de Sín tese
longo de várias d é cad as, se d e b ru ça d o so bre a co m os d e m a is c o o rd e n a d o r e s de D e b ate s.
m o rfo lo g ia das cid a d e s e as p ráticas sócio-espa- Entre todos, o V II S IM P U R B reuniu 350 partici­
ciais, e la b o ra n d o um co rp o de teo rias, c o n c e i­ pantes n a q u e la se m a n a ; as m esas foram co m ­
tos, n o çõ e s, de e stu d o s de caso e sp e c ífic o s ou postas por 47 p e sq u isad o res nas S e ssõ e s de
sin g u lares, de p rop ostas e m an ifesto s, a partir D ebates, e sete na S e s s ã o de C o m u n ica çõ e s.
de um a c e rv o de p e rsp e ctiva s teórico-metodo- Pu d em o s v e rific a r que os trab alh o s ap re­
ló g icas d ife re n c ia d a s e férteis, para c o m p re e n ­ sen tad o s se esfo rça ra m em e v id e n c ia r a cidad e
d er e in te rvir nas cid a d e s e na s o c ie d a d e urb a­ e o urbano em seu s p ro ce sso s c o n tem p o râ n eo s,
na. Há no p re s e n te um co n ju n to de reflex õ es ou o que se m o stro u p ro fícu o . Visitando-os, de
q u e s tõ e s te ó rica s e de m éto d o , as q u ais pos­ form a b reve... Na p rim eira S e ssã o de D ebates,
sam se r ex po stas à a n á lise crítica co le tiva , e n ­ foram le va n ta d a s q u estõ e s que abriram c a m i­
fre n ta n d o os d esafio s de co n stru ir um a p ro b le ­ nhos te ó rico s para se p e n sar a cid a d e e o urb a­
m á tic a e s p e c ific a m e n te u rb a n a ? Em v e rd a d e no na p e rsp e c tiv a da c o n stitu içã o das m etró ­
essas d u as p erguntas bem se fu ndem em um poles b rasileiras, face ao p ro cesso de u rb an iz a­
ú n ico eixo de crítica - "C o m o p e n sar o que se ção em curso. Falou-se so b re um a id en tid ad e
faz p re se n te hoje na cid a d e e no u rb a n o ?" ou, co n tra d itó ria entre a c id ad e e a m etró p o le no
m elhor, "C o m o s a b e r p en sar a p ro d u çã o do e s­ atual p ro ce sso de u rb an iz ação ; sob re o papel
p aço ho je, na au ro ra do no vo sé cu lo , por m eio produtivo da cid a d e no sen tid o de um a u rb an i­
das a b o rd ag e n s g e o g rá fica s?" dade e x p re ssa p ela d e m o c ra c ia , p e la arte e
Com essa p ro v o ca çã o , re co rte s te m á ti­ pela filosofia, que se co lo ca m co m o p ro d u çõ e s
cos nos foram listad o s para a p ro d u ção e a p re ­ p o ssíveis da cid a d e ; propòs-se o c o n c e ito de
s e n ta ç ã o de tra b a lh o s escrito s nas S e s s õ e s de m etro p o lização do e sp aço para um a a b o rd ag em
D eb ates. Três tem as são re co rre n te s em vário s regional das cid a d e s em que a u rb a n iz a çã o ,
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com o c o n ce ito , estaria esg otad a em su a p o ssi­ te rp re ta çõ e s do (fe n ô m en o ) urbano. A ssim , b u s­


bilidad e de e x p re ssa r/re ve la r as d ife re n ç a s e cou-se e n c a m in h a r a co m p re e n sã o dos sig n ifi­
tra n sfo rm a ç õ e s e s p a c ia is, um a vez que todo cad o s do p atrim ô n io e, p rin cip alm en te , os sig n i­
esp aço se e n c o n tra ria urbanizado. De o u tra m a­ ficad o s da "g estão p ú b lica do p atrim ô n io " e das
neira, expõs-se pontos p ertin e n te s so b re o re­ territo rialid ad es re la tivas ao patrim ôn io u rb an o ;
cente p ro ce sso de in stitu cio n a liz a çã o de regiões expôs-se algum as re la çõ e s entre esp aço , re li­
m etro p o litan as no Brasil. Ha S e s s ã o seg uinte, gião e p o lítica; e a o b se rv a çã o da cid ad e co m o
procurou-se afirm ar que p en sar a cid a d e co m o obra de várias g e ra çõ e s - a idéia de um palimp-
co m p ó sito s de e s p a c ia lid a d e s e te m p o ra lid a d e s sesto. C o m p are ce u aqui a q u estão do sim u la cro
é re c o n h e c e r que o p ro cesso de p ro d u çã o do pelo viés da "m e rc a n tiliz a ç ã o da cultura co m o
espaço urb an o gera form as, co n te ú d o s e re p re ­ política c o m p e n sa tó ria "
se n taçõ es os q u ais se in serem em m ú ltip lo s A S e ss ã o de D ebates "O trab alh o na c i­
níveis de in vestig a çã o e, nesse sen tid o , a cid ad e d a d e " ab o rd o u o tem a a partir da ótica da c id a ­
tem de se r notad a nas d ive rs a s form as de a p ro ­ de c o n te m p o râ n e a e seu s pro blem as rela tivo s à
priação do e sp a ço e do tem po, o que p erm ite eco n o m ia , destacando-se a im p o rtân cia e os
estudos o b je tiv a n d o d iscu tir o c a rá te r multies- lim ites da teo ria m arxista das classes so cia is,
pacial e m u ltite m p o ral dos p ro ce sso s s o cia is nas an álises so bre a reorganização e re e stru ­
que as produzem . A qui, discutiu-se so b re os v á ­ turação do e sp a ço e do tem po em ato nas c i­
rios usos do tem po so cia l e usos do e s p a ç o so ­ dades, fazendo em erg ir d eb ates sobre a desin-
cial e tomou-se co m o re fe rê n c ia "o s e s p a ç o s de d u strialização e a te rce iriz ação ; sobre "a cid a d e
produção e os e sp a ç o s de c o n s u m o "; registrou- in fo rm a cio n a l" e a re le vâ n cia do "c irc u ito in fe ­
se a n oção de te m p o ra lid a d e co m o "s u c e s s ã o e rior da e c o n o m ia " um dos m aiores c ria d o re s de
d u ração " e a id éia de e s p a c ia lid a d e co m o "sin- em prego e de e sp a ç o s do trab alh o ; so b re a
cro n icid a d e " p ro cu ran d o m ostrar, por m eio de p recarização do trab alh o ; e ainda sobre o papel
uma p erio d ização , a tra n sfo rm a çã o de um a ci- do p la n e ja m e n to e sua relevâ n cia , en q u a n to se
dade-capital b rasileira, de cid a d e c o lo n ia l em co n sid eram os in d ivíd u o s com o cid ad ão s p o rta­
um "cen tro h istó rico pós-m oderno" para o c o n ­ dores de direitos.
sum o turístico. Exploraram -se, por outra p ers­ A quinta S e s s ã o problem atizou as p o lí­
pectiva, as p o ssib ilid a d e s de se usar o enfo q u e ticas urbanas, ora a p o n tan d o as tra n sfo rm a çõ e s
dos sistem as e v o lu tiv o s nos estu d o s urbanos, no esp aço daí d e riva d as ora q u estio n an d o a
como um dos estatutos m e to d o ló g ico s dentro da p ertin ência, tanto do p la n e jam e n to o ficial q u a n ­
G eografia; de outra form a, indicou-se que "a re­ to da ação dos "p la n e ja d o re s a lte rn a tiv o s" a
volução p ro m o vid a pela te le m á tic a " p ressu p õ e im p o rtân cia do Estatuto da C idade e da R efo rm a
um olhar m ais cu id a d o so no que se refere hoje U rbana para cheg ar na "frag m en tação do tecid o
à co n ce p ção do tem p o e do e s p a ç o q u an d o se so cio po lítico -esp acial da m etró p o le" e d iscu tir a
tratar do "m u n d o do c ib e re s p a ç o " ou e stu d a r o q uestão da v io lê n c ia e suas territo rialid ad es; ou
teletrabalho/o teletrab alh ad o r. ainda (re )e la b o ra n d o o co n ceito "p atrim ô n io a m ­
A te rce ira S e s s ã o afirm o u que a d im e n ­ biental u rb a n o " o p e ra c io n a l para o p la n e ja ­
são cultural, um a entre as d ive rs a s d im e n sõ e s m ento urbano. Ha se q ü ê n cia , du ran te a outra
para se an a lisa r a cid a d e , co n trib u i para am ­ Se ssão foram discu tido s os processos co n flitivo s
pliar a c o m p re e n sã o da so c ie d a d e em suas re la ­ que p erm eiam a re la çã o entre a s o c ie d a d e e o
ções sociais, e c o n ô m ic a s e p o líticas, e, em es­ m eio geográfico na qual se/o d e se n vo lv e , id e n ­
pecial, das e s p a c ia lid a d e s e te m p o ra lid a d e s a s­ tifican d o as c o n tra d iç õ e s próprias d essa re la çã o
sociadas a essas d im e n sõ e s. A cu ltu ra m a n ife s ­ que se m aterializa nas c id ad es b rasileiras. In d i­
ta-se e sp a c ia lm e n te , tornando-se o b je to nas in­ cou-se o e n tre la ç a m e n to de duas crises - a a m ­
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b ien tal e a so c ia l, que se realizam na u n id ad e do Seg u n d o Im p ério até o final da Prim eira R e­
do e s p a ç o geo g ráfico , e re c o n h e c e n d o a insepa- p ú b lica; observou-se a grande in d u strializ ação
ra b ilid a d e en tre o m eio e a s o c ie d a d e , p ro ­ o co rrid a nos anos de 1940 a 1950 em regiões
curou-se a v a lia r a su p e ra ç ã o dos dois m o d e lo s e s p e c ífic a s do país, e se d isco rreu so bre a me-
atu ais de p la n e ja m e n to : o p la n e ja m e n to e stra ­ tro p o lização e a re stitu içã o da propriedade pri­
tégico e o p la n e ja m e n to p articip ativo . Por outros vad a da terra, posta de form a ex ten siva nesse
c a m in h o s, sugeriu-se o d e cifra m e n to do p arad ig ­ m om ento . Abordou-se o co n su m o dirigido e ge­
m a da natureza, co m o ex te rio rid a d e que ganha neralizado, que ap o n tam para a in stau ração do
re a lid a d e em no ssa c o n s c iê n c ia , co m o recu rso c o tid ia n o nas nossas cid ad e s, realizand o a re­
que c irc u la aos p e d a ço s e co m o m eio a m b ie n te p ro d u ção am p lia d a do cap ital e a rep ro d u ção do
no âm b ito da o rg anização so cial, en tran d o em e sp a ço as e sc a la s do m undial e do lugar, indi­
um c irc u ito de p ag am entos onde a q u e la m e re ce cando-se o e s ta b e le c im e n to do regim e do hotel
ser re p e n sad a no p la n o do c id a d ã o . Fo ram no plano da vid a de todos os dias, por inter­
trazidas ao d e b a te as p o ssib ilid a d e s (de gestão) m éd io do d e slo ca m e n to das práticas sócio-es-
da "b a s e n a tu ra l" em crise, sob a qual o urb an o p aciais do h ab itar para as do circ u la r e da pas­
se s u s te n ta , e v id e n c ia d a p elo d e s c o m p a s s o sagem da id éia de "h a b ita b ilid a d e " para a noção
en tre o ritm o lento da re p o siçã o da natureza e de "h o te la rid a d e " em esb o ço . A ind a tratou-se
o ritm o in ten so da a c u m u la çã o do cap ital, q u a n ­ da "cid ad e - e sp e tácu lo " co m o m ercad o ria, a qual
do se indicou "n o sentido do d esen vo lvim en to da ven d e não só a re p re se n ta çã o da cid ad e, m as a
s o c ie d a d e a m p a ra d o em s a b e re s de cunho cid ad e real, o nde am b as são o b je to de estra­
c o n se rvad o rista " tégias e de negó cio s, in d ica n d o que a p resença
Por fim , na sétim a S e s sã o de D ebates do urbano e da u rb a n iz ação co m o negócio não
procurou-se a b o rd a r co m o o m odo de p ro d u ção é de form a algum a um a e x ce ç ã o , é estrutural!
de m e rc a d o ria s no B rasil, do últim o q u artel do Esse rápido ap an h ad o das Sessõ e s de
S é c u lo X IX até hoje, em d iferen tes re co rte s es- D ebates pode m ostrar a riqueza do ponto de
paço-tem porais, se realiza ao in sta u ra r a pro­ vista dos co nteú d o s abordados, no qual fica mais
p rie d ad e p riva d a e a vid a co tid ia n a nas cid a d e s um a vez claro o quão fértil é o am biente do
e no u rb an o , em um a d im en são e c o n ô m ic a que S IM P U R B , c o m o a m b ie n t e p r e c ip it a d o r de
ten d e a p rod u zir todo o e sp a ço no se n tid o da p e sq u isa s e novas re fle x õ e s . E n tre ta n to , ao
troca, do negócio, do consum o. Indicou-se que o apontarm os as p o ssib ilid ad es en treab ertas pelo/
e s p a ç o se to rn a cad a vez m ais estratég ico do ao novo, o que fora buscado por poucos, ficam os
ponto de vista da re p ro d u çã o do cap ital, pro­ aquém do esperado. Mais ainda, quando vertica-
v o c a n d o u m a p ro fu n d a c o n tr a d iç ã o e n tre a lizam os, no sentido de se expor nossas reflexões
p ro d u çã o da cid a d e , co m o lo c u s da re a liz a çã o ou questões teó ricas, m antem os clara a sed i­
da m e rc a d o ria , e a p ro d u ção da cid a d e , co m o m entação reinante das diferentes perspectivas
lo c u s da re p ro d u çã o da vida. Expôs-se a u rb a ­ ou e sco las teórico-m etodológicas na geografia
niza çã o co m o sín te se co n tra d itó ria q u an d o se urbana b rasileira; e m b o ra p erm an eçam su b ja ­
dá, j á nos m o m e n to s in icia is da tra n sfo rm a çã o c e n te s , p o u c o e x p r e s s a s e n ã o p o s ta s ao
da terra em negó cio , a p ro d u ção de n o vas espa- debate, os percursos, as d ificu ld ad es e as qu es­
c ia lid a d e s , o e m b a te entre o direito c o stu m e iro tões de m étodo. Ou seja, parece que in d ivid u al­
e o d ireito p o sitivo , e a re d e fin iç ã o do se n tid o m e n te , na m a io ria d a s a p r e s e n t a ç õ e s , não
da s o c ia b ilid a d e ; tam b ém se d e sta co u o papel d esejam o s abrir um cam p o de an álise crítica ou
da in ic ia tiv a privad a, ca ra cte riz a n d o os e le m e n ­ não nos disp o m o s a expor e d iscu tir nossas
tos de v a lo riz a ç ã o do e sp a ço e m p re e n d id o s por ab o rd ag ens da p ro b le m á tic a u rb an a h o je em
m eio de n o va s estrutu ras e s e rv iç o s urb an o s, curso. Assim , segundo pude 1er, resp o n d em o s
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p arcialm en te ao desafio axial proposto. Q uan to sup erp ostas "a v a lia ç õ e s a c a d ê m ic a s " de caráter
aos debates, estes ainda só fluem entre alguns q uantitativo; a realid ad e urbana hoje é d e s c o n ­
dos veteran o s - com larga co n trib u içã o cie n tífica certante e e n vo lve já a todos, assim p esq u isar e
no cam p o da geografia urbana, e os iniciad os, d iscutir a produção do esp aço no p resente e o
aqui incluindo a m aioria dos pesquisadores ca lo u ­ co m o se p en sa so b re este p rod u to -p ro cesso
ros - jo v e n s na p esqu isa e nos Sim p ó sio s ou presente hoje é, sem dúvida, tarefa das m ais
seja, a co n te ce u so m en te entre os integrantes difíceis!
das d iv e rs a s m esas nas v á r ia s Sessões de Noto, além disso, que é grande a s e m e ­
Debates - um mau "h á b ito " do d eb ate restrito, lh an ça entre o que c o n seg u im o s realizar nesse
gerado p elas M esas Redondas e Sessões de S im p ó sio , em suas re lativa s p ro p o rçõ es, com o
C o m u n icaçõ es em outros even to s -, não som ou que realizam os em nossas a tiv id a d e s nos úl­
de m aneira su b stan tiva novos p esq u isad o res ou tim os cursos letivos, com nossos atuais alu n o s e
participantes aos que j á debatem as q u estões o rien tan d o s, ou em nossas próprias p esq u isas.
postas. Q ual o p o r q u ê ? T a lv e z re c e a m o s a Não será porque hoje a u n ive rsid a d e p ú b lica e
exposição ao grupo m aio r? Ou talvez não lem os, a a tivid ad e de p esq u isa em C iê n c ia s H u m an as
quando vam o s ao Sim p ó sio , e fe tiv a m e n te os no Brasil foram tam bém se q ü e strad as pela pre­
textos (podem os até não tê-los re ce b id o p re via ­ se n ça re ce n te do c o tid ia n o ? M erece, a m eu ver,
mente, alguns inscritos dirão!), logo estam os e a cu ra d a reflexão de todos os e n v o lv id o s com o
nos m antem os d e sp re p a ra d o s? Essas q u estões even to , en fren tan d o d e c id id a m e n te esta m u ta ­
apenas nos darão respostas tó p icas ou su p e r­ ção que carrega e se nutre, sem crítica, da per­
ficiais! A leitura que faço dos resultad os do VII m a n ê n c ia de v a r ia d a s p r á tic a s e r e fle x õ e s
SIM PU R B, tendo participad o ora de sua organiza­ im óveis.
ção ora de um a m esa das S e ssõ e s de Debates, R eto m an d o o eixo central de crítica p os­
imagina que o pro b lem a pode estar em outros to pelo V II S IM P U R B , diria que seu o b je tiv o fora
pontos: o nosso d esp rep aro para a m etam orfose trazer à luz a re la çã o entre o m o vim en to da
na con fo rm ação d este Sim p ó sio , resultando em realid ad e, do real, do p resente, e o m o vim en to
não ter fom en tado e nem agregado ainda aos do p e n s a m e n to , do m é to d o , d a (s ) aborda-
debates um núm ero m aior de (n ovos) p esq u isa­ gem (en s) geo g ráfica(s) no presente. Po d eríam o s
dores; a in c a p a c id a d e da m a io ria dos textos m ais um a vez e s c re v e r e falar da "c ris e do
enviados em resp o n d er a q uestão central posta p en sam en to c rític o " o que é hoje só m ais um a
em seu o b jetivo , ca b e n d o então reler tanto os m an eira de e s c a p a r d iscu rsiv a m e n te de um a
trabalhos se le cio n a d o s quanto os não s e le c io n a ­ profunda crise geral do p en sa m e n to e de (n o ­
dos; o "v íc io " nosso com tem as e tratam entos vos) p rojetos p o lítico s, so b re m a n e ira na u n iv e r­
teórico-m etodológicos em d ireçõ es de p esquisa sidade. Se, p o d em o s afirm ar que, o p resen te
por dem ais cristalizadas, p od en do nos levar, o hoje, en q u an to lugar de nossa vid a e o b je to de
que não deixa a salvo os p esq u isad o res v e te ra ­ nossos estud os, é m a rcad o p ro fu n d a m en te pe­
nos, a p rocurar/q uerer en co n trar sentid o s p re d e ­ las d ife re n te s te rrito ria lid a d e s , c o le tâ n e a s e
term inados em novas in vestig açõ es e não o que co n trad itó rias, onde a m o b ilid ad e se torna u b í­
as m esm as pro curarão /p o d erão d e sve n d a r e nos qua; o nosso "c a m p o " agora é o cam p o do m o ­
surpreender; a red u ção im posta aos prazos dos ved iço , do m ó vel! O VII S IM P U R B tornou patente
program as de pós-graduação e, por c o n se q ü ê n ­ que bu scam o s e n c o n tra r os c a m in h o s p o ssíveis
cia, nas pesqu isas de m estrado e douto ram ento , de um a (re n o va d a ) reflex ão crítica, sob re o m o ­
asso ciad a ao a u m e n to na carga de trab alh o , vim e n to , a m p la m e n te d irigid a e g e n e ra liz a d a
im pondo ativid a d e s várias aos professores-pes- pelo cap ital nesse in ício de sécu lo . Não so m en te
quisadores orientad o res, a partir de co n stan tes e sobre o m o vim e n to do real, m as a cim a de tudo,
160 — G E O U SP - Espaço e Tem po, São Paulo, N ° 11, 2002 Pessoa, J.A .M .

digo até a n te rio rm e n te , so b re o m o v im e n to do s ig n ific a j á um a nova p o s itiv id a d e em ato!


p e n s a m e n to , das a b o rd a g e n s c rític a s ou prag­ H ou ve, por outro lado, c o b ra n ç a s para que se
m áticas co m vista s a p ro b le m a tiz a çã o do s a b e r vo lte a in clu ir nos próxim os S im p ó sio s sessõ es
e s ta b e le c id o ou do que a cre d ita m o s, sem d ú v i­ de c o m u n ic a ç õ e s de p esq u isas, ou, ainda m e­
das, j á ter c o n h e c im e n to . Im p lic a r ia , no plano lhor, se in clu a E s p a ç o s de D eb ates com trab a­
teó rico , a e la b o ra ç ã o e, no plano m e to d o ló g ico , lhos s e le c io n a d o s a p artir de tem as. O utros
a o b s e rv a ç ã o por nós, in d ivid u a l e c o le tiv a m e n ­ co b ram um a re d u çã o no tem po da sua realiza­
te, de p o lio r a m a s . Se g u in d o os p asso s pro­ ção para m enos de um a s e m a n a , d e v id o a
postos por ítalo C a lv in o p a r a e s te m ilê n io , as g ran d e dem anda de tra b a lh o s nos q u ais os
q u a lid a d e s re q u e rid a s nos a p ro x im a ria m de p ro fe s s o re s- p e s q u isa d o re s e s tã o p ro g re s s iv a ­
M e rc ú rio e d e ix a ria m em seg un d o plano os atri­ m ente e n vo lvid o s. T am b ém se co b raram crité­
butos de V u lc a n o , que d esd e há m uito "m o v e m " rios de s e le ç ã o e c o n v ite m ais e m ais explícitos.
a G e o g ra fia 4. A qui, assin a lo , a princip al ve n tu ra Esp e ra m o s que o livro a se r em breve p u b lica­
d esse S im p ó sio . do, co n te n d o todas as a p re se n ta ç õ e s, d eb ates e
Há a in d a o utro s m éritos, e em e sp e cia l, sín te se s e la b o ra d a s, m ostre que nossos esfo r­
a v a n ç o s a registrar. R euniu m ais um a vez geó­ ços não se fazem em vão.
Três últim os p ontos d evem ser m arca­
grafos p e sq u is a d o re s b rasileiro s, n o m es com
dos. Prim eiro, as au sên cias-p rese n ças do Pro­
larga c o n trib u iç ã o c ie n tífica e nom es jo v e n s , em
fesso r Milton Sa n to s, por d iversa s vezes lem b ra ­
um e v e n to que não se propôs e não se realizou
do, h o m e n a g e a d o e c ita d o ; e do P ro fe s s o r
co m o e v e n to de m assa e m uito m en o s evento-
A rm ando C orrêa, tam b é m le m b rad o e h o m en a­
e sp e tá cu lo . T rouxe outro form ato e outra d in â ­
geado. Depois, a p re se n ça e a C o n fe rê n c ia do
m ica para o d e b a te de id éias no âm b ito da g eo ­
g eó g rafo fra n c ê s M a rce l R o n c a y o lo , so b re a
grafia urban a. A briu, ex p licitam en te, três novos
p esq u isa urb an a h oje, na m an h ã do prim eiro
tem as para co n d u z ir o p e n sam e n to e os estud o s dia. Por fim d evo le m b ra r que os Pro fesso res
de caso. D esau to rizo u re la tiva m e n te à figura da E d v ã n ia G o m e s e J a n B ito u n , do D ep artam ento
au to rid a d e n esse ca m p o do c o n h e c im e n to c ie n ­ de G eog rafia da U n ive rsid a d e F ed eral de Per­
tífico , o rie n ta n d o n o va m e n te um co n ju n to de nam buco, já nos aguardam para o V III SIM PU R B ,
re fe rê n c ia s de p e sq u is a s no B ra sil. Por fim , nos dias de o u tu b ro do próxim o ano, em R ecife.
expôs ig u alm e n te a todos - a p re se n ta d o re s e Vam os lá! Q u e a R a p id e z e ste ja ao nos­
d e b a te d o re s das p esq u isas, bem co m o c o o rd e ­ so favor!
n a d o re s - e s ta m o s to d o s em x eq u e! O que Sã o Paulo, verão de 2002.

N otas

1994. Os
1. C A R L O S , A n a F an i A le s s a n d ri (org .). G e o g r a f ia U rb a n a . Rio de Ja n e ir o , A G B / U F R J/
cam in h o s da reflexão sobre a cidade e o ur­ IB G E / C N P Q ; CAMACHO, A d ils o n R o d r ig u e s .
bano. S ã o P a u lo , E D U S P , p p .9-15. 1998. " 5 o S im p ó s io N a cio n a l de G e o g ra fia U rb a n a
2. Cf. A B R E U , M a u rício de A lm e id a ; C O R R Ê A , R o ­ de 21 a 24 de o u tu b ro / 1 9 9 7 " G E O U S P E s p a ç o e
b erto L o b a to ; D ia s , L e ila C h ris tin a D u arte et al. T em p o R e vista de pós-graduação em G e o g ra fia ,
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Pensar e projetar a cidade do século XXI: desafios para a construção da problemática urbana, pp. 155-161 161

FFLCH /USP, pp. 109-13; SILVA, Jo s é Borzac- vas geográficas. Presidente Prudente, FCT/UNESP/
chiello da; COSTA, Maria Clélia Lustosa; DANTAS, GASPERR.
Eustógio W and erley C orrea (orgs.). 1997 A 4. CD-ROM A N A IS VII Sim p ó sio N a c io n a l de G eo­
cidade e o urbano: tem as para debates. Fortale­
g rafia Urbana I Sim p ó sio In tern acio n al. 2001
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São Paulo, Dep. de Geografia/LABUR/USP/ AGB/
2000. "6 o Sim pósio Nacional de Geografia Ur­
bana. G E O U S P Espaço e Tempo - Revista de pós- CAPES/CNPQ/FAPESP.
graduação em Geografia, n.7 São Paulo, Dep. de 5. CALVINO, ítalo. Rapidez. S e is p ro p o sta s p ara o
Geografia/Humanitas/FFLCIi/USP, pp. 149-51. próxim o m ilênio: lições am erican as. Tradução
3. Cf. ainda SPO SIT O , Maria Encarnação Beltrão Ivo Barroso. São Paulo, Com panhia das Letras
(org.). 2001. U rb an ização e cidades: p e rsp e cti­ (1985), pp.43-67, 1990.

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