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Artigo Bioética

1.​ A
​ importância das abelhas para a sociedade

As abelhas estão envolvidas em uma interação mutualística considerada


fundamental para a manutenção da vida na Terra. Esta interação resulta no
processo conhecido como polinização. A polinização antecede a fecundação dos
óvulos na reprodução sexuada das plantas, possibilitando a formação de frutos e
sementes que originarão novos conjuntos de indivíduos compondo as comunidades
vegetais. Esta interação também permite o fluxo gênico das espécies vegetais,
garantindo o reestabelecimento da diversidade de uma comunidade (PALMER ​et al​.,
1997; RODRIGUES & GANDOLFI, 2000).
As abelhas destacam-se como agentes polinizadores tanto de plantas nativas
como cultivadas, sendo responsáveis pela polinização de aproximadamente 50% de
espécies vegetais presentes em florestas tropicais e 80% de espécies que ocorrem
no cerrado. Já em relação às plantas cultivadas, as abelhas atuam na polinização
de 73% dos cultivos agrícolas, incluindo os que estão presentes diariamente na
alimentação humana, tais como: cultivos de tomate, soja, berinjela, laranja, maçã,
maracujá, entre outros (SANTOS & MENDES, 2016).
Por outro lado, as plantas disponibilizam recursos florais para seus
polinizadores que são utilizados na alimentação, reprodução e/ou construção de
ninhos. Recursos nutritivos, como pólen, néctar, óleos e tecidos florais são utilizados
para a alimentação, e os recursos não nutritivos são destinados à construção de
ninhos, como no caso das resinas, ou a comportamentos reprodutivos, como os
compostos aromáticos (ROUBIK, 1989). Dessa forma, essa importante interação
beneficia e garante a sobrevivência das plantas e das abelhas que realizam a sua
polinização.
Além de seu importante papel como polinizador, as abelhas também são
conhecidas pelos diversos insumos que produzem e são comercializados
mundialmente. O produto com maior destaque produzido pelas abelhas é o mel. A
produção do mel é realizada a partir do néctar floral que é coletado pelas abelhas e
após ser desidratado por meio de transformações químicas realizadas por enzimas
presentes no trato digestivos das abelhas ele é regurgitado e, por fim, armazenado
em estruturas chamadas de alvéolos que estão presentes nas colmeias, para
posteriormente ser utilizado na alimentação dos indivíduos da colmeias
(GOLYNSKI, 2009). O mel possui propriedades medicinais proveniente dos vários
compostos que o constitui, como: água, mono e dissacarídeo, vitaminas, sais
minerais, proteínas, entre outros. Além disso, o mel é muito apreciado por seu sabor
característico, muitas vezes sendo utilizado como substituinte natural da sacarose
na alimentação humana (BACAXIXI​,​ 2011).
A extração e comercialização do mel é realizada a partir da criação de dois
grupos distintos de abelhas. A criação de abelhas da espécie ​Apis melífera é
denominada Apicultura. Essas abelhas possuem ferrão e são conhecidas
popularmente como abelhas africanizadas, pois são fruto do cruzamento de uma
espécie africana (​Apis mellifera scutellata​) com espécies europeias, ambas
introduzidas no Brasil durante o período colonial (BALLIVIÁN ​et. al.,​ 2008).
A apicultura é uma das atividades agropecuárias com grande destaque no
agronegócio brasileiro, proporcionando uma renda extra aos pequenos produtores.
Segundo a Associação Brasileira de Exportadores de mel (ABEMEL), o Brasil
apresentou uma evolução no ranking dos países exportadores de mel, subindo da
14ª posição que ocupava em 2014 para a 9ª posição em 2016. Já em relação a
produção de mel, em 2017 foram produzidas no total 41,6 mil toneladas de mel em
3 879 municípios brasileiros, arrecadando um valor de R$ 513,9 milhões e gerando
um aumento de 5,0% na produção nacional em relação ao ano anterior (IBGE,
2017).
Existe também, porém ainda pouco popularizada, a Meliponicultura, que
consiste na criação das diversas espécies de abelhas sem ferrão que compõe o
grupo dos meliponíneos. Essas abelhas também são conhecidas como abelhas
nativas, pois diferente da ​A. mellífera que é uma espécie de abelha exótica, os
meliponíneos são abelhas nativas do Brasil, encontradas especialmente na região
amazônica. Ou ainda são chamadas de abelhas indígenas, por terem sido
manejadas inicialmente por povos indígenas que extraiam recursos provenientes de
suas colmeias para diversos fins (NOGUEIRA-NETO, 1997; LOPES ​et al​., 2005).
Além do mel, produtos como a própolis, geleia real e o veneno das abelhas
também são comercializados. A própolis é considerada um tipo de cera elaborada a
partir da resina removida das plantas. Ela é usada pelas abelhas na construção da
colmeia, agindo como antibacteriano e antibiótico natural e pelos humanos em
indústrias para a fabricação de cosméticos e produção de velas. Já a geleia real é
utilizada exclusivamente na alimentação da cria que dará origem a rainha da
colmeia, apresentando aminoácidos e vitaminas que funciona como uma importante
fonte de energia (ROCHA, 2008).
Devido às propriedades medicinais da apitoxina presente no veneno das
abelhas ele é utilizado na Apiterapia, uma modalidade alternativa da medicina que
utiliza o veneno das abelhas com fins terapêuticos (LEITE & ROCHA, 2005).
Estudos relatam a utilização desse produto no tratamento de diversas doenças,
como: eczema, úlceras tópicas, verrugas, laringite, mastites, herpes, artrite
reumática, depressão, mudanças no humor (GOLDBERG ​et al​., 1994), hipertensão,
arritmias, arteriosclerose, doença vascular (BEHRENS ​et al​.,1994), esclerose
múltipla (MRAZ, 1993; SIMICS, 1998; ROY, 2000), entre outras.
Neste contexto, percebemos que os produtos obtidos a partir das colmeias
representam algumas das contribuições mais importantes para a civilização humana
e para o desenvolvimento econômico. É notável como esses insetos produzem
inúmeros insumos valiosos que nos beneficiam nos mais diversos setores. Apesar
da sua extrema importância, devido a diversos fatores como os citados neste
trabalho, as abelhas encontram-se em declínio por causa das diversas ações
antrópicas resultantes, principalmente, de questões econômicas.

2. Principais fatores responsáveis pelo declínio das abelhas

O primeiro registro sobre o declínio das abelhas ocorreu no continente norte


americano. No inverno de 2006–2007 verificou-se que colônias que entravam em
colapso apresentavam características bem definidas, embora sem causa conhecida.
Por ter sido reconhecido somente após ocorrido e por meio de um conjunto de
sintomas, o fenômeno passou a ser tratado como uma síndrome e foi denominado
distúrbio do colapso das colônias, do inglês “colony collapse disorder” (CCD)
(vanEngelsdorp ​et al​., 2009). Vários estudos vêm mostrando que o problema é
ocasionado por diversos fatores ambientais, ecológicos e antropológicos
(BERINGER, 2019).
O desmatamento e as queimadas ocasionados pelo homem são os agentes
que protagonizam o desaparecimento das abelhas (BARBOSA ​et al​., 2017). Grande
parte das espécies de abelhas possuem como habitat natural o oco das árvores. O
desmatamento e a consequente destruição desses habitats podem alcançar uma
totalidade de 300 a 350 espécies de abelhas, deixando-as sem locais para a
construção de seus ninhos ou colônias (SILVEIRA & PEDROSO, 2017). Além disso,
o desmatamento resultante, principalmente, da exploração florestal exacerbada gera
fragmentos pequenos chamados manchas florestais (GOMES ​et al.​, 2018). Esses
fragmentos dificulta a locomoção das abelhas e dessa forma, a variabilidade
genética necessária ao desenvolvimento natural das comunidades de abelhas é
comprometida (FRANCOY ​et al.,​ 2018).
A migração realizada pelas abelhas por procura de recursos alimentares e
para construção de ninhos que encontram se cada vez mais escassos, resultou em
uma modificação nas suas distribuições geográficas, o que vem favorecendo o
contato com patógenos, parasitas e predadores com os quais elas não coexistiam
anteriormente, contribuindo para a morte desses insetos (LE CONTE & NAVAJAS,
2008).
Um outro fator muito preocupante é o uso de agroquímicos e inseticidas
advindos da expansão da agricultura. Esses produtos afetam as colmeias das
abelhas sociais e os ninhos das abelhas solitárias que se encontram localizados em
áreas de mata ao redor das culturas (LOPES ​et al.​ , 2018). O agroquímico é
extremamente tóxico para as populações de abelha acarretando colapso do sistema
nervoso e morte nos indivíduos (DECIO, 2019).
Atualmente, o maior empecilho para a apicultura mundial é justamente a
Síndrome do Colapso das Abelhas. Algumas práticas realizadas pelos apicultores
são responsáveis por parte deste colapso, como por exemplo deixar as células de
cria no chão após a retirada do mel, facilitando a destruição dessas células por
formigas (DA ROSA ​et al.​ , 2019; ALMEIDA ​et al.​ , 2017). A célula de cria é uma
estrutura construída pelas operárias, com cerume, no qual a abelha rainha deposita
os ovos que originam as novas abelhas para a formação da colmeia. Com a
destruição dessas células, a comunidade é prejudicada, podendo ser totalmente
perdida (GONÇALVES & MARQUES, 2018).
O declínio das abelhas devido a todos esses fatores afetarão as atividades
que exploram comercialmente seus serviços, seja na polinização a partir da redução
na produção de frutas, verduras e estimulantes (como café, por exemplo) ou na
produção apícola. As fronteiras da apicultura deverão ser alteradas em razão das
mudanças climáticas e da disponibilidade de recurso florístico, fatores esses que
afetam diretamente as abelhas. Haverá também uma busca por subespécies mais
resistentes e melhor adaptadas às novas condições ambientais e resistentes a
patógenos (LE CONTE & NAVAJAS, 2008).
Segundo Ferreira ​et al. (2012), no Brasil essa situação pode ser considerada
preocupante. Cerca de um terço do território nacional já foi convertido em produção
agrícola, o que tem levado à perda de grandes áreas de vegetação natural e além
disso, o país é reconhecidamente um grande consumidor mundial de agrotóxico.
Diante do conhecimento dos impactos negativos de todos esses fatores, devem ser
propostos investigações permanentes e reflexões sobre as consequências de tais
efeitos a longo prazo nas comunidades de abelhas e, portanto, na sociedade como
um todo.

REFERÊNCIAS

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