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Epistemologia Ambiental
5 a edkáo
2' reimpressáo
Traduáo de
Sandra Valenzuela
®EDIT OrRA
EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL
Enrique Leff
Capa: DAC
Preparacdo de originais:Agnaldo Alves
Revisdo técnica da traduvdo:Paulo Freire Vieira
Composiedo: Linea Editora Ltda.
Coordenacdo editorial: Danilo A. Q. Morales
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem a autorizagáo expressa
do autor e do editor.
SUMÁRIO
PRÓLOGO ÁA ED00
*
A publicagáo deste livro — formado por cinco textos escritos entre 1980 e
2000 — suscitou urna preocupagáo: a de justificar a coeréncia do pensamento
epistemológico desenvolvido nos capítulos que o constituem, em seus diferen-
tes momentos de reflexáo, na transigáo e nos saltos epistémicos desde seus fun-
damentos no estruturalismo teórico e no racionalismo crítico dos trés primeiros
capítulos, até o pensamento pós-estruturalista e pós-modernos dos dois últimos
capítulos do livro; da coeréncia entre a epistemologia althusseriana aplicada á
articulagáo das ciéncias, as estratégias de poder no saber ambiental fundadas na
arqueologia de Michel Foucault, a categoria de racionalidade de Max Weber, a
ontologia existencial de Martin Heidegger, a ética da outridade de Emmanuel
Lévinas e o pensamento desconstrucionista de Jacques Derrida.
Os motivos dessas transigóes e da extemalizagáo contínua (descontínua)
do ambiente no trajeto seguido por essa epistemologia ambiental foram o tema
da aula inaugural para a qual fui convidado pelo Centro de Desenvolvimento
Sustentável da Universidade de Brasília em agosto de 2003, e em seguida trans-
crita e publicada em um pequeno livro'. Náo haveria sentido em repetir aqui as
argumentagóes afi expostas e remeto os leitores interessados a esse texto. Em-
bora afi tenham sido esbogados as paisagens e os cenários de cada urna das
órbitas desse percurso, e expostos seus saltos e transigóes, ainda faltava justifi-
car a coeréncia desse pensamento ao longo de seu trajeto: o "abandono" do
estruturalismo marxista de meus primeiros escritos; minha falta de submissáo
ás teorias de sistemas e ao pensamento da complexidade; minha inclinagáo para
a política do saber, a atragáo pela sociologia weberiana, minha sedugáo pelo
pensamento da pós-modernidade, e até a possível queda em um ecletismo injus-
tificável. Se retomo o tema náo é para me explicar e me justificar diante das
possíveis críticas (mais imaginadas que recebidas), e sim porque a coeréncia do
1
10 ENRIQUE LEFF
O recurso á metáfora pode ser-nos útil para compreender essa busca teóri-
ca. E talvez a analogia da concepgáo do átomo na física quántica possa prestar
um bom servigo epistemológico. A primeira órbita é a de menor energia, porém
a mais próxima do núcleo positivista em torno do qual gira o saber ambiental.
Nesse sentido, o estruturalismo teórico de Althusser permite urna crítica mais
próxima, ainda com as ferramentas do pensamento científico objetivo. Esse es-
pírito crítico impulsiona o pensamento ambiental para suas novas órbitas.
O saber ambiental que emerge dessa crise de civilizagáo e da racionalidade
do mundo moderno plasma-se no espato de exterioridade do pensamento meta-
físico e do conhecimento científico que procurara abarcá-lo e atraí-lo para seu
centro de gravidade. Foi essa a vontade das teorias de sistemas, dos métodos
interdisciplinares e das ciéncias da complexidade que emergem nessa encruzi-
lhada do pensamento. No entanto, o saber ambiental é expulso do núcleo da
racionalidade científica por urna foro centrífuga que o impulsiona para fora,
que o impede de se fundir no núcleo sólido das ciéncias duras e objetivas, de se
subsumir em um saber de fundo, de se engrenar no círculo das ciéncias e se
dissolver em urna reintegragáo interdisciplinar de conhecimentos. O saber am-
biental está em fuga; mantém-se em um processo contínuo de demarcagáo, de-
limitagáo, disjungáo, desconstrugáo e diferenciagáo do conhecimento verdadei-
ro, do saber consabido, deslocando-se para a exterioridade dos paradigmas esta-
belecidos, libertando-se do jugo do propósito totalitário de todo pensamento
global e unificado. Essa é a vocagáo do saber ambiental que une as diferentes
órbitas de seu pensamento epistemológico.
Ao longo do livro, o saber ambiental se mantém nesse espato exterior ao
núcleo das ciéncias. Essa vontade de exteriorizagáo permanente se verifica em
um processo de demarcallíes sucessivas. A renúncia ao fechamento dogmático,
ao conformismo do pensamento e á finalizagáo do saber é o fio condutor desta
epistemologia ambiental, o que permite extraditar o pensado em cada momento
e abrir as portas do pensamento para novos horizontes do saber, para o que ainda
falta pensar em sua tarefa questionadora, sabendo que náo existe retorno para o
porto originário e que nunca terminará de sulcar os mares do conhecimento.
No entanto, sua coeréncia náo se contenta com essa vontade de exteriori-
zagáo. Esta terá de ser confirmada na organizagáo de suas argumentagóes em
cada urna de suas etapas: no racionalismo crítico aplicado ao estudo da interdis-
ciplinaridade no campo do saber ambiental; sobre os saltos epistémicos na ar-
queologia do saber e a configuragáo das estratégias de poder no saber que se
inscrevem nessas formagóes discursivas; sobre o encadeamento e a confronta-
gáo de diferentes racionalidades; sobre o pensamento da complexidade e a con-
12 ENRIQUE LEFF
modernidade, é deslocada para urna reflexáo sobre a relagáo entre o ser, o pen-
sar, o saber, a identidade e a agáo. A complexidade ambiental é pensada como a
construgáo social que emerge da reflexáo (a intervengáo, o efeito, o impacto) do
conhecimento sobre o real e sobre a natureza, para além da visáo objetiva das
ciéncias da complexidade e da visáo ecologista do pensamento complexo. A
complexidade ambiental emerge da hibridagáo entre a ordem físico-biológica,
tecnológico-económica e simbólico-cultural. O imaginário da representagáo, da
verdade como correspondéncia entre o conceito e o real, desloca-se para a rela-
QáO entre o ser e o saber. A identidade quebra o espelho do imaginário metafísi-
co da igualdade para se configurar em relagáo com sua história, seus mundos de
vida e seus futuros possíveis; na reinvengáo de seres individuais e coletivos em
confronto com a ordem global hegemónica, em processos de ressignificagáo e
estratégias de reapropriagáo da natureza.
O diálogo com Derrida leva o conceito de diferáncia para urna política da
diferenga, na qual se constroem os direitos á autonomia, a ser diferente, a náo
subsumir a diferenga em urna ordem universal e homogénea suprema e domi-
nante. O diálogo com a ética de Lévinas desloca a idéia de outridade para um
diálogo de saberes. A complexidade ambiental náo emerge ali da generatividade
da physis, mas das relagóes infinitas que se estabelecem entre o real e o simbó-
lico. A história se abre como um processo de complexificagáo da vida, condi-
cionada pelo real (a entropia), mas conduzida pela ressignificagáo do real atra-
vés da linguagem, de estratégias discursivas e de urna política da diferente, para
um mundo sustentável possível pelo diálogo de saberes, pelo encontro de cultu-
ras diferentes e de atores sociais diferenciados.
Esse é o horizonte para o qual navega a epistemologia ambiental. A exte-
riorizagáo sem fim do ambiente une as órbitas — os saltos quánticos e suas
transigóes — dos capítulos dente livro. Em suas demarcagóes e diferengas teóri-
cas e filosóficas existem lagos de solidariedade e condigóes de possibilidade do
pensamento abertos pela reflexáo do saber ambiental. Dessa maneira, a episte-
mologia althusseriana, que reconhece a especificidade das diferentes ciéncias e
sua relagáo com o real através da construgáo de seus objetos de conhecimento,
náo poderia ter ocorrido sem a revolugáo ontológica heideggeriana, que opóe a
ontologia do ser e a heterogeneidade do real á homogeneidade da realidade
empírica e á unidade do logos da ciéncia positivista. O pano de fundo em que
Althusser inscreve sua epistemologia é tecido numa ontologia da diferenga. Pois,
como afirma Lévinas,
essa diferenga ontológica foi mais importante [...] que a tematizagáo do ser. É
verdade que a diferenciagáo entre ser e ente sempre foi muito importante. Mas
20 ENRIQUE LEFF
sempre foi mais importante que houvesse diferentes regióes do ser, que náo só
se distinguissem essencialmente, mas que fossem diferentes em seu ser. (Lévinas,
La huella del Otro. México: Taurus, 2000, p. 106)
ENRIQUE LEFF
Notas
preceptivos e simbólicos que participarla num saber guiado pelos efeitos práti-
cos imediatos, determinados pelo processo de reprodugáo/transformagáo social.
10.As ciéncias náo apreendem diretamente as coisas empíricas, senáo que
estabelecem paradigmas teóricos que permitem dar conta das relagóes funda-
mentais entre os processos que constituem seus diferentes objetos de conheci-
mento. O conceito náo é um significante como os outros, e o efeito de conheci-
mento do real que produz sua articulagáo com os demais conceitos que consti-
tuem urna teoria científica difere dos efeitos de sentido que surgem da articula-
gáo de significantes no discurso inconsciente ou no discurso ideológico. E náo
porque a ciéncia seja externa á ideologia, mas sim pela relagáo específica da
articulagáo conceitual com o real através do objeto de conhecimento de urna
ciéncia. O pensamento conceitual estabelece as relagóes fundamentais do real,
enquanto que o conhecimento técnico permite a apropriagáo produtiva ou ideo-
lógica da realidade. Desta forma, desde a Antiguidade buscava-se conhecer a
substáncia ou a "esséncia" das coisas. Mas o conhecimento do real, entendido
como processos materiais, é urna emergéncia epistémica relativamente recente,
que se remonta á fundagáo das ciéncias da vida, da língua, da história e do
inconsciente. Desde entáo conhecemos o real como efeito de certas estruturas e
processos materiais. Mas nem o real e nem as formas de seu conhecimento
constituem sistemas unitários e homogéneos. O real aparece constituído por
diferentes ordens de materialidade cujas relagóes estruturais sáo objeto de cién-
cias específicas. Já náo é o existente empiricamente, nem um princípio substan-
cial (vida, trabalho, linguagem) o que aparece como objeto de conhecimento;
inversamente, a realidade empírica surge como efeito de um processo invisível
de produgáo que só pode ser apreendida através da produgáo conceitual de cam-
pos teóricos diferenciados.
11.Sáo conceitos destas novas teorias científicas os que dáo conta da pro-
dugáo do real, "concretude de pensamento, síntese de múltiplas determinagóes".
É ao que Marx se refere guando afirma:
"é urna relagáo de conhecimento e náo urna relaláo real, entendendo por isso
urna relaQáo inscrita nesse real do qual o pensamento é o conhecimento... a
ciéncia (sua ruptura com a ideologia) inaugura uma nova forma de existéncia e
de temporalidade histórica, que fazem escapar a ciéncia (ao menos em certas
condigóes históricas que asseguram a continuidade real de sua própria histó-
ria...) da sorte comum de urna história única: aquela do 'bloco histórico' da
unidade da estrutura e a superestrutura"".
50. A soma das visóes parciais do processo histórico náo produzem a inte-
gragáo dos conceitos específicos das diferentes regióes ou instancias do todo
social. Os conceitos do materialismo histórico sáo já conceitos que articulara as
práticas diferenciáveis dessas regióes e dos efeitos de seus processos materiais.
O conceito de valor náo só integra os processos naturais, os processos de traba-
lho e os processos científico-tecnológicos para transformar-se em princípio do
processo económico. Toda formagáo de valor, o estabelecimento de um tempo
de trabalho socialmente necessário, implica tanto o desgaste de energia da forga
de trabalho como a realizagáo das mercadorias produzidas. Neste sentido, o
processo ideológico produzido pelas posigóes subjetivas dos agentes sociais
integra-se ao processo económico gerando sujeitos de consumo, traduzindo o
desejo numa demanda de mercadorias que permite a realizagáo do valor". Desta
forma, se a constituigáo biológica da forga de trabalho apresenta limitagóes para
a elevagáo da mais-valia absoluta, a acumulagáo capitalista pode prosseguir seu
ritmo de expansáo gragas á produgáo de uma mais-valia relativa proveniente do
processo de inovagáo científico-tecnológico, e da possibilidade de realizar esta
produgáo em expansáo, agindo sobre a insaciabilidade do desejo inconsciente.
O conceito de mais-valia indica a luta de classes no processo de trabalho 60, e o
conceito de luta de classes atravessa todas as práticas sociais: as práticas produ-
tivas e de consumo de mercadorias; as práticas teóricas e tecnológicas, as práti-
cas discursivas61 .
51. 0 materialismo histórico náo é, portanto, a articulagáo das "ciencias"
de suas diferentes "instancias" e "regióes": a economia política náo é a ciéncia
da estrutura produtiva, frente á psicanálise como ciéncia da superestrutura ideo-
lógica, a antropologia de sua organizagáo cultural e a ecologia de suas bases
naturais. As formagóes ideológicas náo pertencem a urna regido do imaginário
desvinculada do processo económico, o que impediria a compreensáo da auto-
nomia relativa de cada regido e romperia a interdeterminagáo das partes consti-
tutivas do todo social. A luta de classes é sempre urna luta ideológica enquadra-
da em relagóes sociais de produgáo específicas. Porém, o que interessa destacar,
o que é objeto de trabalho para o materialismo histórico e sua integragáo com
outras ciencias — ecologia, antropologia, psicanálise — é a produgáo concei-
tual que permite explicar os efeitos do modo de produgáo capitalista sobre suas
formagóes ideológicas e culturais, e sobre suas bases ecológicas de sustentabili-
dade. Isto obriga a rediscutir o problema da articulagáo de instancias e regióes
relativamente autónomas, porto que a superestrutura ideológica, política e jurí-
dica, assim como as bases ecológicas e culturais sáo, mais que condigóes gerais
da produgáo, parte constitutiva do processo económico, processos ativos no
desenvolvimento das forgas produtivas.
EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL 47
52.As diferentes práticas sociais náo sáo processos autónomos a partir dos
quais se integra a realidade do todo social. Pelo contrário, é o processo comple-
xo da reprodugáo/ transformagáo do modo de produgáo, o qual gera um conjun-
to de práticas diferenciadas como efeito da divisáo do trabalho e das manifesta-
góes da luta de classes em cada urna destas esferas. Estas práticas náo sáo produ-
zidas livremente, e sim encaixam-se num campo do possível que depende das
determinagóes estruturais do modo de produgáo e das condigóes que surgem dali
para a prática política, prática teórica, prática produtiva e as práticas discursivas.
53. 0 modo de produgáo capitalista, o objeto do materialismo histórico, é
um modelo abstrato sobre o real. Mas seu efeito de conhecimento náo depende
táo-somente da possibilidade de completar a teoria do capital através de urna
análise empírica, por conceitos observacionais e por nogóes intermediárias en-
tre o nível teórico e a realidade concreta. De cada modo de produgáo derivam
leis e condigóes gerais que organizam urna formagáo social, ou seja, as determi-
nagóes que permitam conhecer as situagóes concretas. Estas determinagóes ge-
rais devem ser completadas náo só por seu ajustamento ás diferentes condigóes
de desenvolvimento e adaptagáo do modo de reprodugáo ao meio geográfico e á
história cultural de cada formagáo social que dáo especificidade a estas leis
gerais, como efeito de sua articulagáo com as determinagóes de outras forma-
góes sociais — a articulagáo de modos de produgáo e formagóes socioeconómi-
cas. Neste sentido, a nogáo de formagáo social enriquece e torna mais concretas
as determinagóes abstratas do modo de produgáo, para dar conta do processo de
constituigáo, de reprodugáo ou de transformagáo da sociedade 62. Entretanto, a
teoria da produgáo deve ser completada incorporando esferas de materialidade
que ficaram fora da ordem complexa de condigóes de sustentabilidade ecológica
que determinam a reprodugáo do modo de produgáo capitalista e de toda forma-
gáo social onde convergem as histórias diferenciais das línguas, a heterogeneida-
de dos sistemas ecológicos e a diversidade de organizagóes culturais. Toda forma-
gáo social constitui assim como "sínteses de múltiplas determinagóes".
54. A nogáo de formagáo económico-social (FES) surgiu no pensamento
marxista como urna necessidade de subtrair as tendéncias economicistas e me-
canicistas que buscavam dar conta da complexidade da organizagáo cultural em
termos de urna articulagáo de modos de produgáo, fundado nas estruturas pro-
dutivas e nas relagóes sociais de produgáo 63. Este problema teórico náo se resol-
via fazendo funcionar as relagóes de parentesco, a língua ou a estrutura ecológi-
ca do meio geográfico como relagóes sociais de produgáo das formagóes pré-
capitalistas. Com a nogáo de FES, o processo de reprodugáo social aparece
corno um todo articulado dos processos económicos e dos processos superestru-
turais. Estes últimos deixam de ser um epifenómeno da infra-estrutura, uma
48 ENRIQUE LEFF
57. Talvez o esforgo mais acabado por construir urna categoria de análise
sociológica a partir do conceito de FES é o realizado por Fossaert 65 . Este autor
constrói, a partir de uma caracterizagáo do tipo de trabalhadores, proprietários,
meios de produgáo, que constituem um conjunto de modos e lógicas de produ-
gáo, toda urna tipologia de FES fundada em sua combinatória. Entretanto, esta
diversidade tipológica náo chega a romper com um certo esquematismo e
estatismo da análise estrutural, que dificulta a análise dinámica dos processos
de mudanga, a transigáo para novas racionalidades produtivas e a incorporagáo
dos processos culturais e ecológicos que participarla na conformagáo das relagóes
de produgáo e das forgas produtivas que devem caracterizar as formagóes sociais
que funcionam e produzem dentro de unidades ambientais determinadas.
58. O processo de reprodugáo/transformagáo do modo de produgáo capita-
lista, como um processo em escala mundial, depende das formas particulares que
adota seu predominio em nivel nacional, ou seja, de sua articulagáo com o com-
plexo de formagóes sociais diferenciadas, que através das relagóes de poder regu-
ladas pelo Estado, constituem urna "formagáo social nacional". Esta manifesta-se
como um complexo de práticas ao nível produtivo e ao nível superestrutural,
como o efeito das lutas de classes que refletem através dos aparelhos de Estado
a determinagáo exercida pelo modo de produgáo dominante. Por outro lado,
estas relagóes de poder náo resultam de urna determinagáo das estruturas que
sustentam os atores sociais passivos. Neste sentido, Balibar assinala que
"náo é o modo de produgáo (e seu desenvolvimento) que `reproduz' a formagáo
social e `gera' de alguma forma sua história; (...) é a história da formagáo social
que reproduz (ou náo) o modo de produgáo no qual se baseia e explica seu
desenvolvimento e suas transformagóes. A história da formagáo social, isto é, a
história das diferentes lutas de classes que ah se integram e de sua 'resultante'
em conjunturas históricas sucessivas" 66.
60. Natureza e sociedade sáo dual categorias ontológicas; náo sáo nem
conceitos nem objetos de nenhuma ciéncia fundada e portanto náo constituem
50 ENRIQUE LEFF
como uma teoria geral da articulagáo das ciéncias. Neste sentido, a biologia
tendia a convergir para o ecológico e o materialismo histórico, para a economia
política. Conseqüentemente, a separagáo entre o biológico e o social apareceria
como urna redugáo da cultura ás leis do ecossistema e da história ás leis do
intercámbio mercantil. Esta postura teórica permitiu demarcar o terreno de urna
teoria materialista do ambiente; contudo náo constitui urna teoria geral das rela-
góes entre natureza e sociedade nem um princípio epistemológico para o estudo
científico das sociedades "primitivas" e das sociedades camponesas.
67. A articulagáo entre natureza e sociedade, entre ecologia e capital náo
poderia se estabelecer corno urna relagáo entre intercámbio ecológico/valor de
uso e intercámbio económico/valor de troca. Urna empresa agrícola capitalista
produz valor de troca no próprio processo em que transforma os valores de uso
naturais em valores de uso para o consumo, na integragáo do intercámbio de
matéria do processo produtivo com o intercámbio ou metabolismo ecológico.
Seja nesta forma direta ou por sua articulagáo com formagóes sociais rurais,
todo modo de produgáo determina os processos de intercámbio material com a
natureza. No mesmo sentido, a energia humana atua como supone da forga de
trabalho; porém, a materialidade histórica desta náo se funda em seu caráter
natural ou biológico, mas nas condigóes sociais em que opera. Por isso, nas
sociedades agrárias e ainda nas comunidades de autoconsumo, a análise da ra-
cionalidade da produgáo e de reprodugáo social fundada no cálculo energético"
é útil para planejar as práticas do ecodesenvolvimento, mas tem um valor expli-
cativo limitado, enquanto que desconhece os efeitos das estruturas materiais
constitutivas da cultura e do ecossistema nas práticas de uso dos recursos, que
determinam os fluxos de matéria e energia.
68. A análise dos processos ecológicos, sociais e culturais, em termos de
sua racionalidade energética, surge da aplicagáo a estes campos dos princípios
da física, da entropia e da termodinámica de sistemas abertos. Neste sentido,
Lotka 72 pretendeu fundar o processo de sucessáo ecológica e de selegáo natural
no princípio de fluxo máximo de energia e Schródinger rediscutiu o fenómeno
vital a partir das leis da física e da termodinámica 73 Os princípios da termodi-
.
formas de poder cada vez mais complexos ". Mais recentemente, a conceituali-
zagáo do processo económico como um processo entrópico levou a uma crítica
radical da teoria do crescimento económico e a tratar de fundamentar a econo-
mia na ecologia, "por ser esta urna ciéncia muito mais complexa" 76. Estes argu-
mentos demonstram a irracionalidade energética e ecológica dos princípios
mecanicistas nos quais fundou-se a racionalidade económica dominante, mas
náo dáo conta da articulagáo da ordem económica com os processos estrutura-
dores ou desestruturadores do meio ambiente e das organizag6es culturais de
onde surge um potencial neguentrópico para a construgáo de outra racionalida-
de produtiva. Desta forma, a exploragáo crescente da energia da forga de traba-
lho e o desenvolvimento tecnológico caracterizado por sua tendéncia exponencial
para o consumo de recursos naturais, para a degradagáo dos ecossistemas e para
a entropia crescente da organizagáo social e dos processos produtivos, aparece
corno urna lei sociológica universal, encobrindo o efeito das tendéncias para a
maximizagáo da taxa de lucro do capital, fundado num modo de produgáo que
nada tem de natural ou de universal. Se o incremento do consumo das fontes
náo renováveis e da degradagáo da energia fosse urna lei geral de evolugáo cul-
tural, da organizagáo social e do desenvolvimento das forgas produtivas, esta lei
náo poderia ser revertida pelos princípios éticos e pelas normas morais postula-
das pelos paladinos do crescimento zero e da economia estacionária para produ-
zir urna mudanga social e impedir a catástrofe ecológica, ainda se isso implicas-
se a inviabilidade da sobrevivéncia do homem no planeta.
69. A forma particular de articulagáo das determinagóes do ecossistema, a
língua, a cultura, um modo de produgáo, é específico de cada formagáo social.
A conformagáo de seu meio ambiente, a história de suas práticas produtivas e
sociais, seus intercámbios culturais na história, determinaram a capacidade pro-
dutiva dos ecossistemas, a divisáo do trabalho, os níveis de autoconsumo e a
produgáo de excedentes comercializáveis. A intervengáo mais ou menos forte
do capital e dos Estados nacionais modificam estas modalidades de transforma-
00 do meio ambiente e dos estilos culturais pela introdugáo de novas técnicas e
modelos produtivos. Isto transforma as formagóes sociais náo capitalistas em
objetos complexos que se definem pelas interdeterminagóes entre processos
naturais, técnicos e culturais. Em todo caso, estes processos culturais náo po-
dem ser explicados mediante um esquema imaginário que reduz suas
interdeterminagóes a um modelo n-dimensional de variáveis. A articulagáo de
determinagóes que explicam as relagóes sociedade-natureza de uma formagáo
cultural, náo pode limitar-se á análise dos intercámbios energéticos nos proces-
sos produtivos ou a um princípio físico generalizável a partir dos processos
biológicos até os processos históricos. Tampouco pode reduzir-se a um esque-
EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL 55
Notas
del conocimiento". In: Leff, E. (Coord.). Ciencias sociales y formación ambiental. Barcelona,
GEDISA/UNAM/PNUMA, 1994 (ver Cap. 3 neste volume).
20. "Esta abstragáo do trabalho em geral náo é o resultado mental de uma totalidade
concreta de trabalho... o trabalho transformou-se... náo apenas enquanto categoria, mas na
própria realidade, num meio de produzir a riqueza em geral". Marx, K. "Introduction". Oeuvres,
op. cit. p. 259.
21. Althusser, L.; Balibar, E. Lire le Capital, Op. cit., p. 47.
22. Leff, E. "La teoría del valor en Marx frente a la revolución científico-tecnológica".
In: Leff, E. (ed.) Teoría del valor. México, UNAM, 1980.
23. Leff, E. "Ciencia y tecnología en el desarrollo capitalista". In: Historia y sociedad, n.
6. México, 1975. p. 75-87.
24. Cf. Jantsch, E. Technological Forecasting in perspective. Paris OCDE, 1967. Hetman,
F. Society and the assessment of technology. Paris, OCDE, Paris, 1973.
25. Cf. Marcuse, H. L'homme unidimensionnel. Paris, Éditions du Minuit, 1968.
26. Cf. Leff, E. "El sistema de ciencia y tecnología en el proceso de desarrollo
socioeconómico". In: Comercio exterior, v. XXVI, n. 11. México, 1976, pp. 1334-41. Sobre a
fungáo ideológica das aplicagóes técnicas das ciencias, ver Habermas, J. La technique et la
science comme idéologie. Paris, Gallimard, 1973, cap II.
27. Cf. Popper, K. La logique de la découverte scientifique. Paris, Payot, 1973.
28. Cf. Lacan, J. Escritos, op. cit. e Las formaciones del inconsciente. Buenos Aires,
Nueva Visión, 1977.
29. Althusser, L. Curso de filosofía marxista para científicos. sil, Diez, 1975. p. 38.
30. Boisot, M. "Disciplina e interdisciplinariedad". In: Apostel, L. et al. Interdisciplina-
riedad. Problemas de la enseñanza y de la investigación en las universidades. México, ANUIES,
1975. (reimpressáo em 1979, p. 108-9).
31.Leff, E. "Biosociología y ecodesarrollo". In: Leff, E. (ed.) Memorias del primer simposio
sobre ecodesarrollo. México, Asociación Mexicana de Epistemología, 1977. p. 52-71.
32. A teoria geral de sistemas de von Bertalanffy parte de urna nogáo de sistema que
"alude a características muito gerais compartilhadas por grande número de entidades que
costumam ser tratadas por diferentes disciplinas. Daí a natureza interdisciplinar da teoria
geral de sistemas; seus enunciados afetam a comunidades formais ou estruturais, deixando de
lado a `natureza dos elementos ou forra do sistema', de que se ocupam as ciéncias especiais...
A unidade da ciéncia náo é assegurada por urna redugáo das ciéncias a física e química, mas
pelas uniformidades estruturais que se estabelecem entre os diferentes níveis da realidade".
Von Bertalanffy, L. Teoría general de los sistemas. México/Buenos Aires, Fondo de Cultura
Económica, 1976. p. 263-90.
33.Meadows, D.; Meadows, J.; Randers, J.; Behrens III, W. W. Los límites del crecimiento.
México, Fondo de Cultura Económica, 1972.
34. Ver: Fichant, M. Pécheux, M. Sur l'histoirie des sciences. Paris, Maspero, 1971.
Lecourt, D. Pour une critique de l'épistémologie. Paris, F. Maspero, 1972.
35. Sobre o uso de um método analógico para a integragáo dos processos biológicos e
culturais, ver: Gerard, R. W.; Kluckohn, C.; Rapoport, A. "Biological and cultural evolution.
Some analogies and explorations", in Behavioral Science (1)1:6-34.
36. Lévi-Strauss, C. Structural anthropology. Londres, Allen Lane, The Penguin Press,
1968.
58 ENRIQUE LEFF
37. René Thom delimitou o alcance da metodologia estruturalista nos seguintes termos:
"Do ponto de vista estruturalista, náo se tenta explicar uma morfologia por redugáo a elemen-
tos emprestados de outra teoria — supostamente elementar ou fundamental... trata-se apenas
de melhorar a descrigáo da morfologia empírica exibindo suas regularidades, suas simetrias
ocultas, mostrando sua unidade interna através de um modelo matemático formal que pode ser
gerado axiomaticamente. Nesse sentido, o 'estruturalismo' é urna teoria modesta, já que seu
único propósito é melhorar a descrigáo... Por isto está táo mal fundada a atual explicagáo da
morfogénese pelo código genético na biologia. É tanto como dizer que basta decifrar o alfabe-
to de urna linguagem desconhecida para entendé-la". Thom, R. "Struturalism and biology".
In: Waddington, C. H. Towards a theoretical biology. Chicago, Aldine Publishing Company,
1968 (reimpressáo 1969 e 1970). V. 3. (Rascunhos) p. 68-82.
38. Engels, F. Dialectique de la nature. Paris, Editions Sociales, 1968.
39. Ver: Wilson, E. O. Sociobiology. The new synthesis. Cambridge, Mass., Londres. The
Belknap Press of Harvard University Press, 1975.
40. Ver. Monod, J. Chance and necessity. Vintage Books, 1972. WADDINGTON et al.,
Hacia una biologia teórica. Madri, Alianza, 1976.
41. Ver Morin, E. La méthode. T. 1, La nature de la nature. Paris, Du Seuil, 1977.
42. Ver: Waddington, C. H. "Las ideas básicas de la Biología". Hacia una biología teóri-
ca. Op. cit., p. 17-65.
43. Monod, J. "Lección inaugural de la cátedra de biología del Collége de France". In: Del
idealismo "físico" al idealismo "biológico". Cuadernos Anagrama. Barcelona, 1972. p. 24.
44. Waddington, C. H. New patterns in genetics and development. Nova lorque/Londres,
Columbia University Press, 1962.
45. Para una crítica al reduccionismo geneticista, ver as intervengóes de W. H. Waddington
em Hacia una biología teórica, op. cit.
46. É neste sentido que Monod concebe a "noosfera"- "o reino das idéias e do conheci-
mento — corno urna emergéncia da biosfera. Cf. Monod, J. "Lección inaugural", op. cit. Ver
a crítica que Louis Althusser em seu Curso de filosofía para científicos. s/1, Editorial Diez,
1975.
47. "Em todo processo natural nos esforgamos primeiro por isolar as partes do domínio
nas quais é estruturalmente estável, os "creodos" de processo, ilhas de determinismo separa-
dos por zonas em que está indeterminado ou é estruturalmente instável. Mediante a introdu-
00 dos modelos dinámicos, nos esforgamos a seguir em analisar cada creodo em "creodos
elementares", associados ao que chamo "catástrofes elementares", depois em relacionar a
organizagáo destes creodos elementares numa figura global estável pela agáo de uma singula-
ridade implícita da dinámica, o "centro organizador". Thom, R. "Una teoría dinámica de la
morfogénesis". In: Waddington, C. H. Hacia una Biología.... Op. cit., p. 185. No entanto, o
próprio Thom reconhece que "o problema é de natureza essencialmente teórica e conceitual",
e que com seus modelos topológicos "náo está manipulando urna teoria científica, e sim, mais
precisamente, um método". Thom, R. Modelos topológicos en biología. Ibid. p. 499-529.
48. Cf. Piaget, J. Biología y conocimiento. México, Siglo XXI, 1972.
49. "A sociobiologia define-se como o estudo sistemático das bases biológicas de todo
comportamento social... Também concerne á disciplina o comportamento social do homem
primitivo e os caracteres adaptativos da organizagáo nas sociedades humanas contemporáneas
EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL 59
mais primitivas". Neste sentido, esta "síntese moderna" aparece como urna expressáo da "teo-
ria evolutiva neodarwinista, na qual os fenómenos sáo considerados quanto a seu significado
adaptativo e logo relacionados com os princípios básicos da genética de populagóes... A meta
principal de urna teoria geral de sociobiologia deveria ser urna habilidade para predizer carac-
teres de organizacáo social a partir do conhecimento de seus parámetros populacionais com-
binados com informagáo sobre os constrangimentos impostos no comportamento pela consti-
tuicáo genética da espécie (...) (de maneira que fosse possível) (...) monitorar as bases genéti-
cas do comportamento social". Este projeto sociobiológico englobaria as sociedades humanas
estudando "as regras pelas quais os seres humanos individuais aumentam sua aptidáo darwiniana
através da manipulagáo da sociedade... considerando a hipótese de que os genes que promo-
vem a flexibilidade no comportamento social sáo fortemente selecionados ao nivel indivi-
dual". Wilson, E. O. Sociobiology... Op. cit., p. 4-5, 549, 575. Para urna análise crítica desta
sociobiologia e da biologia evolutiva, ver o ensaio de José Sarukhán, "Los límites biológicos
de la sociobiología". In: Leff, E. Biosociología y articulación de las ciencias. Op. cit.
50. Wilson, E. O. On human nature. Harvard University Press, 1978. p. 82, 89.
51. Neste sentido, pudemos afirmar que "sobre o plano histórico náo ternos os elementos
que permitam fazer um estudo genético, propriamente dito. Porque ainda as hordas os pig-
meus tal como podemos observá-los hoje, estáo em relagáo com outras sociedades. Entáo, náo
se sabe em que medida foram alterados. Abandono assim logo de saída o estudo de urna
génese da história...". In: Meillassoux, C. Terrains et théories. Op. cit., p. 96.
52. Copérnico, N. Des révolutions des orbes célestes. Paris, Librairie Scientifique et
Technique A. Blanchard, 1970.
53. Marx, K. "Introduction...". Op. cit.
54. Althusser, L.; Balibar, E. Lire le Capital, Op. cit. p. 122.
55. Althusser, L. "Contradiction et surdétermination". In: Pour Marx. Paris, F. Maspero,
1965.
56. Althusser, L. "Defensa de tesis en Amiens". In: Posiciones. México, Grijalbo, 1977.
57. Cf. Godelier, M. Economía, fetichismo y religión en las sociedades primitivas. Méxi-
co, Siglo XXI, 1974. Idem. Some historical and theoretical remarks on the emergence and
development of Marxism in anthropology in France, 1976. mimeo.
58. Claude Meillassoux tentou dar resposta a estas interrogalóes, rejeitando metodolo-
gias estruturalistas e construindo modelos operativos ("modos de produgáo", "modos de ex-
ploracáo" da terca) a partir de observagóes sobre o terreno, que Ihe permitam dar conta das
práticas produtivas; das relagóes de parentesco e das regras de casamento; da organizagáo
económica, social, política e religiosa; das representagóes ideológicas. Mas a falta de concei-
tos e teorias que permitam conhecer as leis de funcionamento interno dos diferentes "modos
de produgáo" das sociedades agrárias e de auto-subsisténcia, estas descrigóes tipológicas náo
podem oferecer as categorias de determinagáo dos processos que pretendem explicar. Cf.
Meillassoux, C. Terrains... Op. cit.
59. "Os sujeitos, corno sujeitos de necessidades, dáo suporte á atividade dos sujeitos
corno produtores de valores de uso, intercambistas de mercadorias e consumidores de valores
de uso". Althusser, L.; Balibar, E. Lire le Capital, Op. cit. t. 2. p. 29.
60. Cf. Balibar, E. "Plusvalue et classes sociales". In: Cinq etudes du matérialisme
historique. Paris, F. Maspero, 1974.
60 ENRIQUE LEFF
61. Cf. Pécheux, M. Les vérités.... Op. cit. Neste sentido, as lutas ecologistas redefinem
o conceito de valor ao internalizar as contribuigóes e constrangimentos dos processos naturais
á produgáo; ainda, os movimentos ambigntalistas transmitem os díreitos e custos ecológicos
ao cálculo da mais-valia e do lucro, redefinindo o desenvolvimento das forgas produtivas a
partir das condigóes e potenciais do ambiente.
62. Sobre este ponto, ver o ensaio de Roger Bartra, "Sobre la articulación de modos de
producción en América Latina". In: Historia y sociedad. n. 5. México, 1975. p. 5-9.
63. Cf. Rey, P. P. Les alliances de classes. Paris, F. Maspero, 1973. Assim como a polémi-
ca em torno da nogáo de formagáo económico-social publicada em La pensée, n. 159, Paris.
64. Dhoquois, G. "La formation economico-sociale comme combinaison de modes de
production". La pensé, n. 159. Paris.
65. Fossaert, R. La société. Les structures economiques. Paris, Editions du Seuil, 1977.
66. Balibar, E. "Acerca de la dialéctica histórica, algunas observaciones críticas con
respecto a 'Leer El Capital'". Revista Mexicana de Ciencia Política. n. 78. México, 1974.
67. Cf. Leff, E. "Alfred Schmidt y el fin del humanismo naturalista". Op. cit.
68. Cf. Leff, E. "Ecología y capital. Una reflexión teórica". Antropología y marxismo. n.
3. México, 1980. p. 67-75. Ver cap. IV de meu livro Ecología y capital, México, Siglo XXI
Editores, 1994.
69. Cf. Leff, E. "Biosociología y ecodesarrollo". Op. cit.: "A biosociologia que propo-
mos é a ciéncia do campo de intersegáo de dois níveis diferentes de organizagáo da matéria, da
`oposigáo' e conjungáo de suas legalidade, as quais regem o desenvolvimento da matéria na
articulagáo entro o biológico e o social". p. 59.
70. Cf. Schmidt, A. El concepto de naturaleza en Marx. Op. cit. Toledo, V. M. "Intercambio
ecológico e intercambio económico en el proceso productivo primario. In: Leff, E. Biosociología
y articulación de las ciencias. Op. cit. 1
71. Rappaport, R. A. Pigs for the ancestor: ritual in the ecology of New Guinea people.
Yale University Press, 1967. Idem. "The flow of energy in an agricultural society". In: Scientific
American. n. 25. 1971. p. 117-32.
r
72. Lotka, A. J. "Contribution to the energetics of evolution". Proceedings of the National
s
Academy of Sciences. v. 8. Inglaterra, 1922, p. 147-51.
73. Cf. Schródinger, E. What is life? The physical aspect of the living cell. Londres/Nova r
Iorque, Cambridge University Press, 1944. (Reimpressáo de 1969)
74. Cf. White, L. "Energy and the evolution of culture". In: American anthropologist. v.
45, n. 3, 1943. Idem. "The energy theory of cultural development". In: Fried, M. H. (org.) v. s
II. Readings in anthropology. Nova Iorque, Thomas Y. Cromwwell, 1959. p. 139-46. ODUM, e
H. T. Environment, power, society. Nova Iorque, Wiley, 1971. Pimentel, D. e Pimentel, M..
Food, energy and society. Londres, Arnold, 1979.
75. Adams, R. Energy and structure. Austin, Texas University Press, 1975.
76. Cf. Georgescu-Roegen, N. "Energía y mitos económicos". In: Trimestre económico. d
v. XLII (4), n. 168. México, 1975. p. 779-836. Assim como "Economice and entropy". In: The
ecologist. jul. 1972. p. 13-8.
77. Cf. Leff, E. "Etnobotánica, biosociología y ecodesarrollo". In: Nueva antropología,
n. 6. México, 1977. p. 99-108. Ver cap. III de meu livro Ecologia, capital e cultura. Blumenau,
Edifurb, 2000. d
e
TÓRG 61
INTERDISCIPLINARIDADE, AMBIENTE
E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
o só nascida do trabalho que gerou seu objeto (...). A constituigáo deste novo objeto
k sua da biologia (aparece como) um objeto policientífico ou intercientífico (entendi-
exos do náo como) um objeto tratado em comum por diversas disciplinas, mas (como)
)mo- um objeto construído expressamente como efeito de sua elaboras o" 20.
icos. Existem também exemplos de estudos interdisciplinares nos quais concor-
Lo de rem especialidades provenientes de diferentes campos científicos. Um caso ilus-
as, e trativo é o da etnobotánica. Intervém al a ecologia para explicar as condigóes
ue se naturais de produgáo e regeneragáo do meio vegetal; as disciplinas etnológicas
náo (etnotecnologia, etnoecologia e etnolingüística) para explicar o processo cultu-
ilicá- ral de aproveitamento dos recursos do meio; a antropologia ecológica para ava-
1e da liar o condicionamento ecológico sobre a organizagáo social e produtiva das
culturas; a antropologia estrutural para explicar o sistema de representagóes de
Kóes urna cultura sobre seu meio e, portanto, a significagáo de seus vegetais; as dis-
• náo ciplinas históricas para explicar os processos de transculturagáo que afetam as
ntos práticas produtivas e a utilizagáo dos recursos dos poyos, enfim, a história eco-
um nómica recente e a análise do sistema económico dominante, para dar conta das
determinagóes que impóem as condigóes de valorizagáo e exploragáo dos recur-
isci- sos sobre as práticas tradicionais de reconhecimento e aproveitamento de seu
gia. ambiente'.
uras Embora a etnobotánica delimite uma problemática no espato das possí-
e do veis relagóes entre ecologia, cultura, história e economia, observa-se que ela
ssim resulta num processo interdisciplinar menos forte que o exposto anteriormente,
1 "a visto que seu objeto constitui-se corno um campo de aplicagáo de diferentes
oló- ciéncias nas quais náo se propóe urna transformagáo de seus objetos de conhe-
ica cimento. O mermo ocorre com outras especialidades como a antropologia da
jus- alimentagáo, "onde convergem e freqüentemente se enfrentara os inventários do
ipli-
botánico e do zoólogo, as quantificagóes do nutricionista, as descrigóes do
etnógrafo, as teorias do etnólogo e as especulagóes do simbolista 22.
ma
Tanto no caso dos estudos etnobotánicos como da antropologia da alimen-
po
tagáo, diversas disciplinas concorrem em torno a certos campos delimitados das
ca e
relagóes sociedade-natureza. Em nenhum destes casos pretendeu-se que as dis-
n'a()
ciplinas que participam na construído desses domínios de estudo se transfor-
pos,
mem em "ciéncias etnobotánicas" ou "ciéncias alimentares". Apenas no caso da
oca-
ira e interdisciplinaridade intracientífica, que levou á descoberta do DNA, é possível
e na pensar numa inter-relagáo de ciéncias biológicas que participam na formagáo e
bi- transformagáo do objeto teórico da biologia, da caracterizagáo do fenómeno vital.
Mas Percebe-se o quanto estáo distantes estes princípios da interdisciplinarida-
ogia de científica do projeto conformado pela colaboragáo de supostas "ciéncias
74 ENRIQUE LEFF
EF
pelos paradigmas das disciplinas tradicionais e que escapam de seu controle por
1 de
meio dos mecanismos do mercado, provocou o surgimento de uma noffio de
tos.
meio ambiente associada á degradagáo dos ecossistemas produtivos, á poluigáo
ano
pela acumulagáo de dejetos, ao esgotamento ou superexploragáo dos recursos
ntal
naturais, á deterioragáo da qualidade de vida e á desigualdade na distribuigáo
dos custos ecológicos do desenvolvimento.
Atar Esta nogáo de ambiente, gerada pelas externalidades do processo económi-
de co, náo é alheia á conceitualizagáo do meio que se produziu com a constituigáo
das ciéncias e das disciplinas — cuja intervengáo se exige agora para resolver a
en- problemática ambiental. Assim, Etienne Geoffroy Saint-Hilaire usou a nogáo de
os, meio ambiente em 1831 para referir-se ás circunstáncias que afetam urna "forma-
ias. gáo centrada"23. Desta forma, o conhecimento da vida, da cultura, da produgáo,
dos surge no campo das ciéncias modernas pela constituigáo de objetos de conheci-
lla- mento que operam como centros organizadores de processos materiais que sáo
'en- afetados por um meio que limita e condiciona a realizagáo destes processos.
len- É nesse sentido que, embora as variagóes das formagóes vitais se produ-
e— zam pelas mutagóes dos organismos dos seres vivos, o meio seleciona as espé-
cies, indivíduos e populagóes, condicionando a evolugáo biológica. Mesmo que
a língua e as relagóes de parentesco aparegam como estruturantes de urna forma-
ie'n° gáo cultural, de suas produgóes práticas e ideológicas e do processo de significa-
de gáo dos seus recursos e de simbolizagáo de seu ambiente, a conformagáo de seu
onde meio geográfico condiciona a divisáo do trabalho, os desenvolvimentos técnicos e
1 do as práticas produtivas que constituem a base material de toda formagáo social.
"A partir daí podemos compreender o prestígio da nocáo de meio para o pensa-
mento científico moderno. O meio transforma-se num instrumento universal de
dissolugáo das sínteses orgánicas individualizadas no anonimato dos elementos
e dos movimentos universais (...). O meio é na verdade um puro sistema de
relagóes sem supones'''.
tido nicos o que viria a completar o materialismo histórico com urna concepgáo
aen- ecossistémica da relagáo sociedade-natureza'.
A produgáo conceitual no terreno das ideologias complementa o conheci-
nnte mento do processo de valorizagáo do capital com urna teoria da significagáo e
• um codificagáo do meio, onde a lógica do valor-signo insere-se na racionalidade do
te e valor de troca". A natureza, que resiste a submeter-se á lei do valor e aos meca-
nismos do mercado (e se degrada como externalidade do processo económico),
é recuperada pelo processo de significagáo do entorno. Desta forma, o ambiente
nsa- pode inserir-se na lógica do valor de troca ou mobilizar mudangas sociais para
1 de transformar as relagóes de produgáo e desenvolvimento das forgas produtivas
ntos sobre bases de sustentabilidade ecológica, eqüidade social e diversidade cultu-
de ral. A valorizagáo e a significagáo da natureza corno objetos de trabalho e recur-
sos produtivos entram assim num espato de complementaridade com os pro-
cessos produtivos, transformando o paradigma da produgáo e construindo um
los e novo objeto da economia política'.
olo- O objetivo da ecologia náo é caracterizar os fenómenos vitais nem explicar
ticas a emergéncia de formagóes orgánicas. Náo compreende o processo de formagáo
eis. de valor ou de produgáo de significagáo. Seu campo problemático tem raízes
de mais práticas, relacionadas com a dinámica, estabilidade e produtividade dos
eus ecossistemas, a ordenagáo da paisagem, o cultivo de espécies biológicas, a fi-
Por siologia do crescimento e o comportamento dos organismos vivos".
A partir de seus aspectos funcionais, as análises ecossistémicas confor-
do mam um campo de estudo suscetível de ser internalizado pela problemática de
que diferentes disciplinas científicas. Desta forma o saber ecológico pode comple-
rga- mentar as análises tanto da economia, como da biologia e da antropologia. As-
aí a sim, as condigóes de equilibrio dinámico do ecossistema e seus processos de
ssos sucessáo explicam as condigóes de adaptagáo e de selegáo dos organismos no
()n- meio e, portanto, de sua dinámica evolutiva, enquanto tais processos estáo asso-
ade ciados com a regulagáo, coexisténcia e/ou concorréncia das populagóes biológi-
os cas pelos "recursos" do meio. Por sua vez, a capacidade de carga e a resiliéncia
du- de um ecossistema, associadas com o potencial biótico e a taxa de crescimento
se natural do ecossistema, determinam a capacidade de exploragáo económica dos
recursos naturais dentro de diferentes racionalidades produtivas, estabelecendo
das as condigóes do meio para a formagáo de valor, para a produgáo de lucros e para
gia a regeneragáo dos recursos a longo prazo. De forma similar, a estrutura funcio-
cas nal dos ecossistemas condiciona a racionalidade das práticas produtivas de urna
co- organizagáo cultural.
ela Embora os objetos de conhecimento da biologia e do materialismo histó-
gá- rico sejam inarticuláveis — visto que a evolugáo das espécies náo determina o
78 ENRIQUE LFFF
seu meio ambiente. Assim, chegaram a propor como objeto de estudo a estrutu-
ra funcional da biosfera, entendida como o conjunto de relagóes entre as popu-
lagóes biológicas e seu entorno físico. Isto leva a pensar os ecossistemas como
- superorganismos" complexos, com suas dinámicas de estabilidade e de repro-
r
a dugáo, dissolvendo nesta aproximagáo holística e sistémica a relagáo dual entre
organismo e meio, característica da teoria biológica".
Todavia, esta compreensáo inclusiva e totalizante da vida e do meio náo
pode eludir a necessidade de articular a dinámica ecossistémica com o conjunto
de fenómenos físicos e processos sociais que afetam seu funcionamento estrutu-
ral, cujos efeitos externos estáo excluídos do objeto da ecologia (salvo para as
tendéncias globalizantes e totalizadoras do pensamento ecologista), demandan-
do seu conhecimento urna articulagáo delta com outras ciéncias".
o Desta forma, a dinámica dos processos ecossistémicos implica a análise
1- dos efeitos de certos fenómenos geofísicos e atmosféricos (catástrofes naturais,
mudangas climáticas, inundagóes) e de certos processos sócio-históricos (mo-
la dos de produgáo, racionalidade económica, organizagóes culturais, sistemas
políticos), que afetam seu comportamento. Isto demanda a articulagáo da ecolo-
gia com a geologia, geofísica, antropologia, economia e história.
O paradoxo e a "armadilha" que a nogáo de meio propóe surge da tendén-
cia do desenvolvimento teórico e experimental da ecologia a suplantar seu papel
o no espato de complementaridade dos objetos das ciéncias, para constituir-se
como um objeto generalizado de análise. A pretensáo totalizante do pensamento
ecologista está associada com a emergéncia dos enfoques sistémicos e interdis-
ciplinares onde as variáveis e fungóes circulam livremente dentro de um sistema
ts conformado intencionalmente, recortado sobre urna realidade homogénea e um
campo unitário do conhecimento. O meio pode ser reabsorvido no sistema e o
al sistema pode transformar-se num campo interdisciplinar das "ciéncias ambien-
tais", onde as externalidades ecológicas e sociais seriam internalizadas no terre-
io
no das práticas do planejamento 37.
io
Daí surge o sentido ideológico da nogáo de meio ambiente. O ambiente se
a esfumara junto com a especificidade das ciéncias e dos conflitos sociais na trans-
le paréncia das práticas interdisciplinares e do planejamento ambiental do desen-
volvimento. Porém, a nogáo de meio ressurge de seu espato de exclusáo como
um conceito relativo e contextual ao processo de complementaridade e articula-
gáo das ciéncias, cobrando um sentido estratégico no processo político de su-
s. pressáo das "externalidades do desenvolvimento"— a exploragáo económica da
u natureza, a degradagáo ambiental, a desigualdade na distribuigáo social dos cus-
e tos ecológicos, a marginalizagáo social etc. —, que persistem apesar da possível
80 ENRIQUE LEFF
Ainda, permitiria
"descrever (...) o papel que desempenha o discurso estudado em relagáo a aque-
les que lhe sáo contemporáneos e vizinhos. É preciso estudar entáo a economia
da constelagáo discursiva a que pertence. Com efeito, pode desempenhar o pa-
s
pel de um sistema formal do qual os outros discursos seriam as aplicagóes a
diversos campos semánticos (...). O discurso estudado pode estar também em
relagáo de analogia, de oposigáo ou de complementaridade com certos outros
discursos (...). Enfim, podem ser descritas entre diversos discursos relagóes de
delimitagáo recíproca onde cada um se atribui as marcas distintivas de sua sin-
D gularidade pela diferenciagáo de seu domínio, de seus métodos, de seus instru-
a mentos, de seu domínio de aplicagáo" (...).
Assim,
3
"podemos determinar as vias que de um domínio ao outro asseguram a circula-
gáo, a transferéncia, as modificagóes dos conceitos, a alteragáo de sua forma ou
a mudanga de seu terreno de aplicagáo" 50.
1
O processo de "assentamento", de especificagáo e assimilagáo de cada
conceito no terreno próprio de cada disciplina resulta do trabalho teórico de
cada ciéncia, independentemente de suas possíveis homologias estruturais ou
dos esforgos por reduzir sua polivaléncia com o fim de gerar termos unívocos
para facilitar o processo de comunicagáo e incrementar a eficácia prática do
planejamento ambiental.
A análise dos processos de assimilagáo e especificagáo dos conceitos nos
intercámbios transdisciplinares permitiria assim precisar o sentido de certos
conceitos que, tendo transitado por diferentes teorias científicas, surgem agora
como conceitos para urna prática de planejamento ambiental (isto é, os concei-
tos de valor, recurso, produtividade, meio). Embora no sentido prático destes
conceitos e suas regras de utilizagáo estejam inscritos na racionalidade ideoló-
gica e prática do discurso da gestáo ambiental, náo pode desconectar-se de suas
origens teóricas, visto que as agóes de planejamento e de gestáo ambientais
apóiam-se em teorias económicas, ecológicas ou tecnológicas, enquanto que as
transformagóes ecossistémicas e produtivas do desenvolvimento afetam os pro-
cessos que sáo matéria de análise teórica densas ciéncias.
O conceito de racionalidade ambiental sustenta-se entáo nas transforma-
góes do conhecimento que induz a problemática ambiental sobre um conjunto
88 ENRIQUE LEFF
géncia ou para o desuso de certas práticas produtivas, bem como das teorias,
conceitos e termos que as sustentara".
Este processo de produgáo de conceitos práticos interdisciplinares pode
ser exemplificado por meio de urna reflexáo sobre a elaboragáo dos conceitos de
produtividade ecotecnológica e de racionalidade ambiental; estes surgiram da
articulagáo de conceitos diferenciados de produtividade provenientes de diver-
sos campos de conhecimento (ecologia, economia, tecnologia) importados para
o campo do planejamento ambiental. No entanto, a síntese prática dos mesmos
implicou um processo de transformagáo e reformulagáo conceitual.
O conceito de produtividade ecológica é mais complexo que o conceito de
produtividade primária dos ecossistemas naturais, medido como urna taxa de
formagáo de biomassa 56. Desta forma, a produtividade ecológica inclui as trans-
formagóes secundárias das cadeias tróficas e processos biotecnológicos de trans-
formagáo, bem corno as tecnologias ecológicas que intervém no manejo inte-
grado de recursos e as relagóes agroindustriais que definem para o sistema re-
cursos naturais num momento dado. Além disso, há diferengas quanto á avalia-
gáo da produtividade primária e da produtividade ecológica: enquanto a primei-
ra é medida como um incremento anual ou urna taxa de formagáo de biomassa,
a produtividade ecológica deve ser avaliada como um nível determinado — mas
dinámico e mutante — de produgáo de valores de uso "naturais".
Certamente, esta produtividade ecológica pode ser medida e quantificada
sobre urna base temporal e espacial como uma produtividade agronómica. Po-
deriam ainda produzir-se indicadores sobre a contribuigáo do capital investido e
a forga de trabalho aplicada na geragáo de uma "colheita ecossistémica". Mas
esta náo pode ser avaliada em termos de seu prego de mercado. A produtividade
ecológica de um sistema de recursos naturais pode estar sujeita a urna análise de
diversos processos de otimizagáo, mas esta náo está guiada pelo objeto de al-
cangar um clímax ecológico, um equilíbrio estável ou um aproveitamento
otimizado dos fluxos de energia do ecossistema; está menos ainda orientada á
maximizagáo de excedentes económicos ou á construgáo de um modelo de pro-
dugáo acumulativa.
O paradigma ecotecnológico de produgáo conduz a um processo histórico
de transformagóes ecossistémicas, fundado em padróes variáveis de aproveita-
mento sustentável de recursos, através de inovagóes científico-tecnológicas e
reorganizagóes produtivas. Neste processo poderáo ser melhoradas a quantida-
de e qualidade dos valores de uso produzidos, conservando certas condigóes
fundamentais para urna oferta ecológica sustentada de recursos. Mas o sistema
de recursos naturais náo pode orientar-se a um estado homeostático de máxima
LEFF EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL 95
,as, produtividade ecológica; menos ainda pode conceber-se ou avaliar-se esta ofer-
ta dentro de um processo de reprodugáo expansiva. Tal sistema está fundado
ode sobre urna taxa básica de produgáo ecossistémica que depende dos ritmos de
s de extragáo e das condigóes de regeneragáo de seus recursos em padróes alternati-
da vos de aproveitamento.
ver- O comportamento de tal ecossistema produtivo pode ser monitorado e es-
)ara timado através de seus intercambios e balangos de matéria e energia em diferen-
[nos tes estratégias de ordenamento ecológico dos recursos. Entretanto, estas análi-
ses náo seriam suficientes para avahar os aspectos qualitativos apresentados por
de um sistema de recursos naturais assim construído sobre a satisfagáo das neces-
sidades básicas de urna comunidade sobre sua qualidade de vida e sobre a distri-
de
buigáo social dos custos e beneficios das diferentes práticas produtivas.
ns-
ns- A produtividade tecnológica — em sentido estrito e independentemente
te- do capital que incorpora — é avaliada em termos de sua eficiéncia mecánica e
re- sobretudo termodinámica dos processos produtivos. Contudo, a produtividade
Ea- está associada com a eficácia do processo social de construgáo, funcionamento
de um sistema tecnológico apropriado, cujo custo deve ser avaliado em fungáo
ei-
de sua contribuigáo á preservagáo dos servigos ambientais e á elevagáo da pro-
sa, dutividade sustentável de recursos bióticos. A avaliagáo socioambiental da pro-
as dutividade social de esta tecnoestrutura é mais complexa que a medigáo do
balango de matéria e energia relacionado com o cálculo económico sobre o
ada custo no mercado das tecnologias e dos meios de produgáo importados do siste-
Po- ma produtivo.
l oe
Dentro da racionalidade capitalista, a produtividade tecnológica está asso-
as ciada a um processo de revalorizagáo do capital, através do progresso técnico
ade gerado por urna constante "destruigáo criativa" dos meios de produgáo orienta-
de do á maximizagáo dos lucros, no qual se omitem os efeitos destrutivos sobre os
al- recursos naturais e a qualidade ambiental. A racionalidade ecotecnológica im-
n to plica a avaliagáo e construgáo de urna tecnoestrutura mais estável e multifuncio-
la á nal para o manejo integrado dos recursos, orientada a um desenvolvimento sus-
pro- tentado e náo acumulativo. Neste sentido, a produtividade tecnológica está as-
sociada com os custos sociais implícitos no tempo e recursos necessários para a
bc o inovagáo, assimilagáo e implementagáo de tal sistema tecnológico.
Eita- No entanto, a produtividade cultural", gerada a partir da reconstrugáo das
os e práticas produtivas e dos processos de trabalho a partir dos valores culturais que
ida- regulam a organizagáo produtiva de urna formagáo social, náo pode ser avaliada
róes em termos da produtividade do capital, do trabalho e da tecnologia investidas no
ama processo produtivo. O desenvolvimento das forgas produtivas de urna formagáo
pma social a partir da criatividade, as habilidades e motivagóes da comunidade, bem
96 ENRIQUE LEFF
de- especialistas. Isto, sem dúvida, é efeito de cenas tendéncias á unidade do real e
l.: a do conhecimento no terreno epistemológico, mas também explica-se pela acele-
ga- ragáo com a qual certos conceitos e termos viajara de urna disciplina para outra,
Te- dos níveis teóricos ao discurso ideológico, gerando mais caos que ordem nas
es- discussóes interdisciplinares. Assim, nem os ramos das ciéncias chegam a en-
¡os trelagar-se nem se conectara os vasos comunicantes do saber. Os conceitos per-
DU- dem sua significagáo teórica, adquirindo um sentido retórico dentro de um dis-
Iste curso ideológico.
nto O projeto de unificagáo terminológica, os esforgos por regular o significa-
Fas do e o uso dos termos empregados no planejamento ambiental, justifica-se pela
di- multiplicidade de sentidos com os quais estes sáo empregados nos diferentes
discursos teóricos e práticos. Contudo, isto náo autoriza a empreender um pro-
To- jeto de homogeneizagáo conceitual das ciéncias e de unificagáo terminológica
lar- das diferentes formagóes discursivas do ambientalismo, que só um extremo
empirismo poderia sustentar". A almejada clareza de uma comunicagáo
ini- interdiscursiva apenas pode provir do sentido teórico dos conceitos e das cate-
go gorias fundamentais de cada ciéncia, bem como de seu uso nocional e
v- terminológico em seus diversos campos de aplicagáo prática; de urna avaliagáo
ais dos processos de resignificagáo teórica tal como se geram depois de urna ruptu-
ra epistemológica de seus objetos científicos ou em suas articulagóes teóricas
com outros conceitos em diferentes campos do saber, de onde derivam seu po-
tencial cognoscitivo e explicativo 60 ; dos diferentes sentidos que abrem o espato
para aplicagóes técnicas das ciéncias e dos discursos práticos utilizados com
'as. fins ideológicos de conscientizagáo ou de gestáo ambiental. Isso conduz a urna
a especificagáo conceitual e terminológica em cada disciplina e em cada nível
da discursivo a partir náo de sua unidade, mas de sua significáncia diferenciada.
se i-
O sentido dos conceitos e termos surge assim de sua fungáo semántica
ora
dentro de diferentes paradigmas teóricos e estratégias discursivas através das
relagóes de inclusáo ou exclusáo que se estabelecem entre estes bem como de
nem suas relagóes com todo um conjunto de práticas náo-discursivas (organizagáo
as. produtiva, processos económicos, mudangas institucionais).
1s- As regras internas de funcionamento de cada urna das esferas institucio-
os nais onde circulam os conceitos determinam também suas formas de articula-
de gáo em suas práticas discursivas, gerando um rigor teórico, urna estratégia se-
ts mántica e um estilo retórico que dáo sua significagáo aos termos utilizados.
na Neste sentido, ganha importáncia a análise das significagóes diferenciadas dos
conceitos e termos tal e corno estes se inscrevem nas estratégias discursivas do
ráo texto científico, do ensaio literário, do documento de trabalho, do artigo de
tre jornal e do discurso político. Daí surge todo um sistema de dispersáo, justaposi-
100 ENRIQUE LEFF EPA
iint_11-
mento. Neste sentido, o sujeito náo apenas aparece como suporte das estruturas
teóricas as ciencias constituídas, mas como um agente que, projetado pelo
nhe- desejo de saber, mobiliza os processos discursivos e transporta conceitos, mé-
claro todos e teorias fora do objeto de conhecimento de sua ciéncia e a outras re-
pro- gióes do saber".
s em Neste sentido, a fungáo dos sujeitos é análoga á fungáo ecológica dos inse-
es de tos que, ao coadjuvar no processo de polinizagáo, fertilizara os códigos genéti-
bien-
cos inscritos nas populagóes botánicas e mobilizam a evolugáo do ecossistema
com-
produtivo. Assim, os sujeitos servem á realizagáo do potencial produtivo de
a por
conhecimento inscrito nas estruturas conceituais das teorias científicas.
síveis
turas Na medida em que o processo de conhecimento está orientado a suas apli-
co se cagóes práticas, o desejo de saber que move os sujeitos vé-se reforgado por um
urna desejo de poder através do saber, do potencial produtivo da ciéncia através de
suas aplicagóes tecnológicas, do controle social a partir do potencial de predizer
da teoria, da capacidade para planejar e concertar agóes orientadas a certos fins.
que é
O que este processo póe também em funcionamento é a constituigáo do ser do
asses
homem através de seu saber, de sua identidade na mestria de certas habilidades,
dou-
de seu reconhecimento a partir do suporte oferecido por uma disciplina, de sua
entos
produgáo de conhecimentos dentro e contra os paradigmas estabelecidos.
orias
É este processo que gera um sujeito técnico através de uma disciplina de
aprendizagem que o incorpora a uma especialidade, que o constitui pela assimi-
nte a
lagáo de um conjunto de valores associados a sua identificagáo com um saber. É
a ins- a partir da apropriagáo subjetiva desses saberes que pode se propor uma prática
nóes interdisciplinar como o de colocar em jogo um espectro de visóes e interesses a
1111111-
partir de diferentes perspectivas disciplinares e que a problemática ambiental
agá° pode gerar um processo intersubjetivo de integragáo dos discursos que podem
ideo- pronunciar a partir de suas posigóes disciplinares diversos especialistas para
um compreender e resolver um problema comum.
rodu-
ovos Assim, enquanto a estratégia epistemológica de urna articulagáo de cien-
cias estabelece o campo de possibilidade da articulagáo de suas teorias, concei-
tos e temáticas para a construgáo de urna racionalidade ambiental, o processo
s de interdisciplinar gera o campo de integragáo dos sujeitos — das subjetividades
s do produzidas por certas práticas técnicas, científicas e políticas — num processo
irnovi- contraditório de identificagóes e confrontos ante objetivos comuns e diferencia-
te um
dos; de subjetividades que a partir de um mesmo desejo de saber dividem-se em
isaiam
suas demandas de conhecimento conforme os diferentes interesses disciplinares
nheci-
e políticos que atravessam o movimento teórico e as práticas do ambientalismo
Nolvi-
e do desenvolvimento sustentável.
1
104 ENRIQUE LEFF
Notas
1.Cf. Bernal, J. Science in History. Inglaterra, Pelikan Books, 1969. 4 vol. Leff, E. Ciencia
y tecnología en el desarrollo capitalista", op. cit., 1975. IDEM, Ciencia, técnica y sociedad,
op. cit., 1977.
2. Cf. Apostel, L. Interdisciplinariedad, op. cit. Para urna aproximagáo crítica, ver: Follari,
R. Interdisciplinariedad. Los avatares de la ideología. México, Universidad Autónoma Me-
tropolitana-Azcapotzalco, 1982.
3. Ver Cap. 1 supra e Cap. 3 infra.
4. Nesta diregáo, Foucault refere-se ao "sentido de instabilidade e á supreendente eficá-
cia do criticismo descontínuo, particular e local" diante do "efeito inibidor das teorias totali-
tárias" e dos paradigmas globalizadores. Estaríamos assim testemunhando a "insurreigáo dos
saberes subjugados" dos "conteúdos históricos que foram enterrados e disfargados numa coe-
réncia funcionalista ou numa sistematizagáo formal". FOUCAULT, M. Power/knowledge. Nova
Iorque, Pantheon Books, 1980.
5. Cf. Wilson, E. O. Sociobiology, the new synthesis, op. cit.
6. Morin, E. La méthode, la vie de la vie. Paris, Editions du Seuil, 1980.
7. Von Bertalanffy, L. Teoría general de los sistemas, op. cit.
8. Ganha sentido a observagáo de A. Lichnerowicz, apontando as limitas es do isomorfismo
na apreensáo de objetos ontológicos diferentes: "O matemático trabalha sempre com um di-
cionário quase perfeito e amiúde identifica sem escrúpulos objetos de natureza diferente guando
um (...) isomorfismo assegura-lhe que apenas estaria dizendo a mesma coisa duas vezes em
duas línguas diferentes. O isomorfismo toma o lugar da identidade. O Ser encontra-se coloca-
do entre parénteses e é precisamente esta característica nao-ontológica a que atribui ás cien-
cias exatas seu poder, sua fidelidade e sua polivaléncia (...). Podemos tecer urna matemática
de uma textura arbitrariamente fechada, mas a onda ontológica escorre necessariamente ne-
las". Lichnerowicz, A. "Matemáticas e interdisciplinaridade", in: Apostel, A. et al., op. cit., p.
147-8.
9. Morin, E. La méthode, la nature de la nature, op. cit., 1977.
10. Foucault, M. L'archéologie du savoir. Paris, Gallimard, 1969. p. 21.
11. Mannheim, K. Ideology and utopia. Londres, Routledge & Kegan Paul, 1936.
(reimpressáo 1972).
12. "0 discurso (...) aparece como um bem - acabado, limitado, desejável e útil - que
possui suas regras de surgimento, mas também suas condigóes de apropriagáo e de colocagáo
em prática; um bem que levanta em conseqüéncia a partir de sua existéncia (e nao só em suas
aplicagóes práticas) a questáo do poder. Um bem que é, por natureza, o objeto de urna luta e de
urna luta política" (Foucault, M. L'archéologie du savoir, op. cit., p. 158).
13. Cf. Erlich, P. The population bomb. Nova Iorque, Ballantine Books, 1968.
14. Herrera, A. O. et al. Catastrophe or new society: a Latin American model. Otawa,
IDRC, 1976.
15. Commoner, B. "Dos enfoques de la crisis ambiental", op. cit.
16. Brailovsky, A. E.; Foguelman, D. "Multinacionales y medio ambiente", in: Nexos.
México, mar. 1980.
17. Cf. WCED. Our common future. Oxford, Comiss'áo Bruntland, 1987. É necessário
analisar os efeitos ideológico-políticos do discurso do desenvolvimento sustentável em seu
LE1 EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL 105
34. Neste sentido, o dictum interdiciplinar, defendendo que as diferentes disciplinas náo
fazem senáo perceber urna merma realidade a partir de diferentes perspectivas, é falso.
35. Para um estudo da história da ecologia, a partir de sua emergéncia corno urna discipli-
na das relagóes entre organismos vivos e o ambiente, até a constituigáo de urna "ecologia
global", ver : Deléage, J. P. Histoire de l'ecologie. Paris, La Découverte, 1991.
36. Neste sentido, as mudangas ambientais globais demandara novas metodologias para o
estudo integrado dos processos de ordem física, biológica, económica e cultural que afetam os
processos de aquecimento global, de perda e preservagáo da biodiversidade e, em geral, das
relagóes da ordem económica mundial com as mudangas ecossistémicas globais, a transigáo
demográfica e os processos de degradagáo sócio-ambiental.
37. "Para os especialistas do enfoque de sistemas, o meio ambiente está constituído por
tudo o que náo faz parte do sistema intencional estudado e que afeta seu comportamento
(Churchman). Na medida em que o sistema dispóe de políticas referentes ao meio ambiente,
este último estreita-se; o éxito de tais políticas avaliam-se (...) pelo desaparecimento do con-
ceito de meio ambiente, que termina por ser assimilado ao sistema (...). Na verdade, a longo
prazo, o meio ambiente, assimilado como dimensáo permanente do campo de visáo do plane-
jador, está destinado a desaparecer como domínio concreto de agáo" (Sachs, I. Ecodesarrollo.
Desarrollo sin destrucción. México, El Colegio de México, 1982. p. 36, 53).
38. Leff, E. "La dimensión cultural del manejo integrado, sustentable y sostenido de los
recursos naturales", in: Leff, E.; Carabias, J. Cultura y manejo sustentable de los recursos
naturales. México, CIIH-UNAM/M.A./Porrúa, 1993.
39. Ver cap. 1, supra.
40. Leroi-Gourhan, A. L'homme et la matiére. Paris, Albin Michel, 1943. Idem. Milieu et
techniques. Paris, Albin Michel, 1945.
41. Safouan, M. "El Edipo es universal?", in: Estudios sobre Edipo. México, Siglo XXI,
1977.
42. Godelier, M. Economía, fetichismo y religión en las sociedades primitivas. Op. cit.,
1974. Meillassoux, C. Terrains et théories. Op. cit., 1977. Toledo, V. M. "Intercambio ecológico
e intercambio económico en el proceso productivo primario", op. cit., 1981.
43. Ver meu livro Ecologia, capital e cultura, op. cit.
44. Assim, o que Foucault encontra em suas descobertas arqueológicas do saber "sao
sobretudo séries de vazios e misturas, jogos diferenciais, separagóes, substituigáo, transfor-
magóes (...) conceitos que diferem pela estrutura e pelas regras de utilizagáo, que se ignoram
ou se incluem uns aos outros e que náo podem entrar na unidade de uma arquitetura lógica (...)
(assim como) possibilidades estratégicas diversas que permitem a ativizagáo de temas incom-
patíveis ou ainda, a inclusáo de um mesmo tema dentro de conjuntos diferentes" (Foucault,
M. Op. cit., 1969. p. 52).
45. Vessuri, H. "Antropología y ambiente", in: Leff, E. Los problemas del conocimiento...,
op. cit., 1986.
46. CEPAL/PNUMA. "Incorporación de la dimensión ambiental en la planificación",
Revista Interamericana de planificación, v. XVIII, n. 69, mar. 1984, p. 9-51. Ver também o
cap. V de meu livro Ecología, capital e cultura, op. cit.
47. Georgescu-Roegen, N. The enthropy law and the economic process. Harvard Univer-
sity Press, 1971. Martinez Alier, J.; Schlüpmann, K. La ecología y la economía. México,
Fondo de Cultura Económica, 1991.
JE LEN
EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL 107
nao
48. Vessuri, H., op. cit. Sandoval, J. M. "Materialismo cultural y materialismo histórico
en los estudios de la relación sociedad-naturaleza", in: Antropología y marxismo, n. 3. México,
li- 1980, p. 11-33.
gia 49. Cf. Gutman, P. "Economía y ambiente", in: Leff, E. Los problemas del conocimiento...,
op. cit. Naredo, J. M. La economía en evolución: historia y perspectivas de las categorías
o fundamentales de la ciencia económica. Madri, Siglo XXI, 1987.
os 50. Foucault, M. Op. cit., 1969. p. 211, 89, 82.
das 51. Esta segáo e a seguinte abordam o conceito de produtividade ecotecnológica para
igáo exemplificar a aplicagáo de nossa estratégia espistemológica na produgáo de conceitos práti-
cos interdisciplinares aplicados no aproveitamento integrado de recursos e na construgáo de
o por uma racionalidade ambiental. A elaboragáo destes conceitos foi documentada em trabalhos
ento anteriores (cf. Leff, E. "Hacia un proyecto de ecodesarrollo", in: Comercio exterior, v. XXV,
iente. n. 1, México, 1975. Leff, E., "Racionalidad ecotecnológica y manejo integrado de recursos",
con- in: Revista Interamericana de planificación, v. XVIII, n. 69, México, p. 70-85). Ver também o
longo Cap. IV de meu livro Ecologia, capital e cultura, op. cit.
lane- 52. Gallopín, G. "Tecnología y sistemas ecológicos". CIFCA, Serie Opiniones, fascículo
1 sobre' tecnologia e meio ambiente. Madri, 1983. Ver também o Cap. II de meu livro Ecolo-
gia, capital e cultura, op. cit.
e los 53. Sobre os avangos na elaboragáo destes indicadores, ver: CEPAL. Inventarios y cuentas
del patrimonio natural en América Latina y el Caribe. Santiago de Chile, 1991.
54. Sicinski, A. "The concepts of `need' and `value' in the light of the systems approach",
in: Social science information, v. 17, n. 1, 1978, p. 84.
Vett el 55. Neste sentido, Barrau (1979) assinala como a "atual agronomia (...) esfumaga as
nogóes de "terroir" ("pedago de terra") e de "cru" (a colheita do pedago de terra), bem como
XXI. se erode a diversidade de formas de nossas plantas cultivadas".
56. No capítulo II de meu livro Ecologia, capital e cultura, desenvolvem-se as bases da
produtividade primária dos ecossistemas e sua importáncia numa estratégia de ecodesenvolvi-
ógico mento.
57. A construgáo do "conceito prático" de produtividade cultural pode surgir como uma
heresia teórica, ao vincular em forma adjetivada (dominada) o conceito de cultura — geral-
"sao mente utilizado para designar formagóes sociais e atividades humanas pouco caracterizáveis
sfor- em termos de uma tendéncia ao incremento da produgáo — com o de produtividade, próprio
oran] de unta racionalidade económica que, na comercializagáo e capitalizagáo dos produtos cultu-
a (...) rais das sociedades "primitivas" e das artes e ofícios modernos veio destruindo a estrutura
coni- social que dá suporte a esses valores culturais e suas práticas tradicionais. Entretanto, as
eault. práticas da gestáo ambiental geram "conceitos práticos interdisciplinares" através da transfor-
magáo e integragáo de conceitos teóricos para apreender processos sócio-ambientais comple-
nto...,
xos. Assim, o conceito de produtividade cultural permite dar tonta da forga produtiva de uma
comunidade a partir de sua percepgáo e das formas de aproveitamento produtivo de seus re-
, in:
cursos, de suas motivagóes para a produgáo e da reorganizagáo de suas atividades produtivas e
em o
de sua capacidade para gerar e assimilar novos conhecimentos a suas práticas produtivas tra-
dicionais. De forma análoga, o conceito de produtividade primária, proveniente da ciencia
ecológica, é transformado num conceito de produtividade ecológica para os fins práticos do
niver-
manejo integrado de recursos.
xico,
58. Neste sentido, a racionalidade cultural que subjaz neste nível de produtividade, náo
poderá reduzir-se em termos de forga de trabalho ou de potencial produtivo — do específico
108 ENRIQUE LEFF
ca ou
rodu-
idade
uma
os de
geral
dition
inco-
qual
Irmos
kica
75.).
ao é
radi-
egras
lao"
oma-
erva-
o por
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO,
náo
nado RACIONALIDADE AMBIENTAL E
ento
rmos
ensa-
TRANSFORMAOES DO CONHECIMENTO
dem
am a
1. Introdugáo
jetos
As mudangas ambientais globais revolucionaram os métodos de pesqui-
sa e as teorias científicas para poder apreender urna realidade em vias de com-
1.1111
plexizagáo que ultrapassa a capacidade de compreensáo e explicagáo dos pa-
a um
radigmas teóricos estabelecidos. A problemática ambiental propóe a necessi-
dade de internalizar um saber ambiental emergente em todo um conjunto de
disciplinas, tanto das ciéncias naturais como sociais, para construir um conhe-
cimento capaz de captar a multicausalidade e as relagóes de interdependéncia
dos processos de ordem natural e social que determinam as mudangas so-
cioambientais, bem como para construir um saber e uma racionalidade social
orientados para os objetivos de um desenvolvimento sustentável, eqüitativo e
duradouro.
Daí veio surgindo um pensamento da complexidade e uma metodologia de
pesquisa interdisciplinar, bem como uma epistemologia capaz de fundamentar
110 ENRIQUE LEFF
zar a maneira mais completa os processos produtivos, mas deixa aos geógrafos
a resolugáo das questóes náo estritamente económicas, limitando assim a neces-
sária integragáo interdisciplinar no estudo das formagóes económicas e sociais:
afos
económicas, políticas e sociais determinadas e de estilos alternativos de desen-
ces- volvimento.
iais:
s as
5. Tipologias de atores sociais e racionalidades produtivas: para um conceito de
dos formaláo económico-socioambiental
ro-
dos Os esforgos de complexizagáo da análise estrutural a partir da categoria de
aos FES abrem-se para a construgáo de urna categoria operativa para a pesquisa e
sos gestáo ambiental, que permita integrar os diversos processos que conformam
or urna unidade ambiental de ordenamento produtivo e sustentável dos recursos ou
dos processos de reprodugáo/transformagáo social, num espato geográfico e
económico delimitado. O conceito de formagáo económico-socioambiental
i- (FESA) articula os processos ecológicos, tecnológicos e culturais que operam
sos ao nível local ou regional, com os aparelhos do Estado, os regimes políticos e os
ea processos económicos que operam ao nível nacional, e com a ordem económica
se mundial que gera os padróes de valorizagáo e uso dos recursos e que determina
u- os processos de transformagáo socioambiental.
ao A necessidade de elaborar categorias mais operativas para especificar es-
la tas formagóes ambientais e para compreender a racionalidade do uso dos recur-
sos naturais, conduziu á elaboragáo de tipologias de produtores rurais. Estas
de permitem caracterizar suas relagóes com o meio através das formas de proprie-
so- dade da terra, das formas sancionadas de acesso e uso dos recursos, das técnicas
/ico de produgáo e das formas de apropriagáo do ambiente (Gutman, 1985). Deste
bidt modo, busca-se encontrar na heterogeneidade dos atores rurais, certas regulari-
oro- dades na racionalidade dos processos produtivos e construir urna metodología
gu- para orientar a pesquisa e promover novas estratégias de manejo sustentável dos
recursos. Busca-se assim um método prático e a elaboragáo de categorias con-
ha a cretas de análises dos processos socioambientais que váo além de
conceitualizagóes demasiadamente abstratas para sua contrastagáo no terreno e
las-
de tipologias empíricas carentes de uma organizagáo conceitual.
ir a Esta tipologia apresenta a seguinte classificagáo dos produtores rurais,
tsos privilegiando sua relagáo com o capital, a propriedade da terra e sua vinculagáo
les- com o ambiente rural:
!rta • a propriedade especulativa;
• a grande empresa extra-rural estrangeira;
var
• a grande empresa extra-rural nacional;
ttes
Iras • a grande exploragáo de base rural;
■
• a empresa rural;
• pequen produtor náo-camponés;
• produtor camponés;
• produtor itinerante.
estabelecidas pelas tipologias dos produtores com novas forgas produtivas, que
emergem de um processo de construgáo social do potencial ambiental e da pro-
dutividade ecotecnológica para o desenvolvimento sustentável (Leff, 2000b).
A constituigáo do conceito de FESA e o funcionamento de unidades de
produgáo ambiental deveráo incorporar-se aos programas de pesquisa das uni-
de versidades para experimentá-las em diferentes estudos de caso e em programas
ho de pesquisa participativa, na colocagáo em prática de projetos de gestáo am-
do biental e manejo sustentável de recursos naturais.
pi-
ara
na, 6. Weber e o conceito de racionalidade
idiela A racionalidade ambiental nao pode ser definida a partir de uma pesquisa
partir de operagóes orientada a "realizar a melhor combinagáo de meios limitados
s do para alcangar um objetivo quantificável" (Godelier, 1969: I, 21). Neste sentido,
a racionalidade ambiental implica urna crítica á racionalidade da civilizagáo
1 se moderna. Assim também a construgáo de urna racionalidade ambiental se pro-
duz na desconstrugáo da racionalidade económica fundada no princípio de es-
ves -
cassez e movida pela máo invisível das forgas cegas do mercado para construir
1 os outra racionalidade, fundada em outros valores e princípios, em outros forgas
989; materiais e outros meios técnicos, através da mobilizagáo de recursos humanos,
naturais, culturais e gnoseológicos.
ir os Para além do problema da incomensurabilidade entre os princípios, pro-
1 Slla cessos e objetivos de racionalidades diferentes, a construgáo de urna racionali-
bele- dade ambiental propóe a questáo sobre a possibilidade de transitar para ela, e
ades, que esta possa funcionar como urna praxeologia, com meios eficazes para a
consecugáo de seus objetivos. Trata-se de ver se urna estratégia ambiental de
desenvolvimento funciona "como toda atividade finalizada com possibilidade
'Tans- de possuir urna 'lógica' que lhe assegure a eficácia frente a urna série de restri-
ade. góes" (Godelier, 1969: I, 18). Isso tem releváncia para compreender o processo
ue o social de construgáo de um paradigma de produtividade ecotecnológica, bem
1 se como para analisar a eficácia do movimento ambientalista para reverter os cus-
tos sociais e ambientais da racionalidade económica dominante e para construir
outra racionalidade social.
cur- A racionalidade ambiental incorpora novos princípios e valores que impe-
ali- dem que suas estratégias possam ser avaliadas em termos do modelo de raciona-
eco- lidade gerado pelo capitalismo. Trata-se de analisar os processos de legitimaqcio
pital e as possibilidades de realizagáo dos propósitos e os objetivos "ambientais"
xter- frente ás restrigóes que antepóe a seu processo de construgáo, a institucionaliza-
dade gáo dos mecanismos do mercado, dos interesses económicos, da razáo tecnoló-
gica e da lógica do poder estabelecidos.
tpta- A racionalidade ambiental constrói-se assim mediante a articulagáo de
póia quatro níveis de racionalidade:
), os a) uma racionalidade substantiva, que é o sistema axiológico dos valores
1 sáo que normatizam as agóes e orientam os processos sociais para a cons-
dráo trugáo de uma racionalidade ambiental fundada nos princípios de um
btu- desenvolvimento ecologicamente sustentável, socialmente eqüitativo,
)s e culturalmente diverso e politicamente democrático;
186; b) uma racionalidade teórica que constrói os conceitos que articulam os
valores da racionalidade substantiva com os processos materiais que
•
ao da
c essi- suas estratégias de transformagáo, suas táticas de negociagáo e seus espagos de
sifica complementaridade.
para O processo de constituigáo e transigáo a urna racionalidade ambiental im-
senti- plica processos políticos e sociais que transcendem á confrontagáo de duas "ló-
so de gicas" opostas. É um processo transformador de formagóes ideológicas, insti-
e as tuigóes políticas, fungóes governamentais, normas jurídicas, valores culturais,
estruturas tecnológicas e comportamentos sociais, que se insere na rede de inte-
resses de classes, grupos e indivíduos que mobilizam ou obstaculizara as mu-
dancas históricas para construir esta nova racionalidade social.
Cada racionalidade social está constituída por diversas "esferas" articuladas
de racionalidade. Assim, a racionalidade técnica ou instrumental concerne ao cál-
con- culo, á eficiéncia e á otimizagáo dos processos que conduzem a urna fungáo obje-
nali- tivo, enquanto que a esfera da "racionalidade ideológica" legitima e mobiliza as
for- agóes que conduzem a cenos fins. Ambas as instáncias articulam-se e comple-
ra- mentaria suas formas de dominagáo e sobredeterminagáo em diferentes raciona-
cias lidades e em diferentes momentos de sua construgáo e de seu funcionamento.
-oé
Na racionalidade capitalista, as racionalidades técnica e formal adquirem
urna fungáo dominante, fundamentando e legitimando-se nos valores da produ-
avan-
tividade e da eficiéncia. Daí que o modo capitalista de produgáo tenha chegado
'po ou a se conceber como a manifestagáo de urna "razáo tecnológica" (Marcuse, 1968).
ória é Por sua vez, a racionalidade ambiental apoiou-se mais na legitimagáo de seus
m or- valores (pluralidade étnica, fortalecimento de economias autogestionárias náo-
rgent, acumulativas), que em seus meios instrumentais. O conceito de qualidade vida
turo e e de qualidade ambiental como objetivos da estratégia ambiental de desenvolvi-
S em mento funda sua racionalidade nos valores qualitativos de seus objetivos, numa
uizar- racionalidade substantiva entendida como um sistema de significagóes, valores
e normas culturas caracterizadas por sua diversidade e relatividade.
áo e As diferengas defendidas por estas duas racionalidades (seu caráter inco-
ípios mensurável) váo além da possibilidade de transformar os fins do desenvolvi-
Ioutra mento aos que apontam os propósitos da racionalidade ambiental com os meios
ins- da racionalidade económica e seus instrumentos tecnológicos. Urna produtivi-
re de dade ecotecnológica construída pela articulag á- o de processos de diferentes or-
pita- dene de materialidade — com sua expressáo em diferentes espacialidades e tem-
te. O poralidades — bem como os princípios de diversidade cultural e de eqüidade
Idade social em torno a objetivos de caráter mais qualitativo, impede reduzir e avahar
pers- a gestáo ambiental do desenvolvimento com urna fungáo objetivo generalizável
1 por e quantificável. Neste sentido, a racionalidade ambiental implica "outra razáo"
que parte da crítica á racionalidade tecnológica e do cálculo económico, que
136 ENRIQUE LEFF
do do, este saber náo se constitui no meio que circunda os objetos de conhecimen-
to, mas que emerge de urna problemática social que ultrapassa o campo da
racionalidade do conhecimento. A questáo ambiental emerge de urna problemá-
*sté-
tica económica, social, política, ecológica, como urna nova visáo do mundo,
co-
propondo uma verdadeira revolugáo ideológica e cultural que problematiza toda
tado,
uma constelagáo de paradigmas do conhecimento teórico e de saberes práticos.
Mar a
Neste sentido, a perspectiva ambiental da transformagáo do conhecimento ins-
ividos
creve-se num "programa forte de sociologia do conhecimento". Mais ainda,
social
pelo caráter global desta problematizagáo social de conhecimentos e saberes, e
pelos processos gnoseológicos e sociais que induz o sujeito do conhecimento e
e no os atores sociais do ambientalismo, a questáo ambiental inscreve-se numa pers-
vida pectiva da sociologia do conhecimento. 7
ansi-
As perspectivas foucaultianas sobre o saber e o conhecimento nos permi-
ntra- tem ver a irrupgáo do saber ambiental como efeito destes processos de mudanga
ntido social, da emergéncia de urna nova consciéncia e de novos valores. Este saber
s. inscreve-se nas formagóes ideológicas do ambientalismo e nas práticas discursi-
vas do desenvolvimento sustentável, incorporando os princípios de diversidade
cultural, sustentabilidade ecológica, eqüidade social e solidariedade transgera-
cional. Este saber ambiental, crítico e propositivo, entretecido de um conjunto
de práticas discursivas, mobiliza urna série de mudangas institucionais na or-
s do dem económica mundial; a inovagáo de tecnologias "limpas", adequadas e apro-
e dá priadas para o uso ecologicamente sustentável dos recursos naturais; a recupera-
ento gáo e melhoria das práticas tradicionais (ecologicamente adaptadas) de uso dos
mo- recursos para a autogestáo comunitária dos recursos; o ámbito jurídico dos no-
tes vos direitos ambientais, da normatividade ecológica internacional e da legisla-
za gáo nacional em matéria ecológica no campo das políticas ambientais; a organi-
as zagáo de um movimento ecologista sustentado nos princípios do ambientalis-
mple- mo; a internalizagáo da "dimensáo ambiental" nos paradigmas do conhecimen-
dife- to, nos conteúdos curriculares e nas práticas pedagógicas; a emergéncia de no-
inter- vas disciplinas ambientais (Leff, 1987; 1988a).
darle: A partir desta perspectiva de análise, é possível ver o surgimento das for-
um magóes discursivas do saber ambiental como um efeito do "poder" no conheci-
sgo- mento; ver a circulagáo e transformagáo (manipulagáo e legitimagáo) de seus
xes- conceitos através do jogo de interesses opostos de países, instituigóes e grupos
iste- sociais. Ao mesmo tempo, nos permite entender o saber ambiental náo como
ar os uma doutrina homogénea, fechada e acabada, mas como um campo em constru-
gáo de formagóes ideológicas e teóricas heterogéneas, abertas e dispersas, cons-
o do tituídas por urna multiplicidade de práticas sociais: o saber camponés e das
mtu- comunidades indígenas sobre seu ambiente e seus recursos, integrado a suas
138 ENRIQUE LEFF
E PI
le uso
lesen- e das práticas de pesquisa. Estes processos náo sáo produzidos pelos desen-
1 pelo volvimentos internos das ciéncias nem se referem apenas ás políticas científi-
movi- cas e tecnológicas, ou seja, á aplicagáo dos conhecimentos existentes aos fans
rídica do desenvolvimento sustentável. Através do conflito social colocado em jogo
partir pela crise ambiental, problematizam-se os interesses disciplinares e os para-
inser- digmas estabelecidos do conhecimento, sobretudo no terreno das ciéncias so-
mo se ciais, que sáo as formagóes teóricas e ideológicas que legitimam urna racionali-
Indas dade social determinada (por exemplo, o direito privado e a racionalidade eco-
ntífi- nómica que legitimaram e institucionalizaram as formas de acesso, propriedade
969). e exploragáo dos recursos naturais e que surgem como causa da degradagáo
1
socioambiental).
I Desta perspectiva, a construgáo de urna racionalidade ambiental implica
transformagóes dos conceitos e métodos de diversas ciéncias e campos discipli-
nares do saber, nos sistemas de valores e das crengas de diversos grupos sociais.
iliza-
Estas transformagóes ideológicas e epistémicas náo sáo efeitos diretos tragáveis
nvol-
a partir do posicionamento de diferentes classes sociais. Implicam a análise de
olvi-
processos mais complexos que colocam em jogo os interesses de diferentes
ntífi-
grupos de poder em relagáo com a apropriagáo dos recursos naturais, os interes-
iona-
ses institucionalizados de urna administragáo pública setorializada e os interes-
dife-
ses disciplinares associados com identificagáo e apropriagáo de um saber dentro
dade
do qual se desenvolvem as carreiras científicas e profissionais. Neste sentido é
dens
possível propor que a emergéncia do saber ambiental abre urna nova perspectiva
náo
á sociologia do conhecimento.
dade
A problemática ambiental induz efeitos desiguais na transformagáo de di-
ferentes disciplinas e paradigmas científicos e na produgáo, integragáo e aplica-
ática
gáo de conhecimentos. O saber ambiental emerge, problematiza e reorienta o
sim,
desenvolvimento do conhecimento em trés níveis:
sur-
ade,
a) A orientagáo da pesquisa e da aplicagáo dos conhecimentos científicos
que
e técnicos através das políticas científico-tecnológicas.
ere- b) A integragáo interdisciplinar de especialidades diversas e de um con-
ntal. junto de saberes existentes em torno a um objeto de estudo e a urna
problemática comuns e a elaboragáo de um conhecimento integrado
ge-
através de um método de análise de sistemas complexos (García, 1986).
náo
duz c) A problematizagáo dos paradigmas teóricos de diferentes ciéncias, pro-
eci- pondo a reelaboragáo de seus conceitos, a emergéncia de novas áreas
icos temáticas e a constituigáo de novos objetos de conhecimento e discipli-
nas ambientais.
140 ENRIQUE LEFF
volvi que as tornam mais dúcteis ou rígidas para incorporar e amalgamar um saber
Ite na ambiental.
ito de O saber ambiental náo é um saber onicompreensivo e totalizante que seria
rige a internalizado pelos diferentes paradigmas teóricos. Pelo contrário, o saber am-
nstru- biental vai-se configurando como um campo de externalidade específico a cada
conó- um dos objetos de conhecimento das ciéncias constituídas. Neste sentido, a
cre s - contribuigáo das ciéncias sociais á definigáo de um "paradigma ambiental" é
base s um processo dialético no qual ao mesmo tempo que as ciéncias sociais se orien-
tam e integram para conformar um conceito de ambiente e um campo ambiental
resí- do conhecimento, um saber ambiental emergente vai-se internalizando dentro
ade- dos paradigmas teóricos e das temáticas tradicionais das ciéncias sociais para
oló- gerar um conjunto de disciplinas "ambientais".
dano As disciplinas que resultam mais profundamente questionadas pela pro-
atu- blemática ambiental sáo as ciéncias sociais e as ciéncias naturais mais próximas
mas ás relagóes entre sociedade e natureza, como a geografia, a ecologia e a antropo-
ién- logia. Náo se trata táo-somente de revalorizar disciplinas como a etnobotánica e
a etnotécnica para a recuperagáo dos saberes técnicos das práticas tradicionais
odos de uso dos recursos, mas da internalizagáo do saber ambiental emergente nos
`pro- paradigmas destas ciéncias sociais.
Neste sentido, a antropologia ecológica "evoluiu" da antropologia cultural
con- de Steward — que via no "nível de integragáo sociocultural" a especificidade da
o de articulagáo da organizagáo cultural com as condigóes de seu meio ambiente —
rma- e da "lei básica de evolugáo de White" que viu esta em termos de incremento no
Isto controle e uso de energia na medida em que evolui a organizagáo cultural (Adams,
s da 1975; Rappaport, 1971), para um neofuncionalismo e um neoevolucionismo
dife- que incorporam os princípios da racionalidade energética e ecológica, de adapta-
era- gáo funcional de populagóes ao meio e á "capacidade de carga" dos ecossiste-
série mas na explicagáo da organizagáo cultural (Vessuri, 1986). A ecologia funcional
pro- gerou conceitos como resiliéncia, taxa ecológica de exploragáo e capacidade de
rno- carga, que respondem á necessidade de internalizar os efeitos das práticas pro-
ec i - dutivas e dos processos económicos na estrutura e funcionamento dos ecossiste-
cio- mas (Gallopín, 1986).
abe- A geografia e a ecologia buscaram seus campos de uniáo e colaboragáo
esta (Bertrand, 1982; Tricart, 1978 e 1982; Tricart e Killian, 1982), permitindo
e, a "espacializar" a ecologia e dar escalas temporais á geografia, de maneira a po-
nto. der captar os mecanismos de apropriagáo dos recursos naturais através dos pro-
o ás cessos de produgáo rural e construir unidades operacionais de manejo susten-
ber, tável dos recursos naturais. Daí surgiram os novos ramos da geografia física e
142 ENRIQUE LEFF
A questáo ambiental gerou novas problemáticas sociais, que, por sua vez,
abrem novos espagos temáticos para a pesquisa interdisciplinar das ciéncias
sociais — e da sociologia em particular — , tocando fronteiras com outras dis-
ciplinas, como economia, psicologia, antropologia e filosofia. Entre estas temá-
ticas emergentes, destacam-se as seguintes:
a) a nogáo de qualidade de vida;
b) a ecologia política e os movimentos ambientalistas.
Nesta primeira abordagem será impossível esgotar a análise deltas novas
temáticas. Tenta-se apenas ir delineando os elementos que conformara entes
novos espagos para a reflexáo sociológica, dar alguns avangos conceituais, e
esbogar orientagóes para o desenvolvimento de estudos nestas áreas.
res de acordo com a cultura e com o meio, e que tém sido atingidos pelos pro-
cessos massificados de produgáo e consumo.
A qualidade de vida, pelos elementos que a definem, náo permitem gene-
ralizar as necessidades sociais, nem sequer por estratos ou grupos sociais. A
qualidade de vida é um processo no qual diversas circunstancias incidem num
indivíduo (urna mesma condigáo externa náo se conjuga da mesma maneira e no
mesmo tempo com outras para incidir na satisfagáo de um indivíduo). Por sua
vez, implica urna abertura do desejo e das aspiragóes que váo além da satisfagáo
das necessidades básicas.
A qualidade de vida repropóe os valores associados com a restrigáo do
consumo e o estímulo ao crescimento económico, a satisfagáo das necessidades
individuais diante dos requerimentos para a reprodugáo social; questiona os
benefícios alcangados pelas economias de escala e de aglomeragáo e da raciona-
lidade do consumo que tende a maximizar o benefício presente e descontar o
futuro. A satisfagáo das necessidades de urna sociedade opulenta, ou de urna
sociedade altamente estratificada e polarizada, requer maiores recursos e exerce
urna maior pressáo sobre o ambiente do que urna sociedade igualitária (Herrera
et at., 1976).
Com o conceito de qualidade de vida fizeram-se esforgos por "humanizar"
o consumo e por explicitar e hierarquizar as necessidades básicas (Gallopín,
1982; Mallmann, 1982; Milbraith, 1982). Porém, muitos destes esforgos náo
parecem sair do ámbito da racionalidade produtiva dominante para questioná-la
e repropor a qualidade de vida na perspectiva ambiental. Desta maneira, por
exemplo, se reconhece a importáncia do acesso a um trabalho produtivo, a cer-
tas amenidades recreativas e á participagáo na tomada de decisóes, mas náo se
propóem estas necessidades como necessidades de autogestáo dos recursos, do
rompimento dos padróes de consumo produzidos e implantados de fora para
dentro, e das implicagóes macroeconómicas que geraria urna maior auto-sufi-
ciéncia das comunidades fundadas num consumo diversificado. Isto leva a uma
redefinigáo das necessidades básicas: nutrigáo, saúde, moradia, vestimenta, edu-
cagáo, emprego e participagáo.
A qualidade de vida está necessariamente conectada com a qualidade do
ambiente, e a satisfagáo das necessidades básicas, com a incorporagáo de um
conjunto de normas ambientais para alcangar um desenvolvimento equilibrado
e sustentado (a conservagáo do potencial produtivo dos ecossistemas, a preven-
gáo frente a desastres naturais, a valorizagáo e preservagáo da base de recursos
naturais, sustentabilidade ecológica do habitat), mas também de formas inéditas
de identidade, de cooperagáo, de solidariedade, de participagáo e de realizagáo,
UF LEFF EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL 149
rp
natu-
cas da populagáo. Isto outorga a estes movimentos urna perspectiva social e
ados
política mais global, apesar da heterogeneidade dos diferentes grupos ambienta-
pela
listas, de suas diferentes perspectivas sociais; estratégias políticas e práticas
onal,
concretas de agáo.
ecur-
olvi- Os movimentos ambientalistas podem ser caracterizados por uma série de
par- objetivos explícitos em seus programas de organizagáo e pelas manifestagóes de
seus planos de agáo, bem corno pela organizagáo em torno de problemas con-
cretos e a incorporagáo de valores e conceitos — muitos vezes náo explícitos —
istas,
que levam á busca de novos canais de expressáo e estratégias de luta. Urna
is- síntese dos princípios organizadores dos movimentos ambientalistas sáo os se-
cte-
guinte s :
or
152 ENRIQUE LEFF
Notas
1. "Urna boa parte da teoria sociológica está orientada á estrutura e nao aos processos, e
tende receber um enfoque ás instituigóes. Isto levou a tras problemas específicos: os de esta-
156 ENRIQUE LEFF
ira sujeito se encontra modificado pelo que conhece, ou melhor, pelo trabalho realizado para
os conhecer. É o que permite a modificagáo do sujeito e a construgáo do objeto. Conhecimento é
o processo que permite a multiplicagáo dos objetos cognoscíveis, o desenvolvimento de sua
tre inteligibilidade, a compreensáo de sua racionalidade, enquanto que o sujeito que faz a pesqui-
re- sa permanece sempre o mesmo" (Foucault, 1991).
im 8. Esta análise obviamente seria frutífera para ver as inconsistencias entre a teoria e a
prática do paradigma económico prevalecente. Neste sentido, as regras formais da economia
as, neoclássica — por exemplo, a "regra de Hotelling", que estabelece que os custos de extragáo
de da unidade marginal do recurso deve crescer a urna taxa igual á taxa de juros do mercado,
ua regulando assim o balango entre equilíbrios ecológicos e económicos e aproximando-os a um
de ótimo social —, foi refutada na realidade das políticas económicas que geraram um acelerado
les desequilíbrio ecológico e degradagáo ambiental (Cf. Gutman, 1986: 180)
9. "Segundo Foucault, é por esta via que devemos pensar a insergáo de urna ciencia numa
iso formagáo social, é por esta via que se evita ao mesmo tempo o idealismo para o qual a ciencia
lo-
cai do céu, e o mecanismo-economicista para o qual a ciencia náo é senáo um reflexo da
na
produgáo" (Lecourt, 1972:131).
ie-
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e
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a-
la
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r4CORTEZ
NL,-, EDITORn 139
ncial vidade" seja o fator determinante das descobertas científicas, mas que os para-
ca, a digmas científicos se afirmam negando suas falhas, tudo o que náo explicam ou
que desconhecem. O conhecimento prático se esquece do real, dos objetos das
ciéncias, e todo sistema reduz a realidade, deixando muitas coisas de fora,
ioló-
externalizando processos, subjugando saberes, desconhecendo racionalidades e
dida-
ignorando a complexidade ambiental de suas inter-relagóes, tudo isto que náo é
) por
reintegrável por um método sistémico nem por urna prática interdisciplinar.
mico
) dos O conhecimento, ao fragmentar-se analiticamente para penetrar nos entes,
naté- separa o que organicamente está articulado; sem saber, sem intengáo expressa,
pites gera uma sinergia negativa, um círculo vicioso de degradagáo ambiental que o
)s de conhecimento já náo compreende nem contém. Essa forma de conhecimento,
que quer apreender os entes em sua objetividade, indagando suas esséncias,
construíram um "objeto" complexo que já náo se atém á multicausalidade dos
vez processos que os gerou. O transobjeto que gera esta transgénese demanda urna
cien- transdisciplinaridade que já náo é o conhecimento sistémico da interdisciplina-
Kan- ridade, o saber holístico. Movimento perverso do conhecimento que em vez de
pro- avangar transcendendo a ignoráncia numa "dialética da iluminagáo", vai geran-
knen- do suas próprias sombras, construindo um objeto transgénico que já náo se
Ion a reconhece no saber das ciéncias.
olo- Desta maneira, o ambiente configura o campo de externalidade das cién-
cias que náo é reintegrável — internalizável — por extensáo e a racionalidade
científica a estes espagos negados e saberes esquecidos. O ambiente é o Outro
eco- do pensamento metafísico, do lógos científico e da racionalidade económica.
ntre Nesta perspectiva, o propósito de internalizar a "dimensáo ambiental" nos para-
omi- digmas do conhecimento se propóe como um confronto de racionalidades e
. Os tradigóes, como um diálogo aberto á outridade, á diferenga e á alteridade.
le de
ima-
2. A "internaliznáo da dimensáo ambiental"
tema
)bje- A problemática ambiental promoveu a transformagáo dos conhecimentos
stru- teóricos e práticos nos quais se funda a racionalidade social e produtiva domi-
des- nante. Os requerimentos de conhecimentos para a construgáo de urna racionali-
nhe- dade ambiental dependem da perspectiva ideológica e política na qual se gera
sua demanda. Esta determina as estratégias conceituais e metodológicas para a
ta de produgáo de conhecimentos, reorientando a pesquisa e o desenvolvimento tec-
dos nológico. O anterior náo implica que todos os paradigmas científicos vejam-se
)jeti- questionados pelas diferentes perspectivas ideológicas dentro das quais se pro-
162 ENRIQUE LEFF
num instrumental e cultural (ver Cap. 3); é um processo social, síntese de teoria e
essos práxis: de transformagóes teóricas, movimentos sociais e mudangas institucio-
bien- nais que incidem na concregáo do conceito de ambiente.
rincí- O saber ambiental impulsionou novas aproximagóes holísticas e a busca
de se de métodos interdisciplinares capazes de integrar a percepgáo fracionada da rea-
as do lidade que nos legou o desenvolvimento das ciéncias modernas. Contudo, entre
o dictum interdisciplinar e o factum da integragáo da realidade — a internaliza-
i pro- gáo dos valores da natureza e os potenciais ecológicos num novo conceito de
:orpo produgáo, as práticas interdisciplinares de pesquisa e gestáo trans-setorial do
, cada desenvolvimento sustentável — abriu-se um caminho que antes de ter chegado
e in- a seu ideal reunificador, topou com a falácia de suas pretensóes.
N) do A interdisciplinaridade proposta pelo saber ambiental implica a integragáo
ultam de processos naturais e sociais de diferentes ordens de materialidade e esferas
un os de racionalidade. A especificidade destes processos depende tanto das condi-
incei- góes epistemológicas que fundamentam sua apreensáo cognitiva, como das con-
gani- digóes políticas que levam a sua expressáo na ordem do real. É, pois, urna ques-
s pa- táo de poder que atravessa as ciéncias e os saberes. Isso implica a formulagáo de
esis- novas estratégicas conceituais para a construgáo de uma nova ordem teórica e
lores um novo paradigma produtivo, e novas relagóes de poder, que questionam a
00). racionalidade económica e instrumental que legitimou a hegemonia homoge-
ves-
neizante da modernidade.
pela A interdisciplinaridade, aplicada ao campo ambiental, levou a formula-
am- góes gerais que orientara urna visáo holística e integradora do processo de de-
ia de senvolvimento, mas deixa de fora a especificidade dos processos materiais e
éto- simbólicos que o constituem. Desta maneira, passou-se de urna concepgáo da
complexidade como a ecologizagáo da visáo do mundo por ser a ecologia "a
ciéncia por exceléncia das inter-relagóes", a caracterizar o ambiente como con-
juntos muito gerais de relagóes e agregados de processos: sociedade-natureza;
populagáo-recursos; ambiente-desenvolvimento.
Neste nível de generalidade, o enfoque interdisciplinar abre um olhar inte-
ito e grador dos processos socioambientais. No entanto, estas categorias gerais e esta
ela- delimitagáo de temáticas globais, embora apontem no sentido de uma nova vi-
iza- sáo das inter-relagóes de diversos processos, sáo insuficientes para concretizar
seu metodologias interdisciplinares de pesquisa. Na prática, programas concebidos
sob estas categorias genéricas caem facilmente num reducionismo teórico ao
s de adotar paradigmas pretensamente transdisciplinares para atravessar a ponte en-
de- tre o natural e o social. Neste sentido, o social pode ser absorvido por enfoques
ica, ecologistas e visóes biologistas, ou por um energetismo social que pretende
166 ENRIQUE LEFF
ara ser e modernidade. Este encontro de saberes implica processos de hibridagáo cultu-
Irge de ral (García Canclini, 1990), onde se revalorizam os conhecimentos indígenas e
Iturais os saberes populares produzidos por diferentes culturas em sua coevolugáo com
zados. a natureza.
tuindo O saber ambiental propóe a questáo da diversidade cultural no conheci-
ocesso mento da realidade, mas também o problema da apropriagáo de conhecimentos
;todos, e saberes dentro de diferentes ordens culturais e identidades étnicas. O saber
erando
ambiental náo só gera um conhecimento científico mais objetivo e abrangentes,
mas também produz novas significagóes sociais, novas formas de subjetividade
iéncias e de posicionamento ante o mundo. Trata-se de um saber que náo escapa á
finas e questáo do poder e á produgáo de sentidos civilizatórios.
temas
e urna
O ambiente, como condigáo da sustentabilidade, deve assimilar-se a diver-
sos paradigmas teóricos para internalizar os custos ecológicos do crescimento
económico, a eficiéncia energética dos processos produtivos, a racionalidade
luigáo ecológica das sociedades tradicionais e os valores conservacionistas do compor-
ual se tamento humano. O saber ambiental problematiza assim o conhecimento para
pende refuncionalizar os processos económicos e tecnológicos, ajustando-os aos obje-
sabe- tivos do equilibrio ecológico, á justita social e á diversidade cultural. Neste
eis da sentido, o saber ambiental emerge como um processo de revalorizagáo das iden-
os co- tidades culturais, das práticas tradicionais e dos processos produtivos das popu-
iental lagóes urbanas, camponesas e indígenas; oferece novas perspectivas para a rea-
saber propriagáo subjetiva da realidade; abre um diálogo entre conhecimento e saber
no encontro do tradicional e do moderno.
a ob-
O saber ambiental reconhece as identidades dos poyos, suas cosmologias
nova
e seus saberes tradicionais como parte de suas formas culturais de apropriagáo
o pro-
de seu património de recursos naturais. Assim, inscreve-se dentro dos interesses
idade.
diversos que constituem o campo conflitivo do ambiental. Emergem daí novas
o am-
formas de subjetividade na produgáo de saberes, na definigáo dos sentidos da
974).
existéncia e na qualidade de vida dos indivíduos, em diversos contextos cultu-
po do
ioló-
rais. Neste sentido, mais que reforgo da racionalidade científica prevalecente, o
agáo
saber ambiental impulsiona novas estratégias conceituais para construir uma
nova racionalidade social.
meios
reza. 5. Interdisciplinaridade, retotalizagáo do conhecimento e subversáo do sujeito
dades
cien- No transito da modernidade para a pós-modernidade, as tendéncias da epis-
gáo temologia das ciéncias, orientada pelo logocentrismo e a busca da unidade e da
•
jetiva que produz urna série de efeitos sobre a aplicagáo dos conhecimentos das
ciéncias e sobre a integragáo de um conjunto de saberes nao-científicos; sua
eficácia provém da especificidade de cada campo disciplinar, bem corno do jogo
de interesses e das relagóes de poder que movem o intercambio subjetivo e
institucionalizado do saber.
O questionamento inquisidor sobre urna ciéncia a partir do olhar externo e
estranho de outra disciplina ou a partir dos efeitos produzidos por suas aplica-
góes em seus campos experimentais e na transformagáo da realidade, pode pro-
por alguns problemas teóricos e gerar um processo de assimilagáo de novos
conceitos e metodologias de pesquisa, mas o objeto teórica de cada ciéncia e a
especificidade disciplinar de cada especialidade, imporáo as condigóes do que
pode ser repensado teoricamente, o que pode ser retrabalhado na prática de
pesquisa, o que pode ser entretecido numa estrutura de conhecimento.
O processo interdisciplinar mobiliza a produgáo de novos conhecimentos
enquanto reste ás disciplinas particulares um potencial a desenvolver em seu
intercambio com outros saberes para compreender e resolver os problemas so-
ciais de nosso tempo; enquanto os sujeitos do saber conservaren um impulso
por conhecer o desconhecido, a necessidade de descobrir e construir um mundo
além do restrito horizonte de visibilidade da realidade e dos fatos; enquanto
existir urna capacidade para conjeturar o que nao é dedutível a partir da análise
do dado; enquanto a necessidade emancipatória do ser humano nao levar á cons-
trugáo de novas utopias e á exploragáo de alternativas além das opgóes ofereci-
das pelos referenciais teóricos herdados pela tradigáo do pensamento metafísico
e do método científico, enquanto continuar viva a pulsagáo pelo saber, o pensa-
mento crítico e o movimento criador das idéias.
O projeto de interdisciplinaridade busca, assim, a construgáo de novos
objetos de conhecimento que abrem novas concepgóes e compreensiíes do mun-
do, por exemplo, o tránsito da biologia evolutiva á biologia genética que relata
Canguilhem (1971) no conhecimento da vida. A interdisciplinaridade teórica
nao se circunscreve a urna vontade de produtividade científica, de compreensáo
totalitária do mundo, de eficácia transformadora e de controle da complexidade
ambiental. A pulsagáo pelo conhecimento é inconsciente, e o inconsciente é
indisciplinar. Como afirma Baudrillard:
s das urna luz enlouquecida. Nosso inconsciente (...) estaria feito desta expulsdo gozosa
; sua de todas as superestruturas obstaculizantes do ser e da vontade" (Baudrillard,
jogo 1983: 108).
ivo e
A complexidade ambiental náo só defende a necessidade de articular as
ciencias existentes para compreender a multicausalidade dos processos, sua
oe
aleatoridade, sua probabilidade. A complexidade ambiental emerge do diálogo
lica-
entre saberes e conhecimentos, da produgáo de novos entes e ordens híbridas
pro-
que provém da projegáo metafísica do mundo e da intervengáo tecnológica da
Vos
vida. O saber ambiental forja-se nesta abertura do mundo objetivado e do co-
ea
nhecimento racional, que introjeta o silencio do sujeito e seu nao saber: a incer-
que
teza, o impensado e o enigmático. Para além da incomensurabilidade entre do-
a de
mínios conceituais que correspondem a diferentes ordens do real, propóe-se a
disjungáo de saberes que nunca se encontram num objeto articular, que náo se
ntos complementam na compreensáo de um processo de um sistema complexo — tal
seu o caso da impossibilidade de conjugar a quantificagáo do valor económico
so- com as valorizagóes da cultura; os ciclos energéticos, os fluxos ecológicos e a
ulso circulagáo do valor.
ndo
Além do problema de internalizar a multicausalidade dos processos atra-
anto vés da articulagáo das ciencias e da abertura das ciéncias para o conhecimento
álise náo-científico — uma hibridagáo entre ciéncias, técnicas e saberes — a comple-
ons- xidade ambiental emerge da superobjetivagáo do mundo, de um processo de
reci- externalizagáo do ser que ultrapassa toda compreensáo e contengáo possível
ísico pela agáo de um sujeito, por uma teoria de sistemas, um diálogo interdiscipli-
nsa- nar, uma ética ecológica ou urna moral solidária. A complexidade ambiental é
convocada a sua existencia por urna hibridagáo de diversas ordens do real que
ovos foi determinara por urna racionalidade científica e económica que gera um mun-
un- do objetivado e coisificado que ultrapassa todo referencia) possível do conheci-
elata mento e do saber; que desencadeia urna reagáo em cadeia náo controlável por
rica meio de urna gestáo científica do ambiente.
nsáo Neste sentido, o saber ambiental abre urna relagáo escatológica com o ser
dade e com a história:
te é
"A escatologia póe em relagáo com o ser, para além da totalidade ou da histó-
ria, e náo com o ser para além do passado e do presente. Náo com o vazio que
stén- rodeia a totalidade e no qual se poderia, arbitrariamente, acreditar no que se
s de quiser e promover assim os direitos de urna subjetividade livre como o vento. É
odas a relagáo com uma excedéncia sempre exterior a totalidade, como se a totalida-
a de de objetiva náo completasse a verdadeira medida do ser, como se outro conceito
176 ENRIQUE LEFF
Isso abre o caminho para novas estratégias de poder no saber para a cons-
trugáo de urna racionalidade ambiental, que passa por novas formas de pensa-
mento, de interrogagáo e sedugáo do mundo no intercambio simbólico e no
diálogo de saberes.
laláo "O objeto analisado triunfa hoje por toda parte (...) sobre o sujeito da análise.
.). A Ele escapa por toda parte e o 'ano a sua posigáo inexistente de sujeito. Por sua
antes complexidade náo só o ultrapassa, mas anula as questfies que o outro pode pro-
,ejam por-lhe. Ao tornar-se reversíveis, ainda os processos materiais burlam toda soli-
asao, citagáo (a reversibilidade é a arma absoluta contra a determinagáo (...) mas náo
) náo elimina a indeterminagáo, já que a reversibilidade náo é da ordem do aleatório,
o ul- e sim mais precisamente uma sorte de exata determinagáo inversa e simultánea,
nente de contra-determinagáo perversa)" (Baudrillard, 1983: 91).
to de
■ igni - A atomizagáo do social e o fracionamento do conhecimento náo sáo
sem - reintegráveis por um método sistémico, por um método interdisciplinar ou pelo
/den - livre mercado. Náo é urna reunificagáo e homogeneizagáo concertados num re-
gime de diferengas dessubstancializadas. O esvaziamento de sentido de sujeito
e de "eus" dessubstancializados e equiparáveis é o correlato ao vazio ontológico
ons- da Teoria Geral de Sistemas, obcecado pelas homologias estruturais do conheci-
nsa - mento formal. A racionalidade ambiental confronta assim o logocentrismo da
no ciencia positivista, á racionalidade formal e instrumental da modernidade e ao
projeto de interdisciplinaridade teórica e técnica que busca recompor essa lógi-
ca fundacional da civilizagáo moderna. A racionalidade ambiental convoca á
construgá'o de um saber fundado numa constelagáo de diversidades arraigadas
na cultura e na identidade.
Ao final dessa busca da humanidade por nomear, codificar e tocar o real,
tífi- por apreender, compreender e dominar a natureza; por soletrar o infinito; logo
das de todo esse périplo pelo mundo da gramática, das ciencias, da hermenéutica,
nio nos encontramos sendo pensados por outro, pelo conhecimento como um Ou-
uo tro, externo, que pensa o ente e nos pensa, mas náo compreende o ser; que nos
osi- deixa nus diante do saber e ávidos de sentido. Talvez ceja a angústia ante o
do esvaziamento de sentidos existenciais e essa sede de vida a que expressam tanto
ma as lutas das etnias pela reafirmagáo de suas identidades, como o drama desse ser
es- solitário, cujo grito provém do legado de urna metafísica, um lógos, urna gra-
da mática e urna epistemologia que náo sustentam o ser e ultrapassam o real; de um
verbo e um tempo que nos pensa, nos impóe sua verdade e nos segura. Esse
da sujeito fala e diz:
tes,
"(...) náo pode pensar o infinito (...). Mas pense que vocé pode sofré-lo porque
gar-
ele pensa em vocé, pensa sem cessar, quer vocé saiba ou náo. E isso náo é mais
eza que o início, o mero início do início. Vocé é pensado. E porque é pensado, deve
gi- pensar que voces pensa. Vocé deve; náo pode escapar. Só que há uma margem
eal entre o pensamento que pensa vocé e o que vocé pensa que pensa (...). Faz falta
uma estrela para ver a negrura? (...) O que é o uso do tempo? Fornicagáo perpé-
178 ENRIQUE LEFF
"trata-se de saber se o lugar da verdade deve ser ao mesmo tempo pensado como
o lugar da eterna repetigáo dos efeitos de domínio (ou se for possível adotar)
aquela variante particular do nominalismo (...) que inverte as perspectivas, eli-
minando o nome da verdade enquanto tal, náo para proibir de falar do verdadei-
ro, mas para identificar o verdadeiro com a multiplicidade infinita, que excede
qualquer denominagáo unívoca, de suas próprias ocorréncias no real, no pensa-
mento ou na linguagem (...) A hipótese nominalista e democrática tem um obje-
tivo anti-hierárquico bem manifesto: fazer de modo que a verdade se nomeie em
seu próprio lugar ideológico, sem que surja nunca a menor palavra-mestra. Esta
hipótese nos parece uma aporta. Se pretendemos que desaparega a palavra-mes-
E LEFF EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL 181
é11111 tra, ou que se dissolva na massa, náo aniquilamos o discurso? Salvo que vin-
E for- culemos o desaparecimento, o eclipse da palavra-mestra com outras enuncia-
por O-es, com outros efeitos de verdade" (Balibar, 1995: 70).
num
áo de O desenvolvimento do conhecimento náo é entáo um desdobramento do
1ticas lógos, prefigurado no ser das coisas ou nas categorias a priori da razáo. O co-
Jades nhecimento avanga gerando a objetivagáo do mundo, mas náo está predetermi-
:ultu- nado pela objetividade da realidade. Esta abertura para o infinito, o impensável,
;a foi o que ainda náo é — mas que está na ordem do real e do pensamento — é o
que é espato do saber, que neste ponto encontra sua diferenga com o conhecimento
tres e objetivante no investimento que faz o sujeito configurado por urna identidade,
la — antecipando o possível na ordem do ser e do conhecimento:
poder
Lagáo "A distáncia frente ao ser (...) produz-se como tempo e como consciéncia ou
estos ainda como antecipagáo do possível. Através desta distáncia do tempo, o defini-
ultu- tivo náo é definitivo, o ser ao mesmo tempo que é, náo é ainda, permanece
I suspenso e pode, em todo momento, comegar. A estrutura da consciéncia ou da
temporalidade — da distáncia e da verdade deve-se a um gesto elementar do ser
que rejeita a totalizagáo. Esta rejeigáo produz-se como relagáo com o náo-
englobável, como o recebimento da alteridade (...). O tempo no qual se produz o
ser ao infinito vai mais além do possível. A distáncia da fecundidade frente ao
heci - ser, entrega-se por inteiro no real; consiste numa distáncia frente ao próprio
Ido e presente que escolhe suas possíveis, mas que se realizou e envelheceu de certo
mar- modo e que, em conseqüéncia, paralisado como realidade definitiva, já sacrifi-
cou suas possíveis (...). O transcendente é aquilo que náo poderia ser englobável
ática
(...). A defasagem absoluta da separagáo que a transcendéncia supóe, náo pode-
Drici-
ria expressar-se melhor que pelo termo criagáo, no qual, ao mesmo tempo, se
::os e afirma o parentesco dos seres entre eles, mas também sua heterogeneidade radi-
bar, cal, sua exterioridade recíproca..." (Lévinas, 1977: 288-9, 297).
"Por imensos períodos de tempo, o intelecto só produziu erros (...). Estes artículos
erróneos de fé, que eram herdados continuamente, até que quase chegaram a ser
parte dos dons básicos da espécie, incluem os seguintes: há coisas duradouras;
há coisas iguais; há coisas, substáncias, corpos; urna coisa é o que parece que é;
nosso vontade é livre; o que é bom para mim é bom em si mesmo. Foi já muito
tarde guando tais proposigóes foram postas em dúvida e rejeitadas; foi já mui-
to tarde guando emergiu a verdade — como a forma mais fraca de conhecimen-
to. Parecia corno se fóssemos incapazes de viver com isso: nosso organismo
estava preparado para o oposto; todas as suas fungóes superiores, sentido, per-
cepgáo e todo tipo de sensagáo trabalhavam com esses erros básicos, que tinham
sido incorporados desde tempo imemoráveis (...) no domínio do conhecimento,
estas proposigóes se transformaram em normas de acordo com as quais se deter-
minou o "verdadeiro" e o "nao verdadeiro — até as regióes mais remotas da
lógica (...). Assim, a forra do conhecimento náo depende de seu grau de verda-
de, mas em sua idade, no grado no qual foi incorporada, em seu caráter como
urna condigáo de vida. Onde a vida e o conhecimento pareciam opor-se, nunca
houve uma disputa real, mas que a negagáo e a dúvida foram consideradas sim-
plesmente loucura (...) era possível viver em acordo com esses opostos (mas
para isso) inventaram o sábio como o homem que era imutável e impessoal, o
homem da universalidade da intuigao que era Uno e Todo ao mesmo tempo,
com urna capacidade especial para seu conhecimento investido: tinham fé em
LEFF EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL 183
no que seu conhecimento era também o princípio da vida. Mas para afirmar tudo
isto, tiveram de enganar a si mesmos sobre seu próprio estado; tiveram de atri-
buir-se de maneira fictícia a impessoalidade e a duragáo imutável; tiveram de
el no desconhecer a natureza do conhecedor; tiveram de negar o papel dos impulsos
brin- no conhecimento; e em geral, tiveram de conceber a razáo como urna atividade
completamente livre e espontánea. Fecharam os olhos para o fato de que eles
.). O também tinham chegado a suas proposigües opondo-se ao senso comum, ou
aí' devido a um desejo de tranqüilidade, apenas pela posse ou para dominar (...) a
927/ honestidade e o cepticismo surgiram guando dois enunciados contraditórios
pareciam ser aplicáveis á vida porque ambos eram compatíveis com os erros
básicos (...). Gradualmente, o cérebro humano se encheu de tais juízos e convic-
Itica góes, e nesta confusáo de desenvolveu um fermento, luta e cobiga pelo poder.
Náo só utilidade e desfrute, mas qualquer tipo de impulso tomou partido nesta
ps de
disputa sobre "verdades". Da luta intelectual veio uma ocupagáo, urna atragáo,
ade. urna profissáo, um dever, algo digno — e eventualmente o conhecimento e a
abe- busca da verdade encontraram seu lugar como urna necessidade entre outras.
con- Daí em diante, náo apenas a fé e a convicgáo, mas também o escrutínio, a nega-
ento gáo, a desconfianga e a contradigáo se transformaram num poder: todos os ins-
le ao tinto 'malignos' foram subordinados ao conhecimento, empregaram-se em seu
servigo, e adquiriram o esplendor do que é permitido, honrado e útil — e even-
tualmente inclusive o olho e inocencia do que é bom (...). Assim, o conhecimen-
ulos to tornou-se urna pega da própria vida, e em conseqüéncia um poder continua-
1 ser mente crescente — até que eventualmente o conhecimento chocou-se com esses
tras; erros básico primigénios: duas vidas, dois poderes, ambos no mesmo ser huma-
e é; no. Um pensador é agora esse ser em quem o impulso pela verdade e esses erros
uito preservadores da vida chocam para sua primeira luta, depois de que o impulso
nui- pela verdade provou ser também um poder preservador da vida. Comparado
nen- com a significáncia desta luta, todo o demais é questáo de indiferenga: a ques-
smo táo última sobre as condigóes da vida foram aqui expostas, e confrontamos a
per- primeira tentativa de responder esta pergunta experimentando. Até que ponto a
ham verdade pode suportar o ser incorporada? Essa é a interrogagáo; esse é o experi-
,nto, mento" (Nietzsche, 1974: 169-171).
ter-
da O diálogo de saberes na gestáo ambiental, num regime democrático, im-
r da- plica a participagáo das pessoas no processo de produgáo de suas condigóes de
) mo existencia. Por isso é o encontro entre a vida e o conhecimento, a confluencia de
inca identidades e saberes. A encruzilhada pela sustentabilidade é urna disputa pela
im-
mas
natureza e urna controvérsia pelos sentidos alternativos do desenvolvimento
1, o sustentável. Isso faz com que a sustentabilidade tenha corno condigáo ineludível
t po, a participagáo de atores locais, de sociedades rurais e comunidades indígenas, a
em partir de suas culturas, seus saberes e suas identidades.
184 ENRIQUE LEFF
ela saber num campo objetivo neutro (de um discurso consensual e homogéneo).
Inte Todo saber aparece inscrito numa rede de relagóes e tensóes com a outridade,
cm, com o potencial do real e com a construgáo de utopias através da agáo social;
nde isso confronta a objetividade do conhecimento com as diversas formas de
iral. significagáo e de assimilagáo de cada sujeito e de cada cultura, gerando um
nsi processo que concretiza e arraiga o conhecimento em saberes individuais e
cáo
coletivos.
) de O saber ambiental forja-se na pulsáo por conhecer, na falta de saber das
ciéncias e no desejo de preencher essa falta impreenchível. A partir daí impul-
ste- siona-se um processo de objetivagáo de urna utopia como construgáo do real a
en- partir de uma multiplicidade de sentidos coletivos, mais que como urna arti-
el, culagáo de ciéncias, de intersubjetividades e de saberes pessoais. O saber am-
ei- biental busca saber o que as ciéncias ignoram porque seus campos de conheci-
or- mento langam sobras sobre o real e avangam subjugando saberes. O saber am-
etz, biental, mais que urna hermenéutica e um método de conhecimento do esqueci-
er- do, mais que o conhecimento do consabido, é urna inquietude sobre o nunca
utí- sabido, o que resta por saber sobre o real, o que ainda náo é. 5 Nesse sentido, o
om saber ambiental leva a construir novas identidades, novas racionalidades e no-
sso vas realidades.
la- A globalizagáo económica e o discurso dominante da sustentabilidade, em
leis sua esquizofrenia discursiva e sua cegueira institucionalizada, desvalorizara es-
ae tes esforgos por construir um saber que integre conhecimentos e valores. O
ci- conhecimento, corno urna forma de relagáo com o mundo, foi cooptado pelo
ru- interesse prático; o saber se reduz ao propósito de resolver os problemas am-
bientais através de instrumentos tecnológicos e económicos. Neste sentido avan-
am-
gam os projetos de comunicagáo e informagáo ambiental, buscando estabelecer
um diálogo consensual e urna linguagem comum. Ali se dissolve a especificida-
a do
de dos saberes e conhecimento num fluxo indiferenciado de dados, numa cons-
958:
ciéncia comum, onde náo cabem os diversos interesses sociais pela apropriagáo
agá()
da natureza, nem tampouco o sentido teórico e estratégico dos conceitos. O
3tru -
propósito de gerar consensos sociais através de um projeto de comunicagáo
!tico
aniquila a utopia e o conhecimento. Pois como bem afirma Bataille:
con-
pro- "Tentamos comunicar-nos, mas entre nós nenhuma comunicagáo poderá supri-
is de mir urna diferenga primeira (...). A única coisa que podemos fazer é sentir em
zes comum a vertigem do abismo (...). Os obstáculos que se °pelan á comunicagáo
da experiéncia (...) obedecem á proibiqcio que a fundamenta e á duplicidade (...)
oes que provém de conciliar aquilo que por princípio é inconciliável: o respeito á lei
do e sua violagáo, a proibigáo e a transgressáo" (Bataille, 1957/1997: 17,41).
188 ENRIQUE LEFF
"O sentido de todo o nosso discurso consiste em colocar em dúvida a inextirpável con-
vicg'áo de toda a filosofía que afirma que o conhecimento objetivo é a última relagáo da trans-
cendéncia, que o Outro — embora diferente das coisas — deve ser objetivamente conhecido,
mesmo guando sua liberdade frustre essa nostalgia de conhecimento (...) náo tem nenhum
sentido falar aqui de conhecimento ou de ignoráncia, porque a justita, a transcendéncia por
exceléncia e a condigáo do saber náo é de forma alguma, como se pretende, urna noesis
correlativa a um noema" (Lévinas, 1977: 112).
5. Em favor do porvir do conhecimento e das verdades por vir, Nietzsche teria afirmado:
"Meus pensamentos, disse o viajante a sua sombra, deveriam mostrar-me onde estou de pé;
mas náo deveria revelar-me aonde vou. Amo a minha ignoráncia do futuro e náo gostaria de
perecer de impaciéncia e de gostar das coisas prometidas antes do tempo" (Nietzsche, 1994:
230). É essa caricia ao mundo de Lévinas, que espera tudo e nada: "A carícia náo sabe o que
busca. Este `náo saber', esta desordem fundamental, lhe é essencial. É como um jogo com
algo que se escapa, um jogo absolutamente sem plano nem projeto, náo com aquilo que pode
transformar-se em nosso ou transformar-se em nós mesmos, mas com algo diferente, sempre
outro, sempre inacessível, sempre por vir. A carícia é a espera desse puro porvir sem conteú-
do. Está feita do aumento da forre, de promessas cada vez mais ricas que abrem novas pers-
pectivas sobre o inapreensível" (Lévinas, 1993: 133).
taCORTEZ
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I noesis
firmado:
de pé;
oda de
1994:
le o que
com
ue pode
sempre
!conteú-
s pers-
PENSAR A COMPLEXIDADE AMBIENTAL
áo da
que de dos diferentes processos que emergem com a evolugáo da natureza, desde a
po. matéria física até a ordem simbólica, desde a organizagáo biológica até a auto-
consciéncia dos sujeitos de urna nova sociedade ecológica. Nesta visáo de de-
icar o senvolvimento da matéria (que gera urna maior complexidade e processos de
lógica diferenciagáo), se desconhece a constituigáo de novas ordens ontológicas — a
lítica ordem simbólica, cultural, histórica e social — , bem como as formas específi-
e sua cas de conhecimento que lhes correspondem, vale dizer, o problema epistemo-
ta des- lógico da relagáo entre o ser e o conhecer. As diferentes ordens do real sáo
chega apreendidas mediante conceitos teóricos específicos, e náo pela extensáo dos
funda- princípios da biologia evolutiva e dos sistemas ecológicos á sociedade e ás for-
mas do conhecimento.
logia e A compreensáo do mundo como "totalidade" coloca o problema de como
'varara o integrar os diferentes níveis de materialidade que constituem o ambiente como
privi- sistema complexo, e a articulagáo do conhecimento destas ordens diferenciadas
do real, para dar conta destes processos. Nesta construgáo epistémica, o pensa-
a Idéia mento dialético foi seduzido pelo pensamento organicista, pela teoria de sistemas,
la teoria e pelo estruturalismo genético, de onde a evolugáo do pensamento e dos conceitos
insdisci- científicos parecem emergir do desenvolvimento complexo da matéria.
upsoe:tt i i Numa visáo que integraria o estruturalismo genético ao pensamento dialé-
tico, Kosik (1970) pensou a diferenciagáo ontológica da matéria e do ser como
tasiou uma hierarquia de níveis de complexidade de diferentes estruturas na transfor-
gani- magáo evolutiva da totalidade concreta. Entretanto, terminou adotando urna vi-
nte de sáo evolutiva do conhecimento ao afirmar que a complexidade emergente da
matéria se reflete num processo evolutivo de produgáo dos conceitos. Desta
com- maneira, argumenta que para se apreender processos materiais de complexidade
muns, crescente (matéria física, sistemas vivos, ordem simbólica), as categorias que se
como aplicam aos primeiros níveis (aqueles relativos a processos mecánicos), servi-
- o dos ráo como urna primeira aproximagáo que pode ser enriquecida através da utili-
lugáo zagáo de categorias lógicas mais elaboradas. 9
mento Todavia, os conceitos teóricos náo evoluem num processo progressivo de
mal. O adequagáo do pensamento á realidade. Como mostra a epistemologia crítica, os
isamen- conceitos mecanicistas e organicistas tém funcionado como obstáculos episte-
que sáo mológicos (Bachelard, 1938/1972) na construgáo de conceitos que correspon-
8
dem á organizagáo da ordem simbólica e social. Assim, a aplicagáo de urna
Ds siste- visáo mecanicista aos sistemas biológicos velou a inteligibilidade da vida
s náo é (Canguilhem, 1971/1977); de maneira similar, na medida em que os princípios
amentar organizadores da vida e dos processos ecológicos sáo estendidos á sociedade
Sticida- humana, se desconhece a especificidade das ordens históricas e simbólicas, do
poder, do desejo e do conhecimento (Lacan, 1971; Foucault, 1969, 1980).
200 ENRIQUE LEFF
der o qüéncia do pensamento abstrato e da teoria que, desde sua origem, sáo solida-
e pode rios da generalidade e da totalidade. Como modo de pensar, estas teorias inau-
nzaláo guram um modo de produgáo do mundo que, afinado com o ideal de universali-
1S dife-
dade e unidade do pensamento, levam á generalizagáo de urna lei totalizadora. É
luzidas neste sentido que a lei do mercado, mais do que refletir na teoria a generalizagáo
Lógicos do intercámbio mercantil, produz a economizagáo do mundo, recodificando o
Isso de real em termos de valores de mercado, e induzindo a globalizagáo do mercado
z e De como forma de totalizagáo do ser no mundo.
ia dife- O saber ambiental emerge como um questionamento a esta tendéncia, abrin-
uer di- do urna reflexáo sobre a densidade histórica do pensamento ecologista e das
ere ntes teorias de sistemas que, a partir de sua vontade de totalidade, forjam um mundo
ais da que tende para a globalizagáo e a generalizagáo de suas leis unitárias, com seus
rgáni- impactos na natureza e na sociedade.
Estes Diante do predominio da racionalidade instrumental da ciéncia moderna
íspara
histó-
com relagáo ao caráter revolucionario do racionalismo crítico, o ecologismo
aparece como um pensamento emancipador, capaz de "restaurar e inclusive trans-
cender o estado libertador das ciéncias e filosofias tradicionais" (Bookchin,
lpreen- 1971:80). Porém, nem a ecologia generalizada, nem a teoria geral dos sistemas
erentes resultam "revolucionárias" em fungáo do seu enfoque integrador e de sua vonta-
amento de de totalidade. Ao contrário, a ecologia tem se estendido até os domínios da
causas história — da ordem simbólica e social —, sem compreender a especificidade
o con- da natureza humana — relagóes de poder, interesses sociais, desejo humano,
1. Esta organizagáo social, racionalidade económica —, que náo podem subsumir-se
lipouco no ámbito de urna ordem ecológica.
maté- A vontade de totalidade do monismo ontológico subjacente á ecologia
s suem generalizada, em sua pretensáo para consentir a urna teoria da complexidade
iéncia ambiental, é questionada pelo estruturalismo crítico, pelas teorias pós-estrutu-
t as or- ralistas e pelo discurso da pós-modernidade. Da perspectiva da organizagáo cul-
obje- tural e da ordem simbólica — do sentido e dos valores; do inconsciente e do
ocesso desejo —, resulta impossível aspirar á totalidade. O ambiente pode ser
ende a conceitualizado como urna estrutura socioecológica holística que internaliza as
nta da bases ecológicas da sustentabilidade e as condigóes sociais da eqüidade e da
elaláo democracia. Entretanto, os princípios e valores que guiam a reorganizagáo da
pírica, sociedade sáo mobilizados por um desejo — uma vontade de poder — que
esco- induz um processo interminável de transformagóes do saber e do ser que ne-
oces- nhum conhecimento — por mais holístico que seja — pode saciar. Esta "falta
em ser" e "falta de conhecimento" náo podem ser satisfeitas com o progresso da
res- ciéncia, do poder da tecnologia, ou com a atualizagáo da natureza orgánica na
laa se- consciéncia humana.
202 ENRIQUE LEFF
ques-
urna revoluqd o permanente no pensamento que mobiliza a sociedade para a
) e urna
construgáo de urna racionalidade ambiental.
pnheci-
ogéneo No campo do conhecimento, a complexidade manifesta a impossibilidade
la dife- da unidade da ciéncia, da idéia absoluta, de todo tipo de pensamento homoge-
jade do neizante e hegemónico. A diferenga é o signo que marca a impossibilidade de se
estabelecer eqüivaléncias entre processos incomensuráveis; de se pensar a igual-
dade e a eqüidade como o elo final da cadeia significante numa unidade
sta) de
emsimesmada. A complexidade leva-nos a urna reconstituigáo de identidades,
campo
que se separam do idéntico para forjar o inédito. Identidades híbridas e identifi-
ser no
cagóes solidárias na diferenga, na singularidade, de onde se constituem aliangas
dade e
estratégicas para a satisfagáo de interesses comuns; mas que náo buscam sua
neces-
homologagáo num futuro sem origens, sem ancoragens no ser e no tempo, que
lxidade
dissolveria as diferengas na entropia de urna cidadania global sem identidade.
rionali-
O significado de urna racionalidade ambiental que integre os potenciais da
natureza, os valores humanos e as identidades culturais em práticas produtivas
se en- sustentáveis, inclui as inter-relagóes complexas de processos ideológicos e ma-
preen-
teriais diferenciados. Os fundamentos epistemológicos e ontológicos do saber
[Worm- ambiental adquirem assim sentido para se conceber uma estratégia capaz de
Klio de construir urna nova ordem social (Leff, 1994b).
plexi-
nteres-
O estruturalismo identificava um determinismo sistémico na natureza e na
a "so-
história — no sujeito e em sua consciéncia. A faléncia de todo determinismo e
idos da
de toda certeza faz renascer o pensamento utópico e a vontade da liberdade, náo
a reali-
no vazio histórico — sem referentes nem sentidos — que anuncia a pós-moder-
Oes e
nidade, mas como urna nova racionalidade a partir da qual se fundem o rigor da
contra-
razáo e a desmesura do desejo, a racionalidade e os valores, o pensamento e a
sensualidade. A complexidade ambiental anuncia urna erotizagáo do mundo que
mobi-
invade o saber, levando á transgressáo da ordem estabelecida que implie a proi-
bigáo de ser (Bataille, 1957/1997).
ecoló-
A complexidade do mundo e do pensamento inaugura um novo debate
muni-
entre necessidade e liberdade, entre a lei e o acaso. O pensamento da complexi-
urna
dade náo é o corolário do niilismo pós-moderno que anuncia o fim dos projetos
teres-
CED,
(Fischer, Retzer, e Schweizer, 1997). Trata-se da reabertura da história vista
corno complexificagáo do mundo, desde o potencial ambiental até a construgáo
discur-
do possível, ou seja, de um ser náo totalitário que náo apenas é mais que a soma
a apro-
de suas partes; mas que, para além do real existente, abre-se através de relagóes
rística
de alteridade á fecundidade do infinito, ao porvir, ao que ainda náo é. Este
as so-
"todo" combate o totalitarismo da globalizagáo económica e da unidade do co-
orienta
nhecimento.
204 ENRIQUE LEFF
a) A complexificagáo do real.
A complexificagáo da matéria é urna complexificagáo do real: o entrelaga-
mento das ordens física, biológica e cultural; a hibridagáo entre a economia, a
tecnologia, a vida e o simbólico. Esta complexificagáo do real náo resulta da
aplicagáo de urna visáo holística a um mundo que sempre foi complexo, mas
cuja complexidade permanecia invisível para os paradigmas disciplinares. O
real em si complexificou-se. Mais além da auto-organizagáo da matéria (da "evo-
lugáo" do mundo cósmico á organizagáo dos seres vivos e á ordem simbólica),
a matéria tem se complexificado através da re-flexdo do conhecimento do mun-
do sobre o real. O conhecimento passou do entendimento das coisas a urna
intervengáo sobre o real que culminou na tecnologizagáo e na economizagáo do
mundo. Neste sentido, deveríamos reconhecer náo só a fusáo do ideal e do ma-
terial na ordem da cultura, e das sociedades "tradicionais" (Godelier, 1984). Na
modernidade, o ser biológico chegou a hibridizar-se com a razáo tecnológica e
com a ordem discursiva. Os cyborgs sáo entes feitos de organismo, tecnologia e
signos (Haraway, 1991, 1997; Escobar, 1995, 1999a).
O real sempre foi complexo; as estruturas dissipativas sempre existiram e
sáo mais naturais que os processos reversíveis e em equilíbrio.' 2 Mas a ciéncia
simplificadora, ao desconhecer o real, construiu urna economia mecanicista e
urna racionalidade tecnológica que negaram os potenciais da natureza; as apli-
cagóes do conhecimento fragmentado, do pensamento unidimensional, da tec-
EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL 207
b) A complexificagáo do conhecimento.
A crise ambiental anuncia a emergéncia da complexidade, mas náo de
uma evolugáo dos sistemas naturais no sentido de urna complexidade crescente
que conteria em si mesma urna via de solugáo que passa por urna "consciéncia
ecológica". A construg á- o de uma racionalidade ambiental constitui uma estraté-
gia conceitual nos domínios do poder no saber (Foucault, 1980) que náo corres-
ponde a nenhuma evolugáo natural orientada para o alcance de níveis superiores
de autoconsciéncia. Neste sentido, náo poderíamos falar de catástrofes e mu-
danos ecológicas nas etapas pré-hominídeas do planeta, e inclusive na história
pré-moderna, em termos de crises ambientais. As pestes e as catástrofes
epidemiológicas resultaram da ignoráncia e da dominagáo. A crise ambiental é
a primeira crise do mundo real produzida pelo desconhecimento do conheci-
mento; da concepgáo do mundo e do domínio da natureza que geram a falsa
certeza de um crescimento económico sem limites, até a racionalidade instru-
mental e tecnológica vista como sua causa eficiente.
A crise ecológica tem sido acompanhada pela emergéncia do pensamento
da complexidade, da teoria dos sistemas, da teoria do caos e das estruturas dis-
sipativas. O fracionamento do corpo das ciéncias confronta a complexidade do
mundo indicando a necessidade de se construir um pensamento holístico
reintegrador das partes fragmentadas do conhecimento, para a retotalizagáo de
um mundo globalizado; os paradigmas interdisciplinares e a transdisciplinari-
dade do conhecimento surgem como antídotos á divisáo do conhecimento gera-
do pela ciéncia moderna.
O projeto positivista buscava implantar-se no mundo através da promogáo
de um tipo de conhecimento destinado a emancipar o homem da ignoráncia e
aproximá-lo da verdade. A ciéncia — que se pensava libertadora do atraso e da
opressáo, do primitivismo e do subdesenvolvimento — gerou um desconheci-
mento do mundo, um tipo de conhecimento que náo sabe de si mermo; que
governa um mundo alienado do qual desconhecemos seu conhecimento espe-
cializado e as regras do poder que o governam. O conhecimento já náo represen-
208 ENRIQUE LEFF
c) A complexificagáo da produgáo.
Apenas um princípio chegou a ser táo universal quanto a idéia de Deus: o
mercado. O conceito de mercado (da máo invisível que governa os intercambios
EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL 209
d) A complexificagáo do tempo.
O saber ambiental introduz um novo campo de nexos interdisciplinares
entre as ciéncias e um diálogo de saberes; trata-se da hibridizagáo entre urna
ciéncia objetivadora e um saber que condensa os sentidos que tém se forjado no
ser através do tempo. A complexidade reabre a reflexáo sobre o tempo no real
— a flecha do tempo — (Prigogine) e no ser (Heidegger). É neste sentido que o
saber ambiental constitui o entrecruzamento de tempos; dos tempos cósmicos,
físicos e biológicos, mas também dos tempos que tém configurado as concep-
góes e as teorias sobre o mundo, e as cosmovisóes das diversas culturas através
da história. 2°
A ciéncia moderna náo apenas tem negado o tempo da matéria, mas tam-
bém o da história. Hoje o tempo se manifesta na irreversibilidade dos processos,
distanciados do equilíbrio e do tempo, que se aninhou no ser cultural que atual-
mente renasce do jugo da dominagáo e da opressáo, expressando-se pelo silén-
cio, que tem sido o grito eloqüente de urna violéncia que paralisou a fala dos
povos. 2 '
Hoje, os movimentos de emancipagáo dos poyos indígenas e das nagóes
étnicas estáo descongelando a história; suas águas fertilizara novos campos do
ser e fluem para oceanos cujas marés abrem novos horizontes do tempo. Náo é
táo-somente o entrecruzamento dos tempos objetivados na história, das
historicidades diferenciadas do real, das historicidades diferenciadas do real, da
historicidade do pensamento que se tem feíto História real, do encontro sinergético
de processos que nos conduziram á catástrofe ecológica. Trata-se da emergéncia
de novos tempos, de urna mutagáo histórica onde se articulam as modificagóes
transgénicas da vida — a hibridizagáo do real no sentido da qual confluem a
natureza física e biológica, a tecnologia e a ordem simbólica — com a atualiza-
gáo de tempos vividos, na emergéncia de novos mundos de vida.
Hoje, a história está se refazendo no limite dos tempos modernos; na
reemergéncia de velhas histórias e na emancipagáo dos sentidos reprimidos por
urna história de conquista, de submissáo e holocausto. Estas histórias ances-
trais, que em sua quietude pareciam haver perdido sua memória, despenan' para
uma atualidade que ressignifica suas tradigóes e suas identidades, abrindo novas
trilhas no fluxo da história."
ser para além de sua condigáo existencial geral (elemento constitutivo de todo
ser humano) para penetrar no sentido das identidades coletivas que se consti-
tuem sempre a partir da diversidade cultural e da diferenga, mobilizando aos
atores sociais para a construgáo de estratégias alternativas de reapropriagáo da
natureza, frente aos sentidos antagónicos da sustentabilidade.
Na perspectiva da complexidade ambiental, as identidades sáo constituí-
das por um processo de reapropriagáo do mundo. Num mundo globalizado, isto
implica náo só um processo de miscigenagóes culturais, mas também a recons-
trugáo da identidade liberada de todo tipo de essencialismo que nos remeta a
uma raiz imutável e a uma cultura sem história. A identidade na complexidade
ambiental carrega um sentido reconstitutivo do ser coletivo que, a partir de urna
origem e de urna tradigáo, reconfigura-se frente ás estratégias de poder da globa-
lizagáo económico-ecológica como formas de resisténcia cultural; mas também
como estratégias de construgáo de urna nova racionalidade social imbricada com
as condigóes da natureza (o real) e com os sentidos da cultura (o simbólico).
A reconfiguragáo das identidades na complexidade ambiental suscita urna
interrogagáo sobre os pontos de assentamento do ser coletivo num território e
também de ancoragem na cultura; estimula-nos a contemplar sua resisténcia e
permanéncia no tempo; a questionar essas formas de identidade que, sem deixar
de existir e de ser designada a partir de sua origem constitutiva (étnica, nacional,
religiosa) — ser judeu, tzeltal ou kosovar — se complexifica num processo de
miscigenagóes étnicas e de mutagóes culturais, para constituir identidades iné-
ditas, que se váo configurando através de estratégias de poder para se enraiza-
rem num território e para se apropriarem de um mundo.
No jogo democrático e no espato da complexidade, a identidade náo é
apenas a reafirmagáo do uno na toleráncia aos demais; trata-se da reconstituigáo
do ser pela introjegáo da outridade — a alteridade, a diferenga, a diversidade
na hibridizagáo da natureza e da cultura, por meio de um diálogo de saberes.
Este é o sentido do jogo dialógico: a abertura á complexificagáo de um indiví-
duo no encontro com os outros nos leva a compreender a identidade como con-
servagáo do uno e do mesmo na incorporagáo do outro num processo de com-
plexificagáo no qual as identidades sedentárias se tornam transumantes, híbri-
das, virtuais.
Surge assim a pergunta sobre as condigóes de constituigáo de toda identi-
dade na pós-modernidade. Da perspectiva de urna ontologia náo essencialista,
como falar de identidades enraizadas no ser e num território, de identidades que
sáo mais que a afirmagáo do eu frente a um outro e que surgem do antagonismo
constitutivo do social náo suturado e nem saturado. Se frente á falta em ser, se
214 ENRIQUE LEFF
g) A complexificagáo do ser
Voltamos assim á pergunta pelo ser: o ser do ente, das coisas, do mundo,
do ser humano. Do ser que permanece e ao mesmo tempo submete-se ao devir,
se reconstitui e se projeta num mundo em vias de complexificagáo. O ser
complexifica-se pela complexificagáo do real, do pensamento, do tempo e das
identidades. •
Que significa ser um indígena atualmente?
O indígena, esse ser marginalizado, dominado, subjugado. Esse ser forja-
do numa sociedade "tradicional", numa sociedade fria, sem tempo; num mundo
no qual perdeu sua memória na história de dominagáo, onde sua fala foi repri-
mida no siléncio da submissáo. Esse ser, objeto de estudos antropológicos, revive
no tempo atual transportando seus tempos imemoráveis, reinserindo-se em seu
216 ENRIQUE LEFF
Notas
1. "As idéias, esta espécie de eternidade construída a partir do tempo, construíram o meio
a partir do qual tudo pode ser compreendido, isto é, organizado, e, como complemento, produ-
zido [...]. Essa dimensáo operativa da idéia nasce em conseqüéncia da irrupcáo da metafísica,
que provocou uma cisáo no mundo real, urna diferenga entre o contexto da verdade e as coisas.
Mas, por sua vez, no ámbito desse meio das idéias produz-se urna divisáo do próprio meio em
partes (classes, idéias), de tal modo que o universo da verdade acaba sendo organizado de
maneira compartimentada. Cada compartimento pode ser denominado um "tipo de ser"; e,
assim, podemos falar de "ser natural", "ser histórico" [...1. Mas a questáo é: Quem decide
sobre a divisáo do ser? [...]. Ela emerge do próprio ser? A resposta afirmativa [...] equivaleria
a pressupor que o espectro das ciéncias [...] que se ocupam da totalidade do mundo das coisas
individuais, foi dado pela própria natureza do ser. Mas obviamente náo foi assim, e sobre as
ciéncias que surgem dessa divisáo o que se pode dizer é que foram decididas "de maneira
humana" no transcurso da sucessáo que denominamos "história". [...]. Desse modo, por meio
da divisáo do ser em marcos do conhecimento, assegurados pelo próprio significado principal
do ser como ser ideal, o que está aberta é a possibilidade para o domínio controlado de cada
coisa. O que é cada coisa, e em geral uma coisa, já vem decidido pela ciéncia correspondente.
e náo a partir da coisa mesma [...]. Conhecimento passa a significar "dominacáo" [...]. Nossa
história é metafísica porque levamos adiante aquilo que pensou a metafísica: realizamos o
mundo das idéias ao configurarmos a realidade física de acordo com a "permanéncia" (iden-
tidade), e temos [...] unificado o mundo diverso, produzindo um todo, se bem que este tenha a
forma da producáo [...]. Na história da metafísica, o pensamento desencadeou-se operativa-
mente até realizar um todo (a sociedade única) no qual espírito, matemáticas e trabalho dáo-
se as máos neste complexo unificado, que podemos continuar chamando capitalismo. Náo
estamos em nosso ser, mas fora dele. Nesse sentido, o estranhamento conseguiu alcancar seu
grau máximo, porque o abrasamos em todos os domínios da vida" (Leyte, 1988: 20-39).
2. "A hermenéutica ambiental, seguindo a busca de Heidegger, "consiste precisamente
em revelar corno cada conceituacáo está articulada de modo metafísico, como por detrás de
cada sistema, categoria ou projeto encontra-se urna determinacáo metafísica que alcanca toda
a história real e condiciona todo possível dizer" (Leyte, 1988: 13).
3. "Ignoraremos obstinadamente esta mútua perterwa que prevalece no homem e no ser,
enquanto continuarmos representando tudo comente com base em ordenacóes e mediagóes,
com ou sem dialética. Desse modo, encontramos sempre conexóes que foram enlatadas, pre-
cisamente a partir do ser, precisamente a partir do homem, e que apresentam a mútua pertenca
de homem e ser como um entrelagamento [...]. Prestemos atengáo á chamada sob cujos influ-
xos encontra-se em nossa época náo só o homem, mas todo ente, natureza e história, em
relagáo com seu ser [...] em todas as partes nosso existir é provocado [...] a dedicar-se ao
planejamento e ao cálculo de tudo [...]. Resultaria isso apenas de um capricho do homem? Ou
o ente mesmo vem até nós de tal maneira que nos fala de sua capacidade de planejamento e
cálculo? E, nesse caso, o ser encontrar-se-ia provocado a deixar surgir o ente no horizonte da
capacidade de cálculo? [...]. Certamente, e náo apenas isto. Na mesma medida em que o ser, o
homem encontra-se [...] capacitado a colocar em lugar seguro o ente que se dirige até ele,
como a substáncia de seus planos e cálculos, e a estender de forma ilimitada tal disposicáo"
(Heidegger, 1957/1998: 77, 82-83).
EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL 223
rigidez unívoca ou á polissemia regulada [...] faz nascer da lesáo sem sutura urna partitura náo
escutada" (Derrida, 1989: 30-32).
16. A metafísica levou á construgáo de "um mundo cuja melhor compreensáo consiste
em entendé-lo como processo de produgáo [...] isto é, desligado de todo controle e ordem
exterior, porque ele mesmo é esta ordem suprema. O aumento que caracteriza este movimento
da vontade se realiza como aumento constante da escala de produgáo, com a finalidade única
de continuar produzindo para náo desaparecer [...] deste reino da produgáo, nada fica fora, e
todas as formas subjetivas [...] sáo apenas figuras derivadas que resultam necessárias para
[seu] funcionamento, como objetos. Naturalmente, para esta produgáo torna-se constitutiva
urna destruigáo" (Leyte, 1988: 36).
17. "0 desejo de produzir com pouco gasto é pobremente humano. Da mesma forma, na
humanidade, o principio estreito do capitalista, do administrador de urna sociedade ou do
individuo isolado que revende com a esperanga de engolir no final os beneficios acumulados.
Se levarmos em consideragáo a vida humana em sua globalidade, veremos que esta aspira á
prodigalidade [...] até o limite em que a angústia já nao é tolerável. O resto é ferro-velho de
moralista" (Bataille, 1957/1997: 64).
18. "Se nas proibigóes essenciais vemos a recusa que opóe o ser á natureza entendida
como dissipagáo de energia viva e como orgia de aniquilamento, já náo podemos estabelecer
diferengas entre a morte e a sexualidade. A sexualidade e a morte sáo apenas momentos agu-
dos de urna festa que a natureza celebra com a inesgotável multidáo dos seres; e aqui sexuali-
dade e morte tem o sentido do ilimitado desperdicio que promove a natureza, num sentido
contrário ao desejo de durar próprio de cada ser [...]. As proibigóes nas quais tomou forma
uma reagáo única com duas finalidades distintas [...] formam um complexo indivisível. Como
se o homem houvesse captado inconscientemente, e de urna só vez, o que a natureza tem de
impossível (o que nos é dado) guando exige seres os quais induz a participar desta fúria
destruidora que a anima e que nada poderá jamais saciar [...]. A possibilidade humana depen-
des do momento em que, acometida de uma vertigem insuperável, um ser se esforgou para
dizer nao" (Bataille, 1957/1997: 65-66).
19."0 efeito mais constante do impulso a que dou o nome de transgressáo é o de organi-
zar aquilo que é essencialmente desordem. Pelo fato de que comporta o rebaixamento no
sentido de um mundo organizado, a transgressáo é o princípio de urna desordem organizada"
(Bataille, 1957/1997: 125).
20. "0 que constitui a própria originalidade da era planetária no século XX, a constitui-
gáo de um espato-tempo planetário complexo em que as sociedades tomadas num mesmo
tempo vivem tempos distintos: tempo arcaico, tempo rural, tempo industrial, tempo pós-in-
dustrial, etc. Tudo isso deve levar-nos a romper com a idéia segundo a qual, daqui para a
frente, devemos alinhar todas as sociedades no tempo mais rápido, o tempo cronometrado, o
tempo ocidental. Isto deve levar-nos, antes, a viver a complementaridade dos distintos tem-
pos, a conter a invasáo do tempo cronometrado, a desacelerar o tempo ocidental" (Morin e
Kern, 1993: 185).
21. Heidegger viu essa resisténcia do ser na "quietude do acontecer que náo é auséncia da
história, e sim urna forma básica de sua presenta. O que conhecemos geralmente como passa-
do e o que nos representamos em primeira instáncia enquanto tal, é quase sempre apenas a
`atualidade' de um momento passado [...] o que pertence sempre á história mas que náo é
propriamente história. O mero passado náo esgota o que foi. Este está presente todavia, e sua
forma de ser é urna quietude peculiar do acontecer, cuja forma se determina a partir daquilo
226 ENRIQUE LEFF
que acontece. A quietude é apenas um movimento que se detém em si, e é com freqüéncia
mais inquietante que este" (Heidegger, 1962/1973: 44-45).
22. "Comego e fim, como pontos do tempo universal, remetem o eu á sua terceira pessoa
tal como designa o sobrevivente. A interioridade está essencialmente ligada á primeira pessoa
do eu. A separagáo só é radical se cada ser tem seu tempo [...] se cada tempo náo é absorvido
pelo tempo universal [...]. O real náo deve ser determinado somente por sua objetividade
histórica, mas também a partir do segredo que interrompe a continuidade do tempo histórico
a partir de intengóes interiores. O pluralismo da sociedade só se torna possível a partir deste
segredo" (Lévinas, 1977: 81).
23. "0 verdadeiro aprender é um apreender muito notável, no qual aquele que apreende,
apreende apenas aquilo que, no fundo, já tem. O ensinar corresponde a este aprender. Ensinar
é um doar, um oferecer, mas no ensinar náo se oferece o aprendível; ao aluno é oferecida táo-
somente a indicagáo de tomar para si o que ele já tem. Quando o aluno adota unicamente algo
oferecido, ele náo aprende. Chega a aprender guando experimenta o que apreende como aqui-
lo que ele mesmo já tem. Um verdadeiro aprender ocorre somente afi onde o apreender aquilo
que já se tem constitui um dar-se a si mesmo e se experimenta como tal. Dessa forma, ensinar
náo é outra coisa senáo deixar aprender aos outros, quer dizer, induzir-se mutuamente a apren-
der" (Heidegger, 1962/ 1973: 69).
24. "A idéia do infinito náo parte pois de Mim, nem de uma necessidade no Eu que mede
exatamente seus vazios. Nela, o movimento parte do pensado e náo do pensador. É o único
conhecimento que apresenta esta inversáo, conhecimento sem a priori. A idéia do Infinito
revela-se, no sentido forte do termo [...]. Mas este conhecimento excepcional náo é em fungáo
desse objetivo. O infinito náo é "objeto" de um conhecimento — o que o reduziria á medida
do olhar que contempla — e sim o desejável, o que suscita o Desejo, quer dizer, o que é
abordável por um pensamento que a todo momento pensa mais do que pensa. O infinito náo é
portanto um objeto imenso, que ultrapassa os horizontes do olhar. O Desejo mede o infinito,
porque é medida tanto quanto é impossibilidade mesma de medida. A desmesura medida pelo
Desejo do rosto" (Lévinas, 1977: 85).
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