8 • Público • Quarta-feira, 17 de Julho de 2019
ESPAÇO PÚBLICO
Na universidade, a antiguidade é um posto?
Luís Aguiar-Conraria
Enquanto este panorama não
mudar, é impossível que a
universidade portuguesa
deixe de ser uma academia
É
de capelinhas
difícil consultar um dos muitos
rankings internacionais de
universidades e não se Æcar
envergonhado com o lugar que
Portugal ocupa. Houve progressos,
claro, mas estão longe do
necessário. Uma das causas do
atraso das nossas universidades
está identiÆcada: a endogamia.
Tira-se o curso numa universidade
e Æca-se por lá. No meu tempo, depois da
licenciatura, era-se contratado como
assistente estagiário; a seguir fazia-se o
mestrado e passava-se a assistente, depois o
doutoramento e Æcava-se professor. Sempre
tudo no mesmo sítio.
Hoje, a carreira começa com o
doutoramento, mas os processos são
semelhantes. Um relatório da Direcção-Geral
de Estatísticas da Educação e Ciência mostra
que em Portugal a taxa de endogamia,
deÆnida como professores que se
doutoraram na mesma instituição onde
ensinam, é de 70%. Mais grave, não houve
qualquer progresso: as taxas de endogamia
entre os mais velhos são iguais às dos mais
novos. Enquanto este panorama não mudar,
é impossível que a universidade portuguesa
deixe de ser uma academia de capelinhas e
de cumplicidades, com padrinhos e aÆlhados
(e enteados também). Sendo um problema
grave, é difícil resolvê-lo, porque qualquer
solução é má quando quem a aplica o faz
sem seriedade. É perante este quadro que
muitos Æcaram chocados com o Decreto-Lei
de Execução Orçamental de 2019, que
autorizou as Universidades a abrir concursos
internos para a promoção de professores
que estejam na mesma categoria há pelo
menos dez anos. Excluem-se quer
candidatos externos, quer candidatos
internos mais novos. Na prática, muda-se
radicalmente o Estatuto da Carreira Docente
Universitária e Politécnica, sem ter havido
qualquer discussão sobre os seus efeitos.
Utiliza-se a Lei da Execução Orçamental, que
nada tem a ver com as carreiras do ensino
superior, para promover ainda mais a
endogamia nas universidades e politécnicos.
O Decreto-Lei da Execução Orçamental
cria um regime excepcional que agravará a
endogamia e prejudicará ainda mais a classe
de investigadores precários — os bolseiros e
BRUNO LISITA
é feita por bolseiros de pós-doutoramento,
com bolsas com prazos deÆnidos, sem
direito a subsídio de desemprego, de
doença, de maternidade, etc. Há situações
dramáticas entre pessoas que têm 30, 40 ou
50 anos e que, de repente, se descobrem no
desemprego sem quaisquer apoios. Dos
bolseiros, além da investigação, espera-se
muitas vezes que dêem aulas, apesar de não
serem pagos por isso. E, claro, os bolseiros
têm de ceder para não criar más vontades
que se reÇectirão em futuros concursos.
Outra praga que neste momento existe é a
dos professores convidados, pessoas que
não estão na carreira, mas que são
contratados com contratos semestrais e
parciais (por exemplo, professor auxiliar
convidado a 25%). Os salários são ridículos,
mas, claro, vão aceitando para acumular
experiência, na esperança de num futuro
concurso poderem entrar na carreira.
Há ainda aqueles que, ao abrigo de uma
“norma transitória”, vivem de contratos a
prazo sem quaisquer garantias de renovação.
Estes da norma transitória fazem
investigação como bolseiros, têm critérios de
monitorização e objectivos a cumprir e,
muitas vezes, dão aulas. Fazem, portanto, o
convidados, entre outros —, que têm sido alguém de fora, os custos aumentam mais mesmo serviço dos professores de carreira,
mantidos à margem da carreira docente. que se ganhar alguém de dentro. Quando só que com salários iguais aos dos bolseiros,
Basta lê-lo com alguma atenção para ganha alguém de dentro, o custo extra é bastante abaixo da remuneração dos
perceber que as boas intenções são um mero apenas o aumento salarial. Se ganha alguém docentes de carreira. Também eles serão
disfarce. de fora, o custo é todo o novo salário que tem altamente prejudicados com estes concursos
Grosso modo, há três categorias para de ser pago. endogâmicos.
professores de A boa intenção anunciada é a de ajudar as (Não me interpretem mal. Não sou nem
carreira: professor universidades a cumprir a lei, garantindo contra a existência de bolseiros de
auxiliar, associado e que no máximo metade dos seus professores investigação a dar aulas, nem sou contra
catedrático. Desde são auxiliares. Se o objectivo fosse apenas professores convidados. Com o devido
2009 que as este, não era necessário dobrar as regras dos enquadramento, estes contratos são muito
Excluir os mais universidades estão concursos para catedrático, bastava úteis e proveitosos para as universidades e a
obrigadas a que, promover professores auxiliares a experiência é muito útil aos bolseiros e aos
novos destes entre os seus associados. A promoção de um professor convidados.)
concursos é professores de associado a catedrático não tem qualquer Permitam-me que sublinhe a ironia de ter
apenas mais carreira, metade
sejam associados e
impacto no cumprimento da lei.
Adicionalmente, se o objectivo fosse a
havido tantos professores e investigadores
de carreira a queixar-se da contratação de
uma forma de catedráticos. Como, anunciada boa intenção, não havia Pedro Passos Coelho como professor
os lixar. A bem- entretanto, o Estado
português entrou em
necessidade de restringir o concurso apenas
a quem está há dez anos na mesma
catedrático convidado, havendo até
abaixo-assinados a manifestar indignação
-intencionada ruptura Ænanceira, categoria. Num departamento onde com tamanho desplante, que agora estão tão
legislação mais nunca a lei foi convivam auxiliares com menos e com mais caladinhos. As instituições estão viciadas em
cumprida. Para a de dez anos de carreira, a promoção do mais trabalho barato e precário e os seus
parece uma cumprir, as novo contribui tanto para o cumprimento da professores e investigadores viciados na
encomenda de universidades têm de lei como a promoção do mais velho. Excluir protecçãozinha que a endogamia académica
algum contratar mais
professores
os mais novos destes concursos é apenas
mais uma forma de os lixar. A
lhes proporciona.
Declaração de interesses: sou professor
departamento associados e bem-intencionada legislação mais parece associado há menos de dez anos, pelo que,
específico catedráticos, o que é
feito por concurso.
uma encomenda de algum departamento
especíÆco.
potencialmente, poderei ser prejudicado por
este tipo de concursos. Entre os meus
As regras obrigam a Mais grave, com as vagas a serem amigos, tanto há os que podem ser
que os concursos ocupadas por incumbentes mais velhos, o prejudicados como há os que podem ser
sejam abertos a custo para os que estão à porta da carreira é beneÆciados.
candidatos externos, enorme. As universidades portuguesas
o que pode ter uma viciaram-se em mão-de-obra barata e Professor da Escola de Economia e
consequência precária, mas altamente qualiÆcada. Em Gestão da Universidade do Minho.
perversa: ganhando muitos centros, grande parte da investigação Escreve à quarta-feira