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Capı́tulo 5

Sucessões e Séries

5.1 Definições Básicas


Ocupamo-nos neste capı́tulo de um problema que à primeira vista pode
parecer impossı́vel de resolver: o de definir e calcular somas com um número
infinito de parcelas, somas essas a que chamaremos séries. Trata-se no
entanto de uma questão muito antiga, já discutida há mais de 2.500 anos
por filósofos e matemáticos da Antiguidade Clássica, e a teoria construı́da em
torno desta ideia é hoje uma ferramenta com grande impacto na Matemática
e nas suas aplicações.
Zenão de Eleia, um filófoso grego do século V A.C., é recordado em
particular por um conjunto interessante de problemas que envolvem somas
infinitas, e que o seu autor apresentava como paradoxos. Num dos seus
exemplos mais simples, Zenão considerou a soma
1 1 1 1 1 1
(5.1.1) + + + + + ··· + n + ··· ,
2 4 8 16 32 2
onde usamos as reticências · · · como terminação à direita para sugerir que
a soma “não tem fim”, ou seja, inclui como parcelas os inversos de todas as
potências naturais de 2. Esta soma é usualmente interpretada na forma do

Paradoxo do Corredor: Um corredor desloca-se do ponto A para o ponto


B, que estão separados por uma distância unitária d = 1. O corredor move-
se a uma velocidade constante e também unitária v = 1, e portanto o tempo
necessário à deslocação é T = d/v = 1. Por outro lado, o corredor demora
1/2 do tempo a percorrer a primeira metade do percurso, 1/4 do tempo a
percorrer metade do percurso restante, 1/8 do tempo a percorrer metade do
restante, e assim sucessivamente, pelo que o tempo total da sua deslocação
pode ser representado pela soma infinita indicada em 5.1.1. Zenão concluı́a
desta observação que, se a soma de um número infinito de parcelas positivas
só pode ser infinita, então o corredor nunca chegaria ao seu destino, o que
é manifestamente absurdo!

199
200 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

Em alternativa, e é essa a interpretação actual, concluı́mos deste exemplo


que a soma de um número infinito de parcelas positivas pode em certos casos
ser finita. No exemplo de Zenão, é natural esperar que
1 1 1 1 1
(5.1.2) + + + + + ··· = 1
2 4 8 16 32
A Teoria das Séries, cujo estudo vamos agora iniciar, permite efectiva-
mente atribuir um total finito a algumas somas com um número infinito de
parcelas, e em particular sustentar a identidade que acabámos de apresen-
tar. Observamos primeiro que a notação que já usámos para representar
somatórios se adapta facilmente à representação de séries. Por exemplo,
para representar a soma infinita (a série) em 5.1.2 escrevemos:

X 1 1 1 1 1 1
k
= + + + + + ···
2 2 4 8 16 32
k=1

Claro que a variável k é muda, e pode ser designada por qualquer outro
sı́mbolo. A tı́tulo de ilustração, temos
∞ ∞ ∞
X 1 X 1 X 1
= =
2k 2n 2i
k=1 n=1 i=1

Podemos também alterar o domı́nio de variação da variável k sem alterar a


série em causa. Por exemplo, tomando n = k − 1 ou i = k + 1, obtemos
∞ ∞ ∞
X 1 X 1 X 1
k
= n+1
= i−1
2 2 2
k=1 n=0 i=2

Qualquer série é a soma dos termos de uma dada sucessão de termo geral
ak , ou seja, é da forma

X
a1 + a2 + · · · + ak + · · · = ak .
k=1

Dizemos igualmente que ak é o termo geral da série. Podemos por isso dizer
que o exemplo de Zenão é a série de termo geral ak = 21k , com 1 ≤ k < ∞.

Para decidir se uma dada série tem soma ou não, começamos por adicionar
apenas um número finito de termos da referida série, para calcular
P∞o que
chamamos de uma soma parcial da série. Dada uma série qualquer k=1 ak ,
existe uma soma parcial para cada valor de n, ou seja, as somas parciais da
série formam uma sucessão, desta vez com termo geral:
n
X
Sn = a1 + a2 + · · · + an = ak
k=1
5.1. DEFINIÇÕES BÁSICAS 201

No exemplo de Zenão, temos


n
X 1 1 1 1 1 1 1
(5.1.3) Sn = k
= + + + + + · · · + n , ou seja,
2 2 4 8 16 32 2
k=1

1 3 7 15 31
S1 = , S2 = , S3 = , S4 = , S5 = , · · ·
2 4 8 16 32
Neste caso especı́fico, é fácil apresentar uma representação mais simples
para as somas Sn , porque conhecemos a fórmula da soma dos termos de uma
progressão geométrica. Como vimos no exemplo 1.4.8.4, temos
 
1 1 1
(5.1.4) Sn = 2 − n+1 = 1 − n
2 2 2
O sentido a dar à identidade em 5.1.2 é fácil de compreender em termos
da noção de limite, que Zenão naturalmente desconhecia. A soma em 5.1.2
é definida como o limite da soma finita Sn , quando n → ∞, ou seja,
∞ n  
X 1 X 1 1
(5.1.5) = lim = lim Sn = lim 1 − n = 1
2k n→∞ 2k n→∞ n→∞ 2
k=1 k=1

Esta conclusão nada tem de surpreendente, porque sabemos que 2n → ∞


quando n → ∞, e portanto 21n → 0. Temos mais geralmente
Definição 5.1.1 (Soma de uma série, série convergente). A série ∞
P
k=1 ak
é convergente se e só a sucessão das somas parciais, de termo geral
Sn = nk=1 ak , tem limite S ∈ R quando n → +∞. Dizemos neste caso
P
que a série tem soma S, e escrevemos

X
ak = S.
k=1

Caso contrário, a série diz-se divergente.


Exemplos 5.1.2.
P∞ 1
(1) A série de Zenão é convergente e tem soma 1, porque
k=1 2k
 
1
Sn = 1 − n → 1, quando n → +∞
2

(2) A série de termo geral constante ak = 1 é divergente, porque


n
X
Sn = 1 = n → ∞.
k=1
P∞ k
(3) A série k=1 (−1) é divergente, porque

−1, se k é ı́mpar, e
Sn =
0, se k é par
202 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

Usamos muitas vezes a expressão “natureza” (de uma série) para nos
referirmos à sua propriedade de ser convergente ou divergente. Por exem-
plo, a natureza da série de Zenão é “convergente”. Veremos adiante que,
quando estudamos uma dada série, é frequentemente possı́vel determinar a
sua natureza sem calcular explicitamente a sua soma. O próximo resultado é
fundamental na teoria das séries, e permite identificar com facilidade muitos
exemplos de séries divergentes.

X
Teorema 5.1.3. Se a série an converge então an → 0 quando n → ∞.
n=1

Demonstração. Consideramos as somas parciais Sm = m


P
n=1 an , e supomos
que a série tem soma S ∈ R, ou seja, Sm → S quando m → ∞. Definimos
ainda Tm = Sm−1 , tomando para este efeito S0 = 0. A sucessão de termo
geral Tm resulta de “atrasar” a sucessão Sm de um termo, e é claro que
temos igualmente Tm → S quando m → +∞.(1 )
Como an = Sn − Sn−1 = Sn − Tn , é claro que an → S − S = 0.

Exemplos 5.1.4.

X n n
(1) A série √ é divergente, porque √ → +∞ =
6 0.
n=1
n + 1 n +1

X n n 1
(2) A série é divergente, porque an = → 6= 0.
n=1
2n + 3 2n + 3 2

X
(3) A série (−1)k k 2 é divergente, porque ak = (−1)k k 2 não tem limite.
k=1

É absolutamente essencial entender que uma dada série ∞


P
n=1 an pode
satisfazer a condição an → 0, e mesmo assim ser divergente, o que bem en-
tendido não contradiz a afirmação em 5.1.3. Por outras palavras, a condição
an → 0 é necessária, mas não suficiente, para garantir a convergência da
série em causa. O próximo exemplo é uma clássica ilustração deste facto, e
será repetidamente referido no que se segue.

Exemplo 5.1.5.
P∞
A série harmónica é a série n=1 1/n. É óbvio que o seu termo geral
satisfaz an = 1/n → 0, mas a série é na realidade divergente, um facto que
não é certamente evidente. Para o reconhecer, basta-nos notar que, por razões
geometricamente evidentes (ilustradas na figura 5.1.1 para o caso m = 4), a
soma parcial Sm satisfaz a desigualdade:
1
A tı́tulo de ilustração, no exemplo de Zenão temos S1 , S2 , S3 , S4 , · · · = 21 , 34 , 87 , 15
16
,···
e T1 , T2 , T3 , T4 , · · · = 0, 21 , 34 , 87 , · · ·
5.1. DEFINIÇÕES BÁSICAS 203

m Z m+1
X 1 1
(5.1.6) Sm = > dx = log(m + 1).
n=1
n 1 x

Na verdade, Sm é a soma superior da função f (x) = 1/x para a partição P =


{1, 2, · · · , n + 1}. Como o integral em causa é log(m + 1), e log(m + 1) → +∞,
podemos concluir que Sm → +∞. Dito doutra forma, a série harmónica é
divergente.

1
2

1
3
1
4

1 2 3 4 5

4
X 1
Figura 5.1.1: log 5 <
n
n=1

O exemplo de Zenão com que iniciámos esta secção é apenas um caso


particular do que chamamos uma série geométrica, e veremos que estas
séries, apesar da sua simplicidade, têm um papel fundamental na teoria.
Em geral, uma série diz-se geométrica quando os seus termos formam uma
progressão geométrica, tal como definida em 1.4.8.4. Mais precisamente,

Definição 5.1.6 (Série Geométrica). Uma série é geométrica se e só se


é da forma

X ∞
X
a·r n−1
= a · r n = a + a · r + a · r 2 + · · · = a · (1 + r + r 2 + · · · )
n=1 n=0
204 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

O exemplo de Zenão é a série geométrica obtida pela escolha a = r = 1/2,


e é muito interessante reconhecer que o processo que usámos para calcular
a sua soma é aplicável a qualquer série geométrica. Basta notar que, sendo
Sn a soma parcial da série geométrica em 5.1.6, temos novamente que:
n 
X 
Sn − r · Sn = a · r k−1 − a · r k = a − a · r n = a · (1 − r n ), donde
k=1

a − rn
(1 − r) · Sn = a · (1 − r n ) e se r 6= 1 então Sn = .
1−r
A determinação da soma da série geométrica é agora imediata.

X
Teorema 5.1.7. A série r n−1 converge se e só se |r| < 1. Neste caso,
n=1


X 1
r n−1 = .
n=1
1−r

Demonstração. Se a série converge então r n−1 → 0, pelo teorema 5.1.3, e


portanto r n → 0. É fácil calcular o limite de r n , e temos


 não existe, se r ≤ −1
0, se |r| < 1

lim r n =
n→∞ 
 1, se r=1
+∞, se r > 1

Concluı́mos que se a série converge então r n → 0 e |r| < 1. Por outro lado,
se |r| < 1 então r n → 0, donde

1 − rn 1
Sn = →
1−r 1−r

É um exercı́cio muito simples mostrar, a partir da definição, as seguintes


operações algébricas sobre séries convergentes:
P∞ P∞
Proposição 5.1.8. P∞Sejam k=1 aP k e k=1 bk séries convergentes e c ∈ R.
Então, as séries k=1 (ak + bk ) e ∞ k=1 (cak ) também são convergentes e


X ∞
X ∞
X
(ak + bk ) = ak + bk ,
k=1 k=1 k=1

X ∞
X
(c · ak ) = c · ak .
k=1 k=1
5.1. DEFINIÇÕES BÁSICAS 205

Exemplo 5.1.9.
P∞ 2 5

Consideramos a série n=1 3n−1 + 2n−1 . Como vimos, as séries geométricas
de razão 1/2 e 1/3 são convergentes, e temos
∞ ∞
X 1 1 3 X 1 1
= = , = = 2.
n=1
3n−1 1 − 1/3 2 n=1 2 n−1 1 − 1/2

Concluı́mos assim que a série inicial é convergente, e


∞  
X 2 5 3
n−1
+ n−1
= (2) + (5)(2) = 13.
n=1
3 2 2

Exemplo 5.1.10.
A representação de números reais por dı́zimas infinitas é uma aplicação da
noção de série. Quando escrevemos, por exemplo, x = 0, a1 a2 a3 a4 a5 · · · , onde
os an são algarismos da representação de x na base decimal usual (e portanto
an é um inteiro entre 0 e 9), estamos simplesmente a dizer que

X an
x=
n=1
10n

Veremos adiante que a série acima é sempre convergente, e portanto efectiva-


mente representa um número real, mas podemos desde já mostrar que, no caso
de uma dı́zima infinita periódica, a série converge para um número racional,
que é aliás fácil de determinar. Ilustramos esta afirmação com um exemplo,
mas deve ser claro que o argumento é aplicável a qualquer dı́zima periódica.
Considere-se então x = 0, 123123 · · · (subentendendo aqui que os algarismos
123 se repetem indefinidamente). Note-se que

123 123 X 123
x = 0, 123 + 0, 000123 + · · · = + + ··· = 3n
1.000 1.000.000 n=1
10

A série acima é claramente a série geométrica com


∞ 123 123
123 1 X 123 1.000 1.000 123
a= er= , donde = 1 = 999 =
1.000 1.000 n=1
103n 1 − 1.000 1.000
999

Note-se de passagem que um dado número real pode ter duas representações
decimais distintas, o que ocorre sempre que tem uma representação com um
número finito de algarismos. Temos por exemplo que 1 = 1, 000 · · · = 0, 9999 · · · ,
porque
∞ 9 9
X 9 10 10
0, 999 · · · = 0, 9 + 0, 09 + 0, 009 + · · · = = 1 = 9 =1
n=1
10n 1 − 10 10

É especialmente surpreendente reconhecer que muitas das funções que já


referimos podem ser representadas, e em particular calculadas, usando séries
206 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

de um tipo muito especı́fico, ditas séries de potências. Um exemplo particu-


larmente simples desta realidade resulta mais uma vez da série geométrica,
porque a identidade


1 X
(5.1.7) = xn = 1 + x + x2 + · · · , para |x| < 1
1−x
n=0

1
é certamente uma representação da função f dada por f (x) = 1−x por
uma série de potências de x. Repare-se que o domı́nio da função f , que é
Df = { ∈ R : x 6= 1}, é distinto do conjunto no qual a soma da série coincide
com a função dada, porque este conjunto é como vimos o intervalo ] − 1, +1[.
É fácil obter mais exemplos de funções representadas por séries deste
tipo por substituições simples de x em 5.1.7. Substituindo x por −x, ou por
−x2 , temos imediatamente

∞ ∞
1 1 X X
(5.1.8) = = (−x)n = (−1)n xn , para |x| < 1
1+x 1 − (−x)
n=0 n=0

∞ ∞
1 1 X
2 n
X
(5.1.9) = = (−x ) = (−1)n x2n , para |x| < 1
1 + x2 1 − (−x2 ) n=0 n=0

Intuitivamente, as séries de potências generalizam a noção de polinómio, e


podem ser imaginadas como polinómios com um número de termos que pode
ser infinito, ou com grau que pode ser infinito. Como veremos, estas séries
de potências podem ser diferenciadas e primitivadas como se fossem somas
finitas. Por exemplo, a primitivação das séries acima conduz a

∞ ∞
X xn+1
n
X xn
(5.1.10) log(1 + x) = (−1) = (−1)n−1 , para |x| < 1
n+1 n
n=0 n=1


X x2n+1
(5.1.11) arctan(x) = (−1)n , para |x| < 1
2n + 1
n=0

Estas últimas identidades são aliás também válidas quando x = 1, o


que não é óbvio das identidades iniciais em 5.1.10 e 5.1.11. Por exemplo, a
identidade 5.1.11 reduz-se para x = 1 à série dita de Gregory, e foi descoberta
ainda no século XVII.

π X 1 1 1 1
(5.1.12) arctan(1) = = (−1)n = 1 − + − + ···
4 n=0
2n + 1 3 5 7
5.2. SUCESSÕES 207

Analogamente, a série 5.1.10 quando x = 1 conduz a outra identidade inte-


ressante:

X 1 1 1 1
(5.1.13) log(2) = (−1)n = 1 − + − + ···
n=0
n+1 2 3 4

5.2 Sucessões
O estudo das séries é, em larga medida, uma parte da teoria mais geral das
sucessões. É claro que qualquer sucessão não passa de uma função real de
variável real com domı́nio D = N, e portanto as ideias e resultados sobre
limites que estudámos no Capı́tulo 2 aplicam-se a sucessões como se aplicam
a quaisquer outras funções. Exactamente por isso, no caso de uma sucessão
só faz sentido considerar o seu limite quando n → ∞, porque só definimos
lim f (x) quando a é ponto de acumulação do domı́nio de f .
x→a
Sendo u uma sucessão, designamos o seu limite por um qualquer dos
seguintes sı́mbolos:
lim un = lim un = lim u(n)
n→∞ n→∞

É fácil concluir da definição 2.4.3 que


Proposição 5.2.1.
(a) lim un = a ∈ R se e só se ∀ ε > 0 ∃ N ∈ N n > N ⇒ |un − a| < ε.
n→∞

(b) lim un = +∞ se e só se ∀ ε > 0 ∃ N ∈ N n > N ⇒ un > 1ε .


n→∞

(c) lim un = −∞ se e só se ∀ ε > 0 ∃ N ∈ N n > N ⇒ un < − 1ε .


n→∞

É também fácil mostrar que


Proposição 5.2.2. Se a função f : R → R tem limite quando x → a,
un 6= a e un → a quando n → +∞ então
lim f (un ) = lim f (x)
n→+∞ x→a

Em particular, se un = f (n) e existe o limite de f quando x → +∞ então


lim un = lim f (x)
n→+∞ x→+∞

Exemplos 5.2.3.
(1) Para mostrar que un = n1 → 0 usando apenas a proposição 5.2.1, supomos
dado um ε > 0 arbitrário. Existe por razões óbvias um natural N ∈ N
tal que N > 1ε , ou seja, tal que 0 < N1 < ε. É imediato verificar que
1 1
n>N ⇒| − 0| < ε, ou seja, lim =0
n n→∞ n
208 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

n
(2) Para calcular o limite de un = 1 + n1 , consideramos a função dada por
x
f (x) = 1 + x1 para x > 0, donde un = f (n). Observamos que


 n  x
1 1
lim 1+ = lim 1+ = lim ex log(1+1/x) = e1 = e,
n→+∞ n x→+∞ x x→+∞

porque temos, da regra de Cauchy, que

log(1 + y) 1/(1 + y)
lim x log(1 + 1/x) = lim = lim =1
x→+∞ y→0 y y→0 1

(3) Se un = n sen(1/n) então


sen y
lim un = lim n sen(1/n) = lim x sen(1/x) = lim =1
n→+∞ n→+∞ x→+∞ y→0 y

(4) Seja 0 < a < 1, donde log a < 0. Temos então

lim an = lim ax = lim ex log a = lim ey = 0


n→∞ x→+∞ x→+∞ y→−∞

Sendo certo que os limites de sucessões são casos especiais de limites de


funções, é igualmente verdade que os limites de funções se podem reduzir a
limites de sucessões, através do seguinte resultado:

Teorema 5.2.4. Seja f : D ⊂ R → R uma função. Então, limx→a f (x) = b


sse lim f (un ) = b para qualquer sucessão real (un ) ⊂ D tal que un → a e
un 6= a.

Demonstração. A implicação (⇒) foi referida na proposição 5.2.1. Para


mostrarmos (⇐), suponhamos por absurdo que limn→∞ f (un ) = b, para
toda a sucessão (xn ) ⊂ D com un → a, mas que b não é o limite de f (x)
quando x → a. Então, existe um ε > 0 tal que para todo o δ > 0 existe um
x ∈ D tal que:
0 < |x − a| < δ e |f (x) − b| > ε.
Tomando δ = n1 , obtemos para cada n ∈ N um número xn tal que

1
0 < |xn − a| < e |f (xn ) − b| > ε.
n
A primeira condição garante que xn → a e a segunda condição garante que
b não é limite de f (xn ), o que contradiz a nossa hipótese.

Esta proposição é por vezes uma forma prática de mostrar que a função
f não tem limite em a dado, determinando para isso sucessões un , vn → a,
mas tais que f (un ) e f (vn ) têm limites distintos.
Exemplo 5.2.5.
5.2. SUCESSÕES 209

Seja f (x) = sin( x1 ) e a = 0. Considerem-se as sucessões

1 1
un = e vn =
2πn 2πn + π/2

É claro que un → 0 e vn → 0, e temos f (un ) = sin(2πn) = 0 e f (vn ) =


sin(2πn + π2 ) = 1. Pelo Teorema 5.2.4, concluı́mos que limx→0 f (x) não existe,
porque f (un ) → 0 e f (vn ) → 1.

As seguintes definições são já conhecidas:

Definição 5.2.6. Seja (un ) uma sucessão real. Então:

(a) (un ) diz-se crescente (resp. estritamente crescente) se un ≤ un+1


(resp. un < un+1 ) para todo o n ∈ N.

(b) (un ) diz-se decrescente (resp. estritamente decrescente) se un ≥


un+1 (resp. un > un+1 ) para todo o n ∈ N.

(c) (un ) diz-se majorada se existir M ∈ R tal que un ≤ M para todo o


n ∈ N.

(d) (un ) diz-se minorada se existir m ∈ R tal que un ≥ m para todo o


n ∈ N.

Uma sucessão diz-se monótona (resp. estritamente monótona) se for


crescente ou decrescente (resp. estritamente crescente ou decrescente). Uma
sucessão diz-se limitada se for majorada e minorada.

Proposição 5.2.7. Qualquer sucessão (un ) convergente é limitada.

Demonstração. Se un → a então existe um natural N tal que

n > N ⇒ a − 1 < un < a + 1

É claro que o conjunto {un : n > N } é limitado, porque está contido no


intervalo de a − 1 a a + 1, e o conjunto {un : n ≤ N } é limitado, porque é
finito. Concluı́mos assim que o conjunto de todos os termos da sucessão é
igualmente limitado.

Sendo certo que qualquer sucessão convergente é limitada, é muito fácil


exibir sucessões limitadas que não são convergentes. Por exemplo, a sucessão
-1, +1, -1, +1, · · · , de termo geral un = (−1)n , é claramente limitada, mas
não é convergente. No entanto, temos a seguinte equivalência válida para
sucessões monótonas:

Teorema 5.2.8. Qualquer sucessão real monótona é convergente se e só se


é limitada. Em particular,
210 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

(a) Se (un ) é crescente e majorada então un → sup {un : n ∈ N}, e

(b) Se (un ) é decrescente e minorada então un → inf {un : n ∈ N}.

Demonstração. Já vimos que qualquer sucessão convergente (monótona ou


não) é limitada. Mostramos apenas que qualquer sucessão crescente e majo-
rada converge para o supremo dos seus termos, porque o caso duma sucessão
decrescente e minorada é inteiramente análogo.
Seja (un ) uma sucessão crescente e majorada, e α = sup {un : n ∈ N}.
Passamos a provar que, para qualquer ε > 0,

Existe p ∈ N : (n > p ⇒ |un − α| < ε) .

Como α = sup {un : n ∈ N}, existe algum up ∈ Vε (α), ou seja, tal que
α − ε < up ≤ a. Como (un ) é crescente, concluı́mos que

n > p =⇒ up ≤ un ≤ α =⇒ α − ε < un ≤ α =⇒ |un − a| < ε

5.3 Séries de Termos Não-Negativos


Séries de termos não-negativos (STNN) são séries da forma

X
ak , com ak ≥ 0 , ∀ k ∈ N .
k=1

O teorema 5.2.8 é aplicável a estas séries, porque a sucessão das somas


parciais de uma STTN é claramente crescente. Portanto, ou é convergente
e limitada, ou diverge, e neste último caso diverge para +∞.
P
Proposição 5.3.1. Uma STNN k ak é convergente se e só se a sua su-
cessão de somas parciais (sn ) for majorada.

Demonstração. Por definição,


Pn a série é convergente se e só se a sucessão das
somas parciais sn = k=1 ak for convergente. Como

sn+1 − sn = an+1 ≥ 0,

a sucessão (sn ) é monótona crescente.

Na prática, pode ser difı́cil descobrir se a sucessão das somas parciais


de uma dada STNN é ou não majorada. Os diversos critérios de con-
vergência que passamos agora a estudar são técnicas especı́ficas criadas
para determinar a natureza de STNN’s com base na proposição anterior.
Começamos por considerar um critério a que aludimos quando estabelece-
mos a natureza divergente da série harmónica.
5.3. SÉRIES DE TERMOS NÃO-NEGATIVOS 211

5.3.1 Critério de Comparação


QuandoP0 ≤ an ≤ bn para qualquer n dizemos que a série ∞
P
n=1 bn domina

a série n=1 an . Neste caso, é intuitivamente evidente que


X ∞
X
an = a1 + a2 + · · · + an + · · · ≤ b1 + b2 + · · · + bn + · · · = bn ,
n=1 n=1

sendo que se a soma da série à direita é finita, é-o também a soma da série
à esquerda, e se a soma da série à esquerda é infinita, é-o também a soma
da série à direita. É esse o conteúdo do próximo teorema:

Teorema 5.3.2 (Critério de Comparação para STNN). Sejam (an ) e (bn )


duas sucessões reais tais que 0 ≤ an ≤ bn , ∀ n ∈ N. Então:

X ∞
X
bn converge ⇒ an converge;
n=1 n=1
X∞ X∞
an diverge ⇒ bn diverge.
n=1 n=1

Demonstração. Sejam (sn ) e (tn ) as sucessões de somas parciais das séries


dadas, i.e.
Xn Xn
sn = ak e tn = bk .
k=1 k=1

É evidente que sn ≤ tn para qualquer n ∈ N. Usando a Proposição 5.3.1,


podemos então concluir que:
P P
• k bk converge ⇒ (tn ) majorada ⇒ (sn ) majorada ⇒ k ak converge.
P P
• k ak diverge ⇒ sn → +∞ ⇒ tn → +∞ ⇒ k bk diverge.

Exemplos 5.3.3.
P∞
(1) A série de Zenão é convergente, e n=1 21n = 1. Segue-se que qualquer série
1
com termo geral 0 ≤ an ≤ 2n é igualmente convergente, e tem soma ≤ 1.
A tı́tulo de exemplo, as seguintes séries (que não são geométricas) são todas
convergentes, e todas têm soma inferior a 1, porque os respectivos termos gerais
não excedem 1/2n :
∞ ∞ ∞
X 1 X 1 X n
, ,
n=1
n + 2 n=1 3 + 2 n=1 2 (n2 + 1)
n n n n
212 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

P∞
(2) A série harmónica é divergente, ou seja, n=1 n1 = +∞. Portanto, qualquer
série com termo geral bn ≥ n1 é igualmente divergente. A tı́tulo de exemplo,
as seguintes séries são todas divergentes, porque os respectivos termos gerais
excedem 1/n:
∞ ∞ ∞
X 1 X n+2 X 1
√ , ,
n=1
n n=1
n(n + 1) n=1
n − 1/2

(3) Se α < 1 então nα ≤ n e portanto 1/nα ≥ 1/n. Concluı́mos assim que



X 1
A série α
diverge quando α ≤ 1.
n=1
n
P∞ 1
As séries da forma n=1 nα dizem-se séries de Dirichlet, e veremos a
seguir que são convergentes quando α > 1.

É interessante observar que podemos aplicar o critério de comparação


desde que a desigualdade an ≤ bn seja válida apenas para todos os valores
de n “suficientemente grandes”, ou seja,
Teorema 5.3.4 (Critério de Comparação para STNN). Sejam (an ) e (bn )
duas sucessões reais, e suponha-se que existe m ∈ N tal que 0 ≤ an ≤ bn
para qualquer n ≥ m. Então:

X ∞
X
bn converge ⇒ an converge;
n=1 n=1
X∞ X∞
an diverge ⇒ bn diverge.
n=1 n=1

Demonstração. Definimos
 
0, se n < m 0, se n < m
ãn = e analogamente b̃n =
an , se n ≥ m bn , se n ≥ m

Podemos aplicar o teorema 5.3.2 às séries ∞


P P∞
n=1 ãn e n=1 b̃n , donde

X ∞
X
b̃n converge =⇒ ãn converge;
n=1 n=1
X∞ X∞
ãn diverge =⇒ b̃n diverge.
n=1 n=1

Resta-nos verificar que



X ∞
X
ãn converge ⇐⇒ an converge;
n=1 n=1
X∞ X∞
b̃n converge ⇐⇒ bn converge.
n=1 n=1
5.3. SÉRIES DE TERMOS NÃO-NEGATIVOS 213

Considerando a série de termo an , definimos cn = an − ãn e notamos que a


série de termo geral cn é obviamente convergente, porque a sua soma é uma
soma finita. Observamos da proposição 5.1.8 que

X ∞
X ∞
X ∞
X ∞
X
ãn converge =⇒ an converge, porque an = ãn + cn
n=1 n=1 n=1 n=1 n=1
X∞ X∞ ∞
X X∞ X∞
an converge =⇒ ãn converge, porque ãn = an − cn
n=1 n=1 n=1 n=1 n=1

5.3.2 Critério Integral


A técnica que usámos para estabelecer a divergência da série harmónica
(exemplo 5.1.5) é aplicável a qualquer série de termo geral an = f (n), onde
f : R+ → R é uma função decrescente. Basta-nos observar que
Xn Z n
• f (k) é uma soma inferior de f (x)dx, e
k=2 1

n−1
X Z n
• f (k) é uma soma superior de f (x)dx.
k=1 1

f (1)

f (2)

f (3)
f (4)

1 2 3 4 5

n
X Z n n−1
X
Figura 5.3.1: f (k) ≤ f (x)dx ≤ f (k).
k=2 1 k=1

Escrevendo como é usual


Z ∞ Z y
f (x)dx = lim f (x)dx,
1 y→∞ 1
214 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

obtemos um resultado particularmente simples e fácil de aplicar.


Teorema 5.3.5 (Critério Integral para STNN). P∞ Seja f : [1, ∞[→ R uma
função positiva decrescente. Então a série n=1 f (n) converge se e só se
existe e é finito o limite:
Z ∞ Z b
f (x) dx = lim f (x) dx.
1 b→+∞ 1

Demonstração. Primeiro supomos que


Z ∞ Z b
f (x) dx = lim f (x) dx < +∞
1 b→+∞ 1

Temos então
n
X Z n Z ∞
f (k) ≤ f (x)dx ≤ f (x) dx,
k=2 1 1

da proposição 5.3.1 que a série ∞


P
e segue-se P k=2 f (k) é convergente, donde é
óbvio que ∞ k=1 f (k) é igualmente convergente.
Supondo agora que a série é convergente, temos
Z n n−1
X ∞
X Z ∞ X∞
f (x) dx ≤ f (k) ≤ f (k), donde f (x) dx ≤ f (k).
1 k=1 k=1 1 k=1

Exemplos 5.3.6.

X 1
1. Vimos que a série de Dirichlet α
é divergente, quando α ≤ 1.
n=1
n
O Critério Integral esclarece facilmente a natureza da série para α > 1. Neste
caso, temos
Z ∞ Z b  
1 1 1 1 1
α
dx = lim α
dx = lim − α−1
+ =
1 x b→+∞ 1 x b→+∞ (α − 1)b α − 1 α − 1
Segue-se do teorema 5.3.5 que a série de Dirichlet é convergente quando
α > 1.
2. A ideia subjacente ao teste integral permite também obter estimativas para
o erro cometido quando substituı́mos a soma de uma dada série por uma sua
soma parcial. Nas condições do teorema 5.3.5, é fácil mostrar que
X∞ Xn X∞ Z ∞
S − Sn = f (k) − f (k) = f (k) ≤ f (x)dx
k=1 k=1 k=n+1 n

A tı́tulo de ilustração, considere-se a série de Dirichlet com α = 2. Estimamos


a diferença S − Sn como se segue
∞ Z ∞
X 1 1 1 1
S − Sn = 2
< 2
dx = donde Sn < S < Sn +
k n x n n
k=n+1
5.3. SÉRIES DE TERMOS NÃO-NEGATIVOS 215

Tal como observámos para o critério de comparação em 5.3.4, o critério


integral pode ser formulado mais geralmente como se segue:

Teorema 5.3.7 (Critério Integral para STNN). Seja P f : [1, ∞[→ R uma
função positiva decrescente para x ≥ α. Então a série ∞n=1 f (n) converge
se e só se existe e é finito o limite:
Z ∞ Z b
f (x) dx = lim f (x) dx.
1 b→+∞ 1

Exemplo 5.3.8.
P∞
Considere-se a série k=1 ke−k/2 . A função dada por f (x) = xe−x/2 é de-
crescente para x ≥ 2 e temos
Z b b
xe−x/2 dx = −2(x + 2)e−x/2 → 6e−1/2 .

1 1

Concluı́mos que a série em questão é convergente.

5.3.3 Critério do Limite


A verificação das desigualdades referidas em 5.3.4 pode ser substituı́da pelo
cálculo do limite da razão an /bn , se esse limite existir.

Teorema 5.3.9 (Critério do Limite para STNN). Se (an ) e (bn ) são su-
cessões reais de termos positivos tais que an /bn → L, onde 0 < L < +∞,
então

X ∞
X
as séries an e bn são da mesma natureza.
n=1 n=1

Demonstração. Existe m ∈ N tal que


L an L L 3L
n>m ⇒ L− < <L+ ⇒ · bn < an < · bn .
2 bn 2 2 2
Basta agora aplicar o Critério Geral de Comparação do Teorema 5.3.4 a
estas desigualdades.

O argumento anterior pode ser adaptado para mostrar que:



X ∞
X
• Se L = 0 e a série bn converge então an converge, e
n=1 n=1

X ∞
X
• Se L = +∞ e a série an converge então bn converge.
n=1 n=1

Exemplos 5.3.10.
216 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

O critério do limite requer a utilização de séries com natureza conhecida, por


exemplo, séries geométricas ou séries de Dirichlet.

(1) Para determinar a natureza da série


X 1
.
3n − 2n
é natural compará-la com a série geométrica 1/3n, que é convergente, porque
P
1 n
a sua razão é r = 1/3. De facto, com an = 3n −2 n e bn = 1/3 temos
1  n
an 3n 3n − 2n 2
lim = lim 1 = lim = 1 − lim = 1 − 0 = 1.
bn 3n −2n
3n 3

Concluı́mos
P 1 do Teorema 5.3.9 que as séries são da mesma natureza, ou seja, a
série 3n −2n também converge.
P 2n+1
(2) Para determinar a natureza da série √ , observamos primeiro que,
n n(n+1)
quando n é “grande”, temos
2n + 1 2n 2
p ≈ √ ≈ ,
n n(n + 1) n n2 n

o que sugere a utilização do critério do limite com an = √2n+1 e bn = 1


n.
n n(n+1)
Neste caso, obtemos

√2n+1
an n n(n+1) 2n + 1 2 + 1/n
lim = lim 1 = lim p = lim p = 2.
bn n n(n + 1) 1 + 1/n2

√2n+1
P P
Como 1/n diverge, segue-se que a série diverge igualmente.
n n(n+1)

5.3.4 Critérios da Raı́z e da Razão


Os critérios
P da raı́z e da razão permitem determinar a natureza de uma

STNN an pelo cálculo dos limites de, respectivamente, n an e an+1 /an .
Em ambos os casos, reduzem-se essencialmente à comparação da série dada
com uma série geométrica convenientemente escolhida.
P
Teorema 5.3.11 (Critério da Raı́z). Seja n an uma série numérica com

an > 0 e tal que n an → r ∈ R. Então:
P
(a) se r < 1 a série n an converge.
P
(b) se r > 1 a série n an diverge.

Demonstração. Se r < 1, tomamos s tal que r < s < 1, e notamos que existe
p ∈ N tal que

n
an < s quando n ≥ p.
5.3. SÉRIES DE TERMOS NÃO-NEGATIVOS 217

É evidente que an ≤ sn para n ≥ p. Como a série geométrica


P∞ n
n s
converge,
P∞ concluı́mos do Critério Geral de Comparação (5.3.4) que a série
k ak também converge.
Se r > 1, existe p ∈ N tal que:

n
an > 1 quando n ≥ p.

É claro que an > 1Pquando n ≥ p e portanto a sucessão an não converge


para zero e a série ∞
k ak diverge de acordo com o teorema 5.1.3.

Exemplos 5.3.12.

X n
(1) Para determinar a natureza de n
, notamos que(2 )
n=1
2

√ n
n 1
n
an = → .
2 2
Concluı́mos pelo Critério da Raı́z (5.3.11) que a série dada é convergente.
(2) O critério da raı́z é inconclusivo quando r = 1, ou seja, se r = 1 a série em
questão tanto pode ser convergente como divergente. Observe-se que

X 1 √ 1
• A série é divergente e n an = √
n
n
→ 1.
n=1
n

X 1 √ 1
• A série 2
é convergente e n an = √
n 2 → 1.
n=1
n n

O critério da razão, ou de d’Alembert, tem um enunciado análogo.


P
Teorema 5.3.13 (Critério da Razão ou de d’Alembert). Seja n an uma
série numérica com an > 0 e tal que an+1 /an → r ∈ R. Então:
P
(a) se r < 1 a série n an converge.
P
(b) se r > 1 a série n an diverge.

Demonstração. Consideramos primeiro o caso r < 1: tomamos um qualquer


s tal que r < s < 1, e notamos que existe p ∈ N tal que
an+1
< s quando n ≥ p.
an

É muito simples estabelecer por indução que ap+k ≤ ap · sk para k ∈ N.


Tomando c = ap s−p , podemos igualmente escrever

an ≤ c · sn , para qualquer n ≥ p.

2
Recorde que n
n = elog n/n → e0 = 1.
218 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

Como s < 1 a série geométrica ∞ n converge e concluı́mos do Critério


P
n c·s P
Geral de Comparação (5.3.4) que a série ∞ k ak também converge.
Consideramos agora o caso r > 1: Neste caso, existe p ∈ N tal que:
an+1
> 1 quando n ≥ p.
an
Obtemos facilmente desta desigualdade que an > ap > 0 quando n ≥p e
portanto a sucessão an não pode convergir para zero, e a série ∞
P
k ak diverge
de acordo com o teorema 5.1.3.
Exemplos 5.3.14.

X 2n
(1) Para determinar a natureza de , notamos que
n=1
n!

an+1 2n+1 /(n + 1)! 2n+1 n! 2


= = · = → 0 < 1.
an 2n /n! 2n (n + 1)! n+1

Concluı́mos pelo Critério da Razão (Teorema 5.3.13) que a série dada é con-
vergente.
(2) O critério da razão é também inconclusivo quando r = 1. Mais uma vez,

X 1
• A série é divergente e an+1 /an = n/(n + 1) → 1.
n=1
n

X 1
• A série 2
é convergente e an+1 /an = n2 /(n + 1)2 → 1.
n=1
n

Os critérios da razão e da raı́z têm muitos pontos em comum, mas não


são exactamente equivalentes. A este respeito, é interessante registar que
Observações 5.3.15.

1. Se an+1 /an → r então n an → r, em particular, sempre que o critério da
razão é aplicável é também aplicável o da raı́z. A demonstração deste facto é
simples, mas algo trabalhosa, e omitimo-la aqui.

2. É possı́vel que n an → r e a razão an+1 /an não tenha limite, ou seja, o
critério da raı́z é, em princı́pio, mais geral do que o da razão. Em termos
práticos, no entanto, é muitas vezes mais difı́cil calcular o limite da raı́z do que
o limite da razão. Para um exemplo ilustrativo simples, considere-se a série de
termo geral an , onde
1 3
an = n
, se n é par, e an = n , se n é ı́mpar.
2 2
P
A série n an é convergente por razões elementares (é uma soma de séries
geométricas), mas em qualquer caso o limite de an+1 /an não existe, enquanto

que n an → 1/2.
5.4. OUTRAS SÉRIES NUMÉRICAS 219

3. Para definir o limite superior de uma sucessão numérica an , consideramos


a sucessão auxiliar bn = sup{ak : k ≥ n}. A sucessão bn é decrescente e
concluı́mos por isso que tem limite na recta acabada. Definimos

lim sup an = lim sup{ak : k ≥ n} = lim bn

Note-se igualmente que, quando existe lim an , temos lim an = lim sup an . Uti-
lizando esta noção, o critério da raı́z toma a seguinte forma, que é muito geral
porque não supõe a existência do limite da raı́z:
P
Teorema 5.3.16 (Critério da Raı́z). Seja n an uma série numérica com

an > 0 e r = lim sup n an ∈ R. Então:
P
(a) se r < 1 a série n an converge.
P
(b) se r > 1 a série n an diverge.
A respectiva demonstração, que também omitimos, é uma adaptação relativa-
mente simples da de 5.3.11.

5.4 Outras Séries Numéricas


Quando a sucessão an assume valores positivos e negativos, os critérios refe-
ridos na Psecção anterior não permitem determinar directamente a natureza
da série ∞ n=1 an , que não
P∞ é uma STNN, mas podem ser usados para estu-
dar a série dos módulos n=1 |an |, que é certamente uma STNN. Veremos
adiante que podemos ter

X ∞
X
an convergente e |an | divergente,
n=1 n=1

mas a convergência de ∞
P P∞
n=1 |an | implica sempre a convergência de n=1 an ,
de acordo com o seguinte resultado:
P P
Teorema 5.4.1. Se n |an | converge, então n an também converge e

X∞ X ∞
an ≤ |an | .



n=1 n=1

Demonstração. Se a ∈ R é um número real, definimos


|a| + a
a+ = max{a, 0} = é a parte positiva de a,
2
|a| − a
a− = max{−a, 0} = é a parte negativa de a.
2
É imediato verificar que a = a+ − a− , |a| = a+ + a− . Temos em particular
a desigualdade:
0 ≤ a+ , a− ≤ |a|.
220 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

Concluı́mos do critério geral de comparação que


X X X
|an | convergente =⇒ a+
n e a−
n convergentes, donde
n n n
X X X X
a+ a+


an = n − an = n − a−
n é convergente.
n n n n
A respectiva soma pode ser estimada como se segue:

X X X X X X  X
+
an = an − −
an ≤ a+
n + a−
n = a+ −
n + an = |an |.


n n n
n n n n

Usaremos a este respeito a seguinte terminologia:


P
Definição 5.4.2. Uma série n an diz-se
(i) absolutamente
P convergente se Pa correspondente série de módulos
|a
n n | é convergente e portanto n an é também convergente.

(ii) simplesmente convergente se é convergente, mas a correspondente


série de módulos n |an | é divergente.(3 )
P

Exemplos 5.4.3.
(1) Observamos que
∞ ∞
X (−1)n X 1
2
é absolutamente convergente, porque é convergente.
n=1
n n=1
n2
P∞
A série de módulos correspondente é a série de Dirichlet n=1 n12 que converge.
Pelo Teorema 5.4.1, concluı́mos que a série original converge.
P∞ 2
(2) Temos também n=1 sen(n n2
)
absolutamente convergente, porque

sen(n2 )

≤ 1 e 1
X

n2 n2 2
converge.
n=1
n

Dizemos que uma série é alternada se e só se os seus termos consecu-


tivos têm sinais algébricos diferentes. Escrevemos normalmente uma série
alternada na forma
X X
(−1)n+1 an ou (−1)n an , com an > 0,
n n

onde no primeiro caso os termos negativos são os pares, e no segundo caso


são os ı́mpares.
Neste caso, se a sucessão an é decrescente é muito fácil estabelecer a sua
natureza e mesmo estimar a sua soma com erro arbitrariamente pequeno.
3
Também se usa a expressão “condicionalmente convergente”.
5.4. OUTRAS SÉRIES NUMÉRICAS 221

Teorema 5.4.4 (Critério de Leibniz). Se a sucessão an é decrescente então


X
(−1)n an converge se e só se an → 0.
n

Neste caso, se S é a sua soma e Sn é a correspondente soma parcial, temos


|S − Sn | ≤ an+1 .
Demonstração. Se a série é convergente então o seu termo geral tende para
zero, e portanto an → 0. Supomos agora que an é decrescente e an → 0,
donde em particular an − an+1 > 0. Sendo Sn o termo geral da sucessão das
suas somas parciais, temos:
(1) S2n = S2n−1 + (−1)2n a2n = S2n−1 + a2n > S2n−1 ,

(2) S2n+1 = S2n + (−1)2n+1 a2n+1 = S2n − a2n+1 < S2n ,

(3) S2n+2 = S2n − a2n+1 + a2n+2 < S2n , e

(4) S2n+1 = S2n−1 + a2n − a2n+1 > S2n−1 .


Por outras palavras, sendo cn = S2n e dn = S2n−1 , temos que cn ≥ dn , cn é
decrescente, dn é crescente e cn − dn = a2n → 0. Concluı́mos que

dn < S < cn

Notamos em particular que as somas parciais pares S2n são aproximações por
excesso de S enquanto que as somas parciais ı́mpares S2n−1 são aproximações
por defeito de S. Mais exactamente,

a2n+1 > S2n − S > 0 e a2n > S − S2n−1 > 0

−1/2
+1/3
−1/4
+1/5
−1/6

s2 s4 s6 s5 s3 s1 = 1

Figura 5.4.1: Convergência da série harmónica alternada.


222 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

Exemplos 5.4.5.
1. Como 1/n ց 0, concluı́mos que a chamada série harmónica alternada

X (−1)n+1 1 1 1
= 1 − + − + ···
n=1
n 2 3 4

é convergente (figura 5.4.1). Esta série é simplesmente convergente, porque a


correspondente série dos módulos é a série harmónica, que é divergente.

X (−1)n+1
2. A série de Dirichlet é simplesmente convergente se 0 < α < 1.
n=1

Os seguintes dois resultados ilustram bem a diferença entre o comporta-


mento das séries absoluta ou simplesmente convergentes. O teorema 5.4.7
em especial revela que as séries simplesmente convergentes têm propriedades
pouco naturais de um ponto de vista intuitivo.

Teorema 5.4.6. Qualquer série obtida por reordenação dos termos de uma
série absolutamente convergente é também absolutamente convergente, com
soma igual à soma da série original.
P
Teorema 5.4.7 (Riemann). Sejam n bn uma série simplesmente conver-
gente
P e β ∈ R arbitrário. Então, existem séries obtidas por reordenação de
n bn com soma igual a β.

Omitimos a demonstração destes resultados.

5.5 Séries de Taylor


Quando o termo geral de uma série envolve uma variável (ou mais), temos
o que chamamos de uma série de funções, de que as seguintes são exemplos
∞ ∞
X X cos(nx)
xn ou
n2
n=0 n=1

A primeira é evidentemente a série geométrica de razão x, e é o que chama-


mos de uma série de potências por razões óbvias, e a segunda é uma série
trigonométrica, na realidade uma série de Fourier, que é um instrumento
indispensável na representação matemática de todo o tipo de fenómenos os-
cilatórios. O estudo de séries de funções levanta diversas questões técnicas
delicadas que não encontramos no caso das séries numéricas, em particular

• Como determinar o domı́nio de convergência da série, ou seja, o con-


junto de valores da variável para a qual a série é convergente, e
5.5. SÉRIES DE TAYLOR 223

• Supondo que esse domı́nio é D, e portanto a série determina uma


função f definida em D, como podemos estabelecer, por exemplo, a
diferenciabilidade e/ou integrabilidade de f , e como podemos calcular
a respectiva derivada e/ou integral?

Estas são questões e desafios mais difı́ceis, e também muito interessantes do


ponto de vista matemático, de que aqui poderemos dar apenas uma primeira
abordagem.
Exemplos 5.5.1.
P∞
1. A série n=0 xn converge se e só se |x| < 1. Portanto, a função dada por

X
f (x) = xn
n=0

está definida no domı́nio de convergência D =] − 1, 1[. Claro que neste caso


sabemos que f (x) = 1/(1 − x).
P∞
2. A série n=1 cos(nx)
n2 é absolutamente convergente para qualquer x ∈ R, ou
seja, o seu domı́nio de convergência é D = R, porque

cos(nx)
≤ 1 e 1
X

n2 n2 2
< +∞
n=1
n

A tı́tulo de curiosidade, a sua soma é a função periódica de perı́odo 2π tal que



X cos(nx) x2 πx π 2
g(x) = 2
= − + para 0 ≤ x ≤ 2π,
n=1
n 4 2 6

mas naturalmente não dispomos ainda dos instrumentos necessários para su-
portar esta afirmação.

Estudamos nesta secção as séries de potências, ditas também séries de


Taylor por razões que expomos adiante, e para as quais as questões acima
têm respostas razoavelmente simples.

Definição 5.5.2. Chama-se série de potências (centrada em a ∈ R) a


qualquer série da forma

X
(5.5.1) an (x − a)n = a0 + a1 (x − a) + a2 (x − a)2 + · · · .
n=0

O seu domı́nio de convergência é o conjunto


( ∞
)
X
D= x∈R : an (x − a)n é convergente
n=0
224 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

Exemplo 5.5.3.
Considere-se a série de potências

X 1
n
(x − 1)n .
n=0
2

Esta é uma série geométrica de razão r = (x − 1)/2 e é por isso absolutamente


convergente quando

x − 1
2 < 1 ⇐⇒ |x − 1| < 2 ⇐⇒ x ∈ ]−1, 3[ ,

e divergente quando

x − 1
2 ≥ 1 ⇐⇒ |x − 1| ≥ 2 ⇐⇒ x ∈ ]−∞, −1] ∪ [3, +∞[ .

O domı́nio de convergência desta série é portanto D = ]−1, 3[. Aliás, e como


a série é geométrica, sabemos que a respectiva soma é

X 1 1 2
n
(x − 1)n = =
n=0
2 1 − (x − 1)/2 3−x

Mais uma vez, a série de potências e a função acima são iguais no domı́nio
de convergência da série, mas têm domı́nios de definição distintos, porque a
função à direita está definida para qualquer x 6= 3, não apenas para x ∈]− 1, 3[.

O domı́nio de convergência de uma série de potências não é um conjunto


arbitrário, e para esclarecer esta questão começamos por demonstrar um
lema auxiliar:
n
P
Lema 5.5.4. Se a série de potências n an x converge em x = c 6= 0
então é absolutamente convergente para qualquer x ∈ R com |x| < |c|.

Demonstração. De acordo com o teorema 5.1.3 temos an cn → 0, e portanto


existe p ∈ N tal que
n ≥ p =⇒ |an cn | < 1 .
Logo, para n ≥ p temos que
x n x n
|an xn | = |an cn | · < .

c c
Assumindo |x| < |c|, a série geométrica de razão r = |x/c| <P1 é conver-
gente. Concluı́mos,
P pelo critério de comparação, que a série n |an xn | é
n
convergente, i.e., n an x é absolutamente convergente.

Teorema 5.5.5. Dada uma série de potências n an (x − a)n , existe R ≥ 0,


P
que pode ser +∞, dito raio de convergência da série, tal que:
5.5. SÉRIES DE TAYLOR 225

(a) a série é absolutamente convergente quando |x − a| < R, e


(b) a série é divergente quando |x − a| > R.
Demonstração. Substituindo (x − a) por x, podemos assumir que a = 0.
Consideremos então o conjunto A ⊂ R+ definido por
( )
X
+ n
A = r ∈ R : r = |x| e an x é convergente .
n

Observamos que:
• se A = ∅: é evidente que R = 0;
• se A 6= ∅: Dado x ∈ R, notamos que
(1) Se |x|P< sup A então existe r = |y| ∈ A talPque r > |x| e a
série n an y n converge. Segue-se que a série n an xn converge
absolutamente pelo lema 5.5.4. Por outras palavras, o raio de
convergência da série é pelo menos R = sup A.
(2) Se |x| > sup A (o que
P só é possı́vel se sup A < +∞) então |x| 6∈ A,
n
e portanto a série n an x diverge.

absolutamente
divergente convergente divergente

a−R a a+R

Figura 5.5.1: Intervalo de convergência de uma série de potências.

Ilustramos este resultado com alguns exemplos simples, onde o raio de con-
vergência pode ser sempre calculado com recurso ao critério da razão.
Exemplos 5.5.6.

X xn
1. No caso da série de potências , temos
n=1
n3n

|x|n+1 n3n n |x| |x|


n+1
· n
= · → .
(n + 1)3 |x| n+1 3 3
A série é absolutamente convergente quando |x|/3 < 1, ou seja, quando |x| < 3,
e diverge quando |x| > 3. Concluı́mos que o intervalo de convergência tem
extremos −3 e 3, e o raio de convergência é R = 3. A natureza da série nos
extremos do intervalo de convergência é fácil de determinar:
226 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

• Quando x = 3 a série reduz-se à série harmónica, que é divergente:


∞ ∞
X 3n X 1
n
=
n=1
n3 n=1
n

• Quando x = −3 a série reduz-se à série harmónica alternada, que é


simplesmente convergente:
∞ ∞
X (−3)n X (−1)n
n
=
n=1
n3 n=1
n

O domı́nio de convergência desta série é D = [−3, 3[. sendo a série absoluta-


mente convergente em ] − 3, 3[.

X xn
2. No caso da série de potências , temos
n=0
n!

|x|n+1 /(n + 1)! |x|n+1 n! |x|


= · = → 0.
|x|n /n! (n + 1)! |x|n n+1

A série é portanto absolutamente convergente para qualquer x ∈ R, ou seja,


o domı́nio de convergência é D = R e o raio de convergência é R = +∞.
Registe-se de passagem que, para qualquer x ∈ R, temos xn /n! → 0 quando
n → +∞.

X
3. No caso da série de potências n! xn , temos
n=0

(n + 1)!|x|n+1
= (n + 1)|x| → +∞ se x 6= 0.
n!|x|n

A série diverge para qualquer x 6= 0, o domı́nio de convergência reduz-se a


D = {0} e o raio de convergência é R = 0.

X (x − 3)n
4. No caso da série de potências , temos
n=1
n2
2
|x − 3|n+1 /(n + 1)2 |x − 3|n+1 n2

n
= · = |x − 3| → |x − 3|.
|x − 3|n /n2 (n + 1)2 |x − 3|n n+1

A série de potências é absolutamente convergente quando |x − 3| < 1 e o seu


domı́nio de convergência é um intervalo com extremos 3 ± 1 = 2 e 4. Em
particular, o raio de convergência é R = 1. Neste caso, a série é também
absolutamente convergente nos extremos 2 e 4, porque
∞ ∞ ∞ ∞
X (4 − 3)n X 1 X (2 − 3)n X (−1)n
= e = ,
n=1
n2 n=1
n2 n=1 n2 n=1
n2

e estas séries são absolutamente convergentes, como sabemos. O domı́nio de


convergência (sempre absoluta) desta série é D = [2, 4].
5.5. SÉRIES DE TAYLOR 227

Registe-se que o teorema 5.5.5 não inclui quaisquer conclusões sobre a na-
tureza da série quando |x − a| = R, i.e., quando x = a ± R. Os exemplos
5.5.6 ilustram diversas possibilidades, mas na realidade a natureza da série
de potências nos pontos x = a ± R é inteiramente arbitrária.
É claro que qualquer série de potências ∞ n
P
n=0 an (x − a) com um raio
de convergência R > 0 determina uma função f : D → R, onde D é um dos
intervalos com extremos a − R e a + R:

X
(5.5.2) f (x) := a0 +a1 (x−a)+a2 (x−a)2 +· · · = an (x−a)n , (x ∈ D).
n=0

As funções definidas por séries de potências têm, como veremos, proprieda-


des bastante especiais, e é especialmente relevante estabelecer a sua diferen-
ciabilidade, continuidade e integrabilidade. Estas são no entanto questões
tecnicamente mais sofisticadas, e omitiremos alguns dos detalhes necessários
ao seu completo esclarecimento. Começamos por introduzir duas séries ob-
tidas de 5.5.2 por um processo, por enquanto inteiramente formal, i.e., sem
qualquer suporte teórico, de diferenciação no caso de 5.5.3 e de primitivação
no caso de 5.5.4.

X ∞
X
n−1
(5.5.3) a1 + 2a2 (x − a) + · · · = nan (x − a) = (n + 1)an+1 (x − a)n ,
n=1 n=0

∞ ∞
a1 X an X an−1
(5.5.4) a0 x + (x − a)2 + · · · = (x − a)n+1 = (x − a)n .
2 n=0
n + 1 n=1
n

É algo surpreendente reconhecer que, apesar de termos an /n < an < nan


para n > 1, é sempre verdade que

Lema 5.5.7. As seguintes séries têm o mesmo raio de convergência:


X X X an
(1) nan xn , (2) an xn e (3) xn
n n n
n

Demonstração. Sendo Rk o raio de convergência da série (k), notamos como


óbvio que R1 ≤ R2 ≤ R3 . É claro que R1 = R2 quando R2 = 0, e supomos
agora que R2 > 0 e |x| < R2 . Existe y tal que |x| < |y| < R2 e, como

n
n → 1 quando n → ∞, temos para n suficientemente grande que
√ n
|n an xn | = |an | x n n ≤ |an y n | .

Segue-se do usual critério de comparação que a série (1) é absolutamente


convergente quando |x| < R2 e portanto R1 ≥ R2 . Concluı́mos que R1 = R2 ,
e deve ser evidente que R2 = R3 .
228 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

As séries do lema anterior não são exactamente as séries em 5.5.3 e 5.5.4,


mas é um exercı́cio fácil verificar que têm exactamente o mesmo raio de
convergência. O resultado seguinte é bastante mais difı́cil de estabelecer, e
omitimos para já a sua demonstração, que faremos mais adiante com recurso
à noção de convergência uniforme de uma sucessão de funções.

Teorema 5.5.8. Seja f (x) = ∞ n


P
n=0 an (x − a) uma série de potências com
raio de convergência R, D o respectivo intervalo de convergência (que tem
extremos a − R e a + R), e I =]a − R, a + R[. Temos então

(a) f é contı́nua em D(4 ),



X an
(b) F (x) = (x − a)n+1 é a primitiva de f em I com F (a) = 0.
n=0
n + 1

O seguinte corolário é particularmente útil

Corolário 5.5.9. Seja f (x) = ∞ n


P
n=0 an (x − a) uma série de potências com
raio de convergência R e I =]a−R, a+R[. Temos então que f é diferenciável
em I, onde

X

f (x) = nan (x − a)n−1
n=1

Demonstração. Consideramos a série de potências



X
(1) g(x) = nan (x − a)n−1 ,
n=1

que tem raio de convergência R, de acordo com o lema 5.5.7. Aplicamos o


teorema 5.5.8 à série (1), para concluir que
∞ ∞
X (x − a)n X
G(x) = nan = an (x − a)n é uma primitiva de g.
n
n=1 n=1

Como f (x) = a0 + G(x), é evidente que f ′ (x) = G′ (x) = g(x).


Exemplos 5.5.10.
1. Sabemos do nosso estudo da série geométrica que

1 X
(1) = xn = 1 + x + x2 + x3 + · · · (I = D =] − 1, 1[).
1 − x n=0

Podemos usar esta série de potências para obter outras séries, sem grandes di-
ficuldades, como aludimos no inı́cio deste Capı́tulo, a propósito das identidades
5.1.8 a 5.1.13:
4
Quando o intervalo de convergência inclui algum dos seus extremos, a continuidade
de f nos extremos em questão é um caso particular do chamado Teorema de Abel.
5.5. SÉRIES DE TAYLOR 229

2. Substituindo x por −x em (1), obtemos


∞ ∞
1 X X
(2) = (−x)n = (−1)n xn (I = D =] − 1, 1[)
1 + x n=0 n=0

3. Substituindo x por x − 1 em (2), obtemos



1 X
(3) = (−1)n (x − 1)n (I = D =]0, 2[)
x n=0

4. Substituindo x por x2 em (2), obtemos



1 X
(4) = (−1)n x2n (I = D =] − 1, 1[)
1 + x2 n=0

5. Diferenciando (2), obtemos



1 X
(5) − = (−1)n nxn−1 (I = D =] − 1, 1[)
(1 + x)2 n=1

6. Primitivando (2), e observando que as duas primitivas abaixo se anulam em


x = 0, temos
∞ ∞
X (−1)n n+1 X (−1)n−1 n
(6) log(1 + x) = x = x
n=0
n+1 n=1
n

É interessante observar neste exemplo que, sendo naturalmente o raio de con-


vergência R = 1, de acordo com o teorema 5.5.8, o intervalo de convergência é
agora ] − 1, 1], porque a série de potências em x = 1 se reduz à série harmónica
alternada, que é simplesmente convergente. Portanto, e usando o teorema
5.5.8, podemos calcular a soma da série harmónica alternada:

X (−1)n−1
(6 a) = log(2)
n=1
n

7. Primitivando (4), e como mais uma vez as duas primitivas abaixo se anulam
em x = 0, temos

X (−1)n 2n+1
(7) arctan x = x
n=0
2n + 1
Tal como no exemplo anterior, a série é agora simplesmente convergente em
x = 1 pelo critério de Leibniz das séries alternadas, ou seja, temos I =] − 1, 1[
e D =] − 1, 1]. Observamos igualmente que

X (−1)n π
(7 a) = arctan(1) = ,
n=0
2n + 1 4

que é a série de Gregory referida em 5.1.13.


230 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

8. A utilização astuciosa do teorema 5.5.8 e do corolário 5.5.9 permite obter


muitas outras séries de potências. A tı́tulo de ilustração, consideramos a função
r
1+x 1
f (x) = log = (log(1 + x) − log(1 − x))
1−x 2
Temos então, usando (1) e (2),
∞ ∞ ∞
  !
1 1 1 1 X X X
f ′ (x) = + = n n
(−1) x + n
x = x2n
2 1+x 1−x 2 n=0 n=0 n=0

Como f (0) = 0, concluı́mos que


r ∞
1+x X 1
f (x) = log = x2n+1 , para |x| < 1
1 − x n=0 2n + 1

9. Podemos igualmente somar séries numéricas como as que vimos em (6 a) e


(7 a). Usando a série em (6) com x = −1/2, obtemos
∞ ∞
X (−1)n−1 (−1)n X 1
− log(1/2) = log 2 = − n
=
n=1
n 2 n=1
n2n

Um momento de reflexão mostra que o corolário 5.5.9 se pode aplicar su-


cessivamente, e revela que qualquer função dada por uma série de potências
tem derivadas de qualquer ordem:
Corolário 5.5.11. Seja f (x) = ∞ n
P
n=0 an (x − a) uma série de potências
com raio de convergência R, I =]a − R, a + R[ e k ∈ N. Temos então que a
derivada f (k) existe em I, onde

X (n + k)!
(1) f (k) (x) = an+k (x − a)n .
n!
n=0

f (n) (a)
A série (1) tem raio de convergência R e an = , i.e.,
n!

X f (n) (a)
f (x) = (x − a)n
n!
n=0

Demonstração. Basta-nos proceder por indução em k, desde o caso inicial


óbvio k = 0:
∞ ∞
X (n + 0)! X
an+0 (x − a)n = an (x − a)n = f (x) = f (0) (x)
n=0
n! n=0

Supondo a afirmação verdadeira para k, aplicamos o corolário 5.5.9 para


concluir que
∞ ∞
X (n + k)! X (n + k)!
f (k+1) (x) = nan+k (x − a)n−1 = an+k (x − a)n−1 ,
n=1
n! n=1
(n − 1)!
5.5. SÉRIES DE TAYLOR 231

onde a série à direita tem raio de convergência R. Na última série, tomamos


m = n − 1, donde n + k = m + k + 1, para obter
∞ ∞
X (n + k)! X (m + k + 1)!
an+k (x − a)n−1 = am+k+1 (x − a)m , i.e.,
n=1
(n − 1)! m=0
m!

X (n + k + 1)!
f (k+1) (x) = an+k+1 (x − a)n
n=0
n!
Aplicando (1) em x = a, a série reduz-se ao termo com n = 0, e obtemos
f (k) (a)
f (k)(a) = k! · ak =⇒ ak =
k!

Repare-se em particular que as somas parciais de uma série de potências


são da forma
n
X f (k) (a)
Sn (x) = pn (x) = (x − a)k ,
k!
k=0

ou seja, são sempre polinómios de Taylor (5 ). Por esta razão, as séries de


potências dizem-se igualmente séries de Taylor.
Dada uma qualquer função f definida numa vizinhança Vε (a), e desde
que f tenha derivadas de qualquer ordem no ponto a, podemos introduzir
Definição 5.5.12 (Série de Taylor de f em a). Se f : D → R é uma função
com derivada de qualquer ordem n em a ∈ D. A série de Taylor de f
em a é a série de potências

X f (n) (a)
(x − a)n .
n!
n=0

Também usamos a expressão série de Maclaurin quando a = 0.


Exemplos 5.5.13.
1. Se f (x) = ex , então f (n) (x) = ex para qualquer n ≥ 0 e f (n) (0) = 1. A série
de Maclaurin da exponencial é portanto:

X xn
n=0
n!

2. Se f (x) = sen x, as derivadas f (n) (x) formam a sucessão sen x, cos x, − sen x,
− cos x, sen x, · · · . A sucessão f (n) (x) é assim 0, 1, 0, −1, 0, · · · e a série de
Maclaurin, que só tem termos ı́mpares, é
∞ ∞
X (−1)n−1 2n−1 X (−1)n 2n+1
x = x
n=1
(2n − 1)! n=0
(2n + 1)!
5
Recorde a definição 3.7.4.
232 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

3. De forma inteiramente análoga, a série de Maclaurin de cos x é



X (−1)n 2n
x
n=0
(2n)!

Vimos já que a série em (1) é absolutamente convergente para qualquer x ∈ R,e
segue-se por comparação que as séries (2) e (3) são também absolutamente
convergentes, mas claro que ainda não estabelecemos que a respectiva soma é
a função original.

Na realidade, a identidade referida em 5.5.11, ou seja,



X f (n) (a)
f (x) = (x − a)n ,
n=0
n!

pode falhar para x 6= a tanto porque a série converge para uma soma que é
diferente de f (x), como porque a série é divergente, apesar de não ser par-
ticularmente simples ilustrar esta última situação com exemplos especı́ficos.
Exemplos 5.5.14.
1. Recorde-se a função do exemplo 3.7.8, cujo gráfico está esboçado na figura
3.7.4. A função é dada por
( 1
e− x2 , se x 6= 0
f (x) =
0, se x = 0

e vimos que tem derivadas de qualquer ordem em todos os pontos x ∈ R, mas


f (k) (0) = 0. Segue-se que a série de Maclaurin de f (i.e., a série de Taylor de
f em a = 0) é nula, e portanto converge em toda a parte para a função nula.
2. A série trigonométrica

X
e−n cos(n2 x)
n=1

é absolutamente convergente para qualquer x ∈ R, porque



X
|e−n cos(n2 x)| ≤ e−n e e−n é convergente (e.g., pelo critério da raı́z).
n=1

Ultrapassa um pouco o âmbito deste texto a verificação dos seguintes factos:(6 )


P∞
• A função dada por f (x) = n=1 e−n cos(n2 x) é de classe C ∞ em R, e
• A série de Maclaurin de f diverge para qualquer x 6= 0.
P∞
3. É igualmente verdade que a série n=1 n!xn , referida no exemplo 5.5.6.3, é a
série de Maclaurin de uma função f de classe C ∞ em R, e como vimos diverge
para qualquer x 6= 0, mas mais uma vez a definição de f é tecnicamente difı́cil.
6
Os exemplos (2) e (3) são apresentados e discutidos no clássico Counterexamples in
Analysis, de Gelbaum e Olmsted, de 1964, reeditado pela Dover em 2003.
5.5. SÉRIES DE TAYLOR 233

A questão da convergência da série de Taylor para a função que lhe está


associada, ou seja, a validade da igualdade em 5.5.11, pode ser estudada
com o teorema 3.7.6 (Fórmula de Taylor com resto de Lagrange) ou resul-
tados análogos. Recorde-se que, se a função f tem derivada de ordem n
numa vizinhança Vε (a), então existe para qualquer x ∈ Vε (a) um “ponto
intermédio” θ, i.e., tal que a < θ < x ou a > θ > x e
n−1
X f (k) (a) f (n) (θ)
f (x) = (x − a)k + (x − a)n .
k! n!
k=0

Conforme observámos no exemplo 5.5.6.2, temos sempre (x − a)n /n! → 0,


e portanto é relativamente fácil mostrar que a série de Taylor de algumas
funções usuais converge para a própria função em intervalos conveniente-
mente escolhidos.
Exemplos 5.5.15.
1. Para as funções trigonométricas sen e cos, as derivadas são limitadas em valor
absoluto e em toda a recta real por 1, e portanto temos
n−1

X f (k) (a) f (n) (θ) |x − a|n

k n
f (x) − (x − a) = (x − a) ≤ →0

k! n! n!
k=0

É portanto claro que para estas funções, como aliás para qualquer função com
todas as derivadas limitadas por uma mesma constante, temos

X f (k) (a)
f (x) = (x − a)k .
k!
k=0

2. A função exponencial e todas as suas derivadas são iguais. Supondo a, x < b,


temos θ < b e
n−1
X f (k) (a) f (n) (θ) (x − a)n
f (x) − (x − a)k = (x − a)n = f (θ)
k! n! n!
k=0

A exponencial é crescente, donde f (θ) < f (b) e


n−1

X f (k) (a) |x − a|n
k
0 ≤ f (x) − (x − a) ≤ f (b)

k! n!
k=0

n
Como f (b) |x−a|
n! → 0 quando n → ∞, segue-se que

X f (k) (a)
f (x) = (x − a)k para qualquer x < b.
k!
k=0

Finalmente, e dado que b é arbitrário, a identidade anterior é válida para


qualquer x ∈ R.
234 CAPÍTULO 5. SUCESSÕES E SÉRIES

3. O caso da função logaritmo é também interessante. É fácil calcular as deri-


vadas de f (x) = log x, que são dadas por
(n − 1)!
f (n) (x) = (−1)(n−1) , para qualquer n ∈ N
xn
A série de Taylor de log x em x = a é assim
∞ ∞ n
(−1)(n−1) (−1)(n−1) x − a
X X 
n
g(x) = log a + (x − a) = log a + .
n=1
nan n=1
n a

Um cálculo simples mostra que o raio de convergência desta série é R = a. Para


calcular a sua soma, e mostrar que g(x) = log x no seu domı́nio de convergência,
é mais simples determinar a derivada g ′ (x), que é uma série geométrica, logo
de soma conhecida:
∞ ∞  n−1

X (−1)(n−1) n−1 1 X a−x 1 1 1
g (x) = n
(x − a) = = a−x = x

n=1
a a n=1
a a 1− a

Como f ′ (x) = g ′ (x) para |x − a| < a e f (a) = g(a) = log a, concluı́mos que
g(x) = log x no seu intervalo de convergência, que é na realidade ]0, 2a].

Em muitos casos, o cálculo de séries de Taylor e do respectivo raio de


convergência não deve ser feito a partir da definição 5.5.12, mas sim a partir
de outras séries já conhecidas.
Exemplos 5.5.16.
x
1. Para calcular a série de Taylor de cosh x = e +e
−x

2 recordamos que as seguin-


tes expansões são válidas para qualquer x ∈ R:
∞ ∞ ∞
X xn −x X (−x)n X xn
ex = ,e = = (−1)n
n=0
n! n=0
n! n=0
n!

Temos portanto, para qualquer x ∈ R,


∞ ∞ ∞ ∞
!
1 X xn X xn X 1 + (−1)n xn X x2n
cosh x = + (−1)n = =
2 n=0
n! n=0 n! n=0
2 n! n=0
(2n)!

2
2. Para calcular a série de Taylor de uma função como f (x) = e−x , deve
simplesmente proceder-se por substituição na série conhecida da exponencial:
∞ n ∞
−x2
X −x2 X (−1)n 2n
e = = x
n=0
n! n=0
n!

sen x
3. O cálculo da série de Taylor de f (x) = x é também uma simples mani-
pulação algébrica:
∞ ∞
sen x 1 X (−1)n 2n+1 X (−1)n 2n
= x = x
x x n=0 (2n + 1)! n=0
(2n + 1)!

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