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Setembro de 2007
Resumo
Neste trabalho apresentamos algumas propriedades básicas das curvas algébricas
afins como por exemplo, a irredutibilidade, a decomposição em componentes irre-
dutı́veis, o grau da curva, entre outras. Também mostramos que é possı́vel estimar
o número de pontos de interseção de duas curvas algébricas sem componentes em
comum. Em essência o trabalho mostra aplicações da teoria de domı́nios euclidianos
e domı́nios de fatoração única.
1 Introdução
Seja f (x, y) ∈ R[x, y] e considere o seguinte subconjunto de R2 :
3. f (x, y) = x2 + y 2 − 1 =⇒ V (f ) é um cı́rculo.
4. f (x, y) = x2 + y 2 =⇒ V (f ) é um ponto.
Note que somente nos exemplos 1 , 2 e 3 é que faz sentido falar em curva, os outros
dois casos deixam de parecer tão estranhos quando passamos do plano real R2 para o
plano complexo C2 , que aqui chamaremos de plano afim. Nesse caso é natural permitir
que os coeficientes de f (x, y) sejam números complexos arbitrários.
Assim, considere agora f (x, y) ∈ C[x, y] e o seguinte subconjunto de C2 :
Observe que, se em 4 permitirmos que f ∈ C[x, y], então teremos a seguinte fatoração
x21 + y12 − 1 = 0,
3. D é um domı́nio principal.
Lema 2.3 (Lema de Gauss) Seja A um domı́nio de fatoração única e seja K ⊇ A seu
corpo de frações. Seja f ∈ A[x] um polinômio primitivo não constante.
1. Se f é redutı́vel em K[x], então também o é em A[x].
Observação 2.4 Veja que (C (x) [y] , ϕ), sendo ϕ a função grau, é um domı́nio euclidi-
ano. E que todo polinômio irredutı́vel é primitivo.
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Lema 2.5 (Lema de Study) Sejam f (x, y), g(x, y) ∈ C[x, y] polinômios não constantes
e suponha que f (x, y) é irredutı́vel. Então V (f ) ⊂ V (g) se e somente se f divide g em
C[x, y].
Como p(x) e fn (x) são não nulos, existe x0 ∈ C tal que p(x0 ) = 0 e fn (x0 ) = 0.
Observe que o polinômio f (x0 , y) ∈ C[y] é não constante. Como C é algebricamente
fechado, existe y0 ∈ C tal que f (x0 , y0 ) = 0. Como V (f ) ⊂ V (g), temos também que
g(x0 , y0 ) = 0. Pela fórmula acima segue que p(x0 ) = 0, contradizendo a escolha de x0 .
Observação 2.6 Um enunciado análogo nos números reais é obviamente falso, por exem-
plo para f = x2 + y 2 e g = x, temos V (f ) ⊂ V (g), mas f não divide g.
Este lema técnico é um precursor do Teorema dos Zeros de Hilbert (Hilbert Nullstel-
lensetz ), que em casos especiais de curvas, diz:
3 Componentes irredutı́veis
Das numerosas consequências do Lema de Study, a primeira que nós discutiremos é a
decomposição de uma curva algébrica em suas componentes. Já que anéis de polinômios
sobre corpos são domı́nios de fatoração única, cada f ∈ C[x, y] admite fatoração
f = f1k1 . · · · .frkr ,
onde os f são irredutı́veis e não são dois a dois associados. Esta fatoração é única a
menos de multiplicação por constante e da ordem em que os fi ocorrem.
Portanto V (f ) = V (f1 ) ∪ · · · ∪ V (fr ), em outras palavras, a curva definida por f
pode ser decomposta nas componentes V (f ) . As próximas definições e resultados darão
significado mais preciso às componentes.
Como vimos as componentes irredutı́veis de uma curva algébrica são unicamente de-
terminadas. Pelo Lema de Study, podemos também determinar os possı́veis fatores irre-
dutı́veis de um polinômio dado.
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Isto nos dá uma completa visão das possı́veis equações para C.
Definição 3.6 Por analogia com polinômios de uma variável, nós definimos f˜ = f1 . · · · .fr
como sendo o polinômio minimal da curva. Este é único, a menos da unidade
Agora vamos usar o polinômio minimal para definir o grau de uma curva algébrica:
ϕ : C −→ L ⊂ C2
,
t −→ (ϕ1 (t) , ϕ2 (t))
onde ϕi ∈ C [T ] são polinômios lineares.
Dada uma curva algébrica plana C = V (f ) ⊂ C2 , o nosso objetivo é encontrar uma
cota superior para o número de pontos de L ∩ C, isto é, uma cota para # (L ∩ C) . Para
isso vamos supor que f (x, y) ∈ C[x, y] é um polinômio de grau n e, L ⊂ C.
Para encontrar os pontos de L∩C, basta obter as raı́zes do polinômio em uma variável
complexa:
g(t) := f (ϕ1 (t) , ϕ2 (t)) ,
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Observação 4.1 Um resultado análogo a este nos números reais nos dá uma maneira
de mostrar que certos subconjuntos de R2 ou C2 não podem ser curvas algébricas, como
mostra o exemplo abaixo.
Exemplo 4.2 A senóide, a ciclóide e a hipociclóide com razão de raios irracional, são
exemplos de curvas que não são algébricas. Em cada caso existem retas que não estão
completamente contidas nas curvas, mas que intersectam-nas em infinitos pontos.
O limitante dado para # (L ∩ C) raramente é alcançado nos números reais, mas nos
números complexos ele é “quase sempre” obtido. Existem dois motivos possı́veis para
L ∩ C possuir menos de n pontos:
1. O grau de g(t) pode ser menor do que n.
2. O grau de g(t) pode ser n, mas g(t) pode ter raı́zes múltiplas.
O segundo problema pode ser resolvido contando os pontos de interseção com as suas
respectivas multiplicidades (que serão definidas abaixo), e o primeiro considerando-se os
pontos de interseção no infinito. Um exemplo simples disso é quando C é uma reta paralela
à L, neste caso haverá apenas o ponto de interseção no infinito.
Definição 4.3 Seja L ⊂ C2 uma reta com parametrização linear ϕ(t) = (ϕ1 (t) , ϕ2 (t)),
onde ϕi ∈ C [t] são polinômios lineares. Seja f (x, y) ∈ C[x, y] e suponha que L ⊂ C =
V (f ). Seja g(t) := f (ϕ(t)). Dado um ponto P = (x(t0 ), y(t0 )) ∈ L ∩ V (f ) (ou seja, t0 é
uma raiz de g(t)), definimos a multiplicidade de interseção de L e C = V (f ) em P como
sendo a multiplicidade de t0 como raiz de g(t).
Exemplo 4.4 Seja L ⊂ C2 uma reta passando pela origem cuja parametrização é dada
por
ϕ : C −→ L ⊂ C2
t −→ (αt, βt),
com α, β ∈ C, e (α, β) = (0, 0). Seja f ∈ C[x, y] dado por f (x, y) = y − x2 . Veja que
g(t) = f (ϕ(t)) = βt − α2 t2
g(t) = 0 ⇐⇒ βt = 0 ⇐⇒ t = 0,
ou seja, existe apenas 1 ponto de interseção entre L e V (f ). Note que nesse caso grau
g(t) < 2.
f (x) = a0 xn + a1 xn−1 + · · · + an , a0 = 0
g(x) = b0 xm + b1 xm−1 + · · · + bm , b0 = 0
dois polinômios em D[x] de grau ≥ 1. A resultante de f (x) e g(x), denotada por Rf,g , é
o elemento do domı́nio D dado pelo seguinte determinante:
a0 a1 . . . an−1 an
a . . . a a
0 n−1 n
.. .. ..
. . .
.
. .
. .
.
. . .
.. ..
. . a0
Rf,g = ..
b0 b1 . . . . . . . bm−1 bm
..
. ... . . . bm−1 bm
.
..
.
.. . . . . . .
b0 ... ... . . . . . . . . . bm
Veremos no próximo teorema que dados dois polinômios sempre é possı́vel calcular a
resultante deles e consequentemente, quando D for fatorial, é possı́vel determinar se eles
têm ou não um fator comum de grau ≥ 1.
Teorema 5.2 Seja D um domı́nio. Sejam
f (x) = a0 xn + a1 xn−1 + · · · + an , a0 = 0
g(x) = b0 xm + b1 xm−1 + · · · + bm , b0 = 0
dois polinômios em D[x] de grau ≥ 1. Então as seguintes condições são equivalentes:
1. Rf,g = 0.
2. Existem polinômios
(2 ⇒ 3) Sejam f1 (x), g1 (x) ∈ D[x] tais que f1 (x)g(x) = g1 (x)f (x). Sendo D[x] fato-
rial, todos os fatores irredutı́veis de de grau geq1 aparecem no produto f1 (x)g(x); nem
todos eles podem aparecer em f1 (x), pois, por hipótese temos grau f1 (x) < grau f (x);
assim pelo menos um dos fatores irredutı́veis de grau ≥ 1 de f (x) aparecem em g(x).
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Corolário 5.3 Sejam D e D dois domı́nios, D fatorial. Sejam f (x), g(x) ∈ D[x] de grau
≥ 1. Então, f (x) e g(x) Têm um fator em comum de grau ≥ 1 em D[x] se e somente se
eles têm um fator comum de grau ≥ 1 em D [x].
Proposição 5.4 Nas hipóteses de 5.2 têm-se que a resultante Rf,g é uma soma de termos
do tipo ±ai1 . . . aim bj1 . . . bjn com i1 + . . . + im + j1 + jn = nm.
A demonstração de 5.4 pode ser encontrada em [3], assim como outros resultados sobre
resultante. Vamos agora aplicar os resultados acima a polinômios em C[x, y] = C[y][x],
lembrando que C[y] é domı́nio euclidiano, e logo domı́nio fatorial.
Teorema 5.5 (Teorema de Bézout) Sejam f (x, y), g(x, y) ∈ C[x, y] e sejam V (f ) e
V (g) as curvas algébricas associadas de graus n, m ≥ 1. Se f (x, y) e g(x, y) não possuem
fator irredutı́vel em comum, então
1 = af + bg.
Logo: #(V (f )∩V (g)) = #{y ∈ C | f (x, y) e g(x, y) têm uma raiz em comum em C} ≤
#{y ∈ C | f (x, y) e g(x, y) têm um fator em comum em C[x]}.
Observe que por 5.2, se f (x, y) e g(x, y) têm um fator em comum em C[x], então
Rf,g (y) = 0. Assim, #{y ∈ C | f (x, y) e g(x, y) têm um fator em comum em C[x]} =
#{y ∈ C | Rf,g (y) = 0}.
Agora como Rf,g (y) é um polinômio de C[y], segue que #{y ∈ C | Rf,g (y) = 0} =
grau(Rf,g (y)), e finalmente, por 5.4, tem-se que grau(Rf,g (y)) ≤ nm, pois grau ai (y) ≤ i
e grau bj (y) ≤ j.
Portanto #(V (f ) ∩ V (g)) ≤ nm.
Observação 5.6 Na forma mais geral do Teorema de Bézout, temos a hipótese de que as
curvas V (f ) e V (g) não podem ter componentes irredutı́veis em comum. Já nessa versão
mais fraca, a hipótese era que f (x, y) e g(x, y) não possuem fator irredutı́vel em comum.
Essas condições são equivalentes, e é o que mostraremos a seguir.
Proposição 5.7 A condição de que f (x, y) e g(x, y) não têm fatores irredutı́veis em
comum é equivalente a condição de que V (f ) e V (g) não têm componentes irredutı́veis
em comum.
A versão mais geral deste resultado é dada considerando-se ao invés do plano afim
C o plano projetivo P2 (C). Nesse “novo plano” dá-se sentido aos pontos no infinito, e é
2
Referências
[1] Araújo, C., Introdução às curvas algébricas planas, Notas da Jornada de Iniciação
Cientı́fica, IMPA (2006)
[3] Garcia, A. & Lequain, Y., Álgebra um curso de introdução, IMPA (1988)
[4] Vainsencher, I., Introdução às curvas algébricas planas, Coleção Matemática Univer-
sitária, IMPA (2005).