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MÚSICA MODAL, MÚSICA TONAL, MÚSICA ATONAL II: O ATONALISMO

Sidney Molina

Muitas vezes as discussões sobre a música modal tradicional (Antiga, Medieval, Renascentista,
Oriental, Africana, Amazônica, etc.) ou sobre a tonalidade (campo harmônico, modo maior, modo menor,
Barroco, Classicismo, Romantismo) recusam a possibilidade de uma música não estar baseada em
uma "nota centro", esquecendo que o século XX desenvolveu intensamente o que é denominado
"atonalismo", isto é, uma certa ausência de tonalidade.

Na definição mais singela, a música atonal distingue-se tanto da modal quanto da tonal por não
configurar um centro, por não gravitar em torno de uma tônica. Trata-se de uma música que surge com
o levar às últimas conseqüências tanto as modulações quanto a ampliação do campo harmônico tonal.
Assim sendo, a música atonal surge da música tonal, é uma espécie de resultante da exploração das
relações tonais mais complexas e mais afastadas.

Desde o "Prelúdio" que o compositor Richard Wagner escreveu para o drama musical Tristão e
Isolda (1865) - uma lenda medieval que fala de amor e morte -, o caminho para a atonalidade estava
aberto, e a ampliação total do campo harmônico, a conexão entre tonalidades distantes no círculo das
quintas, o cromatismo e a emancipação gradual das dissonâncias foram alguns dos recursos técnicos
utilizados para deixar a tonalidade "suspensa".

Outros compositores - como Gustav Mahler (1864-1911), por exemplo - sustentaram essa indefinição
tonal em obras de grandes proporções, até que em 1908, no último movimento do Quarteto de
Cordas op.10, o compositor vienense Arnold Schoenberg (1874-1951) rompeu as amarras da
tonalidade.

Libertando-se do conceito clássico de centro tonal, a música de Schoenberg, nesse momento, estava
dando um passo análogo ao que - no final do século XVI - fizera com que a tonalidade nascesse,
rompendo com o milenar sistema dos modos eclesiásticos. A música poderia não ter uma tônica.

Passados mais de dez anos a liberdade do novo "atonalismo" foi organizada na forma de um sistema
composicional: Schoenberg e seus alunos Alban Berg e Anton Webern passaram a compor obras
atonais que são denominadas "dodecafônicas".

O dodecafonismo é um sistema que constrói melodias e acordes usando uma série de 12 sons - todos
os 12 sons da gama cromática organizados numa certa ordem que o compositor escolhe - onde um som
só é repetido depois que os outros 11 sejam apresentados. Essa "democracia" entre os 12 sons faz com
que o ouvido não possa atribuir um peso maior a um certo som, afastando a idéia de centro tonal.
Assim, uma música poderia ser necessariamente atonal, já que nenhum som, nesse sistema, assume
claramente o papel de tônica. A primeira peça escrita por Schoenberg dentro do dodecafonismo foi a
última das Cinco Peças para Piano op. 23 (1921). Uma valsa: estranha, mas ainda uma valsa.

Schoenberg teve que fugir da perseguição nazista, indo viver em Los Angeles, onde passou os últimos
18 anos de vida. Mesmo quando voltava, esporadicamente, a compor de forma tonal, a influência do
atonalismo e do dodecafonismo na música que ele continuou a escrever ao longo de sua vida foi
sempre forte.

Ao contrário do que poderíamos imaginar, Schoenberg não se considerava um inovador, mas o


continuador de uma tradição. A música que ele mesmo escrevia era baseada num estudo aprofundado
que fizera da obra dos mestres do passado, como Bach, Mozart, Beethoven, Wagner, Brahms e Mahler,
seus favoritos. Schoenberg foi um grande professor de música, tendo escrito obras didáticas de grande
valor pedagógico, incluindo um dos mais importantes livros de harmonia tradicional de todos os tempos.
Caso único na história da música, seus alunos tornaram-se - já citamos os exemplos de Berg e Webern
- músicos tão importantes quanto ele próprio para a música de seu tempo.

Schoenberg nunca gostou da expressão "atonal", com a qual ele é identificado. Disse ele que "o atonal
seria algo que não tivesse nada com a natureza do som. Tudo o que procede de uma sucessão de
sons, seja por relação direta com uma tonalidade ou mediante nexos mais complexos, constitui a
tonalidade. Uma peça musical será sempre tonal, pelo menos enquanto haja uma relação de sons que
seja inteligível". Escritas em 1921 em forma de uma nota de rodapé à terceira edição de seu Tratado de
Harmonia(página 484 da edição espanhola), não são palavras de alguém que estaria buscando a mera
inovação, o novo pelo novo.

A influência do atonalismo sobre a vanguarda da música erudita foi enorme, durante mais de cinqüenta
anos. Muitos compositores utilizaram os procedimentos dodecafônicos para compor. Alguns levaram o
serialismo ainda mais longe, não fazendo apenas séries de notas ou alturas, mas também de valores
rítmicos, de dinâmica, de timbres...

Tanto quanto no caso do modalismo e do tonalismo, muitas músicas atonais interessantes - tanto
quanto muitas sem interesse - foram compostas ao longo desse tempo. Embora a influência das
sonoridades atonais sobre a música popular não tenha sido tão avassaladora quanto a que foi exercida
sobre a música erudita, ela não pode ser desprezada: no jazz, podemos citar as improvisações coletivas
de Ornette Coleman nos anos sessenta (no chamado free jazz), o piano inesquecível de Cecil Taylor e
as fases finais de John Coltrane, entre outros exemplos; no pop, não podemos esquecer Frank Zappa,
que - aliás - dominava com perfeição as técnicas seriais de composição; e, na música popular brasileira,
temos de mencionar o criativo rock dodecafônico do Arrigo Barnabé dos discos Clara
Crocodilo e Tubarões Voadores.

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Reprodução permitida desde que citada a fonte e o autor
MÚSICA ATONAL E O DODECAFONISMO
Guilherme Santin

Introdução
Neste artigo pretendo expor a música atonal como importante parte para a
música erudita e para o pensamento sobre o que é música, assim também
como apresentarei um de seus principais métodos de composição: o
dodecafonismo.
Pretendo que a partir da leitura deste artigo, o eventual compositor que
chegar até a este texto, talvez por curiosidade, querendo saber o que é a
música atonal, desperte seu interesse o suficiente para “experimentar” a
atonalidade e sua maravilhosa “liberdade” de composição.
Prossigamos então para uma breve introdução à música atonal e sua
história.

1. A música atonal
A música, desde a idade média até o final do século XIX, era predominantemente composta dentro do sistema tonal.
Porém, em 1865, Wagner compõe a ópera “Tristão e Isolda”, a qual possui a duração de cerca de três horas, e seu
prelúdio apresenta a peculiaridade para sua época de nunca definir a tonalidade, criando assim a primeira grande
manifestação do atonalismo. A partir desta ópera, surgem diversas discussões acerca o sistema tonal, sendo que
alguns chegam a afirmar que o sistema tonal havia se esgotado, cedendo espaço para o que vem a ser conhecido
como atonalismo.
Para melhor entendermos o que é a música atonal, destacarei algumas diferenças em relação à música modal.
Primeiramente, o que observamos na música atonal, em contrapartida à música modal é a total ausência de uma
nota central, que na música modal determina a possibilidade de seqüência de notas que a seguem na música (esta
seqüência diferencia-se dentro dos variados estilos de composição, porém sempre é seguido a “regra” de
composição tonal). Esta ausência de nota central, pode nos causar um certo sentimento de “confusão” e
“aleatoriedade” nas primeiras audições de músicas atonais, devido a nossa tendência de entender a música dentro
do sistema modal e tonal. Da ausência de uma nota central, também segue a ausência de tonalidade e modos, ou
seja, na música atonal não existe algo como um acorde maior ou menor, e tampouco escalas ou modos como
dórico, frígio etc. A música atonal é considerada por alguns críticos como o tonalismo levado ao extremo. O certo é
que a música atonal trouxe para a música uma “liberdade” jamais experienciada antes.
Porém, essa liberdade da música atonal talvez fosse por demais confusa. Como compor uma música sem qualquer
nota central e sem qualquer regra? Questionando-se desta maneira, Arnold Schoenberg foi o primeiro compositor a
dar uma resposta.

2. Arnold Schoenberg e o dodecafonismo


Schoenberg já era familiar à composição de músicas atonais quando resolveu desenvolver um método de
composição para tal tipo de música. Juntamente com dois alunos seus, Alban Berg e Anton Werber, passou a
compor obras atonais que são conhecidas como dodecafônicas. O método dodecafônico de composição sugere a
utilização dos doze notas conhecidas pela música ocidental de uma maneira organizada de tal forma que um som
apenas venha a ser repetido apenas após a execução de todos os outros onze sons. Exemplificando, a nota Dó
apenas será repetida após a execução de todas as outras notas. É notável que, desta maneira, não atribuímos à
nenhuma nota o valor de “central”, sendo desta maneira, uma espécie de “democracia” musical.
A partir do dodecafonismo, surge um estudo aprofundado de método de composição para música atonal, chegando
a ser tão complexo quanto (se não mais) que os métodos de composição de música tonal. Um dos métodos é a
“matriz 12×12”. Imaginemos uma linha horizontal onde podemos ver as 12 notas. Agora, imaginemos que desta
linha horizontal, de cada uma das doze notas origine uma linha vertical que nos demonstre também as doze notas
(tomando o cuidado para que nenhuma nota repita em nenhuma das linhas). Teremos então o total de 48 séries
dodecafônicas, levando em conta que podemos ler tanto da esquerda para a direita quanto da direita para a
esquerda, de cima para baixo e de baixo para cima. Podemos organizar estas séries da maneira como quisermos, e
variando a intensidade com o qual são tocadas, suas alturas, seus respectivos tempos, temos então um método de
composição virtualmente infinito.

3. Atonalidade e a música popular


A atonalidade não atingiu a música popular com o grande furor que causou na música erudita. Porém, podemos
perceber a influência em grandes compositores do século XX em diversas áreas da música. No Jazz e no Fusion,
temos compositores como Miles Davis, Ornette Coleman e John Coltrane em sua última fase. No Rock, o principal
expoente é Frank Zappa. No Brasil, temos músicos como Arrigo Barnabé nos discos Clara Crocodilo e Tubarões
Voadores. Também temos o músico Wilson Gomes, que compõe músicas dentro de estilos como blues e jazz
utilizando o método dodecafônico.

Conclusão
A música atonal teve importante papel na história da música erudita. Fez-nos questionar o que é a música, e qual a
importância da tonalidade para a música. Fez-nos acreditar que a música pode ser feita sim sem uma nota central.
O método dodecafônico foi criado para melhor organizar a música atonal.
Apesar da “pouca” (não acredito que tenha sido pouca, mas aqui escrevo em relação à música erudita) influência
que a música atonal teve na música popular, acredito que a potencialidade da música atonal ainda está no ar, à
espera de músicos corajosos o suficiente para “experimentar” a atonalidade na música popular. Já temos vários
exemplos de que música popular atonal de qualidade pode ser feita, inclusive utilizando-se do método dodecafônico.
O que nos falta talvez seja um pouco de coragem de “inovar”.

Referências bibliográficas

MOLINA, Sidney. Música Modal, Música Tonal, Música Atonal I.


http://www.cmozart.com.br/Artigo8.php
MOLINA, Sidney. Música Modal, Música Tonal, Música Atonal II: O Atonalismo.
http://www.cmozart.com.br/Artigo9.php
FERNANDES, Paulo I. B. Theodor Adorno, Arnold Schönberg e a música dodecafônica.
http://www.demac.ufu.br/semanadamusica/Textos/Texto07.pdf.
KOZU, Fernando. Schoenberg e o dodecafonismo.
http://fkoozu.multiply.com/journal/item/25/Schoenberg_e_o_Dodecafonismo

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