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AVALIAÇÃO DE LEVEDURAS COMO BIOCATALISADORES DA

DESCOLORAÇÃO AERÓBIA DE CORANTES ORGÂNICOS


SINTÉTICOS

R. CURSINO1, I. M. de MANCILHA2 e J. D. RIVALDI1,3


1
Universidade de São Paulo, Escola de Engenharia de Lorena, Departamento de Ciências Básicas e
Ambientais
2
Universidade de São Paulo, Escola de Engenharia de Lorena, Departamento de Biotecnologia
3
Faculdades Integradas Teresa D’Ávila - FATEA
E-mail para contato: danielrivaldi@usp.br

RESUMO – Os corantes sintéticos representam uma pequena fração dos compostos


orgânicos presentes em efluentes industriais e águas superficiais. No entanto, a
toxicidade destes compostos pode afetar ecossistemas aquáticos e representar risco à
saúde pública. A ocorrência destes contaminantes em águas estimula a busca de novas
tecnologias que visam sua degradação por micro-organismos. A remoção destes
compostos vêm sendo estudada principalmente em bactérias, sendo escassas as pesquisas
com leveduras. Neste trabalho, sete estirpes de leveduras ascomicetos foram avaliadas
quanto à capacidade de remoção do corante azóico Reactive Blue 222. Os cultivos foram
conduzidos em frascos Erlenmeyer de 125 mL contendo 50 mL de meio básico e
concentrações variáveis de corante (100 e 300 mg/L) a pH 5,5 e incubados a 30 °C por
72 h sob agitação de 200 rpm. A análise comparativa da porcentagem de remoção de cor,
obtido por espectrofotometria revelou que todas as linhagens de leveduras estudadas
apresentam capacidade de remover entre 54 e 100% do corante orgânico sintético após
24 h de cultivo.

1. INTRODUÇÃO
Os corantes orgânicos sintéticos vêm sendo utilizados de forma intensiva em indústrias de
papel, têxtis, cosméticos, alimentos e farmacêuticas, devido a sua facilidade de manejo, baixo custo,
efetividade, estabilidade e variedade de cores. Os efluentes derivados de estas indústrias apresentam
alta demanda química de oxigênio (DQO), sólidos em suspensão e compostos tóxicos derivados da
alta carga de corantes, que por sua vez podem reduzir a penetração de luz e afetar a atividade
fotossintética dos organismos aquáticos em cursos hídricos (Tan et al., 2013).

Entre os corantes sintéticos mais utilizados se encontram os corantes azóicos, caracterizados


pela presença de ligações simples ou duplas do tipo −N=N− a grupos fenilo ou grupos naftaleno
substituídos. Estes compostos são considerados recalcitrantes à biodegradação em unidades de
tratamento de efluentes convencionais (Stolz, 2001). A efetividade de bactérias, fungos e algas na
biodegradação e bioadsorção de grande número de corantes vêm sendo estudado por numerosos
grupos de pesquisa (Saratale et al., 2011). Entretanto, poucos estudos vêm sendo desenvolvidos
visando a redução de corantes por leveduras.

O uso de leveduras no processo de descoloração e biodegradação de efluentes contendo azo


corantes apresenta várias vantagens incluindo, baixo custo de produção de biomassa, crescimento
rápido comparável com bactérias, apresentam habilidade para resistir ambientes com pH baixo e
alta concentração de compostos tóxicos, entre outras (Tan et al., 2013). A descoloração de
corantes por leveduras geralmente ocorre por mecanismos de bioadsorção, bioacumulação ou
biodegradação. A bioadsorção se baseia na retenção de átomos, moléculas ou íons na parede
celular, através de interações de natureza química ou física, não envolvendo energia metabólica
ou transporte do poluente ao interior da célula. Este processo pode ocorrer em células vivas ou
mortas, sendo o corante retido nas moléculas de peptidomanana, peptidoglucano, proteínas,
lipídeos ou aminoácidos da parede celular (Das e Charumathi, 2012).

Por outro lado, a bioacumulação consiste no acúmulo de corantes no interior das células
vivas mediante mecanismos de adsorção e acúmulo metabólico, que por sua vez requer de fontes
de carbono e nitrogênio de fácil assimilação, sendo possível o uso de subprodutos ou resíduos
como substrato (Stolz, 2001; Das e Charumathi, 2012). O processo de biodegradação de corantes
consiste na ruptura do composto poluente em vários subprodutos através da ação de exoenzimas
como lacase, manganês peroxidase e azoreductase. Neste processo, os corantes podem ser
utilizados como fontes de carbono e energia para a célula, ou como fonte de nitrogênio. Os
processos de bioadsorção, bioacumulação e biodegradação podem ocorrer de forma simultânea
em leveduras vivas, sendo a cor da biomassa o indicador do mecanismo envolvido na remoção do
corante. Desta forma, a biomassa celular sem cor sugere que o mecanismo principal é da
biodegradação, enquanto que células coloreadas indicam remoção por processos de bioadsorção
e/ou bioacumulação (Das e Charumathi, 2012, Nascimento et al., 2012).

A ocorrência de corantes azóicos em águas superficiais estimula a busca de novas


tecnologias que visam sua degradação por micro-organismos. Desta forma, o objetivo deste
trabalho foi avaliar a capacidade de sete estirpes de leveduras como agentes de descoloração
aeróbia do corante azóico Reactive Blue 222.

2. METODOLOGIA

2.1 Reagentes
O corante azóico sintético Reactive Blue 222, contendo dupla ligação azo (CAS: 93051-
44-6) foi gentilmente fornecido pela empresa Aupicor Química (Pomedore, Santa Catarina,
Brasil).
2.2 Leveduras
Sete estirpes de leveduras, Pichia kluyveri, Pichia fermentans D, Pichia fermentans M,
Saccharomyces cerevisiae T, Saccharomyces cerevisiae V, Candida batistae E e Kluyveromyces
marxianus UFV-3, foram avaliadas quanto a sua capacidade de descolorar o corante azoico
Reactive Blue 222. As estirpes foram mantidas a 4 oC e repicadas periodicamente em tubos
contendo agar inclinado de composição: glicose (20 g/L), extrato de levedura (5 g/L), peptona
(10 g/L) e agar (18 g/L). O inóculo foi obtido por cultivo independente de células em frascos
Erlenmeyer de 250 mL contendo 100 mL de meio composto de glicose (20 g/L), extrato de
levedura (5 g/L); peptona (10 g/L) e incubação 30 oC por 24 h sobre agitação orbital de 200 rpm.

2.4 Biodescoloração
A capacidade de remoção do corante em estudo pelas leveduras foi previamente avaliada
em placas de Petri contendo meio composto por: glicose; 10 g/L, K2HPO4; 1,0 g/L,
MgSO4.7H2O; 0,5 g/L, (NH4)2SO4; 1,0 g/L, extrato de levedura, 0,5 g/L, agar; 18 g/L, e corante
sintético Reactive Blue 222; 100 mg/L. A formação de um halo claro em volta da colônia foi
considerada como indicativo da capacidade de bioremoção do corante sintético. O crescimento e
a formação do halo de descoloração foram acompanhados diariamente por um período máximo
de 3 dias. Os cultivos para verificação do efeito de descoloração em meio líquido foram
conduzidos de forma independente em frascos Erlenmeyer de 125 mL contendo 50 mL do
referido meio e corante Reactive Blue 222 em concentrações de 100 mg/L e 300 mg/L a pH 5,5.
Os frascos foram inoculados com 0,1 g/L de células e incubados à temperatura de 30 oC por
período de 72 h sob agitação orbital de 200 rpm. Amostras de 10 mL foram obtidas a intervalos
de 24 h e centrifugadas a 2500 x g por 10 min, sendo o pellet utilizado para a determinação da
concentração celular e o sobrenadante para a determinação da porcentagem de descoloração, pH,
e concentração de glicose.

2.5 Métodos analíticos


A concentração de glicose foi determinada pelo método de ácido 3,5 dinitrosalicílico
(DNS) e posterior leitura em 540nm e comparação com uma curva padrão (Miller, 1959). O
crescimento celular foi acompanhado por espectrofotometria a 600 nm. A concentração de
células em g/L foi calculada a partir de uma curva de calibração que correlaciona a absorbância a
600 nm e a massa seca das células obtidas em cada tempo de fermentação para cada
microrganismo estudado.

A cor do Reactive Blue 222 no sobrenadante foi monitorado por meio da medida
absorbância máxima (λmax= 620 nm, determinada por varredura entre 300 e 700 nm) em
espectrofotômetro UV-Visível, utilizando cuvetas de quarzo de 1-cm. A taxa de descoloração foi
calculada utilizando a seguinte equação (Tan et al., 2013) - Descoloração (%) = (A0 – At) /A0 x
100. Onde A0 e At representam a leitura de absorbância inicial e absorbância nos diferentes
tempos avaliados, respectivamente. O pH e % de descoloração foram determinados de forma
imediata após amostragem para evitar mudanças devido à produção de CO2.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Figura 1 mostra a formação de zona clara em volta das colônias de leveduras em placas
contendo 100 mg/L de corante. Todas as leveduras estudadas promoveram a descoloração do
corante azóico Reactive Blue 222 apôs 24 h de cultivo em meio sólido. As colônias formadas
por células de P. kluyveri, S. cerevisiae T e S. cerevisiae V mostraram cor azul intensa apôs 48 h
de cultivo, indicando processos de bioadsorção e bioacumulação do corante. As estirpes P.
fermentans D e P. fermentans M mostraram colônias com cor azul de menor intensidade
comparadas com as anteriores.

Controle P. kluyveri P. fermentans D K.marxianus UFV-3

P.fermentans M C. batistae E S. cerevisiae T S. cerevisiae V

Figura 1- Crescimento de leveduras em meio contendo corante Reactive Blue 222

A porcentagem de descoloração, perfil de concentração celular e consumo de glicose em


meio líquido para 100 mg/L e 300 mg/L de corante são apresentados na Figura 2. Observa-se
que cepas de leveduras avaliadas promoveram redução da cor superior ao 97% após 24 h de
cultivo em meio líquido contendo 100 mg/L de corante, sendo observado total descoloração após
48 h (Figura 2A). Verifica-se ainda que a eficiência de descoloração diminuiu com o aumento da
concentração inicial de corante. No meio contendo 300 mg/L de corante (Figura 2B), a
descoloração foi inferior a 93% para o mesmo período de experimentação (24 h), sendo a menor
redução de cor (54%) promovida pela levedura S. cerevisiae T (Tabela 1). Esta redução da
eficiência poderia estar associada à toxicidade de concentrações de corantes maiores que 100
mg/L ou à formação de compostos intermediários que reduzem a velocidade de descoloração
(Tan et al., 2013). A Figura 3 apresenta o aspecto do sobrenadante após 24 h de cultivo na
máxima concentração de corante.
100 100 B
A
95 95

90 90

85 85
Descoloraçao (%)

Descoloraçao (%)
80 80
P.kluyveri
75 75 P.kluyveri
P.fermentansD
P.fermentansD
70 K.marxianus 70 K. marxianus UFV3
P.fermentansM
P.fermentansM
65 C.batistae 65
C.batistaeE
S.cerevisiaeT
60 60 S.cerevisiaeT
S.cerevisiaeV
S.cerevisiaeV
55 55
100 mg/L 300 mg/L
50 50
0 0
0 24 48 72 0 24 48 72
Tempo (h) Tempo (h)
3,5 3,5
C D
3,0 3,0

2,5 2,5
Células (g/L)
Celulas (g/L)

2,0 2,0

1,5 1,5

1,0 1,0

0,5 0,5
100 mg/L 300 mg/L
0,0 0,0
0 24 48 72 0 24 48 72

Tempo (h) Tempo (h)

10 E 10 F

8 8

6
Glicose (g/L)

6
Glicose(g/L)

4 4

2 2

0,8 0,8
0,6 0,6 300 mg/L
0,4 100 mg/L 0,4
0,2 0,2
0,0 0,0
0 24 48 72 0 24 48 72
Tempo (h) Tempo (h)

Figura 2- Perfil de descoloração, concentração celular e glicose de cultivos de leveduras em


meio contendo 100 mg/L e 300 mg/L de corante Reactive Blue 222.
Os valores de porcentagem de descoloração deste trabalho foram superiores aos
observados por Nascimento et al. (2012), que reportaram a redução de 78,5% do corante azoico
Reactive Red 198 (100 mg/L) por Candida rugosa INCQS 71011 apôs 24 h de incubação,
alcançando 100% de descoloração do mesmo corante após 48 de cultivo. Os mesmos autores
relataram descoloração de 50,2% do Reactive Blue 214, corante contendo dupla ligação azóica e
de características similares ao corante utilizado no presente estudo. Estudos conduzidos por Tan
et al, (2013) mostraram a redução de 80% da cor de 140 mg/L do corante Ácido-Escarlate
Brilhante GR pela levedura Candida tropicalis TL-F1.

Tabela 1 - Parâmetros de descoloração após 24 h de cultivo

Corante Reactive Blue 222


100 mg/L 300 mg/L
Consumo
D Y X/S QX QX Consumo
Glicose D (%) Y X/S
(%) (g/g) (g/L.h) (g/L.h) Glicose (%)
Estirpe (%)
P. kluyveri 100 0,17 0,07 98,5 92,1 0,12 0,05 98
P. fermentans D 97 0,25 0,10 99,0 94,2 0,35 0,09 63
K. marxianus UFV-3 100 0,19 0,08 99,2 94,7 0,16 0,07 98
P. fermentans M 100 0,13 0,05 99,0 90,7 0,12 0,05 98
C. batistae E 100 0,27 0,12 99,0 92,3 0,39 0,09 54
S. cerevisiae T 98 0,16 0,07 99,0 54,3 0,21 0,05 57
S. cerevisiae V 100 0,17 0,07 99,0 92,3 0,22 0,09 76
D: descoloração; YX/S: rendimento em biomassa; QX:produtividade em biomassa

Figura 3 - Aspecto do sobrenadante após 24 h de Figura 4 - Microfotografia (400x) de células de


descoloração de corante Reactive Blue – 300 mg/L. Pichia kluyveri após 24 h de cultivo em meio
(A) P. kluyveri; (B) P. fermentans D; (C) K.marxianus contendo 300 mg/L de corante Reactive Blue
UFV-3; (D) P. fermentans M; (E) C. batistae; (F) S. 222.
cerevisiae T; (G). S. cerevisiae V.

Por outro lado, o aumento da concentração inicial de corante promoveu a redução da


concentração celular em todas as estirpes de leveduras estudadas. No entanto, esta redução foi
leve a julgar pela aproximação do perfil de crescimento das leveduras (Figura 2C e 2D). A
máxima concentração de células foi de 2,9 g/L para a levedura Candida batistae, obtida após 24
h de cultivo em meio contendo 100 mg/L de corante, com rendimento (YX/S) e produtividade em
biomassa (QX) de 0,27 g/g e 0,12 g/L.h, respectivamente (Tabela 1). Em relação à concentração
de glicose, observa-se que o consumo foi próximo aos 100% para todas as estirpes após 24 h de
cultivo em meio contendo 100 mg/L de corante (Figura 2E). Entretanto, este consumo foi entre
54% e 98% para o mesmo período em meio contendo 300 mg/L de corante (Tabela 1). Na Figura
2F, verifica-se ainda a exaustão da glicose após 72 h de cultivo para as leveduras estudadas, com
exceção de cultivos conduzidos com C. batistae e P. fermentans D, que apresentaram glicose
remanescente de 24% e 27% do total inicial, respectivamente.
Considerando o elevado consumo de glicose e cor azul intensa das células após os
cultivos (Figura 4), pode-se inferir que a descoloração do Reactive Blue 222 pelas leveduras
estudadas é promovida por mecanismos de bioadsorção e bioacumulação.

4. CONCLUSÃO
Este estudo demonstrou que as estirpes de leveduras avaliadas foram capazes de
promover a descoloração aeróbia total de 100 mg/L do corante azóico Reactive Blue 222 após 24
h de cultivo, mediante mecanismos de bioadsorção e bioacumulação. As leveduras estudadas
apresentam potencial relevante como agentes de descoloração biológica em plantas de tratamento
de efluentes que visam a remoção de corantes.

5. REFERÊNCIAS
DAS, N.; CHARUMATHI, D. Remediation of synthetic dyes from wastewater using yeast – An
overview. Indian J. Biotechnol., v.11, p.369-380, 2012.

NASCIMENTO, C.R.S.; NISHIKAWA, M.M.; VAZ, A.M.; ROSA, C.A.; SILVA, M. Textile
azo dye degradation by Candida rugosa INCQS 71011 isolated from a non-impacted area
in Semi-Arid Region of Brazilian Northeast. Afr. J. Biotechnol, v.12, p.6636-6642, 2013.

SARATALE, R.G.; SARATALE, G.D.; CHANG, J.S.; GOVINDWAR, S.P. Bacterial


decolorization and degradation of azo dyes: A review. J. Taiwan Inset Chem Eng, v.42,
p.138-157, 2011

STOLZ, A. Basic and applied aspects in the microbial degradation of azo dyes. Appl. Microbiol
Biotechnol, v.56, p.69–80, 2001

TAN, L.; NING, S.; ZHANG, X.; SHI, S. Aerobic decolorization and degradation of azo dyes by
growing cells of a newly isolated yeas Candida tropicalis TL-F. Biores. Technol, v.138,
p.307-313, 2013.

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