Você está na página 1de 19

fls.

481

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Registro: 2019.0000137781

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº


0000426-45.2017.8.26.0542, da Comarca de Santana de Parnaíba, em que são

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
apelantes ANTONIO CARLOS SOUZA BRANDAO e ELIZABETE DE SOUZA
BRANDAO, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de


Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso
para absolver os apelantes, nos termos do artigo 386, VII, CPP, com expedição de
alvará de soltura clausulado. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores


MÁRCIO BARTOLI (Presidente) e FIGUEIREDO GONÇALVES.

São Paulo, 25 de fevereiro de 2019.

PÉRICLES PIZA

RELATOR

Assinatura Eletrônica
fls. 482

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542
Apelantes: Antonio Carlos Souza Brandao e Elizabete de Souza Brandao
Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo
Comarca: Santana de Parnaíba
Voto nº 36.100

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
APELAÇÃO CRIMINAL. Tráfico de drogas. Sentença
condenatória. Defesa de ELIZABETE objetiva,
preliminarmente, reconhecimento de nulidade referente
às provas obtidas mediante acesso ao telefone celular
sem autorização judicial, bem como ante a invasão
domiciliar. No mérito, requer absolvição ou a reforma
dosimétrica, o abrandamento do rigor carcerário, a
substituição da reprimenda por restritivas de direitos e
concessão de sursis. ANTONIO CARLOS, por seu
turno, pretende a absolvição ante a fragilidade
probatória e o afastamento da decretação de
perdimento dos bens apreendidos. O feito encontra-se
eivado de mácula insanável. Falece à Guarda Civil
Municipal autorização para investigar possíveis ilícitos
penais, constituindo grave ofensa às regras
constitucionais sua atuação nesse sentido. Da
ilegalidade do comportamento dos guardas civis advém
a ilicitude das provas obtidas em consequência das
diligências por eles realizadas. Assim, como toda a
prova reunida no processo e que deu sustentação à
procedência da acusação, foi obtida mediante infração
a normas de natureza constitucional e processual, essa
ilicitude torna o conjunto probatório inutilizável,
decorrendo daí a necessidade de absolvição dos
apelantes, sob pena de tonar letra morta a peremptória
vedação constitucional à prova ilícita. Apelo provido
para absolver os apelantes, nos termos do artigo 386,
VII, CPP, com expedição de alvará de soltura
clausulado.

I - Ao relatório da r. sentença, que se acolhe, acrescenta-

se que ANTONIO CARLOS SOUZA BRANDÃO e ELIZABETE DE

Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 2


fls. 483

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

SOUZA BRANDAO foram condenados pelo Magistrado da Vara Única da

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
Comarca de Santana de Parnaíba (Processo nº 0000426-45.2017.8.26.0542), o

primeiro à pena de 08 (oito) anos de reclusão, no regime inicial semiaberto,

mais o pagamento de 800 (oitocentos) dias-multa, no valor equivalente a 1/30

(um trinta avos) do salário mínimo; e a segunda à pena de 07 (sete) anos, 02

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
(dois) meses e 12 (doze) dias de reclusão, no regime inicial semiaberto, além

do pagamento de 720 (setecentos e vinte) dias-multa, no piso, ambos como

incursos no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06.

Irresignados, ambos apelam. A Defesa de ELIZABETE

objetiva, preliminarmente, reconhecimento de nulidade referente às provas

obtidas mediante acesso ao telefone celular sem autorização judicial, bem

como ante a invasão domiciliar. No mérito, requer absolvição ou a reforma

dosimétrica, o abrandamento do rigor carcerário, a substituição da reprimenda

por restritivas de direitos e concessão de sursis.

ANTONIO CARLOS, por seu turno, pretende a

absolvição ante a fragilidade probatória e o afastamento da decretação de

perdimento dos bens apreendidos. o réu objetivando a reforma da dosimetria,

bem como o abrandamento do rigor carcerário e a substituição por restritivas

de direitos.

Regularmente processado o recurso, a Douta

Procuradoria-Geral Justiça manifestou-se pelo seu não provimento.

Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 3


fls. 484

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

II Conforme consta da exordial acusatória, Guardas

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
Civis Municipais realizavam patrulhamento de rotina quando receberam

denúncia anônima de que um casal estava transportando entorpecentes em um

veículo Vectra. Ao avistarem o referido automóvel, realizaram a abordagem.

Em revista pessoal, nada foi encontrado. Contudo, no interior do veículo,

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
encontraram 12 (doze) porções de cocaína.

Ato contínuo, diligenciaram à residência dos apelantes.

Na casa de ELIZABETE, foi localizada uma balança de precisão, além de

entorpecentes, enquanto que na casa de ANTONIO, também foram

localizadas drogas, balança de precisão e invólucros vazios.

Pois bem.

Inicialmente, em caráter excepcional, dada as

peculiaridades do caso “sub judice” que justificam o presente

entendimento, reconheço existirem no feito em análise irregularidades de

caráter insanável.

Isso porque, conforme se depreende dos autos, a

diligência que culminou com a prisão dos oras apelantes foi realizada

inteiramente por Guardas Civis Municipais, o que se encontra em total

desconformidade com os ditames previstos em nossa Carta Constitucional.

Estes elementos informativos, colhidos durante a fase inquisitorial, foram

reproduzidos em juízo, constituindo suporte à formação da convicção do juiz

sentenciante em favor da procedência da pretensão punitiva estatal (cf. fls.


Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 4
fls. 485

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

sentença de fls. 278/283).

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
Tais provas, entretanto, não poderiam ser admitidas no

processo, tampouco oferecer suporte à deflagração da ação penal, uma vez

que ilícitas, nos termos do artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal. Tal

ilicitude advém da incompetência constitucional das Guardas Civis

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
Municipais para realizar quaisquer das ações descritas na denúncia, isto é,

desempenhar a função de investigação acerca do suposto cometimento de

delitos.

Senão, vejamos.

O processo penal brasileiro, conforme posição majoritária

da doutrina, desenvolve-se, em regra, em duas fases: uma pré-processual,

destinada a apurar a materialidade e autoria de infrações penais e outra,

processual, na qual se busca, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa,

provar a veracidade dos indícios colhidos na fase anterior.

Embora o artigo 4º do Código de Processo Penal permita

que o primeiro momento da persecução penal, também chamado de

investigação preliminar, seja realizado por autoridades administrativas

incumbidas por lei para esta função, em regra tal investigação desenvolve-se

por meio do Inquérito, presidido pela Polícia Judiciária.

Não se deve olvidar, todavia, que a Carta Magna de

nosso país atribui somente às forças policiais a função de zelar pela segurança

pública, incluindo neste dever a importante missão de apurar e reprimir


Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 5
fls. 486

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

ilícitos criminais.

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
De tal sorte, a Polícia brasileira possui tanto o dever de

investigar o suposto cometimento de delitos (Polícia Judiciária) como a

obrigação de zelar pela paz social (Policiamento Preventivo). Conforme

previsto no artigo 144 da Constituição da República, cabe à Policia Civil

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
(âmbito estatal) e à Polícia Federal (âmbito federal) o desempenho do

primeiro papel, de Polícia Judiciária, e às Polícias Militares, a realização da

segunda função, de Polícia Preventiva.

Em nenhum momento a Constituição atribui às

Guardas Municipais o poder de realizar quaisquer atos relacionados à

investigação e persecução de delitos bem como vinculados à manutenção

da paz social. Ao contrário, por expressa previsão constitucional apenas as

forças policiais possuem atribuição para tanto, cabendo às guardas municipais

a função de proteger os bens, serviços e instalações das cidades, nos termos

do art. 144, §8º, CF.

Conforme artigo publicado no Boletim-Jurisprudência do

Instituto Brasileiro de Ciências Criminais:

“No artigo 144, §8º, o legislador constitucional defere a

possibilidade de criação de guardas municipais e

restringe o âmbito de sua atuação, qual seja: limita-se à

proteção dos bens do Município, serviços e instalações,

consoante dispuser em lei. É certo, pois, que a


Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 6
fls. 487

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Constituição Federal não atribui à Guarda Municipal

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
tarefas relacionadas à segurança pública, limitando sua

função aos bens e serviços municipais. No exercício das

funções de guarda municipal, estão impedidos de

exercerem função de segurança pública que implique

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
violação à intimidade, à personalidade, residência,

etc...”(sem grifos no original)

O ilustre constitucionalista José Afonso da Silva esboça

posicionamento no mesmo sentido. Em suas palavras:

“Os constituintes recusaram várias propostas no sentido

de instituir alguma forma de Polícia Municipal. Com

isso, os Municípios não ficaram com qualquer

responsabilidade específica pela segurança pública.

Ficaram com a responsabilidade por ela na medida em

que, sendo entidades estatais, não podem eximir-se de

ajudar os Estados no cumprimento dessa função.

Contudo, não se lhes autorizou a instituição de órgão

policial de segurança, e menos ainda de polícia

judiciária. A Constituição apenas lhes reconheceu a

faculdade de constituir Guardas Municipais destinadas à

proteção de seus bens, serviços e instalações conforme

dispuser a lei. Aí, certamente, está uma área que é de


Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 7
fls. 488

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

segurança: assegurar a incolumidade do patrimônio

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
municipal, que envolve bens de uso comum do povo, bens

de uso especial e bens patrimoniais, mas não é de polícia

ostensiva, que é função da Polícia Militar. Por certo que

não lhe cabe qualquer atividade de polícia judiciária e

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
de apuração de infrações penais que a Constituição

atribui com exclusividade à Polícia Civil (art.144, §4º),

sem a possibilidade de delegação às Guardas

Municipais.”

Da ausência de qualquer autorização constitucional

decorre, portanto, a absoluta vedação às guardas dos municípios para realizar

atos típicos das forças policiais.

Não é demais lembrar que a Guarda Municipal, enquanto

entre da Administração Pública, rege-se pelo princípio da legalidade,

conforme prevê o artigo 37, caput, CF.

Segundo este postulado, nas lições de Maria Sylvia

Zanella di Pietro, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite,

ao contrário do que ocorre no âmbito das relações entre particulares, em que

se aplica o princípio da autonomia da vontade, o qual lhes permite fazer tudo

o que a lei não proíbe. Em decorrência disso, “a Administração Pública não

pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie,

criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela


Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 8
fls. 489

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

depende de lei”

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
Destarte, são ilegais quaisquer ações relacionadas à

investigação de delitos realizadas pelas Guardas Municipais, bem como,

inconstitucionais, todos os dispositivos legais que objetivem autorizá-la a

desempenhar tal função.

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
Nesse sentido posicionou-se o Órgão Especial do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo quando do julgamento, em 10 de

dezembro de 2008, de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta em face

Lei 13.866/2004, do Município de São Paulo:

“Se, por um lado, a Constituição Federal abre

possibilidade aos Municípios de constituírem "guardas

municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e

instalações, conforme dispuser a lei" (art. 144, § 8° -

regra repetida pelo art. 147 da Constituição Estadual),

por outro, atribui o exercício da segurança pública a

outros órgãos, descritos no mesmo artigo, nos seus

incisos. Esses órgãos são as chamadas polícias que, no

âmbito estadual, são a polícia militar, que atua

preventivamente, e a polícia civil, de caráter repressivo.

Releva notar que a descrição do "caput" do artigo 144

não deixa dúvidas: a segurança pública é exercida para

a preservação da ordem e da incolumidade das pessoas e


Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 9
fls. 490

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

patrimônio. (...) Se é certo que (...) em logradouros

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
públicos poderiam ocorrer conflitos entre cidadãos que

acarretem prejuízo a bens públicos, não se pode olvidar

que a atividade de segurança pública - policiamento

preventivo, mediação de conflitos - não pode ser

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
exercida pela entidade municipal. A faculdade

outorgada aos municípios de criação de suas guardas

não lhes concede o direito de extrapolar os limites ali

impostos, ou seja, visam unicamente a proteção de seus

bens, serviços e instalações, devendo ser repelida

qualquer tentativa de alargamento desse horizonte,

quando mais se constatada invasão a outras esferas.

Constata-se que o inciso ora em discussão interferiu na

administração estadual, ao determinar atividade de

policiamento a órgão municipal e fazer constar como

função dessa corporação a preservação da ordem

pública, situação similar a que já foi objeto de

manifestação do Supremo Tribunal Federal, no

julgamento da ADI 1.182, relator o Ministro Eros Grau:

'O artigo 144 da Constituição aponta os órgãos

incumbidos do exercício da segurança pública. Resta,

pois, vedada aos Estados-Membros a possibilidade de


Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 10
fls. 491

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

estender o rol, que esta Corte já firmou ser numerus

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
clausus' ". (Processo n. 9034981-58.2007.8.26.0000

Relator(a): Maurício Ferreira Leite; Comarca: São

Paulo; Órgão julgador: Órgão Especial; Data do

julgamento: 10/12/2008; Data de registro: 05/02/2009;

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
Outros números: 1547430000)

Registram-se ainda, outros precedentes:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -

Decreto n° 13.105/2006, do Município de São José do

Rio Preto - Atribuições conferidas pelos dispositivos

impugnados são todas relacionadas com o policiamento

ostensivo e com a preservação da ordem e segurança

públicas - Invasão da área constitucionalmente

reservada aos agentes do Estado responsáveis pela

ordem pública - Caracterização - Afronta à Constituição

Estadual - Configuração - Julgada procedente a ação.

(Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei

9028528-76.2009.8.26.0000, Rei. Sousa Lima, j.

30/09/2009)

Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 11


fls. 492

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
n° 3.732/91, do Município de Jundiaí, que disciplina

sobre a Guarda Municipal - expressões contidas nos

artigos 2°, II; 9º, i, 10, f e g, 11, b, 65 e 68, " 1 " -

admissibilidade - inteligência dos artigos 139, § V, 141,

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
144 e 147, da CE - Municípios não possuem nenhuma

especifica responsabilidade pela segurança pública, que

se encontra restrita ao âmbito federal e estadual,

cabendo-lhes tão somente instituir a guarda municipal

para zelar pela proteção de seus bens, serviços e

instalações, conforme dispuser a lei, sem qualquer

influência na segurança pública - reconhecida a invasão

na esfera de atribuições do Estado -

inconstitucionalidade parcial da lei declarada - ação

procedente. (Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei

n° 9045049-72.2004.8.26.0000, Rei. Ruy Camilo, j.

2/3/2005).

Mesmo diante de tais argumentos, poder-se-ia, ainda,

argumentar a favor da legalidade das diligências realizadas pelos guardas

municipais. Bastaria, para tanto, afirmar que estes se limitaram a realizar uma

faculdade atribuída a qualquer do povo pelo artigo 301 do Código de Processo


Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 12
fls. 493

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Penal, qual seja, prender as pessoas que sejam encontradas em flagrante

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
delito. Afirmar-se-ia, então, que os guardas não exerceram função precípua de

polícia investigatória, agindo apenas como qualquer cidadão que presenciasse

o cometimento de um delito.

Tal raciocínio, em tese, é perfeito, configurando, de fato,

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
grande incoerência que os guardas municipais tivessem menos possibilidades

de agir do que um particular. Todavia, verifica-se que a hipótese vertente dos

autos é diversa, motivo pelo qual resta inaplicável o citado dispositivo.

Aufere-se da exordial acusatória que guardas civis

municipais, em patrulhamento de rotina, receberam denúncia anônima dando

conta do transporte de drogas por um casal. Após, visualizaram o veículo e o

abordaram, realizando revista pessoal nos seus ocupantes, encontrando

parte dos entorpecentes narrados na denúncia. Além disso, em vistoria ao

celular da ré, havia fotografias de balanças de precisão.

Ato contínuo, os agentes municipais efetuaram buscas na

residência dos réus, onde foram localizadas as demais porções de

entorpecentes, além de balanças de precisão e invólucros vazios. Tal restou

confirmado pelos próprios guardas municipais, tanto em solo policial como

em juízo.

Fica claro, portanto, não se tratar de mero flagrante

delito presenciado pelos guardas civis em sua atuação ordinária, o que de

fato lhes conferiria o poder de prender em flagrante os ora acusados, mas


Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 13
fls. 494

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

sim de atos típicos de investigação policial cuja competência, segundo a

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
Carta Magna de nosso país, é privativa dos agentes policiais.

Verifica-se ainda que o açodado agir da Guarda Civil

Municipal no caso “sub judice”, além de constituir exacerbado

extrapolar de suas funções, acabou por prejudicar minuciosas

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
investigações a serem realizadas pela Policial Civil, constitucionalmente

competente para a função.

Qualquer do povo pode, de fato, dar voz de prisão a

pessoas que estejam a cometer crimes em sua frente. É vedado, no entanto,

que os cidadãos investiguem os indivíduos com quem partilham da vida em

sociedade, bem como lhes é proibido realizar diligências com o fim de

verificar o cometimento de ilícitos criminais. Justamente com o objetivo de

retirar dos indivíduos o poder de investigar e punir delitos, impedindo assim

que o Direito Penal sucumbisse à mera vingança privada, delegou-se o poder

de punir ao Estado.

Conforme posicionamento esboçado em acórdão

proferido pela Colenda Quarta Câmara de Direito Criminal deste Tribunal:

“É certo que, em ocorrendo um flagrante, podiam eles

prender e apreender pessoa ou coisa, como seria

permitido a qualquer do povo, apresentando, em seguida,

o agente à autoridade policial competente. O que não

podiam fazer era, como o fizeram, em diligência, ir até a


Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 14
fls. 495

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

casa dos pacientes, nela adentrar, prendendo-os e

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
apreendendo o entorpecente, pois, autorizados a tanto,

são os que possuem, no dizer de Guilherme de Souza

Nucci, "a função constitucional de garantir a segurança,

preservando a ordem e a incolumidade das pessoas e do

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
patrimônio, bem como investigar ou impedir a prática de

crimes: polícia federal, policia rodoviária federal,

policia ferroviária federal, polícias civis, policiais

militares e corpos de bombeiros (art. 144, CF) ." (Código

de Processo Penal Comentado, Ed. Revista dos

Tribunais, 2002, p. 459). A “guarda municipal" não foi

arrolada no citado dispositivo constitucional. Conforme

assinala Diógenes Gasparini: "As guardas municipais

ficaram fora desse rol e, induvidosamente, sem qualquer

atribuição de segurança pública." (As guardas

municipais na constituição federal de 1988, in RT v. 671,

p. 46 e ss). Portanto, ao tomarem conhecimento de que

os pacientes mantinham em depósito entorpecente para

venda, deveriam comunicar os fatos à autoridade

competente, e não, agindo como policiais, diligenciar no

sentido de prendê- los, tal como o fizeram” (Processo n.

9014103-88.2002.8.26.0000 Relator(a): Passos de


Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 15
fls. 496

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Freitas; Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Criminal;

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
Data de registro: 26/09/2002; Outros números:

3885423500)

De tal sorte, a diligência realizada pelos Guardas Civis

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
Municipais, uma vez que invade atribuição constitucionalmente delegada a

outros órgãos de segurança pública, representa ampliação indevida de sua

esfera de atuação. Tal constitui grave ofensa à regra constitucional, uma vez

que, como agente administrativo, regido pela legalidade estrita, falece à

Guarda Civil Municipal autorização para investigar possíveis ilícitos penais.

Da ilegalidade do comportamento dos guardas civis

advém a ilicitude das provas obtidas em consequência das diligências por eles

realizadas.

Nas lições de Aury Lopes Junior, considera-se prova

ilícita aquela que viola regra de direito material ou a Constituição Federal no

momento de sua coleta, anterior ou concomitante ao processo, mas sempre

exterior a este. Ainda conforme o autor, uma vez considerada ilícita, deve ser

verificada a eventual contaminação que essa prova produziu em outras,

conforme exigência dos artigos 157 e 573, §1º, do CPP. In verbis:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas

do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as

obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.


Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 16
fls. 497

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de

causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas

puderem ser obtidas por uma fonte independente das

primeiras.

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si

só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da

investigação ou instrução criminal, seria capaz de

conduzir ao fato objeto da prova.

§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova

declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão

judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.

Art. 573. Os atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na

forma dos artigos anteriores, serão renovados ou

retificados.

§ 1o A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a

dos atos que dele diretamente dependam ou sejam

conseqüência.

§ 2o O juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos

a que ela se estende.

Assim, após verificada a exigência acima mencionada,


Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 17
fls. 498

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

salvo se ficar inequivocamente demonstrada a independência, as provas

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
subsequentes devem ser anuladas por derivação.

No caso em comento, é clara a ilegalidade da prova

inicialmente colhida e, de mesma forma, cristalina se mostra a dependência

das demais provas contidas nos autos, as quais, frise-se, não poderiam ser

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
obtidas sem a realização das diligências iniciais. Isso porque toda a atividade

de investigação e prisão em flagrante, realizada em claro desrespeito ao que

preveem as regras constitucionais, foi reproduzida durante a instrução

criminal, oferecendo, assim, bases à formação da convicção do juiz

sentenciante pela procedência da pretensão punitiva.

Ainda, conforme entendimento desta C. Câmara

Criminal, quando do julgamento da Apelação n 0007989-92.2015.8.26.0564,

“A opção constitucional por um Estado Democrático de

Direito tem sérias implicações na seara processual

penal. Uma, de extremada relevância, é a necessidade de

estrito respeito às “regras do jogo”, é dizer, de só se

admitir a condenação de um indivíduo quando

devidamente observados e respeitados os princípios

norteadores da persecução penal, quando provada sua

culpa em juízo mediante devida observância do devido

processo legal. E, nesse ponto, visto que em causa a

liberdade individual, não cabe cedências nem


Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 18
fls. 499

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

ponderações” Apelação n 0007989-92.2015.8.26.0564

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0000426-45.2017.8.26.0542 e código B2C3A06.
Relator(a): Márcio Bartoli; Comarca: São Bernardo do

Campo; Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Criminal;

Data do julgamento: 29/02/2016; Data de registro:

02/03/2016)

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PERICLES DE TOLEDO PIZA JUNIOR, liberado nos autos em 27/02/2019 às 10:37 .
No caso dos autos, como toda a prova reunida no

processo e que deu sustentação à procedência da acusação, foi obtida

mediante infração a normas de natureza constitucional e processual, essa

ilicitude torna o conjunto probatório inutilizável, decorrendo daí a

necessidade de absolvição dos apelantes, sob pena de tonar letra morta a

peremptória vedação constitucional à prova ilícita.

III Ante ao exposto, dá-se provimento ao recurso para

absolver os apelantes, nos termos do artigo 386, VII, CPP, com expedição de

alvará de soltura clausulado.

PÉRICLES PIZA
Relator

Apelação nº 0000426-45.2017.8.26.0542 -Voto nº 36.100 19

Você também pode gostar