Você está na página 1de 2

11.1.

Histórico do Município

Leciona o professor Galvão de Sousa que "a sociedade política não é uma soma de
indivíduos abrangidos num todo mecânico. É um conjunto orgânico de famílias e outros
grupos, ou seja, uma sociedade de sociedades. (...) Em se tratando das nações modernas,
vemos que estas se dividem em unidades sociais menores, integradas no organismo do Estado.
São tais unidades o Município, célula política, e a Província (no Brasil, Estado-membro da
Federação), num âmbito maior, compreendendo vários Municípios. Município e Província
correspondem à formação sociológica das pequenas comunidades locais e das regiões
integrantes de toda a sociedade nacional.”

E conclui: "O Município é a unidade política fundamental, é a célula política, assim


como a Família é a célula social".

A importância da vida municipal decorre do simples fato de que é o Município a


estrutura política com a qual temos contato direto, sendo um pouco distante o Estado ou
Província e mais distante ainda o Estado nacional. Daí os castelhanos o chamarem
carinhosamente de "patria chica”, ou seja, "pequena pátria”. No Município habitamos, nele
estabelecemos nossa família, educamos nossos filhos; em seu cemitério repousam nossos
antepassados. O mais das vezes é nele que trabalhamos, onde nossos filhos estudam as
primeiras letras. Enfim, nele é que vivemos, como nos revela o linguajar comum: "Vive em
Santos... Viveu em Porto Alegre... Vai viver em Fortaleza".

No entanto, por muito tempo, permaneceu ele como mera demarcação


administrativa. Chegou-se a falar mesmo em competência meramente residual, sem esconder
o sentido quase pejorativo da expressão. Chegou-se ao cúmulo de escreverem livros de Teoria
Geral do Estado que sequer mencionavam o Município.

Cremos se tratar de um sintoma típico de uma ideologia liberal, que considera a


sociedade como aglomerado mecânico de indivíduos postos perante um Estado centralizador.
Tal opção individualista no modo de encarar as relações humanas foi desaguar,
paradoxalmente, nos Estados totalitários e tecnocráticos, em sociedades com desigualdades
enormes. Isto porque tal ideologia não aceita que a nação, como sociedade maior, é composta
de organismos menores, as regiões e as comunidades de vizinhos, que se formam
naturalmente, constituindo, primeiramente, os Municípios e, depois, os Estados-membros, os
quais vão compor a União, que é o Estado nacional.
Trata-se de uma visão típica do liberalismo, que não admite intermediário, tais como o
Município, entre o indivíduo e o Estado nacional, e que foi recusada por Montesquieu, já no
séc. XVIII, ao reconhecer a existência de "corpos intermediários", entre o indivíduo isolado e o
Estado. Nosso país, naquela época empolgado pela cultura francesa em geral, nunca soube
aproveitar a experiência riquíssima da vida municipal no período do seu apogeu, no Brasil
colônia pré-pombalino, como veremos em capítulo especial sobre a História das idéias políticas
no Brasil colônia, na parte de Ciência Política deste mesmo livro.

11.2. O Município no Brasil e a Constituição de 1988

Infelizmente, o Município foi sempre o grande esquecido, desde os tempos do


Império, cuja Constituição de 1824 transferiu quase todas as suas prerrogativas para as
Províncias. A República continuou no mesmo caminho, privilegiando os Estados-membros.

O bom-senso sobre a questão municipal só veio a prevalecer na Constituição de 1988.


Hely Lopes Meirelles ratifica este posicionamento: "De início, a Constituição da República de
1988, corrigindo falha das anteriores, integrou o Município na Federação como entidade de
terceiro grau (arts.1.º e 18, da CF/1988) - o que já reivindicávamos desde a 1.ª edição desta
obra, por não se justificar sua exclusão, já que sempre fora peça essencial da organização
político-administrativa brasileira".

Ensina, ainda, o grande administrativista que o conceito de Município flutuava ao


sabor dos regimes, que, por vezes, alargavam e, por vezes, comprimiam suas franquias - ou
dando-lhes liberdade política e financeira ou reduzindo os Municípios à condição de
corporação meramente administrativa, muito embora todas as Constituições pátrias
esculpissem em seus textos a autonomia municipal. No entanto, tal autonomia foi apenas
formal em 1946, ganhando realidade e força plena com a CF/1988.

Você também pode gostar