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muito mais graciosa e agradável aos ouvidos do que aquela que "é
forçada e precisa gritar nos agudos". Ele afirma igualmente que os
instrumentos soam melhor no grave; mas que, por outro lado, o
diapasão normal está continuamente subindo. Ainda hoje, esta ten-
dência permanece; o diapasão de uma orquestra com o correr do
tempo tende a ficar cada vez mais alto. Isto pode ser constatado
por qualquer pessoa que venha observando os diversos diapasões
das orquestras nestes últimos trinta anos. Esta é uma questão mui-
to importante também para o músico atual.
Creio que deveríamos procurar saber a razão desta infeliz ten-
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dência que leva a uma contínua subida do diapasão. Eu próprio,
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durante 17 anos, toquei em orquestra ê constatei que os regentes
estão sempre dizendo que um tal músico toca baixo demais (falo
'I de afinação e não de dinâmica), mas nunca os ouvi dizer que um
determinado instrumentista está tocando alto demais. Há, natural-
mente, motivos para tal, já que numa harmonia mal ajustada a
ouvido se orienta, automaticamente, pelo som relativamente mais alto.
Aquilo que é comparativamente mais grave será sentido como er-
rado, mesmo que esteja, objetivamente, correto. Dessa forma, aquelas
notas que se imagina baixas serão empurradas para cima, até que
estejam tão altas quanto as (demasiado) altas. Qual é a conseqüên-
cia? A conseqüência é que o músico, para evitar que o regente lhe
diga que a sua afinação, está muito baixa, passa, por antecipação,
a afinar o seu instrumento demasiado alto.-(Isto é válido principal-
mente para as segundas fil~s dos instrumentos de sopro, já que
é quase sempre-a estas que se diz que a afinação está muito baixa.
Quando compram um instrumento novo de sopro, eles o cortam
imediatamente para que fique mais alto.) A única saída para este
problema de um diapasão que sobe irresistivelmente é saber de
onde provém a afinação e estar sempre a ajustá-la a ba-ses corretas.
A questão da justeza de uma afinação não pode ser analisada do
ponto de vista de impressões momentâneas, do contrário, nada
mais fará sentido, pois que ninguém gosta de estar baixo. Há um
ditado entre músicos de orquestra que diz: "antes alto demais que
errado." Creio que, se os músicos soubessem um pouco mais ares-
peito de afinação e não deixassem tudo a cargo do ouvido ou da
intuição, poder-se-ia manter o diapasão muito bem num determi-
nado nível.
A questão de uma afinação justa não tem resposta. Não M
um sistema natural de afinação único que seja válido para todos.
princípios fundamentais da música e da interpretação 77
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I. II. ILI. IV. Oitava
Sol Lá Si Dó Ré Mi Sol Lá Si
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escala pitagórica
terça pitagórica ,-,.,
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princípio. Para os de teclado ( órgão, clavicórdio e cravo) era pre-
ciso descobrir-.se um novo sistema que possibilitasse a nova afinação
de terças puras e ainda, se possível, com doze notas por oitava.
Tal sistema foi achado com a "afinação mesotônica". Sua caracte-
rística principal é a de que as terças maiores têm que ser absolu-
tamente puras, em detrimento dos outros intervalos. (E necessário
esclarecer que num instrumento de teclado não pode haver uma
afinação absolutamente "pura", e que cada sistema favorece deter-
minados intervalos, em detrimento dos outros.) Na afinação me-
sotônica não há nenhuma relação enannônica, pois cada nota tem
uma significação única: um fá sustenido, por exemplo, não pode se
confundir com um sol bemol. Para conseguir-se uma afinação desta
fá#
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fá· dó Quatro quintas são reduzidas de um quarto de coma
lá# i sol (d.6-sal; sol-ré; ré-l.á; l.á-nu), todas as outras são puras.
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O círculo das_quin~s é fechado.
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As terças estão mais ou menos pr6xunas do mtervalo
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puro natural. Através ~esta diferenciação, surgem
jX ,, , llí claramente as caracter!sticas tonais. .
sustenido e si benwl-ré são quase tão boas; mi be-
.
As melhores terças sao: Já-lá e d6-nu; sol-si, ré-Já
nwl-sol, lá-d6 susteníilo, mi-sol suste11ido, si-ré suste·
nido são indiscutivelmente piores. Todas as terças
dó# . si ·restantes são pitag6ricas e, por isso, demasiado gran-
ré 'b ~á# desparaoouvido.
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Instrumentos antigos - sim ou não?
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92 o discurso dos sons
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1ii. renunciar aos conhecimentos e expenencias da moderna construção
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Ir de pianos. Assim, foram construídos instrumentos de teclado de
! todos os tamanhos e preços, construídos como pianos, mas com
' cordas pinçadas por plectra de couro bastante duro e posteriormente
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feitas também de diversos materiais sintéticos.
Estes instrumentos foram batizados de "cravos", embora a sua
sonoridade estivesse para a de um verdadeiro cravo como a de um
violino de brinquedo feito de plástico está para a de um Stradiva-
rius. As falhas sequer eram notadas, pois não existiam critérios: os
músicos nem sabiam direito como deveria soar um cravo; a indús-
tria seguiu os caminhos mais fáceis e estava preocupada, principal-
mente, em fazer crescer o mercado e preencher o espaço nele aberto.
Estes instrumentos, rapidamente disponíveis em grande número, fo-
ram logo usados para· introduzir, na "grande vida musical", diver-
sas das obras de Bach executadas de acordo com "o estilo" e os
ouvintes passaram a classificar os seus sons estridentes e pouco
consistentes como "sonoridade or'iginal". Alguns músicos de fato
independentes intelectualmente, como por exemplo Furtwângler, re-
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jeitavam o "cravo", dizendo que com aquilo não se podia fazer
música. Na realidade, não se tinha possibilidade de ouvir um ver-
dadeiro cravo, estando o mercado inundado de sucedâneos.
Foram necessárias décadas para que este mal-entendido fosse
esclarecido, e ainda levará muito tempo até que todos os músicos
e amantes da música substituam a idéia falsa do que seria a sono-
ridade de um cravo por uma imagem correta e precisa, e também
até que todos estes monsmíosos cravos desapareçam das salas de
concerto. E.nfin1, uma época de pioneiros tem o direito de cometer
seus erros, desde que a geração seguinte os reconheça e elimine.
Quis mencionar os primórdios do movimento da música antiga,
b.:i.stante •incomuns e interessantes do ponto de vista da história da
cultura, como também da sua influência sobre a construção d~
instrumentos, pelo fato de que tanto músicos profissionais, como
críticos musicais, como o público de concerto continuaram a ter,
durante décadas, uma atitude marcada pela situação particular deste
início. Caso um músko de formação moderna se interessasse, hii
trinta anos atrás, pelas possibilidades atuais de interpretação da mú-
sica dos séculos XVII e XVIII, por admirar-lhe os valores artísticos,
ele seria enquadrado, quase como um desertor, no grupo dos sectá-
rios diletantes e se, além do mais, por alguma razão escolhesse os
irn:trumentos antigos, então não seria mais levado a sério, pelo me-
princípios fundamentais da música e da interpretação 9,3
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de hoje, atravessando todas as mudanças de estilo e gosto. Um vio-
lino antigo tem atualmente uma sonoridade muito diferente daqu,ela
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que tinha há duzentos ou trezentos anos, e um virtuose do violino
de nossa época certamente se surpreenderia tanto se ouvisse o seu
"Stradivarius" no estado original, quanto o próprio Stradivarius,, se
escutasse e visse o ·que, no decorrer desses anos, foi feito de seus
instrumentos. Não existe hoje praticamente nenhum dos grandes
instrumentos que não tenha sido muitas vezes transformado. Estas
transformações tinham como objetivo principal obter um maior vo-
lume,. bem como proporcionar uma maior igualdade e uniformidade.
Entrementes, como• os melhores instrumentos de corda antigos
eram de uma qualidade muito equilibrada, cada melhoria obtida '1