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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2015.0000397514

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0013396-46.2011.8.26.0006,


da Comarca de São Paulo, em que é apelante MARCOS BUENO FONSECA, é apelado MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo,


proferir a seguinte decisão: "Por maioria, deram provimento para absolver nos termos do voto do Relator,
vencido o 3º juiz que negava provimento, com declaração.", de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ALEX ZILENOVSKI


(Presidente) e BANDEIRA LINS.

São Paulo, 8 de junho de 2015.

FRANCISCO ORLANDO
RELATOR
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação Criminal nº 0013396-46.2011.8.26.0006.


Apelante: Marcos Bueno Fonseca.
Apelado: Ministério Público.
Controle nº 1080/2011 1ª Vara Criminal do Foro Regional de Penha de
França Comarca de São Paulo.
Voto nº 23.273 Relator

O Juízo da 1ª Vara Criminal do Foro Regional de


Penha de França condenou Marcos Bueno Fonseca a cumprir pena de dois (02)
anos de reclusão, no regime aberto, e à suspensão da sua habilitação para
conduzir veículo automotor por dois (02) meses, como infrator do artigo 302, da
Lei nº 9.503/97. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de
serviços comunitários e prestação pecuniária, fixada em 10 (dez) salários
mínimos, em favor dos herdeiros da vítima.

O réu não se conforma com esse desfecho e recorre


em busca de absolvição por ausência de prova, já que não há testemunha
presencial; não avançou sinal vermelho por espontânea vontade, mas por culpa
de terceiros, que o interceptaram; há dúvida sobre a presença do nexo de
causalidade, pois a morte da vítima teria decorrido de infarto agudo; é possível
também que tenha ocorrido erro médico, conforme informações contidas nos
autos. Em caráter subsidiário, requer a incidência da atenuante do artigo 65,
inciso III, alínea “b”, do Código Penal, pois ofereceu toda assistência à vítima
(fls. 200/211).

Contrarrazoado o recurso (fls. 213/217), a


Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento.

É o relatório.

A denúncia afirmou que no dia 27 de abril de 2011,


por volta das 06:30 horas, na Rua Doutor Luiz Ayres, esquina com a Rua Afonso
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Porto, cidade de São Paulo, agindo com culpa, na modalidade imprudência, na


condução do veículo Fiat/Tipo, de placas CRS-0029/SP, o Apelante ofendeu a
integridade física de José Bonifácio Gonçalves de Almeida, causando-lhe
ferimentos que foram a causa da sua morte.

Consta da denúncia que o réu trafegava na Avenida


Doutor Luiz Ayres e ao fazer conversão para ingressar na Rua Afonso Porto, não
observou sinalização semafórica e interceptou a motocicleta conduzida pela
vítima, que também transitava pela Avenida Doutor Luiz Ayres, em sentido
contrário.

Respeitado evidentemente o entendimento do digno


juiz sentenciante, entendo que a absolvição deve se impor por ausência de prova
da materialidade delitiva.

O acidente que envolveu o réu e a vítima fatal ocorreu


no dia 27 de abril de 2011. Ao que consta dos autos, a vítima foi socorrida pelo
resgate e conduzida ao Hospital Santa Marcelina, sendo submetida a três
cirurgias: a primeira em 02/05/2011 (osteossíntese da fratura diafisária do fêmur
com hasta intramedular e parafuso); a segunda, aos 06/05/2011 (osteossíntese
com placa e parafusos da fratura distal e colo do fêmur esquerdo) e a terceira, em
13/05/2011 (retirada percutânea pela mesma ferida operatória de dois parafusos
distas), quando apresentou parada cardio respiratória e veio a óbito (fls. 44).

Assim foi consignado no laudo de exame


necroscópico: “observamos as seguintes lesões e alterações de interesse médico
legal: 01) sem fraturas ósseas; 02) edema cerebral” “...” 03) fraturas do esterno
(manúbrio) e de 5º e 6º arcos costais esquerdos (provavelmente em decorrência
de manobras de reanimação cardiorrespiratória); 04) pulmões edemaciados e
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congestos; 05) fígado com esteatose; 06) fratura de fêmur direito com
osteossíntese (haste intramedular); 07) fratura de fêmur esquerdo com placa e
parafusos; 08) cardiomegalia com hipertrofia miocárdia e focos de
miocardiofibrose com área extensa de infarto agudo do miocárdio em parede
anterior; 09)arterosclerose coronariana grave” e conclui que “a morte deve-se
ao infarto agudo do miocárdio na vigência de tratamento hospitalar de fraturas
de membros inferiores devida a ação inicial de agente contundente, em vítima
portadora de Diabetes mellitus (fls. 42/43).

Ora, na dicção do art. 13, do Código Penal:


“considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria
ocorrido” e Guilherme de Souza Nucci, didaticamente, ensina: “Para apurar se
alguma circunstância fática é causa do crime, deve-se utilizar o critério do 'juízo
hipotético de eliminação', ou seja, abstrai-se determinado fato do contexto e, se
ainda assim o resultado se produzisse, não seria ele causa do resultado”.

Aliás, o § 1º, do art. 13, do CP, dispõe que: “A


superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando,
por si só, produziu o resultado”.

E foi exatamente o que ocorreu no caso em exame:


após ser submetida a duas intervenções cirúrgicas, a vítima veio a óbito na
terceira, em decorrência de “infarto agudo do miocárdio”. E há nos autos notícia
de que ela padecia de diabetes mellitus, apresentando arterosclerose
coronariana grave.

Consequentemente, tenho por inadequada a conclusão


de que o resultado morte tenha decorrido das lesões que a vítima suportou
quando do acidente de trânsito; ou mesmo que ele tenha contribuído para o
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resultado morte.

Houve, em verdade, superveniência de causa


relativamente independente (causa outra que, por si só, produziu o resulta morte).

Embora lamentável a morte da vítima, não há, no


caso, como imputar ao réu a responsabilidade pela fatalidade.

Daí, a absolvição do Apelante, por ausência de prova


da materialidade delitiva.

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso para


absolver o Apelante, com fundamento no artigo 386, inciso V, do Código de
Processo Penal.

FRANCISCO ORLANDO
Relator
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Voto nº 00707
Apelação nº 0013396-46.2011.8.26.0006
Comarca: São Paulo
Apelante: Marcos Bueno Fonseca
Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo

DECLARAÇÃO DE VOTO

Respeitado o entendimento vitorioso, meu


voto desprovia o apelo e mantinha a condenação.

O laudo complementar de fls. 141/143


comprova o nexo entre as lesões infligidas à vítima e seu óbito. Não há dúvida de
que o organismo da vítima já era debilitado, tratando-se de pessoa diabética na
qual já se instalara aterosclerose coronariana grave; mas dessa preexistente
condição não se teria passado para o infarto do miocárdio sem que as capacidades
do organismo houvessem sido exigidas em grau extremo (stress) pelo impacto
somado das lesões e das intervenções necessárias para corrigi-las.

É o que o expert assinala ao apontar que, nas


condições a que a vítima se viu sujeita, “o coração irá trabalhar muito mais do
que em condições normais, tendo afetada a sua própria circulação coronariana.
Isto quer dizer, maior trabalho como menor oferta de energia (sangue)”. E ao
sublinhar em seguida que, com isso, surge a possibilidade do “espasmo
coronariano que é o fechamento ou colabamento de uma artéria coronária” ao
qual se segue o infarto agudo do miocárdio:

“Quando uma artéria tem um espasmo, a


circulação não se completa para a região a
seguir. O resultado é o infarto agudo do
miocárdio (fls. 142).

Sem o acidente, não haveria lesões, nem


necessidade de correção cirúrgica; e sem a pressão desses fatores, a vítima não
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teria sofrido “a necrose de uma parte do músculo cardíaco causada pela


ausência de irrigação sanguínea que leva nutrientes e oxigênio ao coração”, ou,
sinteticamente, o infarto do miocárdio.

E é esse encadeamento que o laudo afirma,


sem referir causa que possa ser tida como independente, ao apontar a fratura de
ambos os fêmures e a clavícula como causa da sobrecarga ou stress à qual o
debilitado coração da vítima não resistiu: incidindo tais lesões sobre pessoa
fragilizada, mataram-na. Pode-se seguramente dizer, pelo que o laudo aponta,
que a vítima não resistiu às lesões; ou, em outras palavras, que, sendo o
causador destas, o réu a matou.

E bem o assinalou a r. sentença que, por


meu voto, deveria ser mantida, prestigiando-se seus próprios e jurídicos
fundamentos.

BANDEIRA LINS
Terceiro Juiz
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Este documento é cópia do original que recebeu as seguintes assinaturas digitais:

Pg. inicial Pg. final Categoria Nome do assinante Confirmação


1 5 Acórdãos FRANCISCO ORLANDO DE SOUZA 16CD714
Eletrônicos
6 7 Declarações de CARLOS OTAVIO BANDEIRA LINS 174D492
Votos

Para conferir o original acesse o site:


https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informando o processo
0013396-46.2011.8.26.0006 e o código de confirmação da tabela acima.

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