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BRASIL: AMAZONAS–XINGU
Mesa Diretora
Biênio 2001/2002
Suplentes de Secretário
Conselho Editorial
Conselheiros
Carlos Henrique Cardim Carlyle Coutinho Madruga
BRASIL:
AMAZONAS–XINGU
Príncipe Adalberto da Prússia
Tradução de
Brasília – 2002
O BRASIL VISTO POR ESTRANGEIROS
O Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em 31 de janeiro de 1997,
buscará editar, sempre, obras de valor histórico e cultural e de importância relevante para a
compreensão da história política, econômica e social do Brasil e reflexão sobre os destinos do país.
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Sumário
PREFÁCIO
pág. 11
RIO DE JANEIRO
pág. 13
AMAZONAS E XINGU
pág. 175
ÍNDICE ONOMÁSTICO
pág. 379
Sumário
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Prefácio
W. ADALBERT
Príncipe da Prússia
Sumário
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Rio de Janeiro
5 de setembro de 1842
com o vento fresco e mar agitado, até hoje pela manhã cedo, às quatro
horas, um avanço para o sul.1
Todos estávamos tensos na expectativa de ver o Cabo Frio.
Já ao nascer do sol alguns acreditavam ver terra, mas só entre dez e
onze horas tivemos os primeiros vislumbres dela. Pouco a pouco foram
surgindo os contornos de uma cadeia de montanhas, embora muito
apagadas; mais tarde juntou-se à esquerda, para oeste, uma montanha
coniforme; não se podia, porém, distinguir o Cabo Frio; mas uma sombra
mais escura, que prolongava as montanhas para leste, indicava a região
onde essa aguda projeção do grande continente da América do Sul devia
ser procurada. Ao meio-dia, conforme a observação, estávamos a 23º20’
de latitude sul, 42º40’15" de longitude oeste de Greenwich e a entrada
da baía do Rio de Janeiro a 38 milhas marítimas a noroeste de nós; a
cadeia de montanhas para a qual rumávamos, como as montanhas perto
do cabo Negro, ficava ao contrário a 24 milhas marítimas, quase na
direção do norte.
O vento e o mar tinham amainado, as sobrejoanetes tinham
sido içadas havia já algum tempo e nosso rumo a noroeste permitia-nos
avançar pouco a pouco com velas braceadas a sotavento. A temperatura
do ambiente e do mar eram ambas surpreendentemente baixas. Este
último perdera o seu azul ultramarino e trocara-o por um verde-claro
pálido. Uma névoa leitosa azulada impedia em parte a visibilidade nas
proximidades do horizonte; só se via a alta costa através de um véu.
A hora da refeição – um momento importante no dia de
bordo – foi hoje mais cedo do que de costume, porque às quatro horas já
poderíamos estar em frente à barra! Quando, depois do jantar, voltamos
para cima, uma parte da tripulação já tinha trocado as blusas de lã por blusas
e calças brancas, e todos estavam ocupados em tirar ao navio os vestígios
da viagem, esfregar as cobertas, polir todos os metais, aprontar os canhões
para as salvas, e desembaraçar a âncora. Os oficiais apareciam um após o
outro em uniforme de gala, de maneira que o convés do S. Miguel, com
todo aquele inusitado brilho festivo, estava quase irreconhecível.
prendeu ainda a âncora – mas a machada ajudou e ela caiu com um grande
baque; a espuma gerada pela sua queda subiu alva e brilhando. À voz de
arriva gabbieri, apressaram-se todos a trepar pelas enxárcias acima para
ferrar as velas. Poderiam ser oito horas quando nos encontramos an-
corados em quarenta metros. Meia hora depois as vergas estavam
braceadas paralelamente, e tudo tão em ordem que se poderia permitir
à tripulação dispersar. Apressei-me a descer para ler as havia muito
tempo almejadas cartas, e só às onze horas voltei ao convés, para me
deliciar com o belo céu estrelado.
Tudo estava quieto! Não era como se em vez de termos
sido transportados duma parte do mundo para outra tivéssemos sido
transportados dum planeta para outro? Se já num mesmo planeta a
natureza pode ser tão diferente, quão grande e variada deve-se mani-
festar a maravilhosa magnificência do Criador nos milhões de mundos
que giram na infinita abóbada celeste! Que profunda impressão já
nos causara hoje a primeira vista da América, e quanto de novo nos
esperava ainda!
Ali estava eu então na orla do imenso continente do Novo
Mundo, que estava diante de mim como um profundo segredo, como
um grande mistério! A fantasia despertara novamente, e pintava-me a
solidão das infindas florestas virgens, povoadas pelas figuras para
nós, europeus, tão interessantes dos selvagens, pondo na minha frente
os animais selvagens que nelas habitam. Eu pressentia milhares de
perigos e aventuras, duas coisas cuja atração nunca falha numa alma
jovem, e contudo apertava-se-me o coração como se hoje me tivesse
despedido de um amigo querido, lembrando-me do imenso oceano
sobre o qual vivera dias tão felizes! Mas o caminho de volta para a
pátria, para os entes queridos, é novamente por sobre as ondas azuis
ultramarinas!
6 de setembro
4 Depois que Colombo em 1492 com grande surpresa descobriu 100 léguas a oeste
dos Açores a linha sem declinação magnética e com a Ilha Guanahani ao mesmo
tempo a quarta parte do mundo, nasceu a esperança de que se descobriria ainda
muito mais terras para oeste e igualmente o receio de que estes descobrimentos
pudessem ser origem de grandes lutas. Então o Papa Alexandre VI determinou, a
4 de maio de 1493, por meio duma bula, que todas as terras já descobertas e por
descobrir, ilhas ou continentes que ficassem duma linha a 100 léguas (leuces) ao
sul e oeste dos Açores e das Ilhas de Cabo Verde para leste, pertenceriam ao reino
de Portugal; aquelas, porém, que fossem descobertas a oeste desta linha pertenceriam
ao reino de Castela. O motivo pelo qual esta grande linha divisória oceânica em
lugar de passar através de Coroa ou Flores, as duas ilhas mais a oeste do Açores,
foi traçada a 100 léguas deste grupo, encontra-o Alex. V. Humboldt nesse acima
citado meridiano de Colombo. Ver Examen Critique de l’Histoire de la Geographie du
Nouveau Continent por Alex. V. Humboldt. T. III, p. 45-46. Esta linha de demarcação
não poderia nunca alcançar o Brasil se os geógrafos portugueses Nunes e Teixeira
não o tivessem dado como ficando a muitos graus de distância para leste. Ver:
Viagens, de Von Feldner. T. I, p. 60.
Brasil: Amazonas–Xingu 23
direção geral das mesmas, de sudoeste para nordeste. Das suas encostas
correm numerosos riachos para a margem norte da baía de Niterói; no
entanto, os principais afluentes do rio Macau e do rio Iguaçu correm
para as extremidades nordeste e noroeste do golfo, onde se encontram
suas largas planícies que separam por um largo intervalo a serra dos
Órgãos das outras montanhas de ambas as margens.
Hoje também a serra obstinou-se em ficar invisível, porque a
atmosfera continuava ainda úmida e enevoada, de maneira que a parte
norte da baía aparecia, como ontem, como uma planície com muitas
ilhas, entre as quais se reconhecia distintamente o longo espinhaço da
ilha do Governador. No entanto, todas as outras montanhas e colinas
que rodeavam a baía podiam ser vistas distintamente em plena claridade
no mais grato frescor da manhã, de bordo da fragata.
Mas desçamos agora das alturas para as praias embaixo,
porque é nelas que encontramos o ponto mais brilhante do quadro! Aos
pés das montanhas a nordeste, dominadas pelo Corcovado e pela Tijuca,
que como fantásticos edifícios aéreos olham de suas alturas para baixo,
ali, onde a costa oeste da baía, deixando sua direção norte do princípio,
volta-se bruscamente para oeste, em outras palavras, ali, onde o apertado
estreito termina, e começa o alargamento da imensa baía, ergue-se a
majestosa cidade do Rio de Janeiro6 (a muito leal e heróica cidade de
São Sebastião do Rio de Janeiro) com o seu mar de telhados, de igrejas,
mosteiros, torres, os pitorescos terraços, as planas curtas e caindo verti-
calmente alcantilados platôs, os ressaltos rochosos cobrindo esses recantos,
enchendo um vasto e aprazível vale, uma ridente planície que se estende
para o interior por entre alegres colinas – realmente como uma verdadeira
cidade imperial, graciosa e majestosa.
Com seus numerosos arrabaldes, o Rio cinge, quase que por
mais de dois lados (ao norte e a oeste), o pitoresco Corcovado, por cujas
gargantas as povoações mais próximas se estendem pitorescamente. Ao
longo da praia, desde a Capital até ao Pão-de-Açúcar as casas se suce-
dem uma após outra refletindo-se nas águas da baía; é a faixa branca dos
6 Rio de Janeiro, segundo os dados do Weimarschen - Genelogisch Historisch - Statis-
tischen Almanachs de 1844, tem 160.000 habitantes; segundo o Dicionário Geográfico
do Brasil, de 1845, porém, 174.000 habitantes, dos quais 60.000 brasileiros, 25.000
estrangeiros e 85.000 escravos.
Brasil: Amazonas–Xingu 25
rocha da Boa Viagem, com as colinas azul-claras por trás e uma grande
palmeira e outra menor diante, que inclinam graciosamente as coroas. À
direita do cipreste do sul, avista-se a acidentada costa oriental até muito
além de Santa Cruz. Aí extrema-se a península de São Teodósio, onde a
pequena superfície da baía de Botafogo começa. Fica aí o cone rochoso
do Pão-de-Açúcar, elevando-se acima do ininterrupto contorno de es-
guias palmeiras e toda a sorte de altos troncos do morro do Flamengo,
cujas encostas cobertas de matas, às vezes em parte de paredes rochosas,
se despenham contra o estreito vale ao sul perto da casa de campo. À
direita do Pão-de-Açúcar, aparece igualmente sobre a cumeada daquelas
colinas situadas diante o espinhaço bem conformado de uma montanha
ligada por uma selada a esta montanha coniforme. O estreito vale no sul
está cheio de casas, cujos telhados e coruchéus surgem por entre as frondes
do arvoredo e os singulares ramos dos pinheiros norte-americanos,8
semelhantes a coroas invertidas de palmeiras, erguendo-se muito alto no
ar e agitadas pelo vento. No primeiro plano, junto às cocheiras perten-
centes à vila, destaca-se pelo seu fresco verde uma compacta touceira de
bananeiras; as palmeiras, ao contrário, faltavam aqui quase totalmente.
Se voltarmos agora os olhos novamente para leste, para os
escuros ciprestes e seguirmos desde Boa Viagem a costa daquele lado da
baía em direção ao norte, veremos primeiro a Praia Grande, uma extensa
fila de casas brancas diante das colinas azul-claras como um colar de
pérolas sobre um fundo de turquesa, limitando o morro da Armação.
Mais para a esquerda, a superfície azul-ultramarino da baía desaparece
por trás das altas casas e árvores da margem deste lado, entre as quais se
elevam novamente as alegres e baixas colinas que em grande parte
subtraem o Rio aos nossos olhos e a Capital à fresca viração, roubando-lhe
a refrescante brisa do mar, que nestas regiões quentes pode ser conside-
rada não só um alívio como também quase que uma necessidade vital,
pelo menos para os europeus. Só a colina do semafórico, que com tempo
inteiramente claro tem por fundo as montanhas dos Órgãos, enxerga
longe por cima de uma selada entre essas colinas das quais se eleva
alcantilada uma comprida cumeada, mais alta, que termina na encosta
do Corcovado, e que circunda o mais maravilhoso vale ao norte, que
8 Assim me disseram chamarem a estas árvores que só há alguns anos eram cultivadas
nos jardins dos arredores do Rio.
Brasil: Amazonas–Xingu 29
daqui pode-se acompanhá-los até mais longe pela baía adentro, como
também avistar ainda mais distintamente a barra.
Eu queria penetrar na mata espessa, no matagal que cobria a
encosta por trás de mim, para chegar até às palmeiras, e a todas aquelas
bizarras árvores; mas tentei em vão! As lianas não me deixavam avançar
nem dez passos; só pude chegar até uma árvore inteiramente vilosa, que
não me espantou pouco. Quebrei um pedaço de pau e desci para o pra-
do que terminava no bananal embaixo. Era cortado por pequenos regos
para irrigação, em cuja lama uma turma de negros nus patinhava para
limpá-los, enquanto um branco, indolentemente sentado, com um grande
chapéu de palha e uma bengala na mão, fazia uma cara como se estivesse
trabalhando demais no calor do meio-dia. No meio do prado erguia-se
um grupo de árvores esquisitas com um pequeno jardim ao lado. Aí
adejavam lindas e grandes borboletas. Não esquecerei nunca uma de um
azul-ultramarino cambiante com orla preta (Aernauta nestor). Depois
senti-me atraído por uma árvore encarnada que ficava onde o caminho
desce para as Laranjeiras. Vi que suas folhas eram carmesins, e que os
seus milhares de cachos eram violeta. Segundo a opinião de Herr Lippol,
era uma Missolia, mais escura, mais violácea do que a sapucaia.
No caminho para os arrabaldes do Rio vi num riacho muitas
negras lavadeiras seminuas. Encontrei muitos negros pelo caminho, e
também muitos carros de aluguel tirados por muares com cocheiros
pretos ou mulatos de casaco azul com gola encarnada e botas de montar.
Estas librés faziam-me lembrar as antigas librés prussianas e têm mesmo
esta origem, porque o Major A. D. von Suckow, proprietário de todos
esses veículos, pertenceu dantes ao Regimento de Granadeiros do
Imperador Francisco. Deixou o nosso serviço depois dos anos de guerra
e alistou-se na Legião Alemã no Brasil, deu baixa quando foi dissolvida
e voltou para o Rio, organizando esse serviço de carros de aluguel e
todo o comércio de muares e cavalos na Capital: daí, nenhuma viagem
para o interior, nenhum percurso na cidade ou passeio sem Herr v.
Suckow! Freqüentemente os negros que passavam carregavam na cabeça
caixas envidraçadas com artigos de armarinho para vender; muitas vezes
vendendo roletes de cana-de-açúcar também. Muito originais e quase gro-
tescos são os pregões com que gritam ou cantam apregoando sua mer-
Brasil: Amazonas–Xingu 31
de latitude sul, a que puseram o nome de Porto Seguro, nome que con-
servou até aos dias de hoje. Depois de pequena demora e de ter sido
rezada missa algumas vezes em terra, penduradas pequenas cruzes de
estanho no pescoço dos selvagens e levantada uma grande cruz de
madeira na praia, Cabral continuou a 5 de maio para Calicute a viagem,
contornando o Cabo da Boa Esperança; mandou, porém, ao mesmo
tempo Gaspar de Lemos com a notícia deste descobrimento para Lisboa.
Quatro dos navios da esquadra de Cabral perderam-se nessa viagem em
volta do Cabo, e com eles o próprio descobridor do promontório da
Boa Esperança, Bartolomeu Dias.
Já no seguinte ano de 1501, o Rei D. Manuel mandou Américo
Vespúcio, que tomara de Castela para seu serviço, com três velas para a
nova terra, cuja costa este primeiro avistou sob 5º graus de latitude sul
(perto do cabo Roque) e que seguiu até 52º de latitude sul (quase até ao
estreito de Magalhães). Só mais 4º para o sul, e a ponta mais meridional
da América teria sido descoberta!10
Logo no começo os portugueses, desembarcando a 8º de latitu-
de sul, na região do atual Pernambuco, assistiram ao horrível espetáculo de
um dos seus compatriotas ser assado e comido; por certo um triste
espetáculo! E o que é ainda mais triste é que, agora, depois de três séculos,
este horrível costume ainda persiste entre algumas tribos de indígenas
do Brasil! Esta primeira expedição durou dezesseis meses, e nela Américo
Vespúcio evidentemente passou o cabo da Consolação de Vicente Pinzón
a que deu o nome de Santo Agostinho, mas não encontrou nem o porto
de Porto Seguro nem a cruz erigida por Cabral. Em compensação deve,
segundo alguns, já ter então descoberto a baía de Todos os Santos, sobre
o que, porém, Southey, na sua famosa obra sobre história do Brasil,
nada diz.
Já em 1503 Vespúcio repetiu a viagem, e fundou sob 18º de
latitude sul e 35º a oeste do meridiano de Lisboa (na altura dos Abrolhos,
no Espírito Santo) a primeira colônia no solo brasileiro. Construiu aí um
forte a que deu 24 homens de guarnição, os únicos que tinham escapado
do naufrágio do seu navio-capitânia que se perdera, e 12 canhões para
sua defesa. Apenas o marco sul tinha sido descoberto pelos espanhóis,
estes mandaram imediatamente uma esquadra para descobrir sua ligação
10 O Cabo de Horn fica a 55º58’40" de latitude sul.
Brasil: Amazonas–Xingu 35
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