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ARTIGO ARTCILE
Um método para a implantação e promoção de acesso às Práticas
Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde

A method for the implementation and promotion of access


to comprehensive and complementary primary healthcare practices

Melissa Costa Santos 1


Charles Dalcanale Tesser 2

Abstract The rendering of integrated and com- Resumo A oferta de Práticas Integrativas e Com-
plementary practices in the Brazilian Unified plementares no Sistema Único de Saúde é estimu-
Health System is fostered to increase the compre- lada para ampliar a integralidade da atenção e o
hensiveness of care and access to same, though it acesso às mesmas, mas é um desafio incorporá-las
is a challenge to incorporate them into the ser- aos serviços. Nosso objetivo é apresentar um mé-
vices. Our objective is to provide a simple method todo de implantação das PIC na Atenção Primá-
of implementation of such practices in Primary ria à Saúde, derivado da análise de experiências
Healthcare, derived from analysis of experiences municipais, resultado parcial de estudo de mes-
in municipalities, using partial results of a mas- trado cuja metodologia foi a pesquisa-ação. O mé-
ter’s thesis that employed research-action meth- todo envolve 4 fases: 1 - definição do núcleo res-
odology. The method involves four stages: 1 – de- ponsável pela implantação e sua solidificação; 2 -
fininition of a nucleus responsible for implemen- análise situacional, com mapeamento de profissio-
tation and consolidation thereof; 2 – situational nais competentes já existentes; 3 - regulamenta-
analysis, with definition of the existing compe- ção, organização do acesso e legitimação; 4 - ciclo
tent professionals; 3 – regulation, organization of de implantação: pactuação de planos locais, tuto-
access and legitimation; and 4 – implementation ria e atividades de educação permanente em saú-
cycle: local plans, mentoring and ongoing educa- de. As fases são descritas, fundamentadas e sucin-
tion in health. The phases are described, justified tamente discutidas. O método estimula o desen-
and briefly discussed. The method encourages the volvimento de ações racionais e sustentáveis, fo-
development of rational and sustainable actions, menta a gestão participativa, a construção da in-
sponsors participatory management, the creation tegralidade e a ampliação responsável do cuidado
1
Programa de Pós- of comprehensivenessand the broadening of care realizado na Atenção Primária à Saúde através
Graduação em Saúde
provided in Primary Healthcare by offering pro- da oferta progressiva e sustentável de Práticas In-
Coletiva. Universidade
Federal de Santa Catarina gressive and sustainable comprehensive and com- tegrativas e Complementares.
(UFSC). Av. Professor plementary practices. Palavras-chave Gestão em saúde, Terapias com-
Henrique da Silva Fontes
Key words Health management, Complementa- plementares, Medicina integrativa, Política
6100, Trindade. 88036-700
Florianópolis SC. ry therapies, Comprehensive medicine, Health de saúde
melcostasantos@gmail.com policy
2
Departamento de Saúde
Pública, Centro de Ciências
de Saúde, Universidade
Federal de Santa Catarina.
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Santos MC, Tesser CD

Introdução bui também para a ampliação do acesso às PIC1,11,


já que, até então, estas práticas estavam mais res-
A incorporação das Medicinas Alternativas e tritas ao setor privado, reconhecendo a plurali-
Complementares/Tradicionais, chamadas pelo dade nos cuidados12 e possibilitando outros sa-
governo brasileiro de Práticas Integrativas e beres e racionalidades, com ampliação da varie-
Complementares (PIC)1, na rede pública de saú- dade de recursos para a atenção à saúde13,14.
de brasileira está em lenta expansão. Além das Por outro lado, considera-se um desafio aos
recomendações da Organização Mundial de Saú- gestores públicos a efetiva institucionalização das
de para que os países elaborem políticas que con- PIC no SUS, já que os atuais mecanismos legais
siderem o acesso a estas práticas, há um contex- não são suficientes quando há reduzido número
to mundial favorável a isso, devido, entre outros de recursos humanos capacitados, insuficiente
fatores, ao abalo da biomedicina nas suas rela- financiamento para a maioria das práticas e pou-
ções com os usuários, a sua tendência ao uso cos espaços institucionais para desenvolvimen-
abusivo de tecnologias duras, a seus efeitos ia- tos de novas práticas e serviços2,7, além de fatores
trogênicos e a uma significativa “desumanização” culturais e científicos que frustram as tentativas
das suas práticas profissionais2-4. Complemen- de integração das PIC à biomedicina15. Reconhe-
tarmente, parte do crescimento da procura soci- ce-se a importância do estabelecimento de uma
al pelas PIC deve-se a méritos próprios: reposici- política, porém há carência de diretrizes operaci-
onam o paciente como centro do paradigma onais para implantação das PIC, o que dificulta
médico; consideram a relação curador-paciente a consolidação dessas práticas, especialmente na
como elemento fundamental da terapêutica; bus- APS. O objetivo deste artigo é apresentar e fun-
cam meios terapêuticos simples, menos depen- damentar um método para a implantação e pro-
dentes de tecnologia científica dura, menos caros moção de acesso às PIC na APS, contribuindo na
e, entretanto, com igual ou maior eficácia nas qualificação e ampliação do cuidado e da resolu-
situações comuns de adoecimento; e estimulam bilidade na APS e disponibilizando um instru-
a construção de uma medicina que busca acen- mento de orientação para a gestão local.
tuar a autonomia do paciente, tendo como cate-
goria central a saúde e não a doença3,5-9.
No Brasil, as discussões sobre esse tema ini- Metodologia
ciaram-se na década de 1980, coincidindo com a
criação do Sistema Único de Saúde (SUS), com O método aqui apresentado deriva da análise da
destaque para a 8ª Conferência Nacional de Saú- experiência em andamento em Florianópolis
de, em 1986, que deliberou a introdução de prá- (SC), complementada com experiência prévia do
ticas alternativas de assistência à saúde no âmbi- município de Campinas (SP), em que um dos
to dos serviços de saúde1. Na década de 1990, o autores trabalhou em 2003-2005. Tal análise se
grupo de pesquisa Racionalidades Médicas, lide- insere numa pesquisa de mestrado em Saúde
rado por Madel Luz, evidenciou-se discutindo Coletiva, aprovada pelo Comitê de Ética em Pes-
inicialmente sistemas médicos complexos (ho- quisa sobre Seres Humanos da Universidade Fe-
meopatia, medicina tradicional chinesa e ayur- deral de Santa Catarina, cuja metodologia foi a
védica) e depois práticas de saúde, em sua diver- pesquisa-ação, em que há estreita relação entre
sidade de saberes e práticas10, fortalecendo o mo- pesquisadores e pessoas da situação investigada
vimento ainda tímido de inserção das PIC na do tipo participativo16. Por meio de seminários
saúde pública brasileira. Contudo, o marco ocor- de pesquisa, gera-se aumento do “nível de cons-
reu em 2006, com a edição da Política Nacional ciência” do grupo envolvido, constatações de di-
de PIC (PNPIC), a qual enfatiza a inserção das ficuldades, discussão de valores, investigações,
PIC na atenção primária à saúde (APS), contri- decisões, experimentações e avaliações a fim de
buindo para o aumento da resolubilidade do sis- solucionar um problema coletivo16,17, que, no
tema, com um cuidado continuado, humaniza- nosso caso, relacionou-se à implantação das PIC
do e integral1 e visando também normatizar a na APS. Analisando este processo, puderam ser
utilização destas práticas no SUS (já que em to- extraídas diretrizes de ação potencialmente apli-
das as práticas heterônomas de saúde pode-se cáveis e ou adaptáveis em outros contextos.
observar comportamentos inadequados, tais O campo empírico foi o município de Floria-
como imprudência profissional e manipulação nópolis, com 421.203 habitantes, em que a Es-
da indústria e propaganda, o que é facilitado pela tratégia de Saúde da Família cobre 90% da po-
ausência de regulamentação)3. A PNPIC contri- pulação, com cinco Distritos Sanitários, 112 equi-
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pes de saúde da família atuando em 50 Centros Apresentação do método
de Saúde e 7 Núcleos de Apoio a Saúde da Famí-
lia (NASF), nos quais o município optou por Experiências no SUS têm mostrado a ineficácia
não incluir acupunturistas e homeopatas. Ape- de tentativas de estabelecer novos programas,
sar de haver dois médicos acupunturistas e um serviços e reorganizar processos de trabalho sem
homeopata nas Policlínicas Municipais como re- que sejam questionados segmentos além da ges-
ferência à APS, não existia, no início da pesquisa, tão21. Por isso, as atuais políticas fomentam a
apoio institucional para a oferta de PIC na APS. gestão participativa e propostas afins, como a de
A investigação foi conduzida por um núcleo cogestão de Campos22,23, contribuem no proces-
de pesquisadores, como orienta a pesquisa-ação, so de mudança organizacional e das práticas. Isso
formado pelos membros ativos da Comissão de é importante para minimizar uma tendência co-
PIC da Secretaria Municipal de Saúde, constituí- mum nos poderes executivos federais, estaduais
da em março de 2010, e que incluía os autores do e municipais da saúde: protagonizar e personali-
artigo. Os dados foram registrados e analisados zar a implantação de políticas, programas ou
durante os seminários por um ano e meio (abril/ inovações nos serviços, por motivos de capitali-
2010 a outubro/2011), período em que desen- zação política e eleitoral, por motivos de apoio
volveram-se os ciclos de pesquisa-ação, compos- genuíno às propostas, ou por ambos. Quando
tos por quatro momentos: exploratório; princi- um gestor viabiliza a implantação de ações ou
pal ou de planejamento; de ação; e de avaliação17. serviços (como as PIC) não é raro que não se
Nos seminários identificou-se problemas e construa sustentabilidade cultural, administra-
prioridades, colheu-se informações, planejou-se tiva e política junto a instituição, seus profissio-
e realizou-se ações e avaliações das mesmas, vi- nais e a sociedade civil (incluindo o Conselho
sando implantar e promover o acesso às PIC na Municipal de Saúde), a fim de enraizar social-
APS. A partir da experiência vivida e registrada mente e institucionalmente as iniciativas e torná-
(diário de campo), dos dados gerados pelos tra- las imunes à ciclicidade das mudanças dos go-
balhos da Comissão (atas, relatórios e documen- vernantes. Tal ciclicidade dificulta a consolidação
tos institucionais) e da sua análise pelos pesqui- de boas práticas gestoras e de cuidado e um dos
sadores, extraiu-se, num esforço de síntese e abs- eixos fundantes do método proposto é uma pre-
tração, diretrizes estratégicas e metodológicas que ocupação constante com o permanente diálogo,
resultaram no método ora apresentado. A Tabe- a transparência e a negociação entre os envolvi-
la 1 apresenta o número de encontros realizados dos, de modo a enriquecer a experiência sobre o
em cada uma das fases do processo, identifica- tema da organização como um todo, visando
das em análise retrospectiva, descritas adiante. construir solidez e sustentabilidade social, insti-
Devido a opção do município de priorizar tucional e política, dadas as dificuldades cultu-
enfaticamente a implantação das PIC na APS, em rais e organizacionais envolvidas24.
conformidade com a PNPIC1 e a “vocação natu- O método compõe-se de quatro fases, sepa-
ral” das PIC para ali se fazerem presentes18-20, a radas didaticamente a fim de facilitar a compre-
discussão realizada atém-se a esse ambiente de ensão do processo: 1: Estabelecimento de respon-
serviços. Entretanto, parece-nos que o método é sáveis; 2: Análise situacional; 3: Regulamentação;
adaptável para outros locais de cuidado, dada 4: Implantação. A Figura 1 apresenta o modelo
sua generalidade e pressupostos, que transcen- lógico do método e, não por acaso, o desenho é
dem a APS. semelhante à própria pesquisa-ação, devido a

Tabela 1. Número de reuniões e seminários realizados pelo núcleo responsável pelo processo de implantação das Práticas
Integrativas e Complementares no município de Florianópolis/SC, no período de abril de 2010 a outubro de 2011.

Reuniões/Seminários Seminários do núcleo Seminários do núcleo


do núcleo responsável responsável e profissionais responsável e gestores

Fase 1: Estabelecimento de Responsáveis 4 0 0


Fase 2: Análise Situacional 3 4 1
Fase 3: Regulamentação 5 1 4
Fase 4: Implantação 20 1 7
Total 32 6 12
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Santos MC, Tesser CD

FASE 1

Linha do tempo
Estabelecimento de
responsáveis

FASE 2
Análise situacional

FASE 3
Regulamentação

FASE 4
Implantação


ETAPA D
1º ciclo: •x unidades de saúde

ETAPA C
Viabilização de Atividades de apoio em
tutoria Educação Permanente
 em Saúde

PIC implantados

ETAPA B ETAPA A
Pactuação do Plano Início do ciclo de
Local de Implantação implantação





ETAPA D
2º ciclo: •x unidades de saúde

ETAPA C
Viabilização de Atividades de apoio em
tutoria Educação Permanente
 em Saúde
PIC implantados


ETAPA B ETAPA A
Pactuação do Plano Início do ciclo de
Local de Implantação implantação





ETAPA D
3º ciclo: •x unidades de saúde

ETAPA C
Viabilização de Atividades de apoio em
tutoria Educação Permanente
 em Saúde
PIC implantados


ETAPA B ETAPA A
Pactuação do Plano Início do ciclo de
Local de Implantação implantação 


Figura 1. Modelo lógico do método de implantação e promoção do acesso às Práticas Integrativas e


Complementares (PIC) na Atenção Primária à Saúde.
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valores comuns a ambos: participação, perma- ratura pertinente, de experiências de outros mu-
nente negociação, diálogo, consensuação e cor- nicípios e da própria PNPIC. Sugere-se a elabo-
responsabilização, favorecendo implantação pro- ração de um plano de ação mínimo, pactuando-
gressiva e sustentável, com estímulo ao aprendi- se um cronograma de atividades e periodicidade
zado organizacional, o que é também proposto de reuniões, a fim de cumprir com as atribuições
por Campos22,23 e Rivera e Artmann24. e prazos determinados pelos gestores. Nos casos
analidados, as reuniões variaram de semanais a
Fase 1 – Estabelecimento de Responsáveis quinzenais, ou mais distantes, quando entreme-
adas por outras atividades de sensibilização e
O primeiro passo é a definição de um núcleo educativas, conforme descrito adiante, com du-
responsável pela condução do processo, poden- ração de 2 a 3 horas.
do ser constituído por profissionais da institui-
ção, preferencialmente de caráter multiprofissi- Fase 2 – Análise Situacional
onal e com expertises em variadas PIC. É reco-
mendável que a responsabilidade não fique ex- O pressuposto desta fase é uma constatação
clusivamente em uma única pessoa, o que pode- generalizada em municípios de grande porte e
ria centralizar politica e administrativamente o comum em municípios de médio e pequeno por-
processo, diminuindo o aprendizado institucio- te: o fato de que as PIC despertam interesse soci-
nal. Mas em municípios de pequeno porte talvez al e também em profissionais de saúde, que cada
isso não seja possível, quando recomenda-se a vez mais procuram formação nelas para en-
identificação de profissionais em municípios vi- riquecimento do seu potencial de cuidado25-28
zinhos consorciados ou “consorciáveis”. Pode-se (compreensão dos adoecimentos e ampliação de
também convidar especialistas, acadêmicos ou recursos e técnicas terapêuticas) e de promoção29/
assessores externos, proporcionando enriqueci- prevenção. Isso vem ocorrendo independen-
mento com outras vivências. Nas experiências temente da gestão do SUS capacitar, incentivar
analisadas, os núcleos eram compostos por um ou contratar profissionais habilitados em PIC.
coordenador, que era o mediador principal com É, portanto, um fenômeno social que precede e
demais setores instituicionais do SUS e da socie- transcende as políticas e que pode e deve ser apro-
dade (num caso era um médico deslocado 20 veitado.
horas para essa função e noutro caso uma far- Por isso, o ponto fundador desta fase é que
macêutica que atuava em outras funções da ges- os principais catalizadores, organizadores e pro-
tão), e os demais membros eram profissionais motores do acesso às PIC nos serviços de saúde
com competência em alguma PIC, atuantes na municipais já provavelmente existam e estão exer-
APS ou em outros serviços do SUS, de várias ca- cendo outras funções. Ou seja, pessoas que se
tegorias profissionais e diferentes territórios, de capacitaram por interesse pessoal e que não exer-
modo a aumentar a interface de contato com a cem tais práticas por desestímulo institucional
realidade institucional. ou outros motivos. O que se observou nas duas
A importância do estabelecimento do núcleo experiências é que um começo promissor con-
responsável é a representatividade profissional e siste no reconhecimento, valorização, diálogo e
o diálogo facilitado com os demais atores envol- empoderamento desses profissionais para que
vidos, fomentando a cogestão ao construir es- não só possam praticar o que sabem em termos
paços de reflexão em que o problema é colocado, de PIC, mas também que contribuam com sua
a partir do engajamento na análise e deliberação expertise na sensibilização e capacitação de seus
coletivas21. Embora a definição do núcleo não colegas na implantação das PIC.
necessite vir de um ato institucional, isso legitima Assim, sugere-se que o núcleo responsável
as ações do grupo, que assume caráter perma- realize um mapeamento dos profissionais capa-
nente, ainda que periodicamente sejam repactu- citados em PIC, atuantes ou não, conforme uni-
ados os membros, a fim de garantir a continui- dades de saúde e competências específicas, estru-
dade das ações na área. O núcleo pode assumir turado de forma a facilitar a consulta e a atuali-
atribuições como: propor normatização local, zação dos dados, já que a flutuação de profissio-
assessoria técnica, atividades educativas, fomen- nais nos serviços pode ser comum. A partir des-
to de estudos e pesquisas, etc. As primeiras reu- ses profissionais, iniciam-se as discussões de im-
niões podem ter (e tiveram, no nosso caso) cará- plantação e acesso, por meio de seminários que
ter de solidificação do grupo, compartilhamento podem, conforme o número de profissionais ser
de conhecimentos e experiências, estudo de lite- organizados por temas e conduzidos por algu-
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mas questões norteadoras: quais as dificuldades deriam reservar até dois turnos de trabalho para
e impeditivos para atuação das PIC na APS? Qual praticar alguma PIC somente aos seus usuários
seria a melhor estratégia de organização do pro- adscritos. Já em Campinas – àquela época – de-
cesso de trabalho, do fluxo de atendimento e do cidiu-se organizar colaboração horizontal entre
acesso na APS (atendimento só da área de abran- Centros de Saúde, em que profissionais com com-
gência, colaboração horizontal, matriciamento)? petência, além de poderem atender sua própria
Como as atividades poderão ser registradas e clientela, reservariam alguns horários para aten-
formalizadas? Uma pesquisa brasileira mostrou dimentos oriundos de unidades vizinhas, sendo
haver pelo menos três modos de inserção das referência para elas.
PIC “naturalmente” desenvolvidos por profissi- Considerando a diversidade profissional na
onais na APS em situação de ausência de apoio APS, em Florianópolis foi refutada a padroniza-
institucional30: reserva de turno(s) específico(s) ção das atividades. Consensuou-se que o profis-
para a prática; integração com demais atividades sional capacitado elaborasse uma pequena pro-
da APS e ambas as formas associadas. posta de atuação para ciência e acordo de suas
A mesma dinâmica participativa pode ser coordenações, sem prejuízo de suas demais ati-
adotada em seminários com os gestores e repre- vidades, atribuições e responsabilidades, de for-
sentantes da sociedade a fim de problematizar e ma que a inclusão das PIC contribuísse para a
compreender as dificuldades relacionadas à pro- sua prática e não fosse compreendida como uma
moção do acesso e implantação das PIC. Ao fi- sobrecarga de trabalho. O Quadro 1 apresenta
nal dos seminários, recomenda-se que sejam re- uma sugestão de Formulário de Atuação em PIC,
gistrados os tópicos importantes, na visão de que poderá estar como anexo à regulamentação
cada esfera (profissionais, gestores e sociedade), municipal, permitindo a sistematização dos da-
que, juntamente com o mapeamento de profissi- dos de profissionais atuantes na APS e a viabili-
onais, compõem uma síntese da análise situacio- zação das necessidades específicas solicitadas.
nal das PIC no município. No caso de não haver Durante esta fase e ao longo do processo de
profissional praticante ou capacitado nos servi- implantação, algumas adequações institucionais
ços, sugere-se identificar profissionais interessa- podem ser necessárias a fim de possibilitar o
dos no tema para essa fase. monitoramento e a avaliação das atividades, com
geração de importantes relatórios institucionais.
Fase 3 – Regulamentação Por exemplo, é necessária a atualização do Ca-
dastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde,
A regulamentação surge da necessidade de incluindo as unidades de saúde que disponibili-
legitimação profissional e institucional, muito zarão PIC. Também o registro do atendimento
comum em ambientes com gestores não sensí- em PIC realizado deverá ser estimulado, confor-
veis às PIC, o que desestimula ou mesmo impos- me códigos definidos pelo Ministério da Saúde
sibilita a atuação profissional. A regulamentação ou códigos próprios quando esses não existirem.
pode se dar por uma política municipal, com trâ- Complementarmente, sugere-se a checagem da
mites legais próprios, ou, de forma mais sim- situação das legislações gerais ou específicas so-
ples, por ato institucional do gestor municipal, bre as PIC, incluindo a regulamentação dos con-
estabelecendo normas gerais para o desenvolvi- selhos profissionais. Podem ocorrer casos de prá-
mento das PIC, em consonância com a PNPIC, ticas não regulamentadas, em que os gestores e
tais como: fluxos de acesso aos usuários, organi- fóruns competentes, notadamente os Conselhos
zação da demanda, estruturação dos serviços e Municipais de Saúde, podem ser corresponsá-
do processo de trabalho das equipes, registros veis no processo de avaliação e possível legitima-
de atendimentos e procedimentos, disponibili- ção socioinstitucional dos mesmos.
zação de medicamentos e insumos relacionados, Recomenda-se a aprovação da versão final
processos educativos e de participação social, etc. da normatização municipal em um encontro com
O ponto de partida para a elaboração do docu- profissionais e gestores, que ainda poderá ser
mento normativo poderá ser o produto da fase submetida a consulta pública e aceitação do Con-
anterior, ampliando a discussão em todas ins- selho Municipal de Saúde, para que, após for-
tâncias. Por exemplo, em Florianópolis, como matação e adequação judicial, o secretário mu-
resultado das discussões e negociações, definiu- nicipal de saúde possa aprovar e encaminhar à
se que os profissionais da APS capacitados po- publicação.
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Quadro 1. Exemplo de Formulário de Atuação em Práticas Integrativas e Complementares

FORMULÁRIO PARA ATUAÇÃO EMPRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES (PIC)

Unidade de Saúde: __________________________

Data:___/___/___

Profissional requerente:_______________________

Profissão:__________________

PIC requerida: ____________ (anexar documentos comprobatórios da formação profissional)

PROPOSTA DE ATUAÇÃO (descrever detalhadamente como a PIC será realizada, em que periodicidade,

público-alvo, tempo para realização, necessidade de materiais, etc)

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________

____________________________________

(Assinatura e carimbo do profissional)

Ciente e de acordo, _______________________________

(Assinatura e carimbo da chefia imediata)

Ciente e de acordo, _______________________________

(Assinatura e carimbo do Diretor do Distrito Sanitário)

Fase 4 – Implantação Permanente em Saúde. A capacidade produtiva


do núcleo responsável definirá a velocidade de
A fase de implantação é fundamental para a implantação e, somente após o primeiro ciclo de
expansão sustentável das PIC na APS, já que so- unidades estarem com suas atividades em PIC
mente a regulamentação não garante isso. A im- bem estruturadas, expande-se a implantação das
plantação progressiva tende a favorecer os pro- PIC para um ciclo de novas unidades de saúde.
cessos de mudança31, por isso essa fase tem cará-
ter descentralizado, com apropriação democrá- Etapa A – Início do ciclo de Implantação
tica dos processos de gestão e atendendo às espe-
cificidades locorregionais21, considerando que Inicialmente, recomenda-se um encontro
isso influencia na qualidade dos serviços32, e pro- com profissionais e gestores, a fim de divulgar a
põe-se que seja desenvolvida de forma contínua regulamentação, oficializando o início do pro-
e cíclica. Em cada ciclo trabalha-se algumas pou- cesso de implantação com ampla discussão so-
cas unidades de saúde, desenvolvendo-se quatro bre diretrizes de ação para promoção, sensibili-
etapas: Etapa A – Início do ciclo de Implantação; zação e apoio às PIC. Isso é importante para que
Etapa B – Pactuação do Plano Local de Implan- todos os profissionais interessados e já capacita-
tação; Etapa C – Viabilização de tutoria; Etapa D dos se sintam legitimados, conheçam os novos
– Atividades de apoio relacionadas à Educação fluxos institucionalizados e se comprometam
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com o processo, já que os espaços coletivos são amplamente favorável para que uma pessoa ou
uma estratégia de democratização das relações organização decida mudar ou incorporar novos
de poder, garantindo aos trabalhadores o acesso elementos à prática é a vivência e/ou reflexão sobre
à informação e o tempo necessário aos proces- as experiências e desconfortos, de modo a gerar
sos de discussão, deliberação e planejamento21. disposição para produzir transformações e se abrir
O produto dessa discussão coletiva poderá ser para alternativas de práticas e de saberes35, refle-
diretrizes de ação que nortearão o planejamento tindo em melhoria da qualidade31.
do núcleo responsável, e não exatamente um pla- Para isso, sugere-se uma atividade denomi-
no de ação padrão, já que nossas experiências nada “Oficina de sensibilização em PIC – pactua-
têm demonstrado que a estratégia de desenvol- ção de ações”, cujo objetivo é sensibilizar os traba-
ver um plano de implantação específico para cada lhadores da unidade de saúde sobre o tema, utili-
unidade de saúde, considerando suas caracterís- zando referenciais da educação crítico-reflexiva e
ticas de população, territórios e equipes, favore- dinâmica que fomenta a discussão no contexto
ce a sustentabilidade das PIC. Isso porque as ne- da realidade local e, por fim, pactuar ações relaci-
cessidades e demandas devem ser compreendi- onadas às PIC a serem desenvolvidas naquela uni-
das à luz da realidade de cada serviço, conside- dade. O Quadro 2 apresenta uma sugestão de ro-
rando seus profissionais, condições sociais, or- teiro, com duração total de quatro horas, dividi-
ganizacionais e especificidades, devendo ser rea- das em cinco momentos. Nesta oficina é estimu-
lizado um processo de construção conjunta, com lada a participação de todos os trabalhadores da
corresponsabilização31,33. unidade, já que o vínculo e o sentimento de per-
Nesta etapa, pactua-se quais e quantas uni- tencer às intituições é mobilizado pelo desejo de
dades de saúde integrarão o ciclo. Sugere-se, com participar e de reconhecimento identidário21 e,
base nas experiências observadas, que os primei- portanto, quanto maior o número de participan-
ros ciclos contemplem as unidades de saúde que tes mais caracteriza-se a pactuação de ações do
já possuam interesse nestas práticas (e/ou pro- grupo e não apenas ações individuais. Para a rea-
fissionais capacitados), o que facilita a expansão lização da oficina, a unidade de saúde permanece
da estratégia para outras unidades não tão sen- fechada por cerca de 4 horas, devendo a data ser
sibilizadas inicialmente. Na experiência de Flori- definida antecipadamente com ampla divulgação
anópolis trabalhou-se com ciclos de 6 unidades à comunidade, incluindo prévia pactuação com o
de saúde, buscando uma representatividade por Conselho Local de Saúde, se houver.
distrito sanitário. Nesta lógica, em cada ciclo as O plano local de implantação das PIC é, en-
ações se solidificam e, em longo prazo, é possível tão, produzido a partir de discussões que opor-
que todas as unidades de saúde estejam com ações tunizam a reflexão com base nas situações já vi-
em PIC em curso e bem consolidadas. Paralela- venciadas ali, nas experiências de outras locali-
mente, o núcleo responsável segue com outras dades e nas vivências individuais. Esta constru-
discussões/providências, como o estabelecimen- ção coletiva é fundamental para identificar as
to de parcerias institucionais, provisão de recur- práticas e concepções vigentes e então problema-
sos financeiros e organização de atividades de tizá-las no concreto do trabalho de cada equipe,
Educação Permanente em Saúde (EPS), esta en- incentivando a inovação36, e estabelecendo no-
tendida como uma proposta inovadora que bus- vos pactos de convivência e práticas, com vistas à
ca adequar os processos de educação dos profis- atenção integral, humanizada e de qualidade35. É
sionais à realidade e à necessidade dos serviços bastante provável que desta discussão coletiva e
de sáude34, podendo corresponder aos proces- problematizadora surjam demandas de educa-
sos educativos relacionados à educação em ser- ção em serviço, tal como propõe a lógica ascen-
viço, educação continuada, educação formal de dente da EPS, a partir dos problemas locais ob-
profissionais e, até mesmo, educação popular35. servados, considerando a necessidade de prestar
cuidado relevante e de qualidade37. O quadro 3
Etapa B – Pactuação apresenta um protótipo de documento final, re-
do plano local de implantação presentando o plano local de implantação das
PIC de uma unidade de saúde, como resultado
O estabelecimento de planos locais de implan- da oficina anteriormente sugerida, contendo:
tação das PIC participativos, singularizados e adap- ações pactuadas, que a unidade se responsabiliza
tados às realidades locais dos serviços foi uma es- e é capaz de implantar; líderes de cada ação, que
tratégia adequada, na avaliação da equipe do semi- serão o contato com o núcleo responsável e esti-
nário de pesquisa de Florianópolis. Uma condição mularão o restante da equipe no cumprimento
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Quadro 2. Sugestão de Roteiro para Oficina Sensibilização em Práticas Integrativas e Complementares –
Pactuação do Plano Local de Implantação.

Roteiro da Oficina

Abertura Distribuir o material de apoio. Realizar apresentação individual. Iniciar a


(40min) contextualização do tema PIC*, apresentação do NR**, e a proposta da Oficina.
Discussão Dividir os participantes em 2 a 4 subgrupos para leitura e discussão de textos trazidos
de textos pelo NR sobre experiências exitosas em outros municípios, destacando os pontos mais
(50min) importantes e refletindo sobre a sua realidade. Após, cada subgrupo apresenta ao grande
grupo, compartilhando as reflexões e trazendo elementos para discussão no contexto de
seu município e sua unidade.
Dramatização O grupo continua a discussão sobre as experências lidas e vivenciadas, seis voluntários são
(30min) chamados para que, sem que o grande grupo saiba, preparem uma dramatização livre
sobre uma situação do cotidiano da unidade envolvendo as PIC (uma consulta, um
grupo, uma visita, etc), utilizando adereços trazidos pelo NR para se caracterizar como
médico, enfermeiro, agente comunitário de saúde, usuários, etc. O objetivo é observar e
penetrar nos fenômenos, visualizando, de forma caricata, situações possíveis de serem
vivenciadas na unidade de saúde relacionadas às PIC e verificando a habilidade e empatia
dos profissionais em lidar com o tema, considerando o contexto sociocultural
apresentado. Após apresentação ao grupo, amplia-se a discussão sobre aquele situação
cotidiana: conduta profissional, infomações dos usuários, dificuldades e facilidades
encontradas, outros pontos de atenção observados.
Intervalo Neste ponto da oficina a tendência é já haver um grande envolvimento de todos na
(20min) discussão de como poderiam implantar as PIC em sua unidade de saúde. Por isso,
recomenda-se fazer um pequeno intervalo.
Pactuação Retornar aos subgrupos e discutir que ações em PIC podem ser feitas na unidade,
de ações baseado em todos elementos discutidos até então, pensando: “Qual ação? Quem fará?
em PIC Como? Onde? Quando? etc”. Considerar a capacidade produtiva para desenvolver tal ação
(1h20min) e, sempre que houver limitações, apontar como poderiam ser solucionadas (ex: recursos
materiais, capacitações, etc). Consensuando as ações propostas pelo subgrupo, cada um
apresenta suas propostas ao grande grupo, que, após apresentação de todos subgrupos,
refletirá sobre quais ações são viáveis, quais podem ser integradas e quais de fato poderão
ser implantadas. Por fim, pactua-se com todos as ações a serem implantadas, lembrando
que a qualidade na execução de cada ação é preferível à quantidade, e, para cada ação,
definir: líderes de cada ação; metas e indicadores relacionados à ação; cronograma de
implantação; organização do acesso e outras atividades necessárias. Todos estes dados
constarão no documento final da oficina (Plano Local de Implantação das PIC).
Finalização Definir um membro do NR como tutor da unidade de saúde. O Plano Local de
da Oficina Implantação das PIC é o documento final produzido pela oficina e norteador das ações a
(20 min) serem implantadas. Entregar uma cópia deste documento a cada participante e anexar
uma cópia maior em local visível da unidade, a fim de retomar visualmente e
constantemente as ações pactuadas. Recomenda-se fazer uma pequena avaliação da
Oficina ao final.
*
Práticas Integrativas e Complementares; ** Núcleo Responsável

das ações; bem como indicadores, metas e ou- rado e obter permanência e sustentabilidade das
tras atividades relacionadas. PIC, valendo-se da pedagogia da EPS, para que
as PIC façam sentido na realidade do serviço e
Etapa C – Viabilização de tutoria operem processos significativos nela, rompendo
com a tradicional vinculação de políticas ou pro-
O objetivo da viabilização de tutoria é fomen- gramas específicos à uma linha de capacitações
tar a realização e execução do plano local elabo- ou prescrições de trabalho aos profissionais, sem
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Santos MC, Tesser CD

Quadro 3. Exemplo de Plano Local de Implantação das Práticas Integrativas e Complementares em uma Unidade
de Saúde, como resultado da Oficina de Sensibilização em Práticas Integrativas e Complementares.

Plano Local de Implantação - ações pactuadas em práticas integrativas e complementares

Centro de Saúde xxxxxxxxxxx (data: __ / __ / __ )

Objetivo: Implementar as Práticas Integrativas e Complementares no Centro de Saúde xxxxxxxxxxx


Tutor : __________________ (contatos: telefone; email)

Ação pactuada Líder Indicador Início Atividades relacionadas


Fortalecer a xxxx Número de Imediato Legitimar profissional formado; Realizar
Acupuntura atendimentos por parceria para “Treinamento em Técnicas
semana de Acupuntura”.

Desenvolver a xxxx Número de grupos Após Estruturar a horta medicinal


Fitoterapia na horta construção
medicinal por mês horta medicinal

Percentual de Após Oficina Realizar Oficina de sensibilização para


profissionais de profissionais de nível médio e fundamental
sensibilizados Sensibilização da unidade e para comunidade.

Percentual de Após Realizar parceria para “Treinamento em


profissionais capacitação Plantas Medicinais e Fitoterapia” para
capacitados profissionais de nível superior da unidade.

Implantar xxxx Número de grupos Após Realizar “Capacitação para Facilitadores


grupos de por mês capacitação de Automassagem”
automassagem

Implantar a xxxx Número de Após Realizar “Capacitação em


Auriculoterapia atendimentos capacitação Auriculoterapia”; Incluir o uso da técnica
por semana na sala de espera e acolhimento.

oportunidade de assessoramento35. Deseja-se É comum que os líderes das ações pactuadas


com a tutoria o oposto, ou seja, que o olhar, a nos planos locais se envolvam suficientemente
escuta, a parceria e o apoio permitam compre- no cumprimento destas ações, passando a dis-
ender a especificidade e os problemas locais, com cutir com os demais colegas em diversos espaços
elaboração de estratégias adequadas ao seu en- (reuniões da unidade, reuniões de equipe, etc), e
frentamento. O tutor pode ser um representante será principalmente com estes líderes que o tutor
ou membro do núcleo responsável e pode ser terá maior interface. Recomenda-se que se esta-
determinado na etapa anterior, juntamente com beleça um calendário de visitas e contatos do tu-
a elaboração do plano local das PIC. Essa tutoria tor com a unidade de saúde, podendo ampliar o
aproxima-se da noção de “apoio” de Campos38, intervalo entre as visitas conforme as ações pas-
como uma pressão de fora, que implica trazer sarem a ficar bem consolidadas. Na experiência
algo externo ao grupo que opera os processos de base da pesquisa, o intervalo inicial entre as visi-
trabalho, sustentando e “empurrando” o outro. tas foi de um mês, passando posteriormente para
Esta proposta é importante na gestão participa- três, contando com a presença, ao menos, do
tiva já que busca intervir de maneira interativa, coordenador da unidade e dos líderes das ações,
partindo do pressuposto que as funções de ges- em que se discutia as formas de apoio na execu-
tão se exercem entre sujeitos com distintos graus ção das ações, com sugestões de atividades, par-
de saber e de poder. cerias e possibilidades de EPS.
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Ciência & Saúde Coletiva, 17(11):3011-3024, 2012


O tutor poderá utilizar as estratégias de apoio e, portanto, terão como público-alvo os profissi-
sugeridas por Campos38, como construir rodas onais daquelas unidades, facilitando a saída do
e contribuir para a criação de espaços coletivos, serviço, já que são relativamente poucos os pro-
aplicando metodologias que tragam ofertas ex- fissionais envolvidos, comparados a toda rede de
ternas e também valorizem as demandas do gru- serviços. O núcleo responsável poderá estabelecer
po, estimulando as decisões coletivas, o trabalho um rol de atividades educativas, articulando-se à
em equipe36 e orientando-se pelo plano local das coordenação de EPS da secretaria, caso exista, e
PIC elaborado pela unidade. Após cada visita, o buscando outras parcerias, tendo como base os
tutor retorna as demandas para a reunião perió- planos locais das unidade de saúde. Como exem-
dica do núcleo responsável para que, juntamente plo, em Florianópolis planejou-se atividades de
com as demandas de outras unidades, defina-se EPS relacionadas à fitoterapia (formação profis-
um plano de ação para este ciclo de unidades, sional em fitoterapia, oficinas de educação popu-
considerando as necessidades de EPS, forneci- lar para a comunidade e agentes comunitários de
mento de materiais e insumos, viabilização de saúde, oficinas de desenvolvimento de horta me-
estrutura física, apoio matricial, etc. dicinal), já que todas as unidades de saúde do
primeiro ciclo pactuaram “desenvolver a fitotera-
pia”, refletindo a realidade de uso generalizado
desta terapia pela população mundial e local40. O
núcleo responsável poderá apoiar-se na expertise
Etapa D – Atividades de apoio relacionadas dos profissionais mapeados, na Fase 2, para que
à Educação Permanente em Saúde sejam referências de ensino, com intuito de valo-
rização do potencial dos próprios profissionais e
Baseado nas ações pactuadas no plano local também como estratégia de superação da carên-
de implantação das PIC de cada unidade de saú- cia de financiamento para as PIC; ou talvez sejam
de e, ainda, nas demandas das unidades trazidas necessárias outras parcerias institucionais, que
pelos tutores, o núcleo responsável elabora um devem ser providenciadas e apoiadas pelo SUS,
plano de ação em que as atividades relacionadas para que a EPS constitua espaços de planejamen-
à EPS merecem um maior destaque, a fim de su- to, gestão e mediação37.
prir a deficiência de formação existente na gra- Ao fim do primeiro ciclo, é bem provável que
duação dos profissionais sobre as PIC, e que re- as unidades de saúde estejam com as ações em
fletem os modelos conservadores, centrados em PIC na APS bem consolidadas: possuem seu pla-
saberes e tecnologias biomédicas dependentes de no local de implantação pactuado; contam com
procedimentos e equipamentos diagnósticos e tutoria permanente para execução das ações pac-
terapêuticos39. A EPS relacionada às PIC é ainda tuadas; receberam atividades de EPS relaciona-
mais complexa e, ao mesmo tempo, relevante, já das às PIC a fim de favorecer a implantação e
que a presença de saberes tradicionais das cultu- realização das ações. Assim, é chegado o momento
ras e a produção de sentidos ligada ao processo de expansão para mais unidades de saúde e, con-
saúde-doença-cuidado-qualidade de vida perten- forme se perceba que há capacidade produtiva
cem a lógicas em grande parte distintas do mo- para iniciar um novo ciclo, novas unidades de
delo científico hegemônico vigente35. Para isso, saúde serão elencadas e todo o processo descrito
deve-se refletir sobre desenvolver EPS contextu- na Fase 4 se iniciará novamente. As característi-
alizada e utilizar outros espaços institucionais cas de cada município e de sua gestão, bem como
para além das tradicionais capacitações (que ge- a disponibilidade e produtividade do núcleo res-
ram o esvaziamento de profissionais da rede), ponsável, definirão a velocidade de implantação
como reuniões de categoria profissional, reuni- das PIC nas unidades de saúde da APS.
ões da unidade de saúde, reuniões de equipe, en-
tre outros, já que, conforme Ceccim35, as capaci-
tações não se mostram eficazes para possibilitar Considerações finais
a incorporação de novos conceitos e princípios
às práticas estabelecidas, por trabalharem de A inserção das PIC na APS configura uma ação
maneira descontextualizada e se basearem prin- de ampliação de acesso e qualificação dos servi-
cipalmente na transmissão de conhecimentos. ços, na perspectiva da integralidade da atenção à
Sugere-se que as atividades em EPS iniciem saúde da população. Para sua consolidação,
tão logo seja pactuado o plano local das PIC nas como mais uma estratégia terapêutica e promo-
unidades de saúde contempladas no mesmo ciclo tora de saúde na APS, devem ser consideradas as
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Santos MC, Tesser CD

diversas influências que interferem no decorrer nas práticas em saúde exige envolvimento de ato-
deste processo: gestores, políticas institucionais, res sociais, institucionais e profissionais e pare-
sujeitos envolvidos (e suas competências), cultu- ce-nos que a estratégia proposta favorece o pro-
ra local e organizacional, etc. A realização de um tagonismo e a participação dos profissionais,
processo guiado democraticamente, discutido e democratizando a gestão e ampliando a atenção
sustentado, promove o aperfeiçoamento e ade- à saúde, com responsabilização pactuada entre
quação das atividades e norteia as ações a serem gestores, trabalhadores e usuários, como estimu-
implantadas. A coparticipação no estabelecimen- la a Política Nacional de Humanização. O méto-
to de ações em PIC é tão importante quanto os do apresentado facilita o desenvolvimento de
resultados obtidos, refletindo em mudanças na ações sólidas e sustentáveis, fomentando a ges-
percepção dos envolvidos e na cultura da pró- tão participativa, a construção da integralidade e
pria instituição31. Nossa experiência, ainda em a ampliação responsável e cuidadosa das práti-
fase relativamente inicial e com resultados, por- cas e saberes no cuidado, além de propiciar o
tanto, parciais, vem indicando que o roteiro me- registro de experiências, contribuindo para a
todológico sintetizado parece defensável, susten- implantação das PIC na APS.
tável e promissor. Sabe-se que a transformação

Colaboradores

MC Santos trabalhou na concepção, coleta, re-


gistro e análises de dados, todos seminários de
pesquisa, estudo bibliográfico, redação inicial, re-
visões e redação final. CD Tesser participou de
todas as fases da pesquisa como orientador, in-
cluindo participação em muitos seminários de
pesquisa, e da redação inicial, revisões e final do
artigo.

Agradecimentos

Aos membros da Comissão de Práticas Integra-


tivas e Complementares da Secretaria Municipal
de Saúde de Florianópolis (equipe de pesquisa-
ação deste trabalho): Sônia de Castro S. Thiago;
Daniela Baumgart de Liz Calderon; Leila Nery
Santos de Souza; Gelso Guimarães Granada; Re-
nato José Alves de Figueiredo e Ari Ojeda Ocam-
po Moré.
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Ciência & Saúde Coletiva, 17(11):3011-3024, 2012


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Artigo apresentado em 30/04/2012


Aprovado em 17/07/2012
Versão final apresentado em 30/08/2012

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