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DOI: 10.5212/OlharProfr.v.14i2.

0007

Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental*

Complexity, interdisciplinarity and environmental knowledge


Enrique Leff**

Resumo: O artigo se propõe a realizar uma reflexão crítica sobre os marcos conceituais e as bases
epistemológicas da questão ambiental, os quais podem impulsionar uma prática da interdisciplinaridade
mais aprofundada e bem fundamentada em seus princípios teóricos e metodológicos, orientada ao ma-
nejo, gestão e apropriação dos recursos ambientais.

Palavras-chave: Complexidade. Formação ambiental. Interdisciplinaridade. Saber ambiental.

Abstract: This article proposes to undertake a critical reflection on the conceptual frameworks and the
epistemological basis of environmental issues, which can stimulate an interdisciplinary practice that
is more in-depth and well-grounded in theoretical and methodological principles and is more aimed at
management and the ownership of environmental resources.

Keywords: Complexity. Environmental training. Interdisciplinarity. Environmental knowledge.

Interdisciplinaridade e formação e do crescimento econômico. Surgem como


ambiental: antecedentes e todo um campo do real negado e do saber
contribuições da América Latina desconhecido pela modernidade, reclaman-
do a “internalização” de uma “dimensão am-
biental” através de um “método interdisci-
A questão ambiental, com a sua com-
plinar”, capaz de reintegrar o conhecimento
plexidade, e a interdisciplinaridade emergem
para apreender a realidade complexa.
no último terço do século XX (finais dos anos
60 e começo da década de 70) como proble- A Bomba Populacional de Paul
máticas contemporâneas, compartilhando o Ehrlich (1968), o Congresso de Nice
sintoma de uma crise de civilização, de uma sobre Interdisciplinaridade de 1968
crise que se manifesta pelo fracionamento do (APOSTEL et al, 1975), a Teoria Geral
conhecimento e pela degradação do ambien- de Sistemas de BERTALANFFY (1968),
te, marcados pelo logocentrismo da ciência O Homem Unidimensional de Herbert
moderna e pelo transbordamento da econo- Marcuse(1968), Da Gramatologia, de
mização do mundo guiado pela racionalida- Derrida (1967), A Arqueologia do Saber,
de tecnológica e pelo livre mercado. de Michel Foucault(1969), são indicadores
da eclosão até finais dos anos 60 de uma
A crise ambiental e a crise do saber
nova consciência ecológica frente ao
surgem como a acumulação de “externalida-
logocentrismo, a racionalidade tecnológica
des” do desenvolvimento do conhecimento

*
Artigo publicado em PHILIPPI JR., Arlindo (Org.). Interdisciplinaridade em ciências ambientais. São Paulo :
Signus, 2000.
**
Professor da Universidade Nacional Autônoma do México e Coordenador da Rede de Formação
Ambiental para a América Latina e Caribe do PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente. E-mail: <enrique.leff@yahoo.com>.

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e a crise do crescimento econômico e conhecimento demanda uma abordagem


populacional. Em princípios dos anos 70, holística e um método interdisciplinar que
Nicolás Georgescu Roegen (1971) publica permitam a integração das ciências da
A Lei da Entropia e o Processo Econômico natureza e da sociedade; das esferas do ideal
e se difunde mundialmente o estudo do e do material, da economia, da tecnologia e
Club de Roma, Os Limites do Crescimento da cultura (UNESCO, 1986).1
(MEADOWS et al, 1972), marcando os Nessa reflexão epistemológica e me-
limites que a natureza impõe à racionalidade todológica sobre a complexidade e a inter-
econômica. disciplinaridade nas relações sociedade-
Com esses antecedentes, a Conferên- -natureza, tem predominado uma visão
cia das Nações Unidas sobre o Meio Am- naturalista, biologista e ecologista (MORIN,
biente Humano, celebrada em Estocolmo em 1973, WILSON, 1975); no campo da educa-
1972, lança uma cruzada em favor do meio ção ambiental, a atenção tem se concentrado
ambiente; ao mesmo tempo, porém, reconhe- nos problemas de conservação dos recursos
ce que a solução da problemática ambiental naturais, na preservação da biodiversidade
implica mudanças profundas na organização e na solução dos problemas da contamina-
do conhecimento. Dessa forma, propõe-se o ção do ambiente. Paulatinamente passou-se
desenvolvimento de uma educação ambien- da noção de ambiente que considera essen-
tal fundada em uma visão holística da reali- cialmente os aspectos biológicos e físicos,
dade e nos métodos da interdisciplinaridade. a uma concepção mais ampla, que dá lugar
às questões econômicas e sócio-culturais,
Assim, em 1975 se estabelece o
reconhecendo que, se os aspectos biológicos
Programa Internacional de Educação
e físicos constituem a base natural do am-
Ambiental (PIEA), patrocinado pela
biente humano, as dimensões socio-culturais
UNESCO e pelo Programa das Nações Unidas
e econômicas definem as orientações concei-
para o Meio Ambiente (PNUMA). Mais tarde,
tuais, os instrumentos técnicos e os compor-
na Conferência Intergovernamental sobre
tamentos práticos que permitem ao homem
Educação Ambiental, celebrada em Tbilisi
compreender e utilizar melhor os recursos da
em 1977, estabelecem-se as orientações
biosfera para a satisfação de suas necessida-
gerais da educação ambiental, fundada em des (UNESCO,1980).
princípios da interdisciplinaridade como
método para compreender e restabelecer A partir desses princípios, na América
as relações sociedade-natureza (UNESCO, Latina ocorreu um forte impulso para a
reflexão e para a promoção da formação
1980). O PIEA buscou incorporar uma
ambiental, através de uma série de seminários
“dimensão ambiental” nas diferentes
organizados pelo Centro Internacional de
disciplinas, assim como nos métodos de
investigação e nos conteúdos do ensino
1
formal e informal, em Nessa perspectiva, A educação relativa ao ambiente... tem como meta
permitir ao ser humano compreender a natureza com-
reconhece-se que os problemas ambientais plexa do ambiente, tal como esta resulta da interação
são sistemas complexos, nos quais intervêm de seus aspectos biológicos, físicos, sociais, econômi-
processos de diferentes racionalidades, cos e culturais. Em consequência, deverá oferecer os
ordens de materialidade e escalas espaço- meios para interpretar a interdependência desses diver-
sos elementos no espaço e no tempo, para favorecer
temporais. A problemática ambiental é uma utilização mais sensata e prudente dos recursos do
o campo privilegiado das inter-relações universo para a satisfação das necessidades da humani-
sociedade-natureza, razão pela qual seu dade. (UNESCO/UNEP 1985)

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Formação em Ciências Ambientais (CIFCA) que tenham sido abertos espaços de forma-
– programa conjunto do PNUMA com o ção ambiental (ainda marginais) nas univer-
governo da Espanha que funcionou desde sidades, a interdisciplinaridade se incorpora,
1976 até 1983 – e pela Rede de Formação na maior parte das vezes, como um princípio
Ambiental para América Latina e Caribe, que se satisfaz com a multiplicidade de te-
do PNUMA, desde seu estabelecimento em mas ambientais introduzidos no currículo.
1981. Esses esforços levaram à organização A reflexão em torno dos problemas do
do Primeiro Seminário sobre Universidade conhecimento que apresenta a questão am-
e Meio Ambiente, organizada pela Rede biental foi orientado para a incorporação de
de Formação Ambiental e pelo PIEA em
um saber ambiental emergente nos paradig-
Bogotá, em 1985, que estabeleceu as bases
mas “normais” de conhecimento (das disci-
para o desdobramento de diversos programas
plinas científicas estabelecidas), buscando
de investigação e estudo nas universidades
com isso estabelecer bases para uma gestão
da região, orientadas pelos princípios da
“interdisciplinaridade ambiental” (PNUMA, racional do ambiente (LEFF et al, 1986). Da
1985; PNUMA/ UNESCO, 1988). concepção de uma educação ambiental fun-
dada na articulação interdisciplinar das ciên-
Hoje pode-se identificar na região da
cias naturais e sociais, se avançou para uma
América Latina e Caribe diversos programas
visão da complexidade ambiental aberta a
“interdisciplinares” de investigação e forma-
diversas interpretações do ambiente e a um
ção ambiental (PNUMA, 1995), nos quais se
diálogo de saberes. Nessa visão se confluem
desenvolvem estratégias acadêmicas e expe-
riências muito diferentes. Reconhecendo os a fundamentação epistemológica e a via her-
avanços feitos na investigação e na formação menêutica na construção de uma racionali-
ambiental que demandam a interdisciplina- dade ambiental que é mobilizada por um sa-
ridade como fundamento teórico e guia pe- ber ambiental que se inscreve em relações
dagógico, é possível afirmar que são poucos de poder pela apropriação social da natureza
os programas que trabalham a problemática e da cultura (LEFF, 1986, 1994b, 2000).
epistemológica e metodológica da interdis- A interdisciplinaridade implica assim
ciplinaridade para fundamentar seus progra- um processo de inter-relação de processos,
mas de investigação e de estudo2. Mesmo conhecimentos e práticas que transborda e
transcende o campo da pesquisa e do ensino
2
Existem honrosas exceções e importantes no que se refere estritamente às disciplinas
contribuições, como as pesquisas realizadas no Instituto científicas e a suas possíveis articulações.
de Estudos Ambientais da Universidade Nacional de
Colômbia; as pesquisas em torno do doutorado em
Dessa maneira, o termo interdisciplinaridade
Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade vem sendo usado como sinônimo e metáfora
Federal do Paraná (ZANONI; RAYNAUT, 1994, de toda interconexão e “colaboração” entre
FLORIANI, 1998) e do Programa de Pós-Graduação diversos campos do conhecimento e do
em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo
saber dentro de projetos que envolvem tanto
(JACOBI, 1999); as reflexões que fundamentam as
pesquisas do Centro de Investigações Ambientais da as diferentes disciplinas acadêmicas, como
Universidade Nacional de Mar del Plata e o mestrado as práticas não científicas que incluem as
em Gestão Ambiental do Desenvolvimento Urbano instituições e atores sociais diversos. É
nessa Universidade, assim como nas Universidades
de Comahue e Córdoba na Argentina (FERNÁNDES, desenvolvidos na América Latina (FOLLARI,1982;
1999). Além disso, as contribuições à análise da GARCÍA, 1986, 1994; NOVO e LARA, 1997), que
interdisciplinaridade e à construção e aplicação permeiam e dão suporte a muitos projetos de pesquisa
de métodos interdisciplinares de investigação e formação ambiental nas universidades da região.

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comum que diversos centros e organizações A crise ambiental como problema


não-governamentais, dedicados não só à do conhecimento: estratégias
educação e à formação ambiental como epistemológicas e apropriação de
também à assessoria e promoção de saberes
projetos de desenvolvimento (regional,
social, comunitário), se autodenominem
Hoje se afirma que, graças à moderni-
e se assumam como centros de estudos
dade, à Revolução Científica e ao processo
interdisciplinares (exemplo disso é o Foro
de globalização impulsionado pela revolu-
Latino-Americano de Ciências Ambientais
ção cibernética e informática, o homem en-
na Argentina, ou o Centro de Estudos
tra em uma nova etapa civilizatória: a era do
Regionais Interdisciplinares no Paraguai).
conhecimento. Isso é verdade, porque nunca
Neste contexto, a noção de interdis- antes ele havia construído e transformado o
ciplinaridade se aplica tanto a uma prática mundo com tanta intensidade sobre a base
multidisciplinar (colaboração de profissionais do conhecimento. Ao mesmo tempo em que
com diferentes formações disciplinares), as- o ser humano superexplora recursos e des-
sim como ao diálogo de saberes que funciona gasta ecossistemas para convertê-los em va-
em suas práticas, e que não conduz direta- lor de troca, “tecnologiza” a vida e coisifica
mente à articulação de conhecimentos disci- o mundo. A ciência e a tecnologia se conver-
plinares, onde o disciplinar pode referir-se à teram na maior força produtiva e destrutiva
conjugação de diversas visões, habilidades, da humanidade.
conhecimentos e saberes dentro de práticas Mas essa civilização do conhecimento
de educação, análise e gestão ambiental, que, é, ao mesmo tempo, a sociedade do desco-
de algum modo, implicam diversas “discipli- nhecimento, da alienação generalizada, da
nas”– formas e modalidades de trabalho – , deserotização do saber e o desencantamento
mas que não se esgotam em uma relação en- do mundo (a sociedade dos poetas mortos;
tre disciplinas científicas, campo no qual ori- uma sociedades em propósito, sem imagi-
ginalmente se requer a interdisciplinaridade nação, sem utopia, sem futuro). Nunca an-
para enfrentar o fracionamento e a superespe- tes na História houve tantos seres humanos
cialização do conhecimento. que desconhecessem tanto e estivessem tão
Essas considerações colocam a neces- excluídos dos processos e das decisões que
sidade de voltar a uma reflexão crítica sobre determinam suas condições de existência;
os marcos conceituais e as bases epistemo- nunca antes houve tanta pobreza, tanta gente
lógicas que podem impulsionar uma prática alienada de suas vidas, tantos saberes subju-
da interdisciplinaridade mais aprofundada e gados, tantos seres que perderam o contro-
mais bem fundamentada em seus princípios le, a condução e o sentido de sua existência;
teóricos e metodológicos, orientada ao ma- tantos homens e mulheres desempregados,
nejo, gestão e apropriação dos recursos am- desenraizados de seus territórios, desapro-
bientais. priados de suas culturas e de suas identida-
des. Nessa civilização supercientificada e
“hipertecnologizada”, tanto os que dominam
como os que são dominados, se encontram
alienados de seus mundos de vida, em um
mundo no qual a incerteza, o risco e o des-
controle aumentam proporcionalmente ao

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aumento dos efeitos de domínio da ciência neidade e unidade do conhecimento, de ob-


sobre a natureza. jetivação e coisificação do ser, que geraram
O pragmatismo político, que busca re- a atual globalização unidimensional, regida
solver as urgências da crise econômica, po- e valorizada pelo modelo econômico: a “so-
lítica e ecológica pela via de tornar eficien- breconomização” do mundo (LEFF 2000).
tes os processos científicos, tecnológicos e Heidegger formulou a crítica ao con-
econômicos, tem acarretado uma crescente ceito de verdade como acordo, adequação,
desvalorização do conhecimento. Isso não correspondência ou reflexo, que fertilizou
só se reflete pelos poucos recursos destina- o terreno da epistemologia desde a Antigui-
dos à educação, à ciência e à tecnologia na dade, abrindo a perspectiva hermenêutica e
maior parte dos países da América Latina e a via interpretativa da verdade. Certamente
Caribe; reflete-se também pela falta de polí- o cognitivismo colocou as vias de sentido
ticas de pesquisa interdisciplinar para o de- pelas quais o mundo é construído através
senvolvimento sustentável, pelo abandono de cosmovisões e imaginários para chegar à
do propósito de alcançar uma capacidade de compreensão do mundo como contrução so-
auto-determinação científico-tecnológica, cial. A partir daí pode-se interrogar as formas
pelo esquecimento dos saberes e práticas nas quais o conhecimento e a teoria, a lin-
tradicionais de uso sustentável dos recursos guagem e a gramática – e não só a tecnologia
naturais. – constroem o mundo e o real: não apenas
como imagem do mundo, não só como efeito
Marx afirmava que os filósofos ha-
tecnológico, senão como construção de uma
viam se preocupado em entender o mundo e
legalidade que, legitimada como ciência,
anunciou a hora de transformá-lo. No entan-
gera uma norma de verdade, cujo exemplo
to, o projeto revolucionário socialista, que
mais totalitário e globalizador é a racionali-
desmascarou a ideologia burguesa e o do
dade econômica3.
socialismo utópico – que procurou construir
A partir daí, abre-se uma reflexão
um socialismo científico fundado em um
crítica sobre os fundamentos e os sentidos
materialismo dialético –, não chegou a ques-
do conhecimento; sobre suas fissuras e
tionar as formas históricas do conhecimento
seus fracionamentos; sobre a possibilidade
como raiz e causa de exploração da natureza de reintegrar conhecimentos e saberes
e da submissão das culturas. O conhecimen- que, mais além do afã retotalizador das
to científico continuou sendo a alavanca do visões holísticas e os métodos sistêmicos,
progresso econômico, a pedra de toque para abra uma via de reapropriação do mundo
a construção de um socialismo – inclusive pela via do saber. É nessa perspectiva que
de rosto humano – que permitiria transcen- se inscreve, hoje em dia, a reflexão sobre
der o mundo da necessidade e abrir o reino uma prática interdisciplinar fundada em
da liberdade e bem-estar para todos. O so- um saber ambiental (LEFF, 1986; 2000); a
cialismo científico não questionou o vínculo partir dessa perspectiva, possível recuperar/
do ser ao conhecimento e sua dominação da
3
natureza. Foram Nietzsche e Heidegger – e Heidegger mostra, com justiça, que a definição cha-
mada ‘tradicional’ da verdade como ‘acordo (corres-
mais tarde os filósofos da Escola de Frankfurt pondência, adequação) do conhecimento e da coisa’
– que traçaram o perfil de uma crítica radical (que, de fato, é a inversão recente de uma tese teológica
das raízes do pensameno metafísico, da ciên- que expressa que o Intelecto divino é o nome da Ver-
dade) pressupõe um sentido mais originário... que é o
cia positivista e da racionalidade tecnológica legítimo, o autêntico (só o ouro verdadeiro é ouro; quer
em sua vontade de universalidade, homoge- dizer,o único que mede os valores). (BALIBAR, 1995)

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atualizar as argumentações expostas no capaz de integrar as diferentes ordens do


início sobre os princípios epistemológicos real – e os diferentes processos materiais
para a articulação das ciências no campo e simbólicos – como subsistemas de um
ambiental (LEFF 1981, 1986). ecossistema global. Assim, a ecologia
A necessidade de uma estratégia generalizada (MORIN 1980) promete uma
epistemológica para a interdisciplinaridade reconstrução da realidade como um todo
ambiental adquire sentido para enfrentar as pela integração dos diversos ramos do saber
ideologias teóricas geradas por uma ecolo- em um processo interdisciplinar, dificultando
gia generalizada e um pragmatismo funcio- a reconstrução do real histórico a partir da
nalista, que não só desconhecem o processo especificidade e da articulação de processos
histórico de diferenciação, de constituição de ordem natural e social: econômicos,
e especificidade das ciências e os saberes, ecológicos, tecnológicos e culturais. De
como também desconhecem as estratégias forma similar, Bookchin (1990) busca
de poder no conhecimento que existem no estabelecer uma ecologia social, fundada
terreno ambiental4. Essa estratégia conceitu- na filosofia de um “naturalismo dialético”,
al em torno da constituição do saber ambien- capaz de entender a evolução da sociedade
tal combate os principais efeitos ideológicos frente à emergência de uma consciência
do reducionismo ecologista e do funcionalis- ecológica ordenadora de uma sociedade eco-
mo sistêmico, a saber: comunitária (LEFF).
a) Pensar o homem como indivíduo c) Fundar a interdisciplinaridade na
e as formações sociais como populações Teoria Geral de Sistemas (BERTALANFFY,
biológicas inseridas no processo evolutivo 1968) que desconhece a constituição
da natureza, o que leva a explicar a condu- ontológica do real no momento de
ta humana e a práxis social através de suas estabelecer as inter-relações possíveis entre
determinações genéticas ou sua adaptação diferentes ordens de materialidade através
funcional ao meio (WILSON 1975). As teo- dos isomorfismos e analogias estruturais
rias sócio-biológicas e ecologistas desconhe- que se configuram desde a análise formal
cem a especificidade das relações sociais de dos processos estudados, excluindo o valor
produção, as regras de organização cultural da diferença e o potencial do heterogêneo5,
e as formas de poder político nas quais se ignorando o sentido da identidade que se
inscrevem as estratégias do conhecimento e configura no saber.
as formas de uso dos recursos naturais.
b) Considerar a Ecologia como a 5
Lichnerowicz sinaliza as limitações do isomorfismo
disciplina por excelência das interrelações, na apreensão de objetos ontológicos diferentes: O ma-
a fim de convertê-la em uma “teoria geral temático trabalha sempre com um dicionário quase
de sistemas”, em uma “ciência das ciências” perfeito e frequentemente identifica sem escrúpulos
objetos de natureza diferente quando um ... isomorfis-
4
Nesse sentido, e seguindo Foucault, a emergência do mo lhe assegura que só estaria dizendo a mesma coisa
saber ambiental estaria manifestando a surpreendente duas vezes em duas línguas diferentes. O isomorfismo
eficácia da crítica descontínua, particular e local frente toma o lugar da identidade. O Ser se encontra posto
ao efeito inibidor das teorias totalitárias e dos paradig- entre parênteses, e é precisamente esta característica
mas globalizadores. Estar-se-ía, assim, testemunhando não-ontológica que dá às matemáticas seu poder, sua
a insurreição dos saberes subjugados dos conteúdos fidelidade e sua polivalência. Podemos tecer uma ma-
históricos que foram enterrados e mascarados em uma temática de uma textura arbitrariamente fechada, mas
coerência funcionalista ou em uma sistematização for- a onda ontológica se escorreria necessariamente nelas.
mal.. (FOUCAULT, 1980). (LICHNEROWICZ, 1975).

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d) Orientar a produção de conheci- ca ambiental, mas sua “materialidade” não


mentos por um critério de eficácia e eficiên- é visível na realidade empírica dos fluxos de
cia na integração de um sistema científico- energia do ecossistema, nem na utilidade de
tecnológico a um sistema social dado, como seus recursos como objetos de trabalho, nem
um instrumento de controle e de adaptação em sua manifestação como valores de mer-
funcional da natureza e da sociedade através cado. A materialidade desses processos está
da ciência, submetendo a esse propósito o definida pela especificidade do real do qual
potencial crítico, criativo e transformador do dão conta os conceitos teóricos de diferentes
conhecimento. Busca-se desta forma o aco- ciências; de um real presente e produtivo (o
plamento de um saber holístico e sistêmico potencial ecológico, a organização cultural),
sem fissuras, a um todo social sem divisões. invisíveis na realidade perceptível do sujeito
e) Confundir as condições teóricas psicológico e oculto ao olhar dos paradigmas
para a produção de conhecimentos interdis- econômicos e tecnológicos dominantes.
ciplinares sobre os processos materiais que Essa afirmação embute de maneira
convergem em sistemas socioambientais implícita uma definição do conhecimento
complexos (interdisciplinaridade teórica), científico dentro do campo do saber ambien-
com a aplicação e a integração de um con- tal. As ciências são corpos teóricos que inte-
junto de saberes técnicos e práticos no pro- gram conceitos, métodos de experimentação
cesso de planejamento e gestão ambiental e formas de validação do conhecimento, que
(interdisciplinaridade técnica) (LEFF 1981; permitem apreender cognoscitivamente a es-
1986). truturação e a organização de processos ma-
f) Reduzir o estudo das determinações teriais e simbólicos, para entender as leis e
estruturais e dos sistemas de organização de as regularidades de seus fenômenos, para es-
diferentes ordens de materialidade do real, tabelecer os parâmetros e o campo dos pos-
a uma energética, a um cálculo dos fluxos síveis eventos nos processos de reprodução
de matéria e energia, que, se bem que resulta e transformação do real que constitui seus
útil para o fim prático de avaliar o potencial objetos científicos específicos: processos de
produtivo e a sustentabilidade dos ecossiste- produção, de reprodução e de transformação
mas através de diferentes práticas culturais e social; processos de adaptação-transforma-
econômicas de uso e apropriação da natureza ção-mutação-biológica; processos de simbo-
(RAPPAPORT, 1971), não constitui o princí- lização cultural e de significação ideológica.
pio último de conhecimento sobre a organi- Todos esses são processos gerais, mas
zação dos processos ecológicos, econômicos não redutíveis a uma ordem globalizadora e
e simbólicos; das relações entre a natureza, a a um padrão uniforme de medida. Tais pro-
técnica e a cultura. cessos – de onde emerge a produtividade do
Contra os efeitos reducionistas – de real –, determinam, em seus efeitos práticos,
formalistas, empiristas, ecologistas – dessas a articulação dos processos econômicos com
abordagens metodológicas a uma pretendida os processos de conservação, desestrutu-
interdisciplinaridade ambiental, se constro- ração, regeneração dos ecossistemas, com
em os princípios epistemológicos que dão sua a valorização cultural dos recursos, com
especificidade às ciências e às formas de arti- os processos ideológicos e discursivos nos
culação da ordem física, biológica, histórica quais se inscrevem as inovações do conhe-
e simbólica. Os efeitos combinados desses cimento científico, dos meios tecnológicos e
processos convergem para uma problemáti- dos saberes locais, com os processos políti-

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cos que abrem as possibilidades do acesso e dos diferentes níveis do real em princípios
apropriação social da natureza. São os efei- gerais ou supostamente fundamentais de seu
tos desses processos materiais e simbólicos funcionamento estrutural – e não só de sua
que se articulam e se tornam visíveis nos gênese histórica ou evolutiva.
padrões tecnológicos e nas formas particu- O propósito de unificação das ciências
lares de organização produtiva; nos circuitos no positivismo lógico e a busca de suas ho-
da produção, distribuição e consumo; na or- mologias estruturais na Teoria Geral de Sis-
ganização institucional do poder; na eficácia temas, foi conformando uma prática inter-
dos métodos de produção, difusão e aplica- disciplinar que não foge a essa racionalidade
ção do conhecimento; nas atitudes frente à científica que tem “externalizado” o ambien-
inovação tecnológica e à mudança social; te e que desconhece o saber ambiental. O ob-
na retórica das práticas discursivas sobre a jetivo unificador e reducionista do logocen-
conservação ecológica e o desenvolvimento trismo da ciência moderna surge do desejo
sustentável. de encontrar um único princípio organizador
A materialidade dos citados processos da matéria, como se experimentara uma sin-
se forja entre o real do objeto do conheci- gular repugnância ao pensar a diferença, a
mento de suas ciências e a realidade onde descrever as separações e suas dispersões,
seus efeitos são perceptíveis. Os conceitos a dissociar a forma reafirmante do idêntico.
teóricos apreendem as causas determinantes (FOUCAULT, 1969). Esses sistemas desco-
e os princípios atuantes dessa organização do nhecem a especificidade conceitual de cada
real, de onde é possível explicar a dinâmica ciência, de onde é possível pensar sua inte-
destes processos, sua potencialidade e seus gração com outros campos do conhecimen-
efeitos concretos sobre a realidade empíri- to, sua articulação com outros processos ma-
ca. Essa produção de conhecimentos não se teriais e sua hibridação com outros saberes.
constitui a partir da simples indução da rea- As ciências não vivem num vazio
lidade sensível, pela formalização dos dados ideológico e semântico. Tanto por sua cons-
“puros” da realidade e dos enunciados sobre tituição a partir das ideologias teóricas e as
os fenômenos observáveis, ou pela “siste- cosmovisões do mundo no terreno conflitivo
maticidade” das possíveis relações lógicas das práticas sociais dos homens, como pelas
e “matematizáveis” em uma teoria geral de transformações tecnológicas que se abrem a
sistemas. Nesse sentido, a estratégia episte- partir das condições econômicas de aplicação
mológica proposta para compreender as pos- do conhecimento, as ciências estão inseridas
síveis articulações das ciências no campo da em processos discursivos onde se debatem
interdisciplinaridade ambiental, acaba sendo num processo contraditório de conhecimen-
oposta ao positivismo lógico e a todo idealis- to/desconhecimento que mobiliza o “lugar
mo empirista e subjetivista. da verdade” (BALIBAR, 1995), de onde
Os princípios anteriores se constroem derivam sua capacidade “cognoscitiva” e
como “postos de vigilância epistemológica” seu potencial transformador da realidade. A
frente às tendências idealistas à dissolução articulação desses processos de conhecimento
das diferenças nas ordens ontológicas do com os processos institucionais, econômicos
real, dos objetos das ciências e das racio- e políticos que condicionam o potencial tec-
nalidades que organizam os saberes em um nológico e a legitimidade ideológica de suas
campo unitário do conhecimento; em opo- aplicações, está regida pela confrontação de
sição à redução da organização específica interesses opostos de classes, grupos sociais,

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culturas e nações pela apropriação diferen- de uma população; pela produção e pela
ciada e pelas transformações alternativas da aplicação de certos conhecimentos que
natureza. permitam uma apropriação coletiva dos
A produção científica se inscreve nes- recursos naturais, uma produção sustentável
sas condições ideológicas, não só porque o e uma divisão mais equitativa da riqueza,
cientista, como sujeito da ciência, é, desde para satisfazer as necessidades básicas das
sempre, um sujeito ideológico, mas também comunidades e para melhorar sua qualidade
porque suas práticas de produção de conhe- de vida.
cimento estão estreitamente vinculadas às A problemática ambiental induz, as-
ideologias teóricas e modeladas no tecido do sim, um processo mais complexo do conhe-
saber de onde emergem as ciências, e onde cimento e do saber para apreender os pro-
se debatem permanentemente em um proces- cessos materiais que configuram o campo
so interminável de emancipação, de produ- das relações sociedade-natureza. Daí surgem
ção e especificação de seus conhecimentos. obstáculos epistemológicos (BACHELARD,
As formações ideológicas nas quais se 1938) e motivações para a produção de co-
desenvolvem os métodos da interdisciplina- nhecimentos pelo efeito de interesses sociais
ridade ambiental tendem a “naturalizar” os opostos, abrindo possibilidades alternativas
processos políticos de dominação e a ocultar para a reorganização produtiva da socieda-
os processos de reapropriação da natureza de e o aproveitamento sustentável dos re-
que estabelecem as estratégias dominantes cursos naturais. As distintas percepções da
da globalização econômica. Dessa maneira, problemática ambiental – as causas da crise
pretende-se explicar e resolver a problemáti- de recursos, as desigualdades do desenvol-
ca ambiental através de uma visão funcional vimento econômico, a distribuição social
da sociedade, inserida como um subsistema dos custos ecológicos, a nova racionalidade
dentro do ecossistema global do planeta, produtiva fundada no potencial ambiental de
ocultando os interesses em jogo no conflito cada nação, região, território, população, co-
pela apropriação da natureza na legalidade munidade – geram demandas diferenciadas
dos direitos individuais e na unidade do sa- de conhecimentos teóricos e práticos. Des-
ber sobre uma realidade uniforme. sa forma, a “crise ecológica” mobiliza um
amplo processo de produção, apropriação e
Nesse sentido, o saber ambiental abre
utilização de conceitos “ambientais” que se
uma perspectiva de análise da produção
reflete nas estratégias para o aproveitamento
e de aplicação de conhecimentos como
sustentável dos recursos.
um processo que compreende condições
epistemológicas para as possíveis Para poder abordar a questão da inter-
articulações entre ciências e os processos de disciplinaridade e orientar tanto estratégias
internalização do saber ambiental emergente de investigação e de formação como políti-
nos árduos núcleos da racionalidade cas ambientais e de desenvolvimento susten-
científica, e a hibridização das ciências com o tável, deve-se reconhecer os efeitos das polí-
campo dos saberes “tradicionais”, populares ticas econômicas atuais sobre a dinâmica dos
e locais. A produção “interdisciplinar” de ecossistemas e sobre as condições de vida
conhecimentos se insere, dessa maneira, das comunidades. É necessário avaliar as
no marco das lutas por certa autonomia condições econômicas, políticas, institucio-
cultural, pela autogestão dos recursos das nais e tecnológicas que determinam a con-
comunidades, pela propriedade das terras servação e recuperação dos recursos de uma

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Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental

região, os estilos de ocupação do território, e uma vontade sistêmica. Não se trata de


as formas de apropriação e usufruto dos re- vincular os compartimentos estanques do
cursos naturais e da partilha de suas ri- conhecimento a partir de suas homologias
quezas, assim como o grau e as formas estruturais, de sistemas formais esvaziados
de participação comunitária na gestão dos seus referentes ontológicos e dos seus
social de seus recursos e de suas atividades sentidos existenciais, de onde derive a
produtivas. essência ontológica dos processos, o ser das
É necessário também estudar os efei- coisas e a identidade dos sujeitos sociais.
tos da problemática ambiental sobre as trans- Para lá da interdisciplinaridade enten-
formações metodológicas, as transferências dida como a transformação de seus núcleos
conceituais e a circulação terminológica en- fortes de racionalidade pela internalização
tre as diferentes disciplinas que fazem parte do saber ambiental (de suas externalidades)
da explicação e diagnóstico das mudanças – para lá da articulação de processos ontoló-
socioambientais, assim como a forma como gicos –, a complexidade ambiental se abre
esses paradigmas produzem e assimilam para um diálogo de saberes que acarreta uma
um conceito de meio ou de ambiente e as abertura à inter-relação, ao confronto e ao
diferentes interpretações e discursos sobre intercâmbio de interesses, em uma relação
a sustentabilidade ambiental e o crescimen- diametral que vai da solidariedade e comple-
to sustentável. Do estudo de tais mudanças mentariedade entre disciplinas, ao antago-
epistêmicas surge a possibilidade de gerar nismo de saberes; onde se inter-relacionam
estratégias de conhecimento para orientar processos significativos, mais que posições
uma transformação produtiva fundamentada científicas, interesses disciplinares e verda-
nos princípios de uma racionalidade ambien- des objetivas.
tal para o manejo sustentável dos recursos. Isso significa que os conflitos ambien-
O saber ambiental está transitando, tais não serão resolvidos pelo poder científi-
assim, do desafio da interdisciplinaridade co da economia ou da ecologia, senão através
para a abertura de um diálogo de saberes. de sentidos existenciais, de valores culturais
A interdisciplinaridade que coloca a e de estilos de desenvolvimento diferencia-
complexidade ambiental não é aquela dos, nos quais a exploração, a conservação
de um simples somatório e combinação ou o uso sustentável dos recursos dependem
dos paradigmas de conhecimento que dos significados sociais atribuídos à nature-
construíram os compartimentos disciplinares za. O ambiente não é só um objeto comple-
das universidades. A interdisciplinaridade xo a ser controlado por meios mais eficazes,
ambiental estabelece a transformação dos senão também um co-relato de processos
paradigmas estabelecidos do conhecimento significativos que mobilizam os agentes so-
para internalizar um saber ambiental. Na ciais para tomar posição frente à posse e ao
verdade, esse saber ambiental ficou excluído usufruto da natureza. O conflito ambiental
num processo de extermínio dos saberes está marcado por interesses pela apropriação
“nãocientíficos” (saberes errantes, ciganos, da natureza como fonte de riqueza e suporte
nômades), no campo de concentração das de práticas produtivas. Nesses processos, os
externalidades do sistema econômico- conhecimentos e os saberes jogam um pa-
político e científico-tecnológico dominante. pel instrumental ao potenciar a apropriação
Esse saber é mais do que uma “dimensão” econômica da natureza; mas também jogam
internalizável através de uma visão holística como saberes que forjam sentidos e que

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Enrique Leff

mobilizam a ação com valores não mercantis que se abre para o saber da complexidade
e para fins não materiais nem utilitários. ambiental.
A ruptura epistemológica em diferen- A interdisciplinaridade é uma chama-
tes paradigmas do conhecimento, que gera a da para a complexidade, a restabelecer as
emergência do saber ambiental e sua possível interdependências e inter-relações entre pro-
“internalização”, provém do encontro entre cessos de diferentes ordens de materialidade
os núcleos de racionalidade das ciências e o e racionalidade, a internalizar as externalida-
campo do saber ambiental, entendido como des (condicionamentos, determinações) dos
um “espaço de externalidade”. Tal encontro processos excluídos dos núcleos de raciona-
é a confrontação com o real posto à margem, lidade que organizam os objetos de conhe-
confinado e excluído, externalizado do nú- cimento das ciências (de certos processos
cleo conceitual do objeto de conhecimento ônticos e objetivos). Nesse sentido, a inter-
(as condições ecológicas da reprodução do disciplinaridade é uma busca de “retotaliza-
capital e as condições termodinâmicas do ção” do conhecimento, de “completude” não
alcançada por um projeto de cientificidade
processo econômico). Mas, por ele mesmo,
que, na busca de unidade do conhecimento,
não se trata da internalização mecânica de
da objetividade e do controle da natureza,
uma “dimensão” do conhecimento, de um
terminou fraturando o corpo do saber e sub-
conjunto de princípios, preceitos, conheci-
metendo a natureza a seus designios domi-
mentos, métodos e técnicas. Refere-se mais
nantes; exterminando a complexidade e sub-
ao retorno dos impensáveis, do que só será
jugando os saberes “não científicos”, saberes
pensável fazendo atuar a reflexão sobre o já
não ajustáveis às normas paradigmáticas da
pensado, voltanto sobre os próprios funda-
ciência moderna.
mentos de uma ciência, sobre seus conceitos
Desde uma visão hermenêutica sobre
e pressupostos básicos (LEFF, 2000)6.
a constituição do conhecimento científico,
O ambiente não é o conceito que de- pode-se compreender o desconhecimento
signa a ruptura de uma ciência ou da articu- em que se fundamenta. Assim, a afirmação
lação das ciências existentes. O ambiente é de que a globalização – regida com base nas
o campo de externalidade das ciências; é o leis clarividentes do mercado – é a razão
conceito da demarcação frente à “cientifici- máxima de governabilidade do mundo, não
dade” própria que instaura a modernidade, o pode assegurar a certeza do conhecimento
logocentrismo que fundamenta as ciências no qual se fundamenta. O que faz é expul-
em torno de núcleos conceituais que externa- sar do campo da percepção todo possível
lizam e ignoram o ambiente que condiciona questionamento das causas profundas da cri-
os processos dos quais deve dar conta uma se ambiental. Dessa maneira, tal excesso de
ciência; é a disjunção do pensamento uni- conhecimento segue descarregando-se como
dimensional e do conhecimento disciplinar resíduos tóxicos e perigosos na natureza; os
6
investimentos de capital se transformam em
A “ambientalização” das ciências implica uma re-
estruturação epistemológica que, como coloca F. emissões térmicas que seguem sendo depo-
Regnault, é o ponto de retorno aos impensados desta sitadas na natureza, transformando seus ren-
ciência que, ao mesmo tempo, é um novo ponto sem dimentos em desastres naturais que castigam
retorno para esta ciência. (cit. em BALIBAR4 1995). os ecossistemas e os povos do mundo (e com
Trata-se de um retorno dos impensados... no sentido
maior severidade os países tropicais do Ter-
de uma produção de conceitos, que permite formular
completamente a teoria existente e, portanto, exibir ceiro Mundo e os povos da América Latina
seus limites.” (BALIBAR4 1995) e Caribe).

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Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental

O processo de globalização econô- lado com sua externalidade, com sua “alteri-
mica organiza rituais para venerar o deus- dade”, que abre as comportas do saber para
-mercado, para pedir-lhe maiores colheitas irrigar novos territórios do ser; para que, em
de crescimento sustentável, sem considerar sua eterna recorrência, os conhecimentos
que é esse crescimento econômico, regido se reencontrem com os saberes subjugados
pelas leis do mercado e por uma racionali- (naufragados) em novos horizontes de racio-
dade do lucro de curto prazo (leis humanas nalidade.
sujeitas ao poder entre humanos), que pro- A transdisciplinaridade é o questiona-
duz os ritmos crescentes de extração e trans- mento do logocentrismo e da configuração
formação de recursos naturais, de matéria paradigmática do conhecimento, do qual
e energia sujeita às leis da entropia. É isso erradicou da ciência normal todo saber não
que se manifesta no aquecimento global do científico como externo e estranho, como
planeta, ocasionando os ritmos atípicos e ex- patológico, como “não conhecimento”; é a
tremos de altas e baixas temperaturas, os fu- transgressão da disciplinaridade, do saber
racões e ciclones, os incêndios florestais dos codificado para apreeender, “coisificar”, ob-
últimos anos que tornaram inoperantes as jetivar o real. A transdisciplina está no saber
práticas tradicionais de uso do solo e do fogo ambiental, como essa falta de conhecimen-
(que estão convertendo a desgraça humana to que anima a produção de novos conheci-
e o desastre ambiental em oportunidades de mentos; está na hibridização entre ciências,
negócio para a recuperação ecológica, tão tecnologias e saberes; está no diálogo inter-
demandada nos programas globais de desen- -cultural; é o saber que sabe que não pode
volvimento “limpo”). saber tudo, que sabe que está movido por
Para salvar os problemas que colocam seu não-saber, pelo desejo de saber. A trans-
a interdisciplinaridade como processo de re- disciplinar leva, assim, à desconstrução do
composição do saber fracionado, se postula conhecimento disciplinar e abre as vias para
a transdisciplina como sua solução final: um uma hibridização e diálogo de saberes no
conhecimento holístico e integrador, sem campo da complexidade ambiental.
falhas nem vazios; um conhecimento reuni-
ficador que transcende o propósito de esta-
belecer pontes interdisciplinares entre ilhotas Pensamento da complexidade,
científicas isoladas. No entanto, a transdisci- métodos interdisciplinares e diálogo
plinaridade não é a constituição de uma su-
de saberes
per-disciplina (ecologia, termodinâmica) que
transbordaria o campo das possíveis conexões
entre disciplinas para estabelecer um paradig- Havendo sobrevoado a problemática
ma onicompreensivo. A transdisciplinar não da interdisciplinaridade, será possível agora
poderá constituir-se em uma meta-discipli- uma maior aproximação no discernimento
na, senão em um processo de reconstrução de suas estratégias epistemológico-metodo-
do saber que transcenda a divisão e a con- lógicas frente à complexidade ambiental.
figuração disciplinar do conhecimento em A interdisciplinaridade tem sido defi-
compartimentos estanques. A trans-disciplina nida como uma estratégia que busca a união
é o processo mobilizador de um conhecimento de diferentes disciplinas para tratar um pro-
apressado, ao qual se fecharam as vias da com- blema comum. Nesse caso, pode-se enten-
plexidade; é o encontro do conhecimento iso- der como um procedimento metodológico

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Enrique Leff

relacionado com o processo de “finalização política universitária. Aqui se manifesta


das ciências”, que, como resultado de ter um discurso proto-interdisciplinar sobre a
alcançado um estado de “maturidade”, de- complexidade emergente; e esse discurso
veria levá-las a redirecionar seu potencial é bastante citado em um número crescente
aplicativo para a demanda social de conheci- de publicações, livros e teses. As menções a
mentos (BÖHME et al, 1976, PRIGOGINE Apostel (1975), a morin (1977, 1980, 1986,
e STENGERS, 1979, JOLLIVET, 1992), 1993), a PRIGOGINE (1979, 1984, 1997),
internalizando uma exigência de “reintegra- a GARCÍA (1986, 1994), a FUNTOWICZ
ção” e “retotalização”. É neste sentido que e RAVETZ (1993, 1994) poderão ser
diversas disciplinas podem repartir tarefas aumentadas. Mas isto não implica que se
de pesquisa sem se afastar de seus conceitos traduza em projetos de pesquisa e ensino
e métodos, para contribuir em um projeto ou que incorporem o propósito e levem a um
em uma problemática comum. Esses proces- resultado de interdisciplinaridade. Pois
sos, que correspondem ao que se denomina o propósito da interdisciplinaridade não
uma interdisciplinaridade técnica, integram conseguiu estabelecer um campo virtual
uma série de ciências e tecnologias aplicadas entre os centros duros dos conhecimentos
como uma divisão do trabalho intelectual, disciplinares constituídos em paradigmas,
científico e técnico, tanto nos processos de dentro dos quais se “faz ciência” e se faz
produção, como em um conjunto de projetos uma carreira dentro das ciências. Tampouco
sociais. se resolve em um curriculum ampliado no
No entanto, o problema da interdis- qual se quer fazer caber todos os nomes
ciplinaridade no conhecimento teórico con- das ciências, de seus antecedentes e
tinua sendo um problema manifesto e não descendentes, de suas ciências básicas e suas
resolvido. A crítica pós-moderna ao logo- ramificações especializadas.
centrismo da ciência implica um problema A interdisciplinaridade ambiental im-
de desconstrução e reconstrução do modelo plica a reconstrução dos objetos de conheci-
dominante de cientificidade paradigmática mento pela internalização dos campos ônti-
como pré-requisito para poder traduzir os cos desconhecidos e desalojados, dos saberes
princípios da complexidade ambiental em subjugados e postos à margem, mas que in-
políticas científicas e educativas explícitas tervêm na determinação dos processos que
em campos nos quais seguem predominando estuda uma ciência. Em consequência, não é
os esquemas institucionais da universidade possível – ou não deveria ser possível – ensi-
napoleônica e da ciência moderna. nar e praticar uma economia como disciplina
A formação ambiental – a construção que pretende explicar os processos de pro-
do saber, dos métodos e dos projetos de dução, se essa disciplina não introduz dentro
pesquisa e de formação interdisciplinares da racionalidade econômica suas condições
– está sendo impulsionada por indivíduos de sustentabilidade. E isso não se consegue
(alguns dos quais trabalham em equipes de com complexos diagramas de fluxos, retro-
pesquisa) vinculados às universidades e aos alimentações de processos e interconexões
centros nacionais de pesquisa científica, mas entre “coisas” (as relações entre economia
cujo interesse e paixão para transgredir os e ecologia, entre natureza e sociedade, entre
paradigmas disciplinares e para ultrapassar população, tecnologia e recursos). A funda-
as fronteiras do conhecimento, não ção do conhecimento interdisciplinar em ge-
responde a uma política científica ou uma ral – e especialmente no campo ambiental–,

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Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental

implica um rompimento epistemológico que que criam obstáculos ou favorecem o


funda uma nova ciência ou um novo campo diálogo interdisciplinar pelas simpatias e
do conhecimento. antagonismos entre os portadores desses
O ambiente é um objeto complexo, interesses disciplinares.
onde se configuram entes híbridos, feitos de Pelo anterior, o saber ambiental, que
natureza, tecnologia e texto (HARAWAY, demanda a complexidade ambiental, não se
1991, 1997; ESCOBAR, 1999, LEFF, 2000); completa com a análise sistêmica das inter-
que implica múltiplos processos materiais relações entre processos e níveis de organi-
e simbólicos, diversas ordens ontológicas, zação, com a imbricação de suas múltiplas
formas de organização e racionalidades causalidades, sinergias e retroalimentações;
de caráter “não linear”, de diferentes pela combinação de todos esses conheci-
escalas e níveis (do local ao global) que, mentos e especialidades sobre os diferen-
em sua conjugação, geram sinergias e tes processos que integram o ambiente, que
novidades; o ambiente é um real solidário buscam retotalizá-lo com um conhecimento
da complexidade, da diversidade, da holístico gerado por um método interdisci-
“generatividade” e da criatividade. Mas, ao plinar. Não se trata simplesmente de unir o
mesmo tempo, o ambiente é um pensamento que tem sido desunido pelo desenvolvimento
complexo e um saber, que interage com o das ciências, como postulam tantas aborda-
ambiente como “real complexo”. Por ele, a gens interdisciplinares dessa problemática7.
complexidade ambiental emergente implica O saber ambiental não nega nem minimiza
o encontro do real em vias de complexão a importância das abordagens interdiscipli-
com uma “complexidade reflexiva”, com um nares para pensar e diagnosticar problemas
pensamento que não é um “desenvolvimento” ambientais complexos. Mas afirma que as
da “generatividade” ecológica, senão causas profundas da crise ambiental – e suas
de processos de ressignificação do real, manifestações nas diferentes “problemáticas
geradores de novas identidades em torno ambientais” – remetem a um questionamen-
do saber (FUNTOWICZ, RAVETZ, 1994; to da racionalidade que as gera e à constru-
LEFF, 1998; FUNTOWICZ e DE MARCHI, ção de uma nova racionalidade.
2000; LEFF, 2000). A construção de uma racionalidade
A complexidade ambiental reclama ambiental demanda também a interdisci-
a participação de especialistas que trazem plinaridade, mas não só como um método
pontos de vista diferentes e complementares integrador do existente, senão como uma
sobre um problema e uma realidade – a visão perspectiva transformadora dos paradigmas
e a sensibilidade do ecólogo, do edafólogo, atuais do conhecimento, da abertura à hibri-
do geógrafo, do agrônomo, do geomorfólogo dização das ciências, das tecnologias e dos
em relação ao “ambiente físico”; do saberes populares. Nesse sentido, a raciona-
economista, do sociólogo, do antropólogo lidade ambiental estabelece bases materiais
e do historiador em relação ao “ambiente e princípios conceituais para a construção de
social”. No entanto, a interdisciplinaridade
não só implica a integração dessas disciplinas 7
Os componentes do ambiente, inicialmente
genéricas; dentro de cada campo temático se dissociados numa abordagem de pensamento que
desenvolvem “escolas de pensamento”, com conduziu à instauração do recorte disciplinar, devem
ser de novo considerados hoje em seu conjunto, isto
diferentes princípios teóricos, metodológicos é, em função das múltiplas interações que os une.
e ideológicos, com posições diferenciadas (ZANONI e RAYNAUT, 1994).

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uma nova economia fundada no potencial todo contato, intercâmbio, interrelação e


ambiental que produz a sinergia dos pro- articulação entre paradigmas, disciplinas,
cessos ecológicos, tecnológicos e culturais saberes e práticas. No entanto, para efeitos
(LEFF34,39). A interdisciplinaridade apa- de compreensão e praticabilidade desses
rece, assim, como processo produtor de no- processos, é necessário diferenciá-los, pois
vos conhecimentos. Esse é o significado que cada um deles envolve diferentes estratégias
atribui Canguilhem (1977) quando entende de produção teórica, de abordagem dos
a interdisciplinaridade como o processo que, problemas complexos, de investigação
através da intervenção de diversas discipli- participativa e de construção coletiva de
nas, funda ou refunda um objeto de conhe- conhecimentos através do intercâmbio de
cimento. saberes, assim como da hibridização de
A interdisciplinaridade não é só uma sabedorias e conhecimentos, cosmovisões e
prática teórico-metodológica, senão um paradigmas científicos.
conjunto de práticas sociais que intervêm Nesse sentido, os conflitos ambien-
na construção do ambiente como um real tais que estão na raíz da problemática am-
complexo. A interdisciplinaridade ambiental biental, e que implicam visões e interesses
tem sido definida como o campo de relações diferenciados, nos quais se inscrevem dife-
entre natureza e sociedade, entre ciências rentes formas de saber e estratégias de poder
naturais e ciências sociais (JOLLIVET, no saber, não poderão anular-se, segurar-se
1992). No entanto, o campo da complexidade e reintegrar-se dentro do campo próprio das
ambiental não pode circunscrever-se ao ciências; por mais que estas contribuam para
das relações entre ciências. Se a questão a clarificação e solução destes problemas,
ambiental demanda uma ressignificação sua compreensão demanda uma abertura do
do mundo e a reapropriação da natureza, a cerco das ciência para um diálogo de saberes
partir de um questionamento das formas de (LEFF, 1998)8.
conhecimento e apropriação que produz a
ciência moderna, ela significa uma revisão 8
Nesse sentido, pode-se concordar em que deve-se
de suas formas de conhecimento e sua evitar cair na ilusão de que ‘mais ciências humanas’
abertura para outras formas “não científicas” colocadas a serviço de um procedimento holístico
para a análise dos fenômenos do ambiente e o desen-
de compreensão do mundo, das relações volvimento, seriam suscetíveis de dar aos atores uma
do homem com a natureza. Quer dizer, não abordagem unificada dos fatos - que se tornaria o fun-
se trata somente da integração natureza- damento científico de um consenso ou o instrumento
sociedade por meio da inter-relação das da manipulação do real. Não se trata de atribuir ao so-
cial um cientismo ampliado para substituir ao que vem
ciências, senão da abertura para um diálogo atuando, até o presente, sobre bases exclusivamente
de saberes, para a hibridização entre ciências, técnicas. Deve-se estar prevenido contra a tentação
tecnologias e saberes, para a produção de ‘totalitária’ que buscaria no enfoque holístico suas jus-
novos paradigmas de apreensão do real e tificativas científicas. De qualquer maneira, a tentativa
comunicação entre saberes, do encontro de assim proceder estaria destinada ao fracasso, uma
vez que os conflitos de identidade, os confrontos de va-
entre a epistemologia e a hermenêutica lores, as contradições de interesses formam a própria
(VATTIMO,1992, CARVALHO, 2000, matéria, da qual se alimentam os processos sociais.
LEFF, 2000). (ZANONI e RAYNAUT, 1994). É nesse contexto que
Funtowics e Marchi(1999) colocam os princípios éti-
A interdisciplinaridade extende cos e pragmáticos de uma “ciência pós-normal” como
dessa maneira seu campo de intervenção um campo de conhecimento para apreender a comple-
“entre disciplinas científicas” para abarcar xidade reflexiva como o espaço onde o que está em

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Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental

Dessa maneira, haverá que distinguir interdisciplinaridade teórica. Tal proposta


os processos interdisciplinares da hibridiza- epistemológica estabelecia a reconstituição
ção de conhecimentos e o diálogo de sabe- de objetos de conhecimento para internalizar
res, restringindo o conceito de interdiscipli- o saber ambiental complexo, tudo mais além
naridade ao tratamento do trabalho no que da vinculação entre duas ou mais disciplinas
concerne às relações entre disciplinas cien- confluentes em uma problemática ambiental
tíficas constituídas dentro de paradigmas (LEFF et al, 1986).
científicos, em sentido kuhniano (KUHN, A articulação da produção teórica –
1962). Quer dizer, se bem que a interdisci- orientada para os propósitos de alcançar a
plinaridade como mot d´ordre e método para sustentabilidade do processo de desenvolvi-
ver e promover processos de integração e mento através das práticas sociais de produ-
colaboração entre campos heterogêneos de ção e transformação da natureza –, transcen-
conhecimento produz a estratégias hetero- de os alcances de um princípio metodológico
doxas de investigação, o sentido da interdis- para a reintegração dos conhecimentos exis-
ciplinaridade deveria limitar-se a denotar os tentes. A luta social pela reapropriação da
procedimentos e objetivos intercientíficos da natureza e do conhecimento está incidindo
“ciência normal”, que se remete a suas pos- na produção teórica, assim como na inova-
sibilidades de inter-relacionar processos e ção tecnológica com suas aplicações sociais
de articular conhecimentos a partir de seus e produtivas para a exploração e o aproveita-
métodos de investigação e suas óticas disci- mento sustentável da natureza.
plinares dentro de seus próprios paradigmas
A luta política pelo conhecimento é um
científicos. A interdisciplinaridade terá que
debate para dissolver a representação imagi-
permitir desembaraçar e compreender os
nária da ciência como um processo neutro no
processos que implica um diálogo de sabe-
qual o conhecimento se desenvolve como re-
res, assim como as hibridizações entre ciên-
sultado de uma lógica interna conduzida pela
cia, tecnologia e saberes que se manifestam
ação metodológica de sujeitos autoconscien-
no campo do conhecimento para a apropria-
tes frente a uma realidade objetiva. Nessa
ção e transformação da natureza.
visão positivista, as esferas de materialidade
do real se dissolvem na “platitude” da reali-
dade empírica e na constituição da lógica e
Interdisciplinaridade e articulação de da matemática em sujeito universal do co-
ciências no campo ambiental nhecimento. Por sua parte, as perspectivas
biologistas sobre o conhecimento têm colo-
A problemática ambiental gerou cado a emergência de uma consciência eco-
na América Latina uma reflexão sobre lógica, onde o sujeito do saber aparece como
a articulação das ciências para a gestão todo organismo biológico que internaliza e
ambiental, abrindo o campo de uma transforma seu meio ambiente. De forma pa-
ralela, tem aparecido uma série de teorias e
jogo são valores e interesses que transbordam a capaci- metodologias que buscam a reintegração do
dade de mediação e compreensão das ciências. É nesse conhecimento e de suas aplicações técnicas
campo dos saberes situados e localizados, nos quais as (a Teoria Geral de Sistemas).
comunidades, através de suas práticas, geram formas
diferenciadas e específicas de relação e conhecimento O projeto positivista de unificação das
universal, sem perder, no processo, sua autonomia e ciências faz frente à crítica do logocentrismo
seu sentido. (ESCOBAR, 1997)

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da ciência moderna e seus impactos no am- serem trabalhados e transformados pelas


biente, assim como à inevitável e necessária necessidades internas do desenvolvimento
intervenção dos saberes não científicos na do conhecimento da ciência importadora.
gestão ambiental. No entanto, a problemáti- Exemplo disso é o processo de importação
ca da “articulação das ciências para a gestão das teorias da termodinâmica e da ecologia
ambiental” deve concentrar-se na análise de ao campo da economia, para reformular
suas relações possíveis a partir das condições os conceitos de produção sustentável na
que impõe a própria estrutura paradigmática economia ecológica (GEORGESCU-
das ciências, de onde derivam os obstácu- ROEGEN ,1971; COSTANZA, 1989;
los epistemológicos à complementaridade DALY, 1991; NAREDO, VALERO, 1999).
e retotalização do campo do conhecimento, De forma análoga, a construção de uma
assim como suas possíveis relações interdis- nova racionalidade produtiva tem implicado
ciplinares. a reformulação de conceitos da economia
A necessidade de uma articulação (valor, recurso, desenvolvimento das forças
científica só se justifica se existem proces- produtivas, apropriação cultural) sobre a base
sos materiais que, não podendo ser apreen- de uma “aplicação” de teorias e conceitos
didos a partir dos conhecimentos elabora- da cultura, da ecologia e da tecnologia –
dos por uma só das ciências em seu estado produtividade ecológica, produtividade
atual, aparecem como regiões do real onde eco-tecnológica, produtividade cultural;
confluem os efeitos de duas ou mais ordens ecossistema-recurso, taxas ecológicas de
de materialidade, objeto de diferentes ciên- exploração e uso de recursos, significado
cias. Essa articulação científica não pode ser cultural da natureza, etc. – (LEFF, 1994).
pensada como uma fusão dos objetos teó- Esse seria um caso de trans-cientificidade
ricos das ciências – os que constituem sua teórica sem articulação científica.
especificidade teórica de onde derivam seu b) A construção de categorias e con-
efeito de conhecimento –, senão como uma ceitos integradores, onde podem ser articu-
sobre-determinação ou uma interdetermina- lados os conceitos de diferentes ciências.
ção dos processos materiais dos quais as ci- Dessa forma, a categoria de racionalidade
ências produzem um efeito de conhecimento ambiental articula as racionalidades teóricas,
em seus respectivos campos teóricos. instrumental e prática onde confluem os co-
O problema da articulação entre ciên- nhecimentos, saberes e comportamentos que
cias não se refere às aplicações técnicas do configuram o campo complexo do saber e da
saber para resolver problemas práticos, nem ação ambiental (LEFF, 1998). Por sua parte,
às relações de um objeto científico com ou- o conceito de produtividade eco-tecnológica
tros objetos empíricos. A articulação científi- articula processos de diferentes ordens de
ca é um problema alheio às aplicações técni- materialidade, onde se integram as relações
cas e ideológicas das ciências e diz respeito sociais de produção com as práticas produ-
só a alguns casos de uma problemática trans- tivas, jurídicas, políticas e ideológicas nas
científica e intra-científica, da qual pode-se que se integram processos de ordem ecoló-
indicar as seguintes formas possíveis no gica, tecnológica e cultural. Essa articulação
campo ambiental: conceitual implica, por sua vez, a integração
a) A importação de conceitos de processos diferentes na construção de um
provenientes de outras ciências para novo paradigma econômico, como um objeto
de conhecimento científico “interdisciplinar”.

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Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental

Assim, a produtividade sustentável aparece pela ciência afetada e não modificam o seu
como a síntese de processos naturais, so- objeto de conhecimento, condicionam em
ciais, culturais e tecnológicos, cognitivos e tal grau os processos que analisa, que estes
identificáveis, que estabelecem os processos só podem entender-se como uma sobre de-
sinergéticos de um sistema produtivo am- terminação ou uma articulação dos efeitos
biental complexo (LEFF, 1994). dos processos objeto dessas ciências. Vários
c) A confluência dos efeitos de dois ou problemas da articulação natureza-sociedade
mais processos materiais, objeto de diferen- exemplificam tal caso. A evolução e a suces-
tes disciplinas, em um fenômeno empírico – são dos ecossistemas naturais são objeto da
um sistema ambiental complexo –, que, ao biologia e da ecologia; mas os processos
não pertencer ao objeto de conhecimento de de transformação dos ecossistemas não de-
nenhuma de suas ciência, não implica a in- pendem tão-somente das leis biológicas da
clusão dos efeitos de um processo em outro evolução, senão que são afetados e sobrede-
nem a articulação dos conceitos de suas ciên- terminados pela apropriação cultural e eco-
cias. Este seria o fundamento teórico de uma nômica dos recursos naturais. A racionalida-
problemática intercientífica, mas que não de econômica não pode integrar-se no objeto
implica um processo de articulação teórica. da ecologia. Por ele, o estudo da transforma-
Um exemplo disso são os estudos demográ- ção dos ecossistemas implica a articulação
ficos ou de fecundidade. As taxas de repro- dos efeitos do modo de produção sobre os
dução, assim como as características físicas efeitos naturais e biológicos provenientes
e psicológicas da população, são o objeto da estrutura funcional de cada ecossistema.
de diferentes disciplinas. Nesses fenômenos Esse é um caso de sobredeterminação na
convergem os efeitos de diversos processos articulação científica. Outro caso de arti-
determinados pela estrutura genética de uma culação é o da organização cultural das for-
população, por suas condições de adaptação mações sócioeconômicas “não capitalistas”,
biológica ao meio, pela demanda de força de objeto da antropologia e da etnologia. Nesse
trabalho que produz a dinâmica econômica, caso, articulam-se os efeitos do idioma, da
e pelo desejo de reprodução vinculado às for- organização dos ecossistemas que habitam
mações do inconsciente, processos que são o
e das estruturas sociais que constituem, na
objeto da biologia, da economia política e da
explicação de suas práticas produtivas e ide-
psicanálise. Vários temas das etno-ciências
ológicas. É um caso de codeterminação múl-
são relacionados com esses processos inter-
tipla no processo de articulação.
disciplinares, nos quais a articulação contri-
bui para desenvolver um campo mais com- Seguindo esses tipos de intercientifi-
plexo da demografia ou da etno-botância, cidade, pode-se afirmar que, para que exista
mas não as estabelece como objetos cientí- articulação entre ciências em um sentido for-
ficos complexos (ver mais adiante o caso da te, é necessário que a materialidade de certo
biologia e da etno-botânica.) nível não seja mero apoio, pressuposição ou
d) A articulação dos efeitos de pro- condição dos processos de outra ciência – por
cessos materiais, objeto de uma ou mais exemplo, o ser biológico do homem como
ciências, sobre processos que são objeto suporte dos processos de trabalho ou de seus
de outra ciência, o que implica uma deter- processos simbólicos –, a não ser que suas es-
minação de processos externos que, se bem truturas materiais tenham efeitos determinan-
que não são absorvidos conceitualmente tes nos processos em que se articulam – por

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Enrique Leff

exemplo, os efeitos do modo de produção ciências que leva à fundação ou refundação


sobre os processos ecológicos, dos processos do objeto teórico de diversas ciências, pro-
de significação nas formações ideológicas e blematizadas pelo saber ambiental externo
na constituição de identidades. As estruturas a seus paradigmas de conhecimento. O que
biológicas, neuroniais e lingüísticas, que são leva, ao mesmo tempo, a questionar em que
condição da história, não se transformam sentido o ambiente, ou os sistemas ambien-
com as mudanças históricas (ao menos não tais complexos, poderia ser considerado “ob-
de forma imediata); mas a história sobrede- jetos científicos interdisciplinares”.
termina os efeitos de suas estruturas: as for- Ressalte-se, de entrada, que a inte-
mas simbólicas e discursivas em torno das gração de conhecimentos e a confluência de
formas de apropriação da natureza; a trans- diversos saberes nas diversas problemáticas
formação ecossistêmica como efeito da acu- socioambientais, não constituem só por esse
mulação de capital. fato objetos científicos interdisciplinares. Na
A articulação das ciências não se limi- maioria dos casos, tampouco se tem dado
ta, então, a uma prática teórica consistente espaço para um trabalho teórico interdisci-
na importação de conceitos e paradigmas, ou plinar, se está definido o processo interdisci-
a uma aplicação de objetos teóricos de um plinar como o intercâmbio de conhecimentos
campo do conhecimento ao outro. Os objetos que resulta em uma transformação dos para-
teóricos de cada ciência lhe dão sua especi- digmas teóricos das disciplinas envolvidas;
ficidade e são intransferíveis, inaplicáveis. ou seja, em uma “revolução dentro de seu
A articulação de ordens de materialidade do objeto” de conhecimento, ou até numa “troca
real – o que autoriza a pensar em uma arti- de escala do objeto de estudo por uma nova
culação das ciências –, não surge dos pres- forma de interrogá-lo” (CANGUILHEM,
supostos que explicam a gênese evolutiva 1977).
e a emergência de novos níveis do real – a A interdisciplinaridade ambiental –
emergência da organização biológica a partir entendida como a construção de um novo
de suas bases físicas, ou da ordem simbólica objeto científico a partir da colaboração de
e cultural como epifenômeno da ordem vital; diversas disciplinas, e não só como o trata-
tampouco se fundamenta nas impossíveis mento comum de uma temática – é um pro-
relações de constituição de uma ciência em cesso que tem sido consumado em poucos
outra. A articulação das ciências se dá como casos da história das ciências. São casos não
uma articulação dos efeitos dos processos generalizáveis para deduzir deles uma meto-
materiais dos quais elas dão conta através dologia aplicável para produzir efeitos simi-
de seus objetos de conhecimento. A neces- lares em outros campos do conhecimento e
sidade de apreender esses processos em sua da pesquisa científica. Assim, especificada a
especificidade é o que obriga a reelaborar os problemática interdisciplinar no campo das
conceitos teóricos de cada ciência e a produ- relações teóricas da produção de conheci-
zir novos conceitos a partir do trabalho teó- mentos – e não de suas aplicações práticas –,
rico sobre os conceitos importados de outras ela não deve confundir-se com a contribui-
ciências, transformação que é mobilizada ção de um conjunto de conhecimentos nem
pelo sentido do saber ambiental externaliza- com os diferentes saberes, técnicas e instru-
do pelas ciências. Isso leva a colocar a inter- mentos que possibilitam diversas práticas de
disciplinaridade ambiental, num sentido for- pesquisa e intervenção sobre o ambiente.
te, como o processo de “colaboração” entre

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Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental

A história das ciências da vida ofere- etnológicas (etno-tecnologia, etno-ecologia


ce um exemplo de interdisciplinaridade teó- e etno-lingüística), para explicar o proces-
rica no processo de reconstrução do objeto so cultural de aproveitamento dos recursos
científico da biologia como a ruptura e re- do meio; a antropologia ecológica, para dar
formulação do objeto teórico da biologia, ao conta do condicionamento ecológico sobre
conhecimento sobre a estrutura e as funções a organização social e produtiva das cultu-
da matéria vivente. É assim que, a partir da ras; a antropologia estrutural, para explicar
construção do modelo de um cristal de DNA, o sistema de representações de uma cultura
foi possível a conjunção progressiva e co- sobre seu meio e, portanto, a significação de
ordenada dos resultados de várias discipli- seus vegetais; as disciplinas históricas, para
nas biológicas com os da genética formal. explicar os processos de transculturação que
A citologia, a microbiologia e a bioquímica afetam as práticas produtivas e a utilização
para começ ar. Mas essa conjunção não foi dos recursos dos povos; enfim, a história
fecunda a não ser na medida em que a justa econômica recente e a análise do sistema
posição dos resultados comandava a refun- econômico dominante, para dar conta das
dição das relações entre as disciplinas que determinações que impõem as condições de
os tinham proporcionado9. valorização e exploração dos recursos sobre
Existem muitos exemplos de estudos as práticas tradicionais de reconhecimento e
interdisciplinares nos quais concorrem espe- aproveitamento de seu ambiente10.
cialidades provenientes de diferentes cam- No entanto, se bem que a etno-botâni-
pos científicos. Um caso ilustrativo é o da ca delimite uma problemática no espaço das
etno-botânica, onde intervem a ecologia para possíveis relações entre ecologia, cultura,
explicar as condições naturais de produção e história e economia, ela resulta em um pro-
regeneração do meio vegetal; as disciplinas cesso interdisciplinar menos “forte” do que
o da biologia genética, tanto que seu objeto
9
Certamente, esta refundição interdisciplinar não te- constitui-se como um campo de aplicação de
ria sido possível sem a assimilação transdisciplinar da diferentes ciências nas quais não se estabe-
teoria da informação e da cibernética ao campo da bio- lece uma transformação de seus objetos de
logia, assim como por uma série de avanços da experi- conhecimento.
mentação científica e do instrumental de investigação.
Sem o estudo das estruturas cristalinas por difração dos Vê-se o quanto distante desses princí-
raios-x, sem a microscopia eletrônica, sem o emprego pios da interdisciplinaridade científica está o
de radioisótopos, teria sido impossível empreender o projeto constituído pela colaboração de umas
conjunto de pesquisas que permitiram, no final, locali-
zar nas macromoléculas do ácido desoxirribonucléico
supostas “ciências ambientais”, projeto en-
a função conservadora e a função inovadora da heran- carregado de analisar o campo generalizado
ça... Este novo objeto da biologia situa-se na interseção das relações sociedade-natureza. A própria
das técnicas de macroextração e de microdissecção, da história das ciências tem mostrado a impos-
álgebra combinatória, do cálculo estatístico, da óptica
sível generalização dos objetos científicos e
eletrônica, da química das enzimas. Mas o novo objeto
biológico tem por correlato uma nova biologia, uma
10
biologia nascida do trabalho que foi engendrado a seu BARRAU, J. L’ethnobotanique au carrefour des
objeto... A constituição deste novo objeto de biologia sciences naturelles et des sciences humaines, Bull.
(aparece como) um objeto poli-científico ou inter- Soc. Bot. Fr., n. 118, p. 242, 1971. e LEFF, E.
-científico (entendido não como) um objeto tratado Ethnobotanics and anthropology as tools for a cultural
em comum por diversas disciplinas, senão (como) um conservation strategy. In: MCNEEDY, J. A.; PITT, D.
objeto construído expressamente como efeito de sua (Eds.). Culture and conservation. Worcester: Billing
colaboração. (CANGUILHEM, 1977). and Sons, 1985.

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328 Disponível em <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/olhardeprofessor>
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dos campos de produção de conhecimentos, antiparadigmáticos, no sentido de que suas


assim como a aplicação de um método tota- próprias características implicam racionali-
lizador e geral (o materialismo dialético ou o dades e valores que estão fora dos princípios
estruturalismo genético). Por sua vez, a pro- de quantificação, de objetividade, de univer-
blemática ambiental tem colocado em evi- salidade, de unidade e de medição que pre-
dência a posição de externalidade e exclusão tendem as ciências “normais”.
de um conjunto de disciplinas na explicação Não é fácil, porém, abandonar a ten-
e resolução dos problemas ambientais, as- dência de pensar o ambiente como um cam-
sim como os obstáculos que os paradigmas po de atração e convergência do conheci-
científicos apresentam para reorientar suas mento, de submissão das ciências frente a
preocupações teóricas, seus instrumentos de um propósito integrador. O meio tem sido,
análise e seus métodos de pesquisa para um afinal de contas, uma rede de relações capaz
objetivo comum constituído pelo meio am- de captar todo saber em busca de seu objeto;
biente. ele dá forma onde se dissolve o excedente de
O ambiental aparece como um campo saber que transborda do conhecimento cien-
de problematização do conhecimento, que tífico abrindo o campo do saber ambiental.
induz um processo desigual de “internaliza-
ção” de certos princípios, valores e saberes
“ambientais” dentro dos paradigmas tradi- Da interdisciplinaridade ao diálogo de
cionais das ciências. Tal processo tende a saberes
gerar especialidades ou disciplinas ambien-
tais, métodos de análise e diagnóstico, as-
A problemática ambiental tem trans-
sim como novos instrumentos práticos para
bordado o campo dos paradigmas científicos
normatizar e regular o processo de desenvol-
e do conhecimento disciplinar. Por um lado,
vimento econômico sobre bases ambientais.
a problemática ambiental é conseqüência
No entanto, essa orientação “interdiscipli-
das formas de conhecimento do mundo, da
nar” para objetivos ambientais não autoriza
objetivação da realidade e o domínio da na-
a constituição de um novo objeto científico
tureza através da imposição de um logos, de
– o ambiente – como domínio generalizado
uma razão na qual não só os valores têm sido
das relações sociedade-natureza.
marginalizados e subjugados, como também
Podemos, inclusive, identificar um têm sobrexplorado a natureza e o homem em
conjunto de temas e problemáticas ambien- um afã dominador e produtivista. Em con-
tais que se apresentam como problemas seqüência, a sustentabilidade não será um
contraparadigmáticos, no sentido de que fim alcançável através de uma reintegração
encontram as vias fechadas para a comple- interdisciplinar do conhecimento como fun-
mentaridade interdisciplinar. Exemplos des- damento de uma gestão científica do desen-
ses encontram-se na “confrontação” entre volvimento, e menos ainda de uma “econo-
economia e ecologia, onde a racionalidade mização” e mercantilização da natureza.
econômica de curto prazo impede internali-
A abertura do cerco epistemológico
zar as temporalidades e os ciclos ecológicos
das ciências ao diálogo de saberes na comple-
que asseguram a renovação da natureza e a
xidade ambiental não responde a uma vonta-
sustentabilidade do desenvolvimento. Assim
de anarquizante para flexibilizar e relativizar
mesmo, temas como o da qualidade de vida
o conhecimento (FEYERABEND, 1982);
se apresentam como problemas ambientais

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Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental

não é um desconhecimento e um abandono saberes, onde se dá o encontro do conheci-


do poder do conhecimento de onde geram mento codificado das ciências com os sabe-
as ciências. O reconhecimento do saber am- res codificados pela cultura. A abertura para
biental fica, assim, externalizado, e a gestão o diálogo de saberes não só é uma herme-
ambiental implica a confluência e a aplica- nêutica que multiplica as interpretações e os
ção de saberes que transbordam o campo do sentidos do conhecimento; não é uma tecno-
conhecimento científico. É o convencimento logia que multiplica os campos aplicativos
de que não será possível resolver a crise am- do conhecimento. É o caminho de uma inter-
biental mediante uma administração cientí- disciplinaridade marcada pelo propósito de
fica da natureza, já que toda intervenção e retotalização sistêmica do conhecimento, a
apropriação da natureza implica estratégias um saber marcado pela diversidade de sabe-
de poder no saber (LEFF, 1998). É, por sua res e pela diferenciação dos sentidos do ser.
vez, a certeza de que a gestão ambiental não O saber ambiental é externo ao co-
será alcançável pela atomização e autonomia nhecimento objetivante que impulsiona
dos saberes locais; que a geração de capa- coisificação do mundo; mas também toma
cidades locais está se dando através de uma distância do diálogo introspectivo que fala
hibridização dos conhecimentos científico- com seus próprios fantasmas, que incita a
tecnológicos e dos saberes práticos “tradicio- liberação íntima do sujeito. É um saber que
nais”. A natureza é administrada, explorada, leva a ressignificar os sentidos existenciais e
conservada, transformada, através de formas a reconfigurar identidades individuais e co-
de valorização e de significação que provêm letivas e, ao mesmo tempo, a reconstruir o
da cultura. O que está em jogo nas estratégias mundo objetivo, a realidade que é produzida
de poder em torno da conservação ecológica pelo saber.
no processo de globalização é a confronta- A complexidade ambiental irrompe
ção da via marcada pela apropriação cientí- neste momento, marcando a ruptura da
fica e a valorização mercantil (os direitos de modernidade e a pós-modernidade. A
propriedade intelectual e econômica), frente própria modernidade, em seu afã unificador,
aos diversos significados culturais atribuídos universalizante e homogeneizador, vai
à natureza. A gestão ambiental num regime gerando em suas rupturas sua abertura
democrático implica uma gestão participati- à diferença; vai forjando o germe da
va da população no processo de produção. heterogeneidade, das diversas ordens e dos
A encruzilhada pela sustentabilidade é uma distintos tempos. É nesse processo no qual
disputa pela natureza e uma controvérsia pe- as racionalidades articuladas, que fundam e
los sentidos alternativos do desenvolvimen- se reforçam para gerar o regime globalizante
to sustentável. Ela faz com que a sustenta- da modernidade, dão lugar em seu seio à
bilidade tenha como condição inevitável a emergência do modernismo na arte, como
participação dos atores locais, de sociedades uma tendência que procura desprendimento
rurais e comunidades indígenas, a partir de da tradição e uma revolução permanente
da novidade (que leva à multiplicação
culturas, seus saberes e suas identidades.
das modas e do consumo), da democracia
Nessa perspectiva, a interdisciplinari- que busca a igualdade, enfrentando as
dade ambiental transborda o campo científi- hierarquias de uma sociedade estratificada e
co, acadêmico e disciplinar do conhecimento normalizada e que, ao mesmo tempo, reforça
formal certificado, e se abre a um diálogo de a emancipação pessoal do sentido e do

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individualismo contemporâneo, abrindo as indiferente de linguagens, a um consumo


comportas para a era do vazio e para a cultura massificado de conhecimentos, ou de uma
da pós-modernidade (LIPOVETSKY, 1986). personalização subjetiva e individualizada do
Nesse sentido, e no próprio seio do conhecimento, capazes de coabitar com suas
logocentrismo que configura o projeto po- contradições. O saber ambiental se forja no
sitivista, a episteme das ciências modernas encontro (enfrentamento, entrecruzamento,
estabelece um regime de domínios diferen- hibridização, antagonismo) de saberes
ciados do conhecimento – ciências formais diferenciados por matrizes de racionalidade-
e empíricas; ciências da matéria, da vida e identidade-sentido que respondem a
da cultura (FOUCAULT, 1969). A sociedade estratégias de poder pela apropriação do
democrática moderna rompe também com mundo e da natureza11.
a complexidade homogênea das sociedades A atomização do social e o fraciona-
tradicionais para produzir uma diferenciação mento do conhecimento não são reintegrá-
e heterogeneidade de suas ordens internas, veis por um método sistêmico, por um mé-
baseadas em lógicas contraditórias – hedo- todo interdisciplinar ou pelo livre mercado.
nismo, eficácia, igualdade – (BELL, 1979), Não é uma reunificação e homogeneização
assim como articulação/desarticulação das consertadas num regime de diferenças sem
ordens tecnoeconômica, política e cultural, substância. O esvaziamento de sentido de su-
com suas racionalidades e temporalidades jeitos e “eus” sem substância e equiparáveis,
diferenciadas, como o colocaram em seu é o correlato ao esvaziamento ontológico
tempo Marx e Weber em suas análises da da teoria geral de sistemas, obcecado pelas
articulação de instâncias e racionalidades na homologias estruturais do conhecimento
sociedade capitalista. formal. A racionalidade ambiental confron-
O saber ambiental transborda o campo ta, assim, o logocentrismo da ciência positi-
estabelecido por um regime do logos moder- vista, a racionalidade formal e instrumental
nizador que legitima a racionalidade unifi- da modernidade e o projeto de interdiscipli-
cante e a ordem disciplinar do conhecimento naridade teórica e técnica que busca recom-
objetivo. Assim sendo, implica um rompi- por essa lógica fundacional da civilização
mento com o conhecimento universal e dis- moderna. A racionalidade ambiental chama
ciplinar que implanta o regime de dominação à construção de um saber fundado em uma
da natureza através da ciência e que se situa constelação de diversidades arraigadas na
acima dos saberes e identidades culturais. cultura e na identidade.
Mas o saber ambiental não suplanta o regi- Ao final dessa busca da humanidade
me de socialização disciplinar do conheci- de nomear, codificar e tocar o real; de apre-
mento pela individuação do saber “pessoal”. ender, compreender e dominar a natureza; de
O saber ambiental é um saber identificável, soletrar o infinito; logo, de todo esse périplo
conformado por e arraigado em identidades pelo mundo da gramática, das ciências, da
coletivas que dão sentido a racionalidades e
práticas culturais diferenciadas. 11
Como afirma Lyotard, (1969). “O vínculo social é
O diálogo de saberes não é um de linguagem, mas não está feito de uma fibra única.
É uma textura onde se entrecruzam (...) um número
relaxamento do regime disciplinar na ordem indeterminado de jogos de linguagem que obedecem
do conhecimento para dar lugar à aliança de a regras diferentes ... Não existe na ciência uma meta-
lógicas contraditórias, a abertura de um jogo -linguagem geral dentro da qual todos as demais pos-
sam ser transcritas e avaliadas.”

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Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental

hermenêutica, as pessoas se encontram sen- expressa, talvez inexpressível, talvez in-


do pensadas por outro, pelo conhecimento fernal, estas palavras que compõem uma
com um outro, externo, que pensa o ente e se sarabanda, uma chamando a outra e a ou-
pensa, mas não compreende o ser; que deixa tra à seguinte e te arrastam em um baile,
até uma certa consumação, esperança de
nus frente ao saber e ávidos de sentido. Tal-
terminação, de satisfação, sim, estas pa-
vez seja a angústia, frente ao esvaziamento lavras que se esgarçam como prometendo
dos sentidos existenciais, e essa sede de vida a paz interior e a paz social ... enfim, a paz
a qual expressam tanto as lutas das etnias verdadeira, a que se realiza quando o es-
pela reafirmação de suas identidades, como o pírito humano – se é que ainda existe algo
drama desse ser solitário, cujo grito provém semelhante –pode estar seguro de haver
da angústia frente uma metafísica, um logos, embarcado nesse trem automaticamente
uma gramática e uma epistemologia; de um programado, tão conhecido, tão reconhe-
verbo e um tempo que nos pensa, nos impõe cível, a tal ponto que se chama “o conhe-
sua verdade e nos sujeita: cimento”, que farsa! Solicitar, reunir, de-
monstrar. Estas palavras tão cativantes,
“... não podes pensar o infinito... Mas tão niilistas, tão adormecedoras por sua
pensa que podes sofrê-lo porque ele pensa aptidão para a uniformidade, estas pala-
em ti, te pensa sem cessar... E isto não é vras, ao fim e ao cabo, são semelhantes,
mais que o começo, o mero começo do co- tão semelhantes e intercambiáveis como
meço. És pensado. E porque és pensado tu parecem ser? Semelhantes... talvez para
deves pensar que tu pensas. Tu deves; não fazermos semelhantes? Na verdade se-
podes escapar. Só que têm uma margem melhantes ... Idênticos, sinônimos, simi-
entre o pensamento que te pensa e o que lares, analógicos? Ou então pastiches,
tu pensas que pensas. ... Faz falta uma simulacros, embustes? Reproduções,
estrela para ver a escuridão? ... Que é o fac-símiles, réplicas? Ou então imitações,
uso do tempo? Fornicação perpétua com mímicas, paródias, fantasias, caricaturas,
o verbo eterno. Engendrando o momento plágios?... Inclusive falsificações, simula-
da verdade. Irrupção pontual na duração, ções, embustes e, portanto, ilusões, men-
relâmpago de um presente mais além de tiras, mistificações. Isomorfas, isotermas,
toda gramática, revelação das palavras isóbaras! Equivalentes, eqüiláteras, equí-
como matéria milagrosa, da língua como vocas ... Oh, grandiosa e grotesca estafa
lugar e vínculo de transubstanciação. da língua que joga conosco quando nós
Todo nome é uma assinatura em branco cremos usá-la!. (ANDRÉ, 2000)
... todas essas linguagens estranhas, es-
sas singulares construções gramaticais. É nessa ruptura, nesse limite, nessa
Línguas? Regras? ... Normas, máximas, desconstrução do logos, nessa sacudida e
preceitos; modelos, funções, equações; nesse desencadeamento do poder imposto
postulados, teoremas, corolários ...; pro- pelo conhecimento, que o propósito da inter-
tocolos, métodos, propriedades, sistemas; disciplinaridade se abre para a reconstrução
leis, fórmulas, nomenclaturas, etc., louco do saber, na via da reconstituição das iden-
carrossel que gira, gira, gira... Até quan- tidades e o diálogo com outros saberes, na
do? Com que finalidade? E a que preço?
construção de um futuro aberto até o infinito,
Palavras que remetem sem repouso, de
uma a outra, e que parecem tender à mes-
a “alteridade” e a alternativa.
ma significação inefável, cascata de pala- Versão do espanhol para o português por
vras que se regulam por si sós, formando Maria del Carmen S.Lopez e revisado por
um colar em volta de uma lei secreta, não Attilio Brunacci e Daniel Joseph Hogan.

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332 Disponível em <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/olhardeprofessor>
Enrique Leff

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