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Contou-me Sérgio Cardoso que, encontrando ‘um dia Lima Barreto em um dos bares de S4o Paulo, perguntoushe como ia; resposta: “Servindo & vontade de Deu: Estive és vezes com Lima Barreto. A primeira, na Bahia, quando ele prepa- rava a produgdo de O sertanejo, ao lado de Tom Payne e Cavalheiro Lima. Nesta época eu e alguns amigos esbogdvamos os primeitos passos do cine- ‘ma bsiano e um contato corn Lima Barreto era considerado de extrema im porténcia. Fago questio de citar estes fatos, porque, participante ative do ‘movimento de renovago do cinema brasileiro, senti, durante muito tempo, rellexos negativos daquele contato com Cavalheiro Lima e Lima Barreto. Li- ‘ma Barreto, vestido de génio, falando mal de Balzac e Orson Welles, gritava que era maior do que Chaplin e sé respeitava no momento Kurosawa, com quem tinha marcado um duelo no préximo festival de Cannes; Cevalheiro Lima, com ares professorais, desfiava estatisticas tenificantes sobre indus- ‘tia cinematografica, Duas ilhas de pretenséo; dois profissionais mistfica- dos pelo sucesso de O cangaceiro. A leitura piblica do roteiro de O sertane- Jo foi revestida de um tipico aparato fascista ¢ naquele momento percebi ‘que o grande erro de Lima Barroto foi ndo ter s0 unido a ditadura gotulsta: seria, indiscutivelmente, o cineasta-mor do Departamento de Imprensa © Propaganda [ove A mistificagao do ato, com Lima cantando, recitando, vor ciferando no mais grotesco dos narcisismos, visava, no fundo, fazer suces- 0 6 vender cotas na praga. A fungao se repetiu em varios Estados e cidades do interior brasileiro, Muitas cotas certamente foram vendidas: O sertanejo permanaco om projeto. ‘A segunda vez que vi Lima Barreto, em 1959, fol no famoso ber do Museu de Arte de Sao Paulo. Ele estava realizande A primeira missa e certamente nfo me reconheceu, apesar de me tratar com grande atengdo. Falou que A primeira ‘missa ia render um bilhdo de cruzeiros, ele ganharia a percentagem de quatio- Centos milhdes e rodariaA retrada de Laguna, que seria maior do que Ben-Hur: ‘om saguids, repatindo os chavoes, descreveu ume seqiéncia da batalha, prece- did por uma missa. O climax era quando um general paregueio grtava “/uego". Isto, Lima gritou com toda a forca de seus pulmées, assustando os presentes. Depois do fracasso de A primoira missa —ridiculaizado em Cannes eliqui- dado nas bilheterias — encontrei Lima Barreto no bar do Museu de Arte Mo- derma do Rio de Janeiro. Fomos falar com Lima, um cumprimento amével, Re- cobeu a mim, Paulo Saraceni Sérgio Augusto com grande amabilidade e logo fem seguida so declarou um génio da qualidade de Celi, Michelangelo, da Vinci, Dante, Shakespeare. Depois foi embore. Com o fracasso deA primeira missa, a onda do cinema novo ¢ 0 sucesso de O pagador de promessas, ninguér mais falou em Lima Barreto e lenta- ‘mente 0 mito de C cangaceiro tende a se isolar num perfodo do cinema bra- sileiro, A redescoberta de Humberto Mauro ¢ a extracrdingria importéncia {que Ihe fol conterida pola nova critica acentuaram mais o proceso de ostre- cismo do velho cineasta. Lucidamente, em 1961, escrevi que, de Ganga bru- f@ aA primeira missa a linquagem cinematografica brasileira involuia; a re- descoberta de Ganga brute era 0 quo indicava caminhos para 0s novos: cineastas brasileiros. Viima do sucesso numa provincia cultural como S80, Paulo, endeusado por rornanticos e atingido por despeitados, Lima Barreto nao pade se equillbrar na corda bamba do processo cinematogrético. Inves- tido do poderes divinos partiu para romper com a evolugdo orgénica do cine- ma brasileiro: salvo-me eu, que sou génio, dane-se o resto, que é mediocret Lima Barreto néo era génio, embora noventa por cento do resto fosse medio cre. Som visio histérica, 0 cineasta de gestos largos @ vor teatral queria que ‘© mundo cinematografico do Brasil ¢ outras plagas girasse em torno del imputava responsabilidade ao Congreso, a Presidéncia da Repablica, aos Governos Estaduais, aos bancos: era prociso que the concedessem bles de cruzeiros; a Cinebras, como a Petrobrast O nacionalisimo demagégico ter- ‘minou porsepuléo. A forga revelada em O cangaceiro mostrave-se senil em A primeita missa. Desenhada em linhas gerais a personalidade cadtica edeformada de Lima Barreto, vejamos em detalhes sua obra. Na confusdo havi talento: um fundo de vordade nacionalista; um impeto terdio, mistico ¢ revoltado, que, no ego- ‘centtismo, queria salver e projetar 0 humilhante cinema brasileiro. Sim, Lima Barreto 6 uma vitima do processo; apenas concentrou sua forga em si endo ‘a luta para a transfarmagéo do meio. Um extrovertido ineficaz, que nd podia ‘se dar a08 luxos do um Orson Walles, © nem pensou que Hollywood, muito ‘ced, resolveu tara brincadeira das méos do menino-prodigi Culturalmente, Lima Barreto 6 um rebento tardio da poesia condoreira de Cas- ‘ro Alves; um nacionalista sensual e caudloso como Euclides da Cunha, mas ‘sem a cultura © a visio do autor do Os sortdes, Lima é um apaixonado pelo es- tilo de Euclides; as fortes tintas apenas. Sertanistas como José de Alencar, roméntico retardado, sem a profundidade de um José Lins do Rego; sem a vi- vencia deste, cujo suporte memorialista faz do seu romance, apesar da pobre- za ostrutural e estlistica, um verdadiro movimento de forca © comunicagao. ‘Ambicionando requintes de expressao, Lima Barreto fica encalhado no parna- sianismo de Olavo Blac. Ideologicanente & mistco, esplituaista,ateu @ catd= lico, patriotae reacionéro, progressista e desenvolvimentista, nem direita nem cesquerda, mas também sem a coragem @° talento de um Bufuel para se de- clarar um anarquista. Um acontecimento brasileiro, um complexo equivoco ttansformado em méitire hers como Tiradentes. Esta identiticagao se reflete ‘om Paine!, documentirio sobre 0 duvidoso mural de Portinari, no Colégio de Cataguases, por sinal tera de Humberto Mauro. ‘A exaltacdo patriética de Lima Barreto, conjugede &s tintas carregadas de Portinari, resultou num filme ideal para 0 extinto @ famigerado DIP No se p:0- cedia 0 menor sentido entico. A Inconfidéncia foi uma revoluggo burguesa que visave apenas defender a grande exploragéo que Portugal exorcia sobre as rminas de ouro; o escravismo continuaria e 0s poetas-juristas exploradores da ‘época passariam gpanas 20 poder. Tiradontes foi um acontecimento; um ig- nocante exaltado por idéias lbertéias, Isto mais de cem anos depots de um despertaracéo verdadeiramente politico, como foi o de Domingos Fernandes Calabar, em Pernambuco, Mas assim como Calabar 6 0 simboto da traigdo, T- radentes 6 visto como 0 dpice de nosso heroism histérico. Portinat primeiro, depois Lima Barreto. Ngo, néo era @ mentalidede da época, porque, jé enti & hd muito tempo, Graciiano Ramos existia: sua obra é desmistificante. Seco, impiedoso, ervel, Gracilano Ramos jé tinha retirado os véus da patria mado: {oi parar na cadeia, Lima Barreto, num pretenso filme didético, mostrava as criangas aquele ‘exemplo de bravura. Um filme de autor, som divide: © dai sua maior responsa- bilidade. A técnica empregada era apenas empolada, retumbante, de um pri -meirissimo plano de olho para grandes planos de conjunto: masica heréica, texto vibrante de professor comemorando, ante e ingenuidade da inféncia, as, iérias de Caxias e Deqdoro, Um artesanato mecanico, certinho, gramatical, aginando ao gosto da bursuesia que, naquele tempo, jé gostava de arte mo- ema © muito mais de fortinar. ‘Santuério, sobre a obra de Aleijadinno, é mais initante. Minas & um Estado ‘tégico: temStioa cera {de Carlos Drummond do Andrade © Cornéiio. @ ‘Sentuério do Lima Barroto (351) Penna era agora profenada pela chimera de Lima Barreto. Um génio se identii- ca com os heréis ou com outros génios. Tanto faz Tiradentes como Aleljadi- ‘nho. Um romantismo pior que a chatice de um Fagundes Varela. Escrevendo ‘uma vez sobre nacionalismo na arte brasilera, Jorge de Lima disse que o im- portante ora ver 0 subconsciente brasileiro; o sensualismo de nossas formas, 2 pure forga de uma civilzagdo semi-selvagem no bastam, mesmo com boas intengdes e sinceridade, para servir a uma expresso maiot. lavengao de Orfew ‘6 0 exemplo de como Jorge de Lima, vencendo o pitoresco eo racismo de sua ‘poesia negra, péde compreender, na sua extraordinéria inguagem poética, © Brasil e seu movimento interior. Lima Barzeto, citando Mario de Andrade, fala- va om... do préprio, do nosso, do conceito estético-{ilmico-cinematogréfico ‘eminentemente matuto-caipira-caboclo-sampeiro-sertancjo... encontraremos 2 forma audiovisual de generalizar, de disseminar @ nossa cultura — incipiente, sim, mas auténtica, verdadeia, inetorquivel..” Lima Barreto 6, légico, um reterdado de 1922 efimes como Paine!, Santus- ‘io, O cangaceiro @ A primeira missa estariam bem situados na cultura brasilek ‘a naquela fase, revolucionéiia, de nacionalismo verde-amarelo-geogrético, etc... onde o desvairismo nacionalista era uma valida reagio a0 imp6rio grego das hostes académicas e reacionsiias. Nesta 6poca, era possivel falar em es- tética campeira-sertaneja-caipira © outras terminologias tipicas de escolas. como 0 “no-objeto", no concretismo. Lima Barreto surgiu tarde. Suntuério & tum documantario falso © meciinico: um locutorrecitatrechos bibicos referen- tos a cada profeta e as imagens académicas, de bom gasto, se sucedem em tomadas "a la russe", contra as quais Lima Barreto varies vezes vociferou. O proto velho {servile detestivel remanescente do extinto e racist ciclo do “pai- ‘Jo0"] ia pagar sua promessa sobre o coral de ave-matias estridentes, O mas- sianismo de Lima Barreto no tem, a0 menos, a dignidade auténtica de bron- ‘cos como AntGnio Conselieiro, para lembrar Euclides da Cunha, de quem Lima Barroto usaria famosa epigrafe “O sortanojo é antes de tudo um forte”, ‘no roteto do iealizado O sertaneja. CConsagrado om Venoza— especialmente pela grande forga do Alejjadinho, que neutralizava a demagogia das fotografias — Lima Barreto ganhou campo para seu grande espeticulo, Era chegada a hora de O cangaceiro. 0 E verdadeiramente inexplicével 0 fsto do cinema brasileiro chegar & temitica ‘do cangago apenas em 1953, quando a iteratura, através de autores como Fran- ‘in Tévore ou José Lins do Rego, jéformara um ciclo: o cangaceico, persona- ‘gem indispensével no romanceio popular do Nordeste, passare a0 romance ‘nordestino com todo seu complexo mistico e andrquico. Benjamin Abrahao fo ‘um mascate érabe que esteve no bando de Lampido ¢ fimou muitas conas de ‘cangago; conta-se que, etormando & Paraiba com varias latas de negativo im ‘rosso, fo assassinado por desofetos e a msior parte do filme se pordeu, Hoje existe um pequeno decumantério que contém precéria informagéo da vida do lendério Virgulino. Ha um ano atiés Pedro Lima revelou que em Pernambuco foi realizado um filme sobre a vida de Viguine nos anos 40, ‘Se 0 toma de avanturas estove presente na obra de Humberto Mauro e em ‘mwitas outras experiéncias do antigo cinema brasileiro, sua definigdo como gé- nero de cangaro, hoje habiimente batizado por Salvyano Cavalcanti de Paiva como nordesterm, apareceria somente em 1959, no polémico filme de Lima Barroto, Nao era.a vida de Lampio, mas o Capitéo Galdino Forccira,vvido por Milton Ribeiro, que tinha alguma semelhanga com o lado pitoresco de Virgul- io Fertsira—o sobrenome ere um pista para identficaggo. Sem ter entendk do 0 romance do cangago ¢ sem ter interprotado o sentido dos romances po- pulares nordestinos, Lima Barrato criou um drama de aventuras convencional @ psicologicamenta priméro, lustrado pelas misticas figuras de chapous de couro, esticlas de prata e crusldede cémicas. O cangago, como fentmeno de rebeldia mistco-andequice surgido do sistem latfuncirio nordestino, agrava- 0 pelas secas, nao era situado. Uma estéria do tempo que havia cangaceiros, ‘uma fébula roméntica de exaltacio & terra, Em seu livo Le Cinéma italien 2 0 crtico-realizador Carlo Lizzani diz que 0 su- cesso de Cabiria, no perfodo dureo do filme histérico mudo de Italia, conti- buiu para a exaltacéo nacionalista, disseminando uma ideologia pré-facista, inspirada por D'Annunzio, O cangaceiro teve, em proporgSes menores, um efeito deste tipo sobre as massas. A cena final, quando Teodoro (Alberto Rus- cchel} morria beijando e comendo a terra do sertéo (uma terra seca, estéril, propriedade de cruis senhores feudais) e recitando umas palavras ridiculas ue a ficha técnica indiea como “cidlogos de Rachel de Queirez”, é, na mise- a en scéno, a revelagéo moral de Lima Barreto. Ocangaceiro servi ®ideotogla {oudal: Galcino era cangaceiro porque era ruim; Teodoro era cangacelro por que matara um homem, os padres lovaram-no, mas ele voltou porque amava 2 terra © quoria morrer naquela terra. Se nio mo falna a meméria, 0 dilogo ‘era mais ou menos assim: *..aqui nasi. aqul vv. aqui hel da morrer..0 {que tenho um pedago desta terre derramada no sengue..”. Alberto Ruschel centortava os lébios em sua prontincia gaicha e Marisa Prado —a professor ‘nha — ora tomada do paixéo. Um drama fatalista: um é bom, outro mau. Gab Gino pagaré suas maldades; as, jé tem uma ba no peito. Claro, a burguesia © 0 analfabeto pablico brasilsiro, educado na mitelogia ideal'sta do western, botoriam palmas aquoe fimo quo nada fcava devendo aos melhores filmes e cowboy. Escapist cetumbante, canto de amor 8 tera, narra urna epo- pia em ritmo de cortido mexicano. So Eisenstein — via Tissé — deixou profunde influéncia nos cineastas mexica- ‘nos (principalmente Figueroa) através do sou malogrado Que viva México! — ‘o matarial daste mesmo filme seria utilzado em filmes americanos tirados da epoptia revolucionéria de Vile, Juarez e Zepata. Na sua mistificagéo, Lima Barreto declsrou uma vez que o maior livo de cinoma que conhecia era uma corte bule papal. Grossa mentira: conhece bem as tootias de Eisenstein e 0 cinema americano dos anos 30. Se fosse um primitivo, s critica mais Kécida re- ‘conheceria logo. £, isto sim, um pamasiano munido de grande informag3o possimamente intorpratada, (© plana nical de © cangaceiro — um contraluz de Chick Fowle digno de ‘qualquer aluno destas famigeradas Escolas de Solas Artes que ainda existern, 6 um préstito de Viva Vill, quando os guertilneizos do Wallace Beery surgiom cantando; e La cucarache, espécie de Mulé rendora mexicana, marcou todo 0 ciclo romantico de Emilio Ferndndez e Figueroa. Lima Barreto nada mais fez do que repetir um daqueles épicos mexicanos ‘nos planaltos paulistas vestides de Nordeste: e conservou o espiiito melodra- ‘matico, 0 pitoresco fécil, a chantagem dos grandes pianos armados nurme mon- tagom de choque, que aproveitava efeitos do velho cinema russo e outros ‘mais imediatos do cinema americano. Um western sem a grandeza humana © ‘50m a pureza de um Passo dos fortes [My Dorling Clementine], de John Fe 92 ‘uma epopéia sem movimento mistico do No tempo das diligéncias |Stago- coach, do mesmo Ford; um drama nacionalista sem 0 poder de conviegao de um Alexanare Nevski, de Bisesntein; um canto de amor 8 terra, mesmo ro- ‘mGstico, sem 2 autenticidade mais encontrada om alguns momentos de Emi- lio Fernandez. Um filme amarrado de corda, Expliquemos: 0 montador Oswald Haffenrichtor, de formagao britanica, empregou o corte de efeito: manipulacéo de primeizos planos e planos gerais; narrative bem articulada. Densidade nula: ‘como a palsagem era falga, os planos ndo pormitom ao espectador perceber ‘que aquele Nordeste é “paulsta’. sem macambira, xique-xique, favels e man-

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