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A letra e o risco

É tempo de migrações. Há pouco, a imagem-síntese deste fenômeno seria talvez o movimento


em seta de pássaros voando em grupo. Recortadas sobre o azul do céu, as aves indicariam o
lugar de água, calor e comida. Já a evocação das migrações humanas que temos acompanhado é
menos mágica. Falta ar e sobra poeira onde incerteza, dor, extremismo, guerra e redes mundiais
de poder fabricam fome e desespero.
Em meio ao contingente expulso de casa, inúmeros escritores. No exílio por intolerância e
perseguição política ou religiosa, eles atestam a resistência na palavra e pelo imaginário. A
literatura opera nas brechas; contextos de violência física e psíquica são subvertidos na
linguagem, que adverte e pede leitura ímpar, de viés. Poetas e ficcionistas abatem a versão
oficial, idílica e falsa, da globalização; chegam a aprender outra língua porque a missão deles é
falar. No exílio, a exposição a outras culturas e línguas, o aprendizado da diversidade no ver e
conviver, a tensão colonizador e colonizado e o cruzamento entre memórias antigas e por
construir resultam numa literatura diaspórica vigorosa.
O presente projeto dá voz a alguns protagonistas que, como Carlos Drummond de Andrade,
expõem as “mãos viajando sem braços,/obscenos gestos avulsos.” E a pensadores cujos quadros
conceituais nos ajudam a compreender este processo.
O ciclo estimula o engajamento em defesa da vida e liberdade de expressão; propõe, com quis
Julio Cortázar, uma interpretação da história literária pelo viés do exílio; e comunga com o
filósofo Jacques Derrida a ideia de que a ética é a hospitalidade. A hospitalidade começa na
escuta.
Clarisse Fukelman – curadora

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