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Especialização em Língua Portuguesa

Liceu Literário Português

Análise crítica de traduções machadianas para o Italiano à luz da Crítica Textual.

LEILANE DOS SANTOS FONSECA

Monografia apresentada ao Liceu Literário


Português como um dos requisitos necessários à
obtenção ao título de Especialista em Português.

Orientador: Professora Nilza Cabral dos Santos

Rio de Janeiro

2º semestre de 2019
Sumário

Tema

Delimitação do tema

Justificativa

Objetivo geral e objetivos específicos

Fundamentação teórica

Metodologia

Cronograma

Referências bibliográficas

Tema
Imagine-se ler um texto de Manuel Bandeira, acreditando-se estar, de fato, lendo o que o
autor escreveu. Bom, este é um dos princípios da credulidade e fidelidade que se tem para
com o autor do texto.

Mas, e se, o que estiver sendo lido, não é aquilo que realmente Bandeira escreveu? Isto é,
e se o texto escrito por ele apresenta marcas de outro autor? Bem, esta foi uma das intrigas
feitas por Mendes e Ambrosoli (2015, p.8), em seu trabalho Crítica Textual: Volume 1 (2015),
a estudantes de Crítica Textual.

Isto que acontece de ler um texto com marcas de outros autores é chamado, em Crítica
Textual, de adulteração do texto original. Ou seja, pode-se infringir o texto do autor,
inserindo-se impressões de um segundo autor, seja para omitir termos, seja para trocar uma
palavra pela outra, seja para trocar a classe gramatical de uma palavra, ou até, em casos mais
graves, suprimir trechos de um parágrafo, e não para por aí.

Mendes e Ambrosoli (ibid) mostraram muito bem exemplos de infrações textuais,


particularmente, com textos presentes em livros didáticos, o que contribui significativamente
para compreender o tamanho compromisso que se deve ter com o texto original.

Com os textos poéticos, por exemplo, as autoras mostram que é muito comum suprimir os
versos ou desdobrá-los, para que eles caibam nos “moldes” de bel prazer do editor do texto.
Com os textos em prosa, o que recorrentemente acontece, segundo as autoras, é transcrever
mal um fragmento. Consequentemente, fica-se sem saber de onde se extraiu o trecho: foi do
capítulo? Do parágrafo? De onde foi? Estas e outras faltas de referência dificultam durante o
ato de confrontar um texto com o outro.

Outro erro grave e que incide com maior frequência é a adulteração no texto em si. As
autoras deram exemplos do que aconteceu com o texto presente na obra de Monteiro Lobato:
Emília no País da Gramática. Houve adulteração no trecho do capítulo “Entre os adjetivos”
ou “artigos” assim como o título do capítulo “Exame e pontuação”, que foi alterado para “O
bazar da pontuação.” Veja-se na tabela apresentada pelas autoras:

“Entre os adjetivos” “Artigos”


“Lá moram o A, o O, o UM, o uMA, umas pulgas de “Olhem onde moram o A, o O e o uM
palavrinhas, mas que apesar disso são utilíssimas. A – umas pulgas de palavrinhas, mas que apesar disso
gente não dá um passo sem usá-las. São os artigos.” são utilíssimas. A gente não dá um passo sem usá-las.
Mas isto, senhor rinoceronte, não é o que
antigamente se chamava Artigo?”

“Exame e pontuação” “o bazar da pontuação”

“– Essas vírgulas servem para separar as orações as “– Essas vírgulas servem para separar as orações
Palavras e os números explicou ele. – Servem Independentes das Subor- dinadas – explicou ele
sempre para indicar uma pausa na frente.” – e para mais uma porção de coisas. Servem
sempre para indicar uma pausa na frase.”

Outro caso de adultério textual mostrado pelas autoras foi ocorrido com o poema
“Trem de Ferro” de Manuel Bandeira: no verso 4, a forma popular Virge em “virge Maria o
que foi isto, maquinista?”, foi intencionalmente adulterada para Virgem, perdendo o
significado poético do verso. No último verso do poema, houve nova troca: “Que eu preciso”,
por “Que é preciso”; “ingazeira” passa a “ingazeiro”; os versos “Passa poste/Passa pasto” são:
“Passa poste/ Passa poste”.

Os exemplos são de infidedignidade ao texto do escritor. Muitos autores, inclusive,


demonstram sua indignação e insatisfação com revisores e editores que trabalham no
segmento editorial. Manuel Bandeira e Clarice Lispector, por exemplo, declaram:

Manuel Bandeira:

A primeira edição de minhas traduções (350 exemplares em papel vergé) foi muito
carinhosamente preparada por Murilo Miranda (R.A. Editora, 1945: R. A., Revista
Acadêmica) (...). As provas me foram dadas sem as capitulares, de sorte que a
edição saiu com um erro que se repetiu na 2ª edição (Livraria do Globo) e de que até
hoje não me consolei. Foi num dos nove poemas (...) que traduzi (uma das maiores
batalhas que já pelejei na minha vida de poeta…). A estrofe inicial do poema
“Metade da vida” é assim:
Peras amarelas
E rosas
Silvestres
Da paisagem sobre

a Lagoa.

Provavelmente, o linotipista não acreditava que se pudesse misturar peras a rosas e


imaginou que devia ser “heras” e não “peras”. Assim que, todos os que estas
insossas memórias estiverem lendo, fiquem cientes de que não escrevi nem jamais
escreveria aquele horrendo verso “Heras amarelas”. Previno também que tendo
traduzido a “Balada da linda menina do Brasil”, de r u b é n d a ri o, como ela vem,
erradíssima,

na péssima edição da Aguilar (1941), resultou uma grande porcaria. Refiz a tradução
segundo o texto da Antologia poética de Rubén Dario [...] (BANDEIRA, 1996, p.
124-125).

vivia encantoado na sala da frente, que ia de um oitão a outro, com várias sacadas
para o largo, mobiliada (atenção, revisor: não ponha “mobilada”, que é palavra
que eu detesto!) com uma cama de vento, uma cadeira e um lavatoriozinho de ferro
(BANDEIRA, 1966, p161-162).

Clarice Lispector:

[...] eu tomei liberdades de estilo, o que dá direito de criticar, mas não de impedir.
[...] Eu gostaria ainda de esclarecer o seguinte: a pontuação que eu empreguei no
livro não é acidental e não resulta da ignorância de regras gramaticais. Você
concordaria comigo que os princípios elementares de pontuação são aprendidos em
qualquer escola. Estou plenamente consciente das razões que me levaram a escolher
essa pontuação e faço questão que ela seja respeitada (Clarice Lispector, Arquivo
Museu de Literatura Brasileira, FCRB).

A partir da análise de dados destes corpus, trabalhou-se, nesta pesquisa, a tentativa de


explicar a importância do entendimento do sentido e do significado da palavra “crítica”
exercida no contexto do profissional tradutor crítico-literário bem como do profissional
crítico literário no tocante à apresentação de textos traduzidos de Machado de Assis, um dos
autores mais assíduos e ativos da Língua Portuguesa. As críticas que se farão com as técnicas
da Crítica Textual visam contribuir para que lapsos no texto não aconteçam e que Machado de
Assis tenha o seu devido reconhecimento na cultura estrangeira. A título de curiosidade, os
significados para o termo “crítica” encontrados no mesmo dicionário online são: Análise
avaliativa de alguma coisa; ação de julgar.

Este trabalho de pesquisa, de fato, assumiu o papel de detetive, cuja natureza é


essencialmente instigativa. Segundo o dicionário online “dicio”, disponível no site
https://www.dicio.com.br/instigar/, o termo tem o significado de instigar (incentivar alguém
ou um grupo de pessoas a realizar determinar atividade). Assim, a intenção aqui não apenas
instigar o leitor mas também investigar, dentro das fundamentações teóricas da Crítica da
Tradução, o porquê muitos leitores italianos ainda não conhecem o Bruxo do Cosme Velho.

O cotejo dos textos, uma das técnicas da Crítica Textual, foi possível graças a
disponibilidade feita por Salomão (2011) de alguns textos traduzidos de Machado de Assis
para o Italiano, o que permitiu aproximar as traduções o mais próximo possível dos textos
originais machadianos.

Delimitação do tema

Segundo Cambraia (2005, p.19), a contribuição maior da Crítica Textual é o ato de


recuperar o patrimônio cultural de uma dada cultura. Esta informação é muito valiosa, em se
tratando dos escritos de Literatura. A presença de Machado de Assis, por exemplo, na
Literatura Brasileira, permitiu que se repensasse algumas condutas comportamentais do
século XIX, graças à observação analítica de apelo psicológico demonstrado em seus escritos.

Acerca do elemento “subjetividade” observou Salomão (2011, p.4-5) que: “as frases
machadianas são construídas de maneira que sustentam um tom dubitativo e de constante
relatividade com a qual o autor indaga a realidade ao seu redor, com forte ênfase nas questões
psicológicas. Assim, temos orações do tipo: caseira, apesar de bonita; modesta, apesar de
abastada; temente às trovoadas e ao marido, se não era bonita, também não era feia”.

Salomão (ibid, p.4) chama a atenção ao valor que um trabalho tradutológico tem quando
se está diante de duas culturas. A autora cotejou algumas traduções italianas dos principais
romances de Machado de Assis. Em, se tratando de tradições culturais, a sua visão é de que “o
trabalho de tradução e, mais ainda, o trabalho da análise crítica, são no fundo, uma atividade
de confronto entre duas culturas, dois contextos históricos.” (grifos meus.)

O Crítico Textual faz o mesmo trabalho de um restaurador de obra de arte, como ensinam
Cambraia (ibid) e Spina (1977). Os autores afirmam que, da mesma maneira como se
restauram pinturas, esculturas, igrejas e diversos outros bens culturais da humanidade, a fim
de que se mantenha a forma dada por seu autor intelectual, igualmente, restauram-se os livros
em termos tanto físicos (recuperação da folha, encadernação, capa, etc) como do seu
conteúdo, que é a recuperação do texto em si.

Spina (ibid, p.35) ilustra esta situação com o trabalho de restauração do quadro da
Gioconda de Leonardo da Vinci, obra restaurada por especialistas da arte do Renascimento. O
autor mostra que, embora a obra possa ter sido restaurada pelo melhor pintor, para realizar tal
tipo de recuperação foi necessário um profundo conhecimento da pintura, da técnica da
manipulação das tintas, do espírito da época em que o quadro foi composto, dentre outras
técnicas.

Se, por ventura, o restaurador acrescentasse ao quadro de Da Vinci as sobrancelhas que


faltam no original ou que atenuasse ou mesmo eliminasse o sorriso esboçado nas comissuras
da boca ou diminuísse a altura da fronte depilada, etc, já não teria sido o gênio do
Renascimento que teria pintado o quadro ou seja, na obra, teria-se duas impressões: a de Da
Vinci e a do restaurador.

Assim, advertindo o tradutor literário por meio da comparação entre pintura e texto feita
por Spina (ibid, p.35), chama-se a atenção para o fato de que com um texto literário traduzido
o procedimento não é diferente. Spina (ibid) afirma que “tanto o filólogo como o tradutor
literário que pretendam estabelecer a edição crítica de texto precisam de seguros
conhecimentos da língua, da cultura, do pensamento, da arte, da história, da literatura e da
composição vigente na época em que a obra original foi escrita”.

Em Crítica Textual e em Crítica da Tradução, autenticidade e fidedignidade são duas


terminologias naturais destas duas ciências (naturezas) e que surgem com muita frequência,
quando o assunto é o compromisso com o texto original. Em relação ao elemento “autêntico”,
Spina (ibid, p.5) mostra que um texto pode ser legitimo, autêntico, mas não genuíno e ilustra
esta situação por meio de análise de edições de uma mesma obra: “Suponhamos a 1ª edição de
uma obra: ela é autêntica, legítima, isto é, não é falsa, porque saiu em vida do autor e foi
supervisionada por ele”.

Esta situação apresentada por Spina pode ser comprovada com o que fez o autor Dalton
Trevisan com sua obra Cemitério dos Elefantes, como mostram Mendes e Ambrosoli (ibid,
p.9). Observa-se que a 8ª edição, de 1987, apresenta adulterações no texto, com destaque para
supressões de palavras.

Cambraia (ibid, p.9) mostra que o autor pode fazer modificações em seu próprio texto. O
autor chama este tipo de modificação de Modificações autorais, isto é, modificações feitas
pelo próprio autor. Investiga-se, de modo prático, por meio da tabela mostrada por Mendes e
Ambrosoli (ibid, p.9) a situação a seguir entre a 1ª edição, de 1964, e a 8ª do texto Cemitério
dos elefantes:
As autoras, na página 18, mostram que esta característica de autenticidade é inerente à
Filologia, que, em determinadas atividades no trabalho com o texto, pode ser chamada de
Crítica Textual. Segundo as autoras, a Filologia (ou Crítica Textual, neste caso) é “o estudo
científico dos textos (não obrigatoriamente antigos) e estabelecimento de sua autenticidade
através da comparação de manuscritos e edições, utilizando-se de técnicas auxiliares, como a
Paleografia, a Estatística para datação, História Literária, Econômica. etc”.

É, portanto, desta maneira que a Crítica Textual trabalha para aproximar um texto o
mais próximo possível do texto genuíno. Ela pode ser vista como uma técnica, pois executa
funções para “restituir o texto à sua forma genuína, cumprindo, desta maneira, a sua função
primordial” (CAMBRAIA, 2005, p. 6). Para que este trabalho seja possível, ela conta com os
princípios de autenticidade (já comentado) e de fidedignidade, que é o ato de dar credibilidade
ou crédito a alguma coisa.

Spina (ibid, p.9) adverte para o fato de que nem sempre a 1ª edição de uma obra
corresponde ao que o autor escreveu, porque “nela são encontradas falhas e coisas que já não
condizem com o seu espírito. Assim, uma edição definitiva, saída conforme as vontades do
autor, talvez seja ela a 4ª edição. Esta 4ª edição é genuína, mas as três primeiras não o são,
embora sejam autênticas (legítimas). Neste caso, observa-se que, nas três primeiras edições
houve infidedignidade ao texto e é aí que a Filologia (ou Crítica Textual) cumpre o seu papel
“de estabelecimento da genuidade de um texto” (SPINA, 1977, p. 6).

Após a recuperação do texto, inicia-se outro processo discriminado por Cambraia


(ibid, p.15):

Considerando que, após a restituição da forma genuína de um texto escrito, ele é, via
de regra, publicado novamente (republicado), e assim, contribui-se também para a
transmissão e preservação desse patrimônio; colabora-se para a transmissão dos
textos, ao se publicar um texto, este torna-se novamente acessível ao público leitor;
e contribui-se para a sua preservação, porque se assegura sua subsistência através de
registro em novos e modernos suportes materiais, que aumentarão sua longevidade
(p.15).
Em síntese, o trabalho de estabelecimento de textos pode envolver duas naturezas: A
Filologia e a Crítica Textual, também chamada de Edótica. Cambraia (ibid, p.12) analisa
minimamente cada uma destas duas naturezas técnicas:

No que se refere à expressão crítica textual, costuma-se empregá-la em língua


portuguesa como designadora do campo do conhecimento que trata basicamente da
restituição da forma genuína dos textos, i.é. sua fixação ou estabelecimento (cf.
Houssais, 1967, vol. I, 204; Azevedo Filho, 1987: p.15; Spina, 1994:82). Já o termo
ecdótica tem sido utilizado para nomear o campo de conhecimento que engloba o
estabelecimento de textos e a sua apresentação, i.é, edição (Azevedo Filho, 1987;15,
Spina, 1994:82): nessa acepção, o termo abarca não apenas o processo de restituição
da forma genuína de um texto mas também os procedimentos técnicos para
apresentar o texto ao público.
A infedignidade ao texto original pode ocorrer de várias maneiras. Cambraia (ibid,
p.6) ilustrou descontraidamente uma maneira muito prática de não ser fidedigno à transmissão
de um texto. Assim (também de forma descontraída), afirma-se que, para ser infidedigno a
texto, basta seguir a ilustração de Cambraia:

“Para perceber de forma descontraída essa questão, basta levar-se em conta a


tradicional brincadeira chamada telefone-sem-fio: ao pé do ouvido de quem está ao
seu lado, uma pessoa passa oralmente uma mensagem, a qual é repassada para a
pessoa seguinte do círculo em que se encontram, e assim sucessivamente – mas,
como todos sabem, ao retornar ao primeiro emissor, a mensagem nunca chega como
foi. Pode dizer que se passa, mutatis mutandi, a mesma coisa na transmissão de
textos escritos. A cada cópia que se faz de um texto, a constituição deste muda – seja
por ato involuntário, seja por ato voluntário de quem o copia. “(p.6)
Além desta situação prática, pode ocorrer também, na face teórica com o trabalho de
Crítica Textual, falhas com o texto devido ao cansaço do copista (no caso da tradição
manuscrita), do tipógrafo, má leituras de letras ou palavras, falta de atenção ao reproduzir o
original, supressão de palavras ou linhas, má transcrição, intervenções do revisor ou do editor,
etc.

Justificativa

Guerini e Palma (2009, 45) mostraram uma consulta que fizeram às publicações da AIE -
Associazione Italiana degli Editori (Associação Italiana dos Editores) - referente à literatura
traduzida para o Italiano no período de 1990 a 2000. As autoras constataram que, em 1990, a
traduzida representava 54,1% das cópias impressas pelas editoras enquanto que, em 2000,
esse percentual sobe para 62,2%, no tocante ao gênero textual narração.
A interpretação dos dados é que, como afirmam as autoras, a Itália é um país que exporta
seus modelos literários (basta pesquisar leitores brasileiros de Dante, Petrarca e Boccaccio,
por exemplo), mas se limita quando o assunto é importação de grandes nomes da literatura
estrangeira.

Guerini e Palma apud ZOHAR (1990, p.223) procuram uma justificativa para esta
ocorrência e encontram a resposta de que: “talvez isso aconteça porque a pátria de Dante tem
uma literatura consolidada e a tradução como método de enriquecer culturas nem sempre
exerce um papel importante” (GUERINI e PALMA, 2009, p. 46).

Mulinacci (2016, p.111) mostra também dados preocupantes em relação ao conhecimento


de Machado de Assis pelos leitores italianos. O autor afirma:

Ressurreição, A mão e a luva, Iaiá Garcia, Esaú e Jaço, Trio em lá menor, o


dicionário, o caso da vara, D. Paula, Suje-se gordo!, Entre Santos, um erradio,
Ernest de Tal são apenas alguns dos romances e contos de Machado de Assis que os
leitores italianos não tiveram até agora a oportunidade de ler na sua própria língua
(...).”
Salomão (2011, p.3) também é outra estudiosa que averigua como é a recepção de
Machado de Assis na pátria de Luigi Pirandello e igualmente chega a conclusões de que o
Bruxo do Cosme é reconhecido no país da Bota, mas pouco. Segundo a autora, embora haja
inúmeros estudos em espaços acadêmicos e de pesquisa sobre a análise comparativa do texto
de Machado de Assis (prototexto ou texto de origem ou original) e suas traduções (metatexto
ou texto de chegada), “pouco espaço ainda se dedica à crítica das traduções como um trabalho
que equilibre teoria, história e crítica no âmbito da nova ciência da tradução”. (SALOMÂO,
2011, p.3).

Este aspecto de pesquisa dos autores é intrigante e pode conduzir à interpretação de que a
Literatura Brasileira não tem o devido reconhecimento na cultura estrangeira. Guerini e Palma
(ibid, p.46) apresenta que “os nomes mais conhecidos da Literatura Brasileira na Itália são
Jorge Amado e Paulo Coelho (...). Caso à parte é a divulgação em Italiano das obras de
Clarice Lispector, que nos anos 1970 se tornam conhecidas graças aos movimentos
feministas”. As autoras esclarecem que os autores citados apresentam elementos que instigam
o leitor estrangeiro, “instigado pela leitura de narrativas de países como o Brasil, que
apresentam o atributo de exotismo”. No entanto, segundo Guerini e Palma apud PICCHIO
(1997, p.275) em História da Literatura Brasileira, o mesmo não ocorre com Machado de
Assis, porque “foge dos elementos típicos com os quais os leitores das culturas estrangeiras
identificam” (GUERINI e PALMA, ibid, p.46). Esta característica, segundo as autoras não
atrai os parâmetros editoriais na divulgação da obra do autor na Itália. Este é um dos motivos
que, como conclui as autoras, que explicam o porquê das obras de Machado de Assis
circularem mais em “espaços acadêmicos e não tem por parte dos leitores italianos o
reconhecimento que merece” (ibid, p.46).

Este aspecto é prejudicial tanto a cultura literária do país do autor de Capitu e Bentinho
como do país da eterna Amada de Dante: Beatrice. Guerini e Palma apud TOROP (2000)
afirma que a cultura literária de um país tem uma ligação muito importante na recepção das
traduções. Para o estudioso russo, Torop (2000), a cultura literária representa a esfera da
comunicação na sociedade comunicação que gerencia as diferentes posições e concepções que
nela existem. Neste sentido, os profissionais tradutor crítico e crítico literário andam de
mãos dadas, porque, como mostram Guerini e Palma (ibid, p.47) a Crítica da Tradução é o
representante mais significativo da cultura literária e esta, por sua vez, representa em seu todo
(conjunto) o código próprio que receberá o metatexto (texto de chegada). Este aspecto é
importante para compreender a cultura do outro, isto é, o estrangeiro. O prefixo “extra”, a
propósito, significa “movimento para fora”. Assim, o estrangeiro é aquele que não pertence,
está fora da cultura do país do metatexto. A tradução literária, neste sentido, deveria ser um
importante veículo para a difusão das duas culturas, como mostra Salomão (ibid).

Guerini e Palma (ibid, p.47) mostram que a importância do tradutor crítico-literário bem
do crítico literário na intermediação para o reconhecimento do texto literário traduzido
sãodecisivos na recepção da literatura estrangeira em outra cultura. Talvez este seja um dos
fatores que explicam o fato de que muitas livrarias italianas (GUERINI e PALMA (2009;
MULINACCI (2016)) carecerem de grande parte da obra de Machado de Assis, que reúne
poemas, contos, crônicas, romances, o que permite levantar uma questão para a resolução
desta inquietação: Que fatores influenciam para que não haja esta ponte entre a cultura de
saída e a cultura de chegada? Será que se trata apenas de problemas internos ao texto ou
também se trata de problemas externos à natureza dos textos machadianos?

No tocante aos problemas internos ao texto, uma proposta de intervenção, neste caso, é
que um trabalho conjunto em tradutor crítico-literrário e um crítico textual pode contribuir
para que se gere uma tradução literária italiana completamente fidedigna ao autor da obra
original. Já para os fatores externos ao texto, é necessário lidar com os parâmetros editorias.

Mulinacci (ibid, p.111) afirma que existe uma política muito forte em relação à tradução
no mercado editorial italiano. Um mercado que: “parece preferir as aparentes certezas dos
caminhos já trilhados as igualmente aparentes incertezas dos novos, pelo menos quando se
trata de autores periféricos, embora sem dúvida universal, como justamente, Machado de
Assis.” (ibid).

Estes “autores periféricos”, mencionados por Mulinacci, são discutidos também por
Guerini e Palma apud ZOHAR (1990, p.223). Zohar, segundo as autoras, mostra que existem
dois sistemas culturamente marcados: o central e o periférico (ou marginal). Nos sistemas
culturamente central, o subsistema literatura traduzida é periférico, na visão das autoras,
enquanto que nos sistemas culturalmente periféricos o mesmo subsistema é central. As autoras
explicam que quando mais um sistema cultural é central e organizado, como o país da Bota,
menos procura elementos novos fora de si mesmo; e quanto mais é periférico em relação ao
centro cultural, como o país de Graciliano Ramos, mais é receptivo às atrações que são
sempre consideradas inovadoras. Na visão das autoras, em uma política desse tipo, o país
cujo sistema cultural se considera central elege literaturas estrangeiras de países avaliados
mais ou igualmente organizados e centrais marginalizando e ou excluindo as demais
literaturas.

Assim, o interesse instigante, nesta pesquisa, justifica-se por alguns motivos:

1. Críticos literários e críticos da Tradução reconhecem que Machado de Assim é apenas


parcialmente reconhecido no exterior;

2. A falta de cotejos em textos traduzidos de Machado pode ser um motivo para este
pouco reconhecimento;

3. Trabalhos futuros entre profissionais tradutores críticos-literários e críticos textuais


podem contribuir para a formação de leitores italianos desta geração por meio de um
trabalho muito sutil que não gere feridas no espírito de Machado de Assis e o
assassinem por meio de mutilações das técnicas tradutórias em seus textos.

No tocante à Crítica da Tradução, é importante esclarecer, com base em Salomão (ibid,


p.3) que o trabalho de um tradutor crítico não deve se esgotar:

“apenas na função de avaliar a qualidade da tradução e da intermediação entre texto


de partida e texto de chegada, bem como não deve se restringir À função de
divulgação mercatodológica. A tarefa da Crítica é a de dar conta de todas aquelas
particularidades que caracterizam a poética de um autor e a sua língua, e a de
analisar, simultaneamente os códigos de época presentes no texto.” (grifos meus)
Objetivo Geral
Analisar criticamente traduções machadianas para o Italiano à luz da Critica Textual.

Objetivos Específicos

 Contribuir para que Machado de Assis, dada a sua importância na formação


cultural brasileira, tenha a oportunidade de ser reconhecido em culturas
estrangeiras;

 Focalizar os estudos para desenvolver futuras propostas de trabalho entre


tradutores críticos-literários e críticos textuais no desenvolvimento de obras
traduzidas de Machado de Assis com inovações sutis dos pontos de vista
linguístico e cultural;

 Mostrar a importância do trabalho do tradutor crítico literário na intermediação


entre culturas;

Fundamentação teórica

Metodologia da pesquisa

O material para o cotejo e estabelecimento dos textos analisados a seguir encontra-se


em Salomão (2011). A análise objetiva confrontar textos originais de Machado de Assis e
algumas traduções, a fim de encontrar diferenças e, logo em seguida, procurar estabelecer as
traduções com o original por meio das técnicas de Crítica Textual.

Texto original 1

Dom Casmurro (1899):

O último ato mostrou-me que não eu, mas Capitu devia morrer. Ouvi as súplicas de
Desdêmona, as suas palavras amorosas e puras, e a fúria do mouro, e a morte que este lhe deu
entre aplausos frenéticos do público. (p.935)

Fase de cotejo:

Texto traduzido 1:

Laura Marchiori (1958):


L’ultimo atto mi dimostrò che non io ma Capitù doveva morire. Udii le suppliche di
Desdemona, le sue parole affetuose e pure, e la furia del moro e la morte che questi le diede
fra gli applausi frenetici del pubblico.
Texto traduzido 2:

Gianluca Manzi e Léa Nachbin (1997):

L’ultimo atto mi dimostrò che non io ma Capitu doveva morire. Udii le suppliche di
Desdemona, le sue parole amorose e pure, e la furia del moro e la morte che questi le diede
fra gli applausi frenetici del pubblico.

Neste primeiro momento de cotejo já é possível observar diferenças entre o prototexto


(texto original) e o metatexto (texto traduzido): A palavra “amorosas” foi alterada para
“affetuose” e “amorose”. No texto, as palavras são sinônimas, mas em Língua Portuguesa,
Machado de Assis usou “amorosas” e não “afetuosas”, o que já levou a uma infração textual
em relação ao texto original.

Outra observação na tradução é a inserção do acento no texto traduzido 1, o que acaba


levando a uma confusão com o particípio passado do verbo italiano “capire”.

Traduzione: Dom Casmurro a cura de Gianluca Manzi e Léa Nachbin. Roma, Fazi,
1997.

Texto traduzido 3:

Laura Marchiori (1958):

Ed era innocente, – mi andavo dicendo lungo la strada: – Che farebbe il pubblico se lei fosse
davvero colpevole, tanto colpevole come Capitú? E che morte le darebbe il moro? Un
cuscino non basterebbe; ci vorrebero il sangue e il fuoco, un fuoco intesno e vasto che la
consumasse completamente, e la riducesse in cenere, e che fosse sparsa al vento come eterno
annientamento… (pp. 253-254).

Traduzione: Dom Casmurro, trad.it. MARCHORI, L. Milano, Rizzoli, 1958.

Gianluca Manzi e Léa Nachbin (1997):

“Ed era innocente", mi andavo dicendo lungo la strada: “Che farebbe il pubblico se lei fosse
davvero colpevole, tanto colpevole come Capitu? E che morte le darebbe il moro? Un
cuscino non basterebbe; ci vorrebero sangue e fuoco, un fuoco intesno e vasto che la
consumasse completamente, e la riducesse in cenere, e che fosse sparsa al vento come eterno
annientamento…” (p. 295).
Neste caso, além da alteração de acento, observa-se o uso das aspas indicando o discurso
indireto livre do narrador no lugar dos travessões bem como a supressão do artigo na
expressão il sangue e il fuoco, retirando o valor estilístico da Língua Italiana.

A seguir será mostrado outro texto original de Machado de Assis:

Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881):

Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria
em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte.

Texto traduzido 1:

Laura Marchiori (1953): Morte dell’autore:

Ho esitato alquanto prima di decidere se dovessi iniziare queste memorie dal principio o dalla
fine, cioè: se dovessi mettere prima la mia nascita o la mia morte.

Texto traduzido 2:

S. Marianecci, 2005:

Morte dell’autore

Ho pensato a lungo se iniziare queste memorie dall’inizio o dalla fine, cioè se cominciare in
primo luogo dalla mia nascita o dalla mia morte.

Do ponto de vista do português contemporâneo, a frase machadiana é ainda atual, na


norma culta da língua. O Imperfeito composto (se devia abrir) é uma característica estilísca
do autor e enfatiza, nesta ou em qualquer frase do português, a dúvida inicial da oração
expressa pelo verbo “hesitar” e pelo tempo gasto pelo narrador: “algum tempo”. A
correspondência em Italiano, entretanto, nos textos traduzidos 1 e 2, não dá conta desta
análise. Além disso, houve a supressão do verbo “esitare” (Italiano) quando ele deveria estar
presente. Não se compreende o porquê da sua mutilação. O mesmo ocorre com a expressão
“se iniziare”, que, e mbora torna a frase mais simplificada (ma rápida), este processo de
simplificação vai ocorrendo ao longo de todo o texto.

Cronograma

Referências bibliográficas

CAMBRAIA, C. N. Introdução à crítica textual. São Paulo: Martins Fontes, 2005.


GUERINI, A.; PALMA, A. A Crítica na recepção de tradução de Machado de Assis na Itália.
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MENDES, M. G; AMBROSOLI, S dos Santos. Crítica Textual: Volume 1. Rio de Janeiro.


Fundação CECIERJ, 2015, 198 p.

MULINACCI, R. Seis personagens à procura de um tradutor (ou de um crítico). Por uma


história das traduções de Machado de Assis na Itália como história das não traduções: os
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SALOMÃO, S. N. Machado de Assis em Tradução Italiana: Sistema retórico e códigos de


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SPINA, S. Introdução à Edótica: Crítica Textual. São Paulo, Cultrix, 1977.

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