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Minimanual

do Jornalismo
Humanizado

Parte V:
LGBT*
A Think Olga lança manual online,
em formato pocket, com conjunto
de regras básicas para evitar erros
clássicos na abordagem de notícias
relacionadas a grupos minorizados.

Dividido em cinco partes, o Minimanual


de Jornalismo Humanizado traz
exemplos práticos e diretos para
jornalistas e veículos de comunicação
que desejam eliminar preconceitos
e visões limitadas da sociedade do
conteúdo editorial que produzem.

Esta quinta parte é sobre cidadania


de pessoas LGBT* e é escrito
Minimanual do Jornalismo Humanizado
Parte V: LGBT* pela jornalista Nana Soares.

30 de junho de 2017
thinkolga.com

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Introdução

Você já sabe o que a sigla LGBT nos recusam por conta da identi- 347 pessoas mortas em 2016 só A comunicação e, em particular a
significa? É uma abreviação para dade LGBT* ou sofremos desres- por fazerem parte dessa sigla. imprensa, tem grande responsabili-
lésbicas, gays, bissexuais e traves- peito e isolamento dos colegas), dade nisso, já que em regra endos-
tis, transgêneros e transexuais negação de direitos civis (como E esses números não indicam que sa estereótipos, comportamentos
(que são abarcados pela denomi- o casamento e a adoção de crian- vão diminuir, já que a cruzada con- preconceituosos e termos pejorati-
nação genérica trans*), e começou ças), culminando em agressões tra os direitos LGBT* está cada vez vos, o que permite que esses con-
a ser usada por membros dessas físicas e morte. Com a cidadania mais forte. As bancadas fundamen- ceitos se perpetuem e a opressão
comunidades em um contexto negada em tantas esferas, a po- talistas do Congresso ganham mais não se dissipe, continuando
de luta por direitos e cidadania. pulação LGBT* é mais vulnerável e mais poder e barram avanços a violentar uma parcela expressiva
e é executada todos os dias pelo como o casamento homoafetivo da sociedade. Mas se a comunica-
As pessoas que são contempladas simples fato de existir. No Brasil, e a criminalização da homofobia ção pode perpetuar discriminações,
por essa sigla têm algo em comum: a expectativa de vida de traves- e da transfobia. A possibilidade também pode combatê-las, tratan-
sofrem discriminação e preconceito tis e transexuais é de apenas 35 de ensinar o respeito à população do as pessoas com o respeito,
das mais diversas formas em fun- anos – para comparação, o IBGE LGBT nas escolas também vem a empatia e a dignidade que me-
ção de suas identidades de gênero (Instituto Brasileiro de Geogra- sendo destruída: primeiro com o recem. Quando desrespeitamos as
ou sexualidade (ver “Primeiros fia e Estatística) calcula que a banimento do kit anti-homofobia a pessoas LGBT*, seja endossando
conceitos” nas próximas páginas). expectativa de vida do brasileiro ser trabalhado com professores da estereótipos ou as desumanizan-
Por isso, nossa união se fez neces- é, em média, de 75 anos. Segun- rede pública (e que foi deturpado do, somos cúmplices da violência
sária para reagir, lutar por nossos do dados da ONG Transrespect, de sentido pela imprensa e pejora- que as atinge todos os dias.
direitos e ter uma vida digna. nosso país, sozinho, registrou tivamente chamado de “kit gay”)
38% dos assassinatos dessa e, de forma ainda mais declarada, De modo a poder dar uma
Mas que preconceitos e discrimi- população que ocorreram em todo com os projetos de Escola Sem cobertura digna à população
nações são essas? Elas vão desde mundo entre janeiro de 2008 e Partido, que impedem o debate e a LGBT*, vamos esmiuçar como
o bullying (que faz muitos LGBT* junho de 2016. O Grupo Gay da reflexão sobre temas como gênero ela é tratada hoje pelos veículos
abandonarem os estudos e ficarem Bahia (GGB), que há anos faz o e diversidade sexual. Nosso último de comunicação, dando dicas
à margem da sociedade), passan- levantamento de mortes LGBT* Plano Nacional de Educação (PNE) e avaliando erros e acertos.
do por discriminação no mercado baseada em casos noticiados pela também suprimiu esses termos Ao final, há materiais de consulta
de trabalho (onde empregadores imprensa, reportou o recorde de como temas a serem trabalhados. e um glossário sobre o tema.

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1 Primeiros conceitos
Para começar a falar sobre a temática LGBT* e mudar a Parada LGBT*: sobre a pluralidade
forma como são representados na imprensa, é necessário
ter alguns conceitos em mente. Orientação sexual e
da sigla - e o perigo de endossar
identidade de gênero são os mais importantes deles. estereótipos nocivos
A Parada LGBT* de São Paulo é uma das
• O que é orientação sexual? • O que é identidade de gênero? maiores do mundo, reunindo milhões de
A orientação sexual contempla Já a identidade de gênero define pessoas, trios elétricos, música e artistas.
o L, o G e o B da sigla, referindo- com qual gênero (feminino, mas- É um evento plural por definição, daí sua
se a qual ou quais gêneros uma culino ou não-binário) uma pessoa importância e grandeza, e é natural que receba
pessoa se atrai. Gays e lésbicas se identifica, independentemente grande cobertura da imprensa. Mas não podemos
têm orientação homossexual, isto de sua genitália e de como ela foi esquecer que a Parada, que já existe há duas
é, atraem-se pelo mesmo gêne- classificada ao nascer (homem décadas, busca representatividade para uma
ro que o seu. Quem se atrai por ou mulher). Quando a pessoa se enorme parcela da população cujos direitos são
pessoas de ambos os gêneros é identifica com o mesmo gênero ignorados sistematicamente. E isso precisa estar
bissexual. O termo “opção sexual” que foi designada na infância, diz- apresentado na forma como falamos sobre ela.
já caiu em desuso, sendo subs- se que sua identidade de gênero é
tituído por “orientação sexual”, cissexual (exemplo: Reynaldo Gia- Por mais divertido que seja fazer parte de
por não se tratar de uma escolha. nechinni, Suzana Vieira). Quando uma Parada, em qualquer parte do mundo,
Além disso, o termo “opção” é diferente, dizemos que a pessoa elas não são uma festa; são uma forma de luta,
culpabilizava as pessoas por suas é transexual (exemplos: Roberta reivindicação do espaço público e conscientização
sexualidades, quando na verdade Close, Lea T., Tammy Gretchen, das pautas LGBT*. Sendo assim, é preciso tomar
não há nada de errado com elas. Laerte). São as travestis, transexu- bastante cuidado ao noticiá-las. Existem uma
ais e transgêneros. O T* da sigla. série de estereótipos nocivos que podem ser
evitados, como veremos nas manchetes a seguir.

É essencial notar que orientação sexual e identidade de gênero


são conceitos independentes, e uma pessoa pode ser transexual
e hétero, assim como cissexual e lésbica e por aí vai. Um
conceito diz respeito a você e o outro a por quem você se atrai.

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1 Primeiros conceitos

‘Eu sou bissexual!’ é o novo lema da ‘Pelados’ horrorizam cidadãos durante


parada gay de Madri Parada Gay
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2016/07/02/eu-sou-bissexual-e-o-novo-lema-da-parada-gay-de-madri.htm http://www.primeirahora.com.br/noticia/46097/%27pelados%27-horrorizam-cidadaos-durante-parada-gay

Ainda é comum que as Paradas do Orgulho LGBT Repare o contraponto que a manchete faz entre
sejam chamadas de “Parada Gay”, mas é errado. uma parcela do público da Parada e os “cidadãos
As Paradas são LGBT* e precisam ser entendidas horrorizados”. Os presentes não são cidadãos? Esse
como atos políticos de reivindicação de direitos e de tipo de título é um desserviço aos LGBT* em muitos
manifestação do orgulho da identidade LGBT. A sigla níveis, porque endossa estereótipos nocivos
se refere a um grande grupo de pessoas com lutas à comunidade.
diferentes; não é correto unificá-las como “gays”.

Animação, pegação e visual ousado marcam


Parada Gay em SP
https://tvuol.uol.com.br/video/animacao-pegacao-e-visual-ousado-marcam-parada-gay-em-sp-04024E983772D0C12326

Matérias como esta retratam as Paradas de maneira Com isso mais claro, vamos agora nos
errônea, deslocando o foco para atos afetivos/sexuais aprofundar nas pautas e reivindicações
de maneira exagerada. “Pegação” e “visual ousado” de cada letra da sigla LGBT*.
carregam juízo de valor sobre a população LGBT*;
não use.

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2 Ser lésbica em um mundo
machista e homofóbico

A primeira letra da sigla não Como todas as mulheres, As lésbicas que não se de “corrigir” a sexualidade de
está lá por acaso: de tão são vistas como objetos encaixam no olhar masculino uma mulher. Quando houver
invisibilizadas no meio LGBT, desprovidos de desejo próprio e, principalmente, nos estes casos, deixe claro
as lésbicas reivindicaram e à mercê do prazer masculino, padrões de feminilidade, são que nenhuma sexualidade
que a letra L mudasse de como se seu relacionamento rapidamente estereotipadas precisa ser corrigida.
lugar (na primeira versão tivesse que agradar os de forma negativa, sendo
da sigla, o “L” ocupava a homens. São comuns as consideradas “menos A violência praticada
segunda posição) e abrisse intervenções não solicitadas mulheres” ou “mais contra pessoas LGBT* é,
a abreviação, deixando-a de homens, além do assédio masculinizadas” do que as infelizmente, comum - e não
como conhecemos hoje. Isso sexual e tentativas de estupro, outras. Tenha em mente raramente ela se manifesta
foi uma tentativa de luta por consumadas ou não, com a que a maneira que cada também na cobertura midiática
visibilidade da comunidade ideia primitiva de “apresentar” mulher se veste e performa desses ocorridos. São muitos
lésbica, um pequeno exemplo um homem a elas e mudar a sua feminilidade diz os elementos discursivos que,
mas que simboliza muitas sua orientação. O intuito real respeito somente a ela - e além de desumanizarem a
das questões enfrentadas é a violência, constrangimento não a torna mais ou menos pessoa agredida - muitas vezes
por essas mulheres. Num e humilhação de mulheres do que ninguém. Tudo isso vítima fatal da violência -
mundo machista, as que não são heterossexuais. independe de sua orientação acabam estimulando agressões
reações à homossexualidade sexual. O conceito de similares. É necessário ter
masculina e feminina são As mulheres lésbicas têm masculino e feminino são empatia com as vítimas LGBT*
extremamente diferentes, seu desejo independente dos construções sociais (veja e não esconder a motivação
e consequentemente homens e isso incomoda muito mais no conceito de “Gênero” lesbofóbica ou transfóbica do
suas pautas também. em um sistema machista. em nosso glossário). crime. Uma ótima ferramenta
Portanto, a fetichização do para jornalistas é o dossiê
Além do risco constante de relacionamento lésbico não A violência contra as mulheres Violência contra as Mulheres,
agressão, as lésbicas enfrentam deve nunca ser confundida lésbicas e bissexuais é tanta do Instituto Patrícia Galvão.
outros percalços: são com aceitação, uma vez que chega aos chamados Há uma seção específica
fetichizadas, hipersexualizadas, que esta também uma “estupros corretivos”, isto é, para a violência sofrida por
estereotipadas e estupradas. manifestação de violência. violência sexual com objetivo mulheres lésbicas, bi e trans*.

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2 Ser lésbica em um mundo
machista e homofóbico

Jovem é estuprada para “aprender a ser Fernanda Gentil fala da namorada:


mulher” ‘Futebol é assunto em comum’
http://spressosp.com.br/2014/10/06/jovem-e-estuprada-para-aprender-ser-mulher/ http://veja.abril.com.br/blog/veja-gente/fernanda-gentil-fala-da-namorada-futebol-e-assunto-em-comum/

Erro: A reportagem é equivocada porque coloca no Essa entrevista tem pontos fortes e fracos: acerta
título a justificativa declarada do agressor, e não ao tratar o namoro de Fernanda Gentil como só
é isso que a matéria deve enfatizar. A empatia é mais um aspecto de sua vida, de maneira não
com a vítima! A jovem foi estuprada porque irritou sensacionalista. É sempre bom entrevistar pessoas
um sistema machista e heteronormativo; ela já é LGBT* para assuntos não específicos do universo
mulher, não precisa aprender a ser. LGBT* não LGBT*, como compra de imóveis, saúde e trabalho,
precisa de correção e sim de acolhimento. já que há muito mais experiências em comum do que
Importante: Estupro “corretivo” deve ser usado divergentes. Não há porque não entrevistar LGBTs*.
entre aspas pois NÃO há o que corrigir. Mas é sempre importante se perguntar se o foco/
manchete seria o mesmo em caso de relacionamento
heterossexual. Falaríamos da namorada caso fosse
um namorado? No caso de Fernanda Gentil, que
é famosa, talvez, mas atenção para isso (para
anônimas e famosas!).

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2 Ser lésbica em um mundo 3 “gay” não engloba a todos
machista e homofóbico
O termo “gays” ainda é usado, no senso
Mulher é agredida por estar com namorada comum, para denominar qualquer pessoa
na rua; agressor foi preso LGBT*, mas na verdade refere-se apenas
aos homens homossexuais. Para as
https://www.campograndenews.com.br/cidades/interior/mulher-e-agredida-por-estar-com-namorada-na-rua-agressor-foi-preso
mulheres lésbicas, é importantíssima a
denominação “lésbica” por trazer suas
“Estupro corretivo” vitimiza lésbicas particularidades e, acima de tudo, pela
e desafia autoridades no Brasil visibilização das mulheres em um mundo
dominado pelos homens, mesmo no
http://www.sul21.com.br/jornal/estupro-corretivo-vitimiza-lesbicas-e-desafia-autoridades-no-brasil/
meio LGBT. A vivência do homem gay
é diferente da experiência lésbica.
Um grande acerto dessas manchetes é evidenciar as
motivações do crime, apontar responsáveis e empatizar
Nós somos um projeto de viés feminista e os
com vítimas. Note o uso das aspas na segunda manchete:
homens gays têm toda nossa solidariedade
estão lá porque sexualidade nenhuma deve ser “corrigida”,
e empatia. No entanto, vamos nos ater
e a reportagem endossa isso.
aos outros grupos da sigla LGBT*, ainda
mais marginalizados e mais próximos do
nosso lugar de fala. Os sites de referência
disponibilizados ao fim do manual têm um
bom material sobre cidadania dos homens
gays e a violência homofóbica por eles
Fernanda Gentil é chamada de ‘sapatão’ sofrida, que não deve jamais ser ignorada.
por internauta
https://www.terra.com.br/diversao/gente/purepeople/fernanda-gentil-e-chamada-de-sapatao-por-internauta-e-ironiza-oi-fala,-
3fd3445388b62b543be9f3b75dc5bc5ab86uw06g.html

Em geral, não use expressões como “sapatão”, “bicha”,


“traveco” e afins, que são extremamente pejorativas fora
do universo LGBT*. Nesse caso, a manchete reproduziu as
palavras de um internauta, mas sem qualquer crítica, o que
acaba perpetuando o sentido que esse termo carrega.

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4 Bissexuais existem
As mulheres e homens bisse- parceiros ou com falhas de dos dois casos o relacionamen- bissexuais, tanto da sociedade
xuais, para terem suas pautas caráter, sendo todas essas to, o afeto e a atração são me- em geral quanto dos LGBT*. As
atendidas, precisam antes de características que indepen- nos legítimos ou verdadeiros. consultas com ginecologistas e
tudo ser levados a sério, já dem de orientação sexual políticas de saúde para mulhe-
que a bissexualidade é uma para acontecer. No mesmo raciocínio, quan- res também ignoram, em geral,
identidade desacreditada tanto do vemos pessoas do mesmo a bissexualidade, partindo do
pelo mundo heteronormativo A bissexualidade é apenas gênero unidas, já assumimos princípio que só é possível se
quanto pelo meio LGBT*, o uma orientação sexual em que tratam-se de gays/lésbicas, relacionar com um gênero.
que tem consequências diárias que há atração por ambos os o que nem sempre é verdade.
em nossas vidas. gêneros, não necessariamente Embora o relacionamento seja É importante notar que ho-
ao mesmo tempo e não neces- homossexual, as pessoas en- mens e mulheres bissexuais
Têm a identidade desrespei- sariamente a mesma atração volvidas podem ter orientação também passam por experiên-
tada repetidamente, como se por cada gênero. Não há uma bissexual. Isso é importante cias diferentes. Aos homens,
fossem menos dignos de con- “régua” de bissexualidade. de ser lembrado porque, assim socialmente, não é permitida
fiança. Os estereótipos são de como as lésbicas, as/os bisse- nenhuma experiência não-hete-
pessoas “confusas”, que estão O gênero do/da parceiro/parcei- xuais são invisibilizadas (os) , rossexual, sendo eles imediata-
passando por uma “fase”, ra não muda a orientação se- ignoradas (os). E esse descaso mente taxados de gays. Quando
considerados homossexuais xual de ninguém. Uma mulher é uma violência repetida contra se assumem bissexuais, são
que não têm coragem de se bissexual continua bissexual homens e mulheres bissexuais. tidos como mentirosos ou então
assumir. No meio LGBT*, são independentemente de namo- como homossexuais que não
entendidos como “menos” rar um homem ou uma mulher. E isso tem consequências: têm coragem de assumir sua
LGBT* que os outros grupos e Quando uma pessoa bissexual segundo pesquisa publicada identidade por completo. Já as
mais “promíscuos”, como se está em um relacionamento em 2015 no Reino Unido, as mulheres, assim como as lésbi-
fôssemos propensos à traição heterossexual, ela continua mulheres bissexuais estão mais cas, sofrem com a fetichização
e até “vetores de doenças fazendo parte da sigla LGBT*, propensas a problemas de saú- e com os estupros “corretivos”,
sexualmente transmissíveis” só que possui outras vivências de mental do que as lésbicas. com todas as consequências de
(sim, há quem realmente diga e passa por tipos diferentes Isso ocorre justamente por ter uma sexualidade que não
isso). São estereótipos muito de discriminações do que uma encontrarem uma rede de apoio depende dos homens em um
agressivos. Ser bissexual não pessoa em um relacionamento menor e por sofrerem bifobia, mundo machista, heterossexual
tem nada a ver com ter vários homossexual. E em nenhum a violência contra pessoas e patriarcal.

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4 Bissexuais existem

Lady Gaga, bissexual assumida, sobre Vítima de homofobia, Bruna Linzmeyer


namorar mulheres: ‘Realmente gosto disso’ fala sobre bissexualidade
http://www.purepeople.com.br/noticia/lady-gaga-bissexual-assumida-sobre-namorar-mulheres-realmente-gosto-disso_a9948/1 http://www.portaldoholanda.com.br/bissexual/vitima-de-homofobia-bruna-linzmeyer-fala-sobre-bissexualidade

A cantora Lady Gaga é um caso clássico de invisibilização Nesse caso, seria mais adequado falar que Bruna
da bissexualidade. Tida como “aliada” LGBT*, ela já foi vítima de lesbofobia, já que recebeu ofensas
afirmou várias vezes sua orientação bissexual, mas por se relacionar com uma mulher. Se houver
continua sendo questionada, como se precisasse confirmar também ofensas, violência e desrespeito por causa
periodicamente. Não há porque fazer isso se a própria já de sua bissexualidade, a violência é a bifobia.
disse ser bissexual. Não perpetue o problema já muito
enraizado da invisibilização da identidade bissexual.

Os famosos que se admitiram bissexuais Pai tenta estupro corretivo em filha


bissexual de 14 anos
http://br.eonline.com/enews/os-famosos-que-se-admitiram-bissexuais/

http://revistaladoa.com.br/2016/01/noticias/pai-tenta-estupro-corretivo-em-filha-bissexual-14-anos
Essa matéria é problemática por dois aspectos: “admitir”
algo implica culpa, e bissexualidade não é crime para al- Este é um caso de estupro corretivo, porém em nenhum
guém ser culpado. Fora isso, a matéria usa o termo “bisse- momento se justifica a atitude do pai. Não tenha medo
xualismo”, que é inadequado. O correto é bissexualidade. de dar nome aos bois e explicar a raiz do crime - é “estupro
corretivo” e a filha é bissexual. Só faltaram as aspas na
nomenclatura do crime.

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4 Bissexuais existem
Muitas foram as violências cometidas contra
Estudante estripada foi vítima de crime Gerciane Araújo, uma mulher bissexual
passional e morte tem uma trama e barbaramente assassinada por recusar
uma investida de um homem. Seu crime teve
http://www.meionorte.com/blogs/efremribeiro/estudante-estripada-foi-vitima-de-crime-passional-e-morte-tem-uma-trama-293047
conotações bifóbicas, lesbofóbicas, racistas
e, após sua morte, Gerciane foi novamente
violentada pela imprensa. Referida como
Avó de jovem que teve corpo cortado “estudante estripada”, “jovem que teve corpo
ao meio diz que família sofria ameaças partido” e afins, perdeu sua identidade,
sua humanidade e foi tratada de maneira
http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2014/04/avo-de-jovem-que-teve-corpo-partido-ao-meio-diz-que-familia-sofria-ameacas.html
sensacionalista. Sabemos que a necessidade
da audiência é uma preocupação constante
nas redações, mas fazê-lo às custas da dignidade
Mulher que teve a vagina colocada na de outra pessoa (ao expôr fotos de corpos
agredidos ou cadáveres, por exemplo) traumatiza
boca era drogada e o crime passional,
as vítimas e suas famílias, viola todos os códigos
diz delegado
de ética da profissão e colabora para uma cultura
http://mpiaui.com/detalhe.php?n=4237&e=34 de agressividade.

O crime não é “passional” e sim um feminicídio


(ver a 1ª parte do Minimanual), e as variáveis
de raça e bi/lesbofobia foram totalmente
apagadas da cobertura. É essencial evidenciar
para fazer justiça a uma vida perdida pelo
ódio. Há um capítulo no livro “Feminicídio:
#InvisibilidadeMata” que se debruça sobre as
barbaridades cometidas contra Gerciane e como
a cobertura da imprensa falhou em mostrar isso.

20 21
5 A população trans* é, antes
de tudo, uma sobrevivente

Até agora falamos basicamente direitos básicos, como ter docu- • Correção do nome civil, • Direito à identidade
de lutas de pessoas que têm mentos devidos, se for diagnos- adequando ao nome social (vinculado ao nome social
uma orientação sexual diferen- ticado com disforia de gênero (sem necessidade de cirurgia e visibilidade), cidadania
te da norma heteronormativa. (veja mais em nosso Glossário) ou laudos médicos) e respeito e respeito.
É chegada a hora de falar de e iniciar um tratamento. Educa- ao nome social. Isto é, poder
pessoas trans* (transexuais, ção, moradia, emprego e acesso usar o nome de acordo com • Poder usar os banheiros
transgêneros e travestis), ho- a saúde não são garantidos, o o gênero que cada pessoa se de acordo com seu gênero.
mens e mulheres que enfrentam que aumenta a vulnerabilidade identifica, o que atualmente Quando pessoas trans*
batalhas diárias por causa de social do grupo. Some isso a um só é possível após o diagnóstico são obrigadas a usarem
sua identidade de gênero. ódio escancarado por pessoas de disforia de gênero ou com banheiros de outro gênero
trans* e um risco iminente de batalhas judiciais. frequentemente são alvo
Transexuais são pessoas que violência e fica mais fácil de de violência, como agressões
não se identificam com o gênero entender porque essa população • Despatologização da e estupros “corretivos”, sem
definido a elas no momento em tem uma expectativa de vida de identidade trans* pelos manuais contar o constrangimento,
que nasceram (ver definição apenas 35 anos no país, menos de psiquiatria e acesso à humilhação e completo
completa no Glossário), sendo da metade da média nacional saúde especializada sem desrespeito de uma identidade.
esta uma identidade completa- de 75 anos. A mudança não estigmas. Atualmente o Código
mente independente da orien- pode esperar. Internacional de Doenças • Fim da matança da
tação sexual. É possível uma (CID 10) ainda trata a população trans*. O Brasil é
mulher trans ser hétero, bisse- A discriminação e a violência transexualidade como patologia, líder de assassinatos de trans*
xual ou lésbica, assim como as contra essa população são ge- mas o 5° Manual de Diagnóstico no mundo todo, concentrando
mulheres cissexuais (aquelas neralizadas e a luta é árdua por e Estatística dos Transtornos quase 40% de todos os
que se identificam com o mes- direitos básicos como a identi- Mentais (DSM V) já a excluiu homicídios globais.
mo gênero designado ao nascer). dade, a cidadania e a vida digna da lista. De qualquer modo,
e livre de violência. Entre as a disforia de gênero ainda é
No Brasil, se você é trans*, as principais reivindicações da po- tida como uma doença e muitas
perspectivas não são positivas: pulação trans, segundo Bernardo vezes é o único caminho possível
os manuais psiquiátricos ainda Mota, coordenador do Instituto para o acesso a alguns direitos.
tratam sua identidade como Brasileiro de Transmasculinida-
doença e você só vai ter acesso a des (IBRAT), estão:

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5 A população trans* é, antes
de tudo, uma sobrevivente

Nome social e Identidade


Quando falar com a população trans* Se a uma população inteira Marginalizada em muitos
ou sobre ela, respeite sempre o nome é negado o direito à identidade níveis, a população
escolhido por cada pessoa e use o pronome (com a mudança do nome civil, trans* é fortemente
educado ao gênero. Embora exista o termo por exemplo), várias portas estigmatizada também
“nome social” para falar de um nome que são fechadas em decorrência pela imprensa, dificilmente
ainda não consta nos documentos, muitas disso. Permanecer nas insti- sendo retratada em
mulheres trans* acreditam que ele mais tuições de ensino é um dos matérias não relacionadas
estigmatiza do que ajuda, então tome grandes desafios enfrentados, a direitos e cidadania
cuidado ao usar o termo. O importante é seja porque seus nomes não trans* ou em casos de
saber que, para essa população, nome é o são respeitados, seja por causa polícia. Não reforce
que eles declaram, e não necessariamente da transfobia institucional. Isto isso! Elas são pessoas,
o que consta nos documentos. é, uma estrutura inteira não têm nome, sobrenome e
É essencial visibilizar de maneira correta acolhe as pessoas trans* e suas profissão. Inclua pessoas
uma população já muito invisibilizada necessidades, excluindo-as e trans em pautas que
por apenas existir. Homens trans não são desrespeitando-as das mais fujam desses temas.
lésbicas masculinizadas - e inclusive têm diversas formas, das micro
suas demandas específicas, como o combate agressões até a conivência com
ao “estupro corretivo”, a necessidade a violência explícita. Em decor-
de acompanhamento ginecológico, mais rência disso, também faltam
pesquisas sobre a cirurgia de redesignação oportunidades no mercado de
sexual e a disponibilização da cirurgia trabalho. Embora muitas trans*
de mastectomia (retirada de mamas) estejam marginalizadas, há
pelo SUS. Mulheres trans e travestis muitos e muitas profissionais
(que são AS travestis, no feminino) qualificados, mas que não
não são sinônimo de prostituição: conseguem vagas por viverem
são sujeitos de direito, são mulheres. em uma sociedade transfóbica.

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5 A população trans* é, antes
de tudo, uma sobrevivente

Casa do BBB11 vai ter até traveco do Rio A invisibilidade dos homens trans
na bandeira colorida
https://somosandando.files.wordpress.com/2011/01/06012011.jpg

https://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-invisibilidade-dos-homens-trans-na-bandeira-colorida-1921.html

Traveco mata a amiga com caco de espelho Na mosca! Essa matéria visibiliza uma identidades
https://somosandando.files.wordpress.com/2011/01/10012011.jpg
em geral apagada. Homens trans existem e devem ser
representados e reconhecidos. Lembre-se: falar sobre
Errado! Nunca use o termo “traveco”, que esses grupos é reconhecer sua existência.
é pejorativo e desumanizador. Também não
trate as trans* como excêntricas, elas não
são. Há ainda um outro ponto: é necessário
dizer que a autora do crime é travesti? Isso
é relevante para a matéria? Infelizmente,
a população trans* passa a ser visível na
editoria policial, em mais uma tentativa
de perpetuar estereótipos de toda uma
população. Quando um LGBT* comete
um crime, reflita: é preciso mencionar
a identidade LGBT*? Isso tem relação
com o crime?`

reprodução

Atenção! A capa é muito boa e inclusiva, mas note


como a população LGBT* é em geral reduzida aos
termos “gays” e “diversidade”. Eles são importantes,
mas sempre que possível nomeie as múltiplas
identidades: lésbicas, travestis, bissexuais, etc.

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5 A população trans* é, antes
de tudo, uma sobrevivente

Travesti conta como é a vida nas ruas


em SP
http://noticias.band.uol.com.br/brasilurgente/videos/14995636/travesti-conta-como-e-a-vida-nas-ruas-em-sp.html

Errado! Esta matéria é desrespeitosa em


reprodução
diversos aspectos, e já no título usa travesti
como sinônimo de prostituta. Prostituta Acerto: Nesse caso, a identificação condiz com o teor da
é profissão, travesti é identidade, coisas matéria - sobre a agressão sofrida por essa travesti. Note
completamente diferentes. Se a entrevistada é que o nome é respeitado, assim como sua posição na
uma mulher cissexual, alguém usa a identidade história. Por ter sofrido violência transfóbica, era importante
de gênero como profissão? Então por que a notar que Taísa é travesti, mas isso não é a forma de
lógica não se aplica à população trans*? identificá-la. Respeite o nome de pessoas trans* e use o
Porque “Luana, travesti” é aceitável? Não é. pronome correspondente (o/a) independente do que consta
no documento. Na dúvida de como falar de/como uma
pessoa trans* ou não binária, pergunte a ela.

Quando for importante falar a identidade de gênero


(cis ou trans*) de uma pessoa, evidenciá-la após o Um pastel de afetos pra Natalha, trans
gênero com o qual a pessoa se identifica. Exemplos: agredida na Rodoviária de todxs
Lea T é uma mulher transexual, Reynaldo Gianechinni
é um homem cissexual. http://www.metropoles.com/colunas-blogs/tipo-assim/um-pastel-de-afetos-pra-natalha-trans-agredida-na-rodoviaria-de-todxs

Um bom exemplo: respeito ao nome, identificação da


identidade trans por ser relevante para o assunto, uso
do termo “todxs”, marcando pluralidade, inclusão e
indistinção. Tratamento respeitoso com a personagem.

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Considerações finais Glossário dos principais termos

A população LGBT* morre por Caso deseje se aprofundar no Assexual: Pessoa que não nutre constitutivo de relações
existir. Falamos aqui de lutas assunto, deixamos aqui alguns desejo sexual e, em alguns casos, sociais baseado nas diferenças
que afetam diretamente as vidas bons materiais de consulta: nem vontade de se relacionar percebidas entre os sexos, e o
de milhões de pessoas no país e romanticamente com ninguém. gênero é uma forma primeira
que, portanto, precisamos trazer • Dossiê Violência contra de significar as relações de
Bifobia: Preconceito e
poder.” (Joan Scott em “Gênero:
esses temas, mais do que nunca, as Mulheres discriminação direcionado
uma categoria útil para análise
para a comunicação brasileira. • Dossiê Pagu Feminicídio a pessoas bissexuais por conta
histórica”)
É essencial ter em mente que • Transfeminismo de sua orientação.
“Gênero é uma representação -
lésbicas, gays, bissexuais e trans* • Grupo Gay da Bahia Bissexual: Pessoa que se o que não significa que não tenha
são dignos de respeito e merecem • Entreviste uma mulher atrai tanto por pessoas do implicações concretas ou reais,
ser tratados como os cidadãos. • Entreviste um negro mesmo gênero quanto do gênero tanto sociais quanto subjetivas,
diferente ao seu. na vida material das pessoas”
Tente a todo custo inserir fontes (....) “O sistema de sexo-
Cissexual: Pessoa que se
LGBT* em matérias dos mais gênero é tanto uma construção
identifica com o mesmo gênero
diversos assuntos. E se houver sociocultural quanto um
designado a ela/ele ao nascer.
alguma dúvida, sejam em assunto aparato semiótico, um sistema
LGBT* ou não, o caminho mais Disforia de gênero: Nome de representação que atribui
“oficial” da transexualidade, significado a indivíduos dentro da
seguro é perguntar a essas
de acordo com a psiquiatria. sociedade. Se as representações
pessoas como gostariam de ser
O Código Internacional de de gênero são posições sociais
tratadas, que termos usar, etc. que trazem consigo significados
Doenças (CID 10) ainda trata a
Os LGBT* é que saberão indicar transexualidade como patologia, diferenciais, então o fato de
um tratamento humanizado. Você mas o 5° Manual de Diagnóstico alguém ser representado ou se
não é obrigad@ a nascer sabendo, e Estatística dos Transtornos representar como masculino ou
mas é responsável por fazer seus Mentais (DSM V) já a excluiu feminino subentende a totalidade
entrevistados serem respeitados da lista. daqueles atributos sociais”.
e acolhidos nas matérias. (Teresa de Lauretis em
Gênero: Conceito criado no
“A tecnologia do gênero”)
século XX. Estas são algumas
interpretações importantes sobre Gay: Termo usado para designar
gênero, mas não são as únicas: um homem (cis ou trans*) que
“Gênero é um elemento se atrai por outro homem.

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GLS: Sigla para “gays, lésbicas possui aparatos biológicos que de, homossexualidade, pansexua- Transfobia: Violência e
e simpatizantes”. Não é mais não cabem nas classificações de lidade, entre outras. discriminação que atingem
utilizada e foi substituída por gênero, o antigo “hermafrodita”. especificamente as pessoas
Queer: Palavra utilizada
LGBT*. Há várias possibilidades trans* por conta de sua condição
principalmente no exterior para
diferentes de intersexualidade. trans*.
Heterossexual: Pessoa (cis denominar uma pessoa fora do
Lésbica: Mulher (cis ou trans*) Travesti: Não há uma definição
ou trans) que se atrai pelo gênero espectro da heterossexualidade.
que se atrai por mulheres (cis única e exata para o conceito
oposto. Deriva da teoria queer, que tem
ou trans*). de travesti, antes delimitado por
como uma de suas principais
Homofobia: Embora seja pessoas que performavam um
pensadoras a filósofa Judith
utilizado como sinônimo Lesbofobia: Violência gênero diferente do designado
Butler.
de violência e preconceito e preconceito direcionado ao nascer, mas que não faziam
direcionado a qualquer especificamente às lésbicas Sexo biológico: Aparato intervenções cirúrgicas que
LGBT, refere-se aos homens por conta de sua sexualidade. biológico que, de acordo com caracterizam oficialmente a
homossexuais. A violência Exemplo: estupro corretivo. nossa sociedade, delimita nosso transexualidade. Essa é uma
homofóbica não é qualquer gênero ao nascer. Exemplo: identidade típica da América
LGBT*: Sigla para Lésbicas,
violência que aflige um se há vagina, ovários e útero o Latina e o movimento reivindica
Gays, Bissexuais , Travestis,
homossexual, mas sim aquela que corpo é classificado como de o tratamento no feminino (AS
Transexuais e Transgêneros.
se deu por conta da identidade mulher, se há pênis e testículos travestis), mas a diferença é
Os “T” da sigla têm sido
homossexual. como homem. O sexo biológico política.
abarcados pela denominação
designado nem sempre é
Homossexual: Homem (cis ou guarda-chuva “trans*”.
corresponde à identidade de
trans*) que se atrai por homens LGBTQIA: Sigla para Lésbicas, gênero da pessoa.
(cis ou trans*). Gays, Bissexuais, Trans*, Queer,
Identidade de gênero: Gênero Trans*: Termo guarda-chuva
Intersexuais e Assexuais. Mais
com o qual a pessoa se identifica, para travestis, transexuais e
utilizada no exterior, ainda é
que pode ou não ser o mesmo transgêneros.
pouco comum no Brasil.
designado no nascimento. Transexual: Pessoa cuja
Quando é o mesmo, a pessoa Orientação sexual: Delimita
identidade de gênero é diferente
é cissexual; quando é diferente, por qual(is) gênero(s) a pessoa se
daquela que lhe foi designada ao
a pessoa é transexual. Não tem atrai, independente de sua iden-
nascer. A transsexualidade ainda
relação com a orientação sexual. tidade de gênero. As orientações
é considerada doença de acordo
sexuais incluem assexualidade,
Intersexual: Pessoa que com alguns guias psiquiátricos.
heterossexualidade, bissexualida-

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thinkolga.com

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