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MANEJO E USO SUSTENTÁVEL DA CAATINGA

Juliana Holanda Vilela Fernandes1

INTRODUÇÃO

O trabalho apresentado é resultado de reflexão e relato de experiência com a


participação no 4° Curso Internacional de Convivência com o Semiárido, realizado no
Centro Xingó de Convivência com o Semiárido, município de Piranhas, Estado de
Alagoas. É necessário para uma melhor compreensão do espaço de realização do
curso e sua importância para a discussão do tema, mencionar que, o Centro Xingó
surge em 2013 a partir da negociação entre a Companhia Hidroelétrica do São
Francisco (CHESF) e o Governo do Estado de Alagoas, visando a cessão de uso das
instalações do antigo Instituto Xingó no município de Piranhas/AL. Esta negociação
contribui com conhecimento e práticas sustentáveis, visando à geração de renda e a
melhoria da qualidade de vida das famílias rurais em situação de vulnerabilidade social
no estado de Alagoas e no Semiárido brasileiro. Com este acordo, o Centro Xingó
ficou sob a responsabilidade da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Pesca e
Aquicultura (SEAGRI/AL), que atribuiu ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e
Sustentabilidade (IABS), sua gestão técnica e operacional por meio do Protocolo de
Intenções 001/2013, ficando este com a responsabilidade de coordenar as suas ações
técnicas e administrativas. O Centro Xingó possui uma área total de 70 hectares, com
estruturas físicas e atividades de pesquisa, extensão e suporte a programas de apoio
ao produtor. Deste modo, a prática de Convivência com o Semiárido tornou-se um
importante gerador de conhecimento, método e procedimento aplicáveis à produção
local, adequados ao semiárido nordestino. O manejo e uso sustentável da caatinga é
um dos temas recorrentes nas diversas discussões realizadas nos eventos realizados,
em decorrência do semiárido ter a maior parte do seu território coberto pela caatinga,
considerada por especialistas o bioma brasileiro mais sensível à interferência humana
e as mudanças climáticas globais. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente –
MMA, a caatinga ocupa uma área de cerca de 844.453 quilômetros quadrados, o
equivalente a 11% do território nacional. Esse bioma tão importante, vem colaborando
para o desenvolvimento regional, seja como fonte energética para as indústrias e

1
Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária, Pesca e Aquicultura de Alagoas – SEAGRI
/julianavilelafernandes@gmail.com
famílias agricultoras, seja no fornecimento de forragem para a manutenção dos
rebanhos ou ainda ofertando outros produtos florestais madeireiros e não madeireiros.
O manejo dos recursos florestais, importante instrumento de gestão ambiental,
apresenta uma alternativa viável e legalizada para obtenção de vários produtos
florestais de forma sustentada. Portanto, o presente relato de experiência, fruto do 4°
Curso Internacional de Convivência com o Semiárido, tem como objetivo destacar a
importância do manejo e uso sustentável da caatinga, indispensável para o
desenvolvimento social e econômico do semiárido, buscando a melhoria da qualidade
de vida de sua população.

DESENVOLVIMENTO

O 4° Curso Internacional de Convivência com o Semiárido, foi realizado no período de


08 a 30 de novembro de 2018. A participação no 5° Seminário Internacional de
Convivência com o Semiárido, realizado nos dias 08 e 09 de novembro com o tema
central, “Inovação Social, Empreendedorismo Coletivo, Conservação da Caatinga para
Convivência com o Semiárido”, era obrigatória para os participantes do curso que
contou com 05 módulos: 1- Refletindo sobre o agora; 2- Construindo juntos nosso
futuro; 3- Manejo florestal da caatinga; 4- Viabilizando a permanência no meio rural por
meio da agricultura familiar resiliente: o caso das PANC`s; 5- Trabalho final
(desenvolvido a distancia), como consta na programação (figuras 1, 2 e 3).

Figura 1- Programação da semana 1 do curso.


Figura 2- Programação da semana 2 do curso.

Figura 3- Programação da semana 3 do curso.

O curso contou com a participação de 31 alunos, instrutores e convidados de diversos


estados e países.
Os temas e subtemas discutidos foram:
Tema 1- O uso sustentável da caatinga e sua inserção na sociedade regional.
Subtema 1- O contexto socioambiental da caatinga e sua participação nos modelos
produtivos locais.
Subtema 2- A questão energética e a sustentabilidade ambiental das florestas secas
no Brasil e nas regiões semiáridas do mundo.

Tema 2- Métodos e ferramentas tradicionais versus inovações.


Subtema 1- Ferramentas, métodos e alternativas para identificar e dimensionar o uso
potencial em base sustentável da caatinga (diagnosticando a cobertura vegetal).
Subtema 2- Suporte forrageiro, produção florestal madeireira, não madeireira e outras
formas de uso múltiplo.

Tema 3- O manejo sustentável da caatinga como vetor de desenvolvimento.


Subtema 1- Soluções viáveis e ao alcance do pequeno produtor no semiárido
(trabalho em grupo).

O tema escolhido para o relato de experiência foi o do módulo 3: Manejo Florestal


da Caatinga, com aulas entre 19 e 21/11/18, cujo o coordenado e instrutor foi o
Superintendente do IBAMA Pernambuco, Francisco Carneiro Barreto Campello, além
do biólogo da fundação Araripe, Magno Antônio Feitosa.
Durante as aulas teóricas, que aconteceram na sede administrativa do Centro Xingó (fotos
1 e 2), as discursões sobre o tema tiveram como base a reflexão e contextualização sobre
o semiárido e seus desafios.

Foto 1- Aula teórica, módulo 3.


Foto 2 – Aula teórica, módulo 3.

O Semiárido possui uma população estimada de aproximadamente 23 milhões de


habitantes, correspondendo a 11,76% da população do País. Em quatro anos a
população da região atingiu um crescimento de mais de 5%. A população equivale hoje a
pouco mais de 34% da população do Nordeste e a cerca de 12% da do país (INSA, 2014).
De acordo com Gualdani et al. (2015), o Semiárido brasileiro é a região semiárida com
maior densidade populacional (maior concentração de pessoas por km²). A grande
pressão sobre os recursos naturais desse frágil sistema leva a manejos, por vezes
inadequados, ou requer aperfeiçoamentos para garantir sua sustentabilidade e a
qualidade de vida para as famílias que ali moram.
O Semiárido tem a maior parte do seu território coberto pela caatinga, considerada por
especialistas o bioma brasileiro mais sensível à interferência humana e as mudanças
climáticas globais. Uma das características do Semiárido brasileiro é o déficit hídrico,
embora isso não signifique falta de água, pelo contrário, é o Semiárido mais chuvoso
do planeta. Porém, as chuvas são irregulares no tempo e no espaço (SCHISTEK,
2013).
A vegetação nativa dominante no sertão nordestino é a Caatinga, floresta arbóreo-
arbustiva adaptada ao clima semiárido, com ocorrência de cactos e bromélias e
estrato herbáceo abundante durante o período chuvoso.
Os recursos florestais desempenham um papel fundamental no contexto da economia
informal e na formação da renda das famílias, tornando-se uma das únicas alternativas
econômicas nos períodos das estiagens e contribuindo, assim, para a fixação do
homem no campo (CAMPELLO et al., 1995; BRAID, 1996).
É alta a demanda das famílias da região por energia para uso doméstico na forma de
lenha, bem como a de vários setores da indústria, muitas vezes atendida de uma
forma não sustentável. Essa situação preocupa e mostra cada vez mais a importância
da conscientização no manejo e uso sustentável da caatinga, através de práticas e
soluções viáveis aos produtores.
A experiência no Araripe é a demonstração dessa prática sustentável. Se as
queimadas nas pastagens cultivadas têm seus grupos de defensores e tolerantes, a
queimada das pastagens nativas, no Araripe, é condenada de forma severa e unânime
por todos os técnicos, já que na verdade é um incêndio florestal que mata
definitivamente a vegetação arbustiva e arbórea, não permitindo o seu brotamento, ao
contrário das pastagens cultivadas, cujo rebrotamento é até incrementado (BARRETO
& GODOY, 2015).
Araújo et al. (2010) afirma que a vegetação nativa desempenha importantes funções
para a preservação dos ecossistemas, como a proteção do solo, o controle sobre o
regime de chuvas e do fluxo das águas, o controle da poluição atmosférica e a
sobrevivência da fauna. Além disso, fornece matéria prima para diferentes finalidades
e pode ser utilizada para atividades de lazer.
Além das diversas discursões e reflexões sobre o semiárido e o manejo da caatinga, o
módulo 3 teve como atividade prática, uma aula de campo com o objetivo de realizar
levantamento do suporte madeireiro de determinada área, para o dimensionamento da
produção florestal madeireira, não madeireira e outras formas de uso múltiplos da
caatinga. A aula de campo foi orientada pelo biólogo da fundação Araripe, Magno
Antônio Feitosa.
Durante a atividade foi realizado o inventário florestal de determinada área dentro da
fazenda do Centro Xingó.
O objetivo do inventário foi descobrir quais espécies de plantas poderiam ser
manejadas e qual é o potencial de produção da área analisada. A partir deste tipo de
análise, é possível, por exemplo, conhecer o estoque de madeira, a estrutura das
florestas nativas ou plantada e a quantidade e qualidade dos recursos florestais
daquela região.
O inventário florestal é o procedimento para obter informações sobre as características
quantitativas e qualitativas da floresta e de muitas outras características das áreas
sobre as quais a floresta está desenvolvendo.
Para realização do inventário, o primeiro passo foi o planejamento. Nesta fase, foram
apresentadas as ferramentas que seriam utilizadas no levantamento, quais
informações seriam coletadas e definida a localização, tamanho e as características
gerais da área que seria inventariada.
Na segunda fase, chegando ao local do levantamento (foto 3) foi decidido o tipo de
amostragem que seria utilizado, foi explicado cada detalhe do levantamento e
orientado sobre a forma de coleta de dados, dando a oportunidade de cada
participante do curso praticar a medição das plantas e observar de perto cada detalhe
do levantamento. Foram coletados dados como: espécie da planta, as alturas e
diâmetro DAP (Diâmetro altura do Peito) de todas as plantas de determinada área pré
definida (foto 4 e figura 4).

Foto 3 – Turma pronta para iniciar o levantamento de dados para o inventário.

Foto 4 – Coleta de dados durante aula prática.


Figura 4 – Formulário com dados coletados
na aula prática.

É a partir do inventário florestal que é possível implementar o manejo florestal, que é o


conjunto de intervenções efetuadas em uma área florestal, visando a obtenção
continuada de produtos e serviços da floresta, mantendo a sua capacidade produtiva.

CONCLUSÃO

A natureza, sem a interferência do homem, apresenta um admirável equilíbrio


dinâmico, em que através de processos de reciclagem contínuo, das quatro causas do
empobrecimento, a fertilidade do solo permanece estável e, às vezes, até eleva-se
(BARRETO & GODOY, 2015).
Porém nos dias atuais, pela necessidade frequente de utilização dos recursos naturais
o caminho é a convivência harmônica com o bioma.
A convivência manifesta uma mudança na percepção da complexidade territorial e
possibilita resgatar e contribuir relações de convivência entre os seres humanos e a
natureza, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida das famílias sertanejas. Esta
nova percepção elimina “as culpas” atribuídas às condições naturais e possibilita
enxergar o Semiárido com suas características próprias, seus limites e
potencialidades. Nesse sentido, o desenvolvimento do Semiárido está estreitamente
ligado à introdução de uma nova mentalidade em relação as sua s características
ambientais e a mudança nas praticas e no uso indiscriminado dos recursos naturais.
(CONTI, 2013).
Durante todo o curso foi proporcionado aos participantes uma reflexão intensa sobre a
caatinga que queremos e o que podemos fazer para uma convivência harmônica e
solidária com o semiárido. Com uma diversidade de instrutores e participantes, foi
possível observar a visão de cada um sobre os temas propostos.
Assim, sabendo que cada vez mais, pesquisas oferecem informações sobre técnicas
de manejo eficiente de uso da caatinga. A aplicação dessas técnicas auxiliam na
manutenção da biodiversidade e dos demais serviços ambientais, que são os
benefícios diversos que as pessoas obtém dos ecossistemas (regulação do clima,
controle de erosão...). Desta forma sugerimos a elaboração de um Plano de Manejo
Florestal Sustentável para uma determinada área do Centro Xingó, que serviria como
área demonstrativa, onde produtores, estudantes e técnicos da área, poderiam através
de visitas guiadas, observar desde a coleta de dados (demonstrativa) para elaboração
de inventário, até o detalhamento da elaboração do Plano e seus resultados. Desta
forma seria colocado em prática as técnicas e aprendizado obtidos no módulo 3 do do
4° Curso Internacional de Convivência com o Semiárido.

REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA

ARAÚJO, Lúcio Valério Coutinho e SILVA, Josuel Arcanjo. 2010. Unidade


experimental Fazenda Belo Horizonte – Mossoró/RN. In:GARIGLIO, Maria Auxiliadora.
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BARRETO, Geraldo e GODAY, Osani. Caminhos para a agricultura sustentável:


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CONTI, Irio Luiz e SCHROEDER, Edni Oscar. (Org.) Convivência com o Semiárido
brasileiro: autonomia e protagonismo social. Transição paradigmática na
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GUALDANI, Carla; FERNÁNDEZ, Luz; GUILLÉN, Maria Luisa. Convivência com o


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