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Envelhecimento Cognitivo: principais mecanismos

explicativos e suas limitações*


Cognitive Aging: main explicative mechanisms and it´s
limitations
Maria Vânia Rocha da Silva Nunes**
Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa.

Resumo Abstract
Apresenta-se uma sintese* baseada numa intensa pesquisa This paper* presents a synthesis based on an intense research
de literatura sobre envelhecimento cognitivo. A informação of literature about cognitive aging. The gathered information
recolhida baseou-se fundamentalmente em análises de artigos was mainly based in scientific papers from journals with peer
de revistas científicas internacionais bem como de livros de review as well as in reference books about the subject. Starting
referência sobre o tema em análise. Começando com uma by defining cognitive aging, and briefly discussing the effects of
definição de envelhecimento cognitivo, é feita de seguida uma aging in cognitive function, this review then presents a detailed
breve introdução à discussão sobre a influência do enve- critical analisis of the cognitive mechanims that are usually used
lhecimento no funcionamento cognitivo, sendo em seguida to explain the effects of aging in cognition. Four mechanisms
discutidos em detalhe os mecanismos cognitivos que são are discussed. 1 Decrease of processing speed; 2. Working
usualmente utilizados para tentar explicar essa influência. São memory decline; 3. Inhibitory function decline; 4. Sensory
discutidos quatro mecanismos: 1. A diminuição da velocidade Functioning decline. To each of these mechanisms a critical
de processamento; 2. O declínio da memória de trabalho; 3 O analysis of the mechanims strengths and limitations is made.
declínio da função inibitória; 4. O declínio da função sensorial. This review ends with a brief general discussion.
Para cada um destes mecanismos é feita uma análise crítica
Keywords: Cognitive Aging, Processing speed; Inhibitory
da sua capacidade explicativa, bem como das suas limitações.
functioning; working Memory, Sensory function decline. 
O artigo finaliza com uma breve discussão geral relativamente
aos mecanismos cognitivos analisados.
Palavras-chave: Envelhecimento Cognitivo, velocidade de
processamento, função inibitória, memória de trabalho, declínio
da função sensorial. 

1. Envelhecimento Cognitivo impacto significativo da idade no funcionamento


cognitivo.
É usual considerarmos que o envelhecimento Mas de que falamos quando falamos de envelhe-
acarreta défices e perdas ao nível cognitivo e com- cimento cognitivo? A cognição não diz respeito a um
portamental. Esta perspectiva, não só é intuitiva, processo único, mas a um conjunto de desempenhos
como é reforçada por inúmeros resultados obtidos e comportamentos em tarefas de laboratório ou em
pela investigação. Nas últimas décadas os psicólogos, tarefas do dia- a- dia. Sejam quais forem, emanam
nomeadamente os psicólogos cognitivos, têm docu- da actividade de um cérebro em funcionamento
mentado amplamente declínios em diferentes funções revelando-se em performances e manifestações
cognitivas que permitem confirmar que existe um observáveis quer do ponto de vista qualitativo quer

* Artigo de revisão realizado no âmbito do Doutoramento em Ciências Biomédicas defendida na Faculdade de Medicina da
Universidade de Lisboa.
** mnunes@ics.lisboa.ucp.pt

Cadernos de Saúde  Vol. 2  N.º 2 – pp. 19-29


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do ponto de vista quantitativo (Dixon & Nilsson, materiais familiares e o produto cognitivo consistiria
2004). Já o processo de envelhecimento em si implica em várias formas de conhecimento adquirido. Os
a noção de que existem transformações ao longo processos são usualmente avaliados com tarefas
da vida adulta. Nesta perspectiva o envelhecimento desenhadas para terem o mínimo de influência de
cognitivo diz respeito às mudanças que ocorrem nas conhecimentos prévios, ou utilizando material sem
funções cognitivas ao longo da vida. No aspecto significado, em diversos tipos de tarefas, nomeada-
meramente teórico, a noção de envelhecimento mente recordação livre entre outras. Os produtos são
cognitivo não determina forçosamente o sentido da tipicamente avaliados com variáveis que requerem
mudança. No entanto, o sentido que se encontra conhecimento adquirido, ou que beneficiam da
na grande maioria da imensa literatura publicada, experiência acumulada por ex. provas de vocabulário
ainda que não de forma totalmente universal é, ou de conhecimento. De uma forma geral é possível
naturalmente, o da perda ou declínio (cf. Craik e verificar uma maior consistência no declínio dos
Salthouse, 2000). processos com a idade, do que no declínio dos
produtos. E, embora estejamos longe de saber o
2. Envelhecimento ou Envelhecimentos? porquê destas diferenças e da influência da idade
nos produtos, nos processos e no resultado da sua
À semelhança do que acontece relativamente interacção, a verdade é que têm sido propostas dife-
ao envelhecimento cerebral, também ao nível do rentes teorias para explicar os principais resultados
envelhecimento cognitivo se tem discutido a questão em termos do declínio cognitivo.
relativa à universalidade do impacto do envelheci-
mento e, apesar de a literatura indicar a existência 3. Que mecanismos para explicar o Enve-
de declínios associados à idade em múltiplas funções lhecimento Cognitivo?
cognitivas, a verdade é que a magnitude desses
declínios não é idêntica para todas as tarefas nem Muito mais significativa do que a constatação das
em todas as funções. Se pensarmos que qualquer diferenças, tem sido o esforço feito na tentativa de
comportamento ou desempenho é a expressão do identificar quais os mecanismos cognitivos funda-
funcionamento cerebral, e se considerarmos que mentais que subjazem aos défices associados à idade
o envelhecimento cerebral não afecta igualmente que encontramos em diversas tarefas.
todas as estruturas, é mais fácil compreendermos Um aspecto comum a todos os mecanismos pro-
este padrão. postos é referirem-se de alguma forma, a índices
A noção de que existem tipos de funções cogni- dos recursos cognitivos que estão disponíveis para
tivas com características essenciais distintas e que fazer face a uma dada situação. Entendem-se estes
são diferencialmente vulneráveis ao processo de recursos cognitivos como preditores do sucesso dos
envelhecimento, existe pelo menos desde os anos desempenhos, uma espécie de reserva de energia
20 do século XX, ainda que não necessariamente mental que vai diminuindo com a idade (Park, 2000).
com uma formulação tão explicita. De facto, vários Nesta perspectiva, seria por isso que as diferenças
trabalhos clássicos demonstram diferentes padrões associadas à idade, seriam mais evidentes em tarefas
de resultados em diversas tarefas cognitivas. Quando que requerem processamento cognitivo activo (grosso
comparamos as performances de jovens com as de modo processos) do que naquelas que se baseiam
idosos, embora usando diferentes terminologias para no conhecimento acerca do mundo (grosso modo
classificar esta distinção, é possível distinguirmos produtos). Há no entanto que reconhecer que,
com relativa clareza capacidades cognitivas que embora esta ideia seja relativamente intuitiva e fácil
declinam com a idade e capacidades cognitivas que de apreender empiricamente (i.e. de que à medida
se mantêm estáveis (Salthouse, 2000). que a idade avança há uma diminuição dos recursos
Para Salthouse (2000) a distinção a ser feita é disponíveis que torna mais difícil o desempenho de
entre processo e produto, entendendo como pro- determinadas tarefas), as conceptualizações relativas
cesso a eficiência ou eficácia do processamento, na à natureza desta energia mental e aos mecanismos
altura em que é feita a avaliação, e como produto que determinam a sua diminuição, são mais difíceis
a acumulação dos resultados dos processamentos de apreender e não estão ainda satisfatoriamente
realizados no passado. Assim, o processo seria o tipo clarificados.
de cognição que reflecte a capacidade de resolver Podemos considerar que, no seio da psicologia
problemas novos e para transformar e manipular cognitiva têm sido propostos fundamentalmente
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quatro mecanismos para explicar as diferenças de nuição notória do efeito da idade mesmo em tarefas
processamento cognitivo associadas à idade: dimi- cognitivamente complexas (Salthouse, 1994). Neste
nuição da velocidade de processamento, memória trabalho, procurando elucidar os mecanismos através
de trabalho, função inibitória e função sensorial dos quais a velocidade de processamento contribui
(embora esta divisão não seja linear, e alguns autores para explicar as relações entre o envelhecimento e
discutam, por exemplo, a função inibitória no âmbito a aprendizagem associativa, o autor conclui que o
da memória de trabalho). envelhecimento surge relacionado com uma diminui-
ção da aprendizagem associativa, fundamentalmente
3.1. Diminuição da Velocidade de Processamento devido a uma incapacidade de reter informação
acerca de respostas correctas prévias. Por sua vez,
Uma das teorias mais importantes sobre envelhe- isto estaria associado com a eficácia do processo
cimento cognitivo foi proposta por Salthouse (1996). de codificação da informação brevemente apre-
Este autor sugere que o mecanismo fundamental sentada na tarefa de memória associativa. Por isso,
que explica a variância relacionada com a idade este autor sugere que a diminuição na velocidade
na performance é a diminuição da velocidade de de processamento leva a uma menor eficácia na
processamento i.e., da velocidade com que desem- codificação ou elaboração, o que resulta numa
penhamos as operações mentais. Este mecanismo representação mais frágil que é facilmente perturbada
de diminuição da velocidade de processamento pelo processamento subsequente.
assume que, à idade avançada está associada a uma Como salientam Nyberg e Backman (2004), a
diminuição da velocidade com que muitas operações noção de que o envelhecimento tem um efeito
cognitivas são executadas. Nesta proposta é esta disruptivo em tarefas muito básicas, e de que este
redução da velocidade de processamento que leva efeito pode estar relacionado com tarefas de um nível
a défices no funcionamento cognitivo. cognitivo mais elevado, é contrária aos resultados
Este autor propõe ainda a existência de dois experimentais. De facto a maior parte dos estudos
mecanismos através dos quais a velocidade de comportamentais mostram que as diferenças asso-
processamento se relaciona com a cognição: O ciadas à idade são especialmente evidentes quando
mecanismo do tempo limitado, que diz que o tempo as tarefas têm cargas executivas elevadas. Para além
para desempenhar as operações cognitivas tardias disso, quando tomamos em consideração os estudos
é restringido pelo tempo que se demorou a exe- relativos ao envelhecimento cerebral verificamos
cutar as primeiras operações, e o mecanismo da que o córtex pré-frontal, em termos volumétricos, é
simultaneidade que sugere que os produtos de um uma das áreas mais afectadas pelo envelhecimento.
processamento inicial podem ser perdidos quando Assim, pode parecer não haver justificação para que
o processamento final é completo. Desta forma, as diferenças associadas à idade ocorram em tarefas
com a diminuição da velocidade de processamento, de baixo nível.
a performance cognitiva degrada-se porque pode Uma hipótese que surge na literatura é que, com a
não haver tempo suficiente para desempenhar ope- idade, as pessoas precisem de recrutar mais recursos
rações relevantes (tempo limitado) e porque os para lidarem com a carga executiva adicional em
produtos do processamento precoce podem já não tarefas que, anteriormente, conseguiriam realizar
estar disponíveis quando aspectos mais tardios de sem esforço. Seria este recrutamento adicional de
processamento são feitos (simultaneidade). recursos que aumentaria o tempo de processamento
Este autor demonstrou que grande parte da vari- necessário. Esta proposta permitiria compatibili-
ância relacionada com a idade em diferentes tarefas zar a perspectiva da diminuição da velocidade de
cognitivas pode ser explicada pela velocidade com processamento com uma perspectiva frontal do
que as pessoas fazem comparações em tarefas de envelhecimento, mas esta conciliação está longe
decisão perceptiva (ex. tarefas de papel e lápis e de ser clara.
decisão igual/diferente, sendo avaliado o número Assim, relativamente à teoria do declínio na velo-
de comparações correctas num determinado período cidade de processamento, um aspecto importante
de tempo que variava entre 1 e 3 minutos). é que, segundo o seu autor, os seus efeitos são
Para além deste aspecto, alguns trabalhos anterio- globais e têm impacto em todos os aspectos da
res tinham demonstrado que, se fizermos controlo cognição, mesmo em tarefas em que este aspecto
estatístico de simples medidas de velocidade de não é óbvio. Considerando que a velocidade da
reacção ou de velocidade perceptiva, há uma dimi- transmissão neuronal depende das propriedades
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estruturais das fibras de ligação, incluindo diâmetro que muitos dos efeitos relacionados com a idade
axonal, integridade da bainha de mielina etc. (Aboitiz nas variáveis de velocidade de processamento são
et al. 1992), mesmo que considerássemos que a partilhados com os efeitos da idade noutras variáveis.
velocidade de processamento cognitivo assentava na Trabalhos recentes, com paradigmas experimentais
velocidade de processamento neural (o que não é melhor definidos, e comparando especificamente a
de forma alguma uma assumpção linear), sabemos teoria da velocidade de processamento e a hipótese
também que, em termos do declínio da substância frontal do envelhecimento (contraditórias apesar de,
branca, este não é uniforme. como vimos, serem levantadas hipóteses para a sua
Um outro aspecto é que, na área da velocidade conciliação) parecem continuar esta polémica.Alguns
de processamento, é possível encontrarmos algumas estudos indicam que o efeito da idade em algumas
dificuldades em termos de definição do constructo. tarefas de memória é determinado pela integridade
De facto, embora o autor considere que as tarefas do lobo frontal, tal como avaliada em provas de fun-
utilizadas para avaliar a velocidade de processa- ção executiva, e não pela diminuição da velocidade
mento tenham de ser relativamente simples, para de processamento (Bugaiska et al. 2007) e outros,
que as diferenças encontradas sejam atribuídas à embora com condições experimentais ligeiramente
velocidade com que desempenhamos operações diferentes, a parecerem indicar o contrário (Bunce
relevantes e não a outros factores, nomeadamente & Macready, 2005).
ao conhecimento acumulado, a verdade é que a Embora esta proposta teórica tenha sido muito
escolha das tarefas para avaliação do constructo influente na literatura sobre envelhecimento, tem
não é linear. O autor avança alguns exemplos de vindo progressivamente a perder importância. Para
tarefas que não são adequadas para avaliação do além disso, e tratando-se de um constructo lato,
constructo, nomeadamente tarefas de decisão lexical torna-se questionável se pode ser considerado um
em que intervêm, pelo menos, capacidades ver- mecanismo de envelhecimento cognitivo propria-
bais. No entanto, mesmo para tarefas que parecem mente dito. Por exemplo alguns autores consideram
adequadas para avaliação do constructo da velo- que o maior declínio que os idosos demonstram ao
cidade de processamento, como sejam as tarefas nível da compreensão do discurso à medida que a
de substituição dígitos/símbolos, não é linear que taxa de débito do discurso aumenta, e que era usu-
estejam a ser avaliadas só operações fundamentais. almente atribuído a uma diminuição da velocidade
De facto, com um elevado número de participantes, de processamento cognitivo, pode na prática ser
todos envolvidos em estudos mais alargados de atribuído a uma incapacidade do sistema auditivo
envelhecimento, com idades compreendidas entre de lidar com a degradação do estímulo resultante
os 49 e os 95 anos, foram encontrados resultados da manipulação experimental (Schneider, Daneman
que demonstram que o desempenho nestas tarefas & Murphy, 2005).
é influenciado pela prática e pela aprendizagem do
código (Piccinin e Rabbitt, 1999). Como vimos, a 3.2. Declínio da memória de trabalho
variância no desempenho que se encontra nestas
provas de substituição levou à conclusão de que o Um outro mecanismo que tem sido proposto para
declínio é devido à diminuição da velocidade de explicar o envelhecimento cognitivo é o declínio
processamento associada à idade. No entanto para da memória de trabalho. A memória de trabalho
estes autores, embora seja uma tarefa relativamente é um conceito que, desde a sua formulação nos
fácil, que pode ser executada sem dificuldade quando anos setenta (Baddeley e Hitch, 1974), se constituiu
é dado tempo suficiente, a verdade é que não como um quadro teórico extremamente profícuo,
se trata de uma medida pura de velocidade de tendo tido um enorme impacto não só ao nível do
processamento, tendo concluído que a velocidade estudo da memória (Baddeley, 1990) mas também
dos desempenhos está primariamente relacionada ao nível do estudo da cognição (Baddeley, 2000).
com a memória e não com a velocidade perceptiva. Sinteticamente, o esquema de memória de trabalho,
Esta dificuldade na definição das variáveis que proposto por Baddeley inclui armazéns de memória
se assume, avaliam ou reflectem a velocidade de de curto prazo (de natureza visual e fonológica),
processamento, foi também identificada por Salthouse processos de ensaio da informação que mantém a
(2000a). No entanto, na opinião do autor, os métodos informação disponível, e processos executivos que
de análise que permitem isolar a variância especi- permitem trabalhar com a informação que está
ficamente relacionada com a idade, têm indicado armazenada. Até à actualidade foram já publicados
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milhares de artigos recorrendo à utilização do con- nente de funcionamento executivo, estas diferenças
ceito de memória de trabalho. têm sido consideradas determinantes para declínios
Como salientam Reuter Lorenz e Sylvester (2005) mais gerais na performance cognitiva, associados
a memória de trabalho é um constructo que se à idade.
coaduna com a nossa experiência pessoal. As suas Uma perspectiva importante que liga o envelheci-
palavras, relacionam de forma muito clara os dife- mento cognitivo à memória de trabalho, sugere que
rentes componentes deste sistema “Introspection os idosos têm maior dificuldade em realizar o que
reveals a kind of mental workspace in which our chamam de “processamento auto-iniciado”. Como
current thoughts (information) can be maintained refere Park (2000), o que nesta proposta é designado
(rehearsed) in the fore. We sense that we accomplish por recursos de processamento, é melhor avaliado
this with inner speech (the phonological loop) or por tarefas de memória de trabalho, considerando
mental images (the visuospatial sketchpad). We can que as tarefas de memória de trabalho são as que,
hold in mind this limited amount of information a cada instante, nos permitem processar informação,
and discard it once our goal is completed (short term podendo envolver armazenamento, recuperação e
memory). We can also reorganize, sort through, or transformação da informação.
otherwise work with the briefly retained information De uma forma geral, podemos distinguir na lite-
(executive processes)” (pág. 186). ratura sobre a memória de trabalho, um grupo de
Apesar desta clareza, a explicação do funciona- tarefas que envolvem apenas armazenamento e
mento e da arquitectura da memória de trabalho, manutenção da informação (e que se pensa medirem
nomeadamente no que diz respeito à natureza da a memória de curto prazo), e um grupo de tarefas
relação entre executivo central e funcionamento em que é enfatizada a componente de processamento
cognitivo, tem-se revelado de grande complexidade, e manipulação do material armazenado (e que se
tendo aparecido associada a uma grande variedade pensa serem as que servem para medir a componente
de funções cognitivas. São múltiplas as tarefas nas executiva da memória de trabalho).
quais as diferenças em termos da memória de tra- No entanto, e à semelhança do que discutimos
balho se traduzem em diferentes desempenhos. para a velocidade de processamento, o estado do
Por exemplo, na literatura desenvolvimentista é constructo muda ao longo do tempo, não só em
um constructo que, sobretudo na sua componente função da acumulação de conhecimento empírico,
fonológica, aparece amplamente discutido na sua mas também como consequência da alteração no
relação quer com o desenvolvimento da linguagem interesse que existe nos próprios constructos. Con-
(Gathercole & Baddeley, 1993) quer com dificuldades cretamente a relação entre memória de trabalho e
de aprendizagem (Gathercole et al., 2006). memória de curto prazo (e as medidas adequadas
Os componentes do modelo têm sido ampla- para cada uma delas) tem sido objecto de alguma
mente validados pela investigação. Após décadas controvérsia. O digit span directo foi durante algum
de investigação, foi considerada a introdução de tempo considerado uma boa medida de memória de
mais um armazém, referente a um buffer episódico curto prazo que avaliava sobretudo armazenamento
(Baddeley, 2000a). Este componente serviria como de informação. O digit span inverso foi considerado
uma interface entre os diferentes sistemas subsidiários uma boa medida de memória de trabalho, porque
e a memória de longo prazo, permitindo integrar para a realização da tarefa é necessário quer arma-
algumas críticas relativas à falta de ligação entre o zenamento quer manipulação do material, para
conceito de memória de trabalho e outros elementos se ser capaz de se reverter os dígitos durante a
de extrema importância na organização do sistema recuperação. No entanto, tem havido uma tendência
mnésico, concretamente da memória de longo prazo. para considerar o digit span inverso também como
Trata-se de facto de um constructo muito profícuo, uma medida de memória de curto prazo e não
continuando a vislumbrar-se perspectivas para o de memória de trabalho, e para estabelecer uma
seu desenvolvimento. diferença clara entre memória de curto prazo e
Assumindo esta importância para diversos aspectos memória de trabalho.
da arquitectura do sistema cognitivo, inclusivamente Existem outras medidas alternativas para a ava-
em termos desenvolvimentistas, não é surpreendente liação da memória de trabalho, mais complexas
que tenham sido encontradas diferenças associadas em termos da carga executiva que contêm, e que
ao envelhecimento normal no funcionamento da enfatizam o aspecto relativo ao processamento da
memória de trabalho. Nomeadamente na sua compo- informação, como o reading span (Daneman e
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Carpenter, 1980), em que é pedido aos sujeitos que e de trabalho, são fundamentalmente argumentos
ouçam um conjunto de frases e que se lembrem comportamentais. Na perspectiva destes autores, à
da palavra final de cada uma das frases, para além luz dos dados da neuroimagiologia, existem razões
disso, simultaneamente, têm de prestar atenção ao para pensar que não estamos efectivamente perante
significado de cada frase porque a compreensão dois tipos diferentes de memória, considerando que
também é testada. O span de memória de trabalho é todas as tarefas que exigem o armazenamento de
definido pelo número de palavras finais lembradas. curto prazo, on-line, de quantidades limitadas de
De qualquer forma, na literatura sobre envelheci- informação são medidas de memória de trabalho,
mento e memória de trabalho não existem dúvidas com a diferença existindo apenas nas exigências
que parece haver uma diferença clara do efeito da que são colocadas às operações de processamento
idade no declínio das tarefas que implicam apenas executivo.
armazenamento e manutenção da informação, das Assim, na literatura sobre envelhecimento cogni-
tarefas que implicam, para além disso, manipulação tivo, medimos usualmente a memória de trabalho
e processamento. Concretamente, a idade parece pedindo aos sujeitos para armazenar e processar
poupar o desempenho no primeiro tipo de tarefas, informação simultaneamente, sendo uma descoberta
e ter um efeito significativo nas tarefas que implicam sólida a de que, quanto maior a complexidade da
processos mais executivos. tarefa, maiores as diferenças associadas à idade.
Comparando duzentos e vinte e oito voluntários, Relativamente às tarefas que avaliam a memória de
com idades compreendidas entre os 30 e os 99, trabalho parece haver uma concordância no sentido
em tarefas de digit span directo, digit span inverso, de que, quanto maior é a carga executiva maior o
e outras tarefas em que o nível de manipulação declínio nas performances associado à idade.
activa da informação era sucessivamente aumentado, A fortalecer esta interpretação estão alguns
verificou-se que nas tarefas mais passivas se obtêm resultados que mostram diferenças significativas
diferenças ligeiras entre os jovens e idosos, mas para de desempenho associadas à idade em tarefas, que
as tarefas com exigências de manipulação activa se quase sem exigências ao nível do armazenamento,
encontraram declínios muito significativos, sobretudo são usualmente utilizadas como testes de funcio-
a partir dos sessenta anos (Dobbs & Rule, 1989). namento executivo e para avaliar a função frontal
Considerando apenas os resultados comportamentais, como por exemplo o Wisconsin Card Sorting Test.
podemos pensar que estamos perante dois tipos Sintetizando os resultados da maioria dos estu-
distintos de memória, o que, como vimos, não é dos sobre o efeito do envelhecimento, ao nível da
linear no enquadramento teórico do modelo de memória de trabalho, seria correcto dizer que, a
memória de trabalho. grande maioria parece indicar que as capacidades
Para alguns autores, a forma como a memória de de manutenção da informação estão razoavelmente
trabalho deve ser concebida no âmbito do enve- preservadas o que, presumivelmente, implica preser-
lhecimento mnésico não deve ser pensada de uma vação das estruturas neurais em que assentam. Por
forma apenas ligada ao constructo per si, mas mais outro lado, os aspectos referentes à manipulação, os
relacionada com as diferentes exigências das tarefas componentes mais executivos, são desproporcionada-
nas componentes de armazenamento e manipulação. mente afectados sendo-o também, presumivelmente,
Nesta perspectiva, constatando evidentemente a os seus substratos neurais.Este padrão de resultados
maior riqueza do constructo da memória de trabalho, permite argumentar, com dados comportamentais,
relativamente ao conceito de memória de curto prazo que o envelhecimento altera o funcionamento do
(muito semelhante ao de memória primária) não lobo frontal, nomeadamente no que diz respeito
faz sentido considerá-los duas entidades separadas, à componente do executivo central da memória
mas sim como partes de um continuum passivo- de trabalho, o que se coaduna com os resultados
activo (ver Craik, 2000). Nesta perspectiva as tarefas obtidos em termos dos estudos de envelhecimento
consideradas passivas (por ex. recordação de uma neurológico. No entanto discutimos já que esta não
lista de números) estariam num extremo, e tarefas é uma interpretação linear.
que requerem muita manipulação e transformações Independentemente dos défices ao nível da memó-
estariam no outro extremo do continuum. ria de trabalho, existe a proposta de que o efeito
Para além disso, como salientam Reuter Lorenz do envelhecimento nos desempenhos possa ser
e Silvester (2005), os argumentos para distinguir minimizado através da disponibilização de “suporte
entre estes dois tipos de memória, de curto prazo ambiental” para compensar os défices. Os suportes
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não são mais do que elementos da tarefa cognitiva requerem manipulação é semelhante ao dos sujeitos
que diminuem as exigências de processamento da jovens, desde que controladas as capacidades de
tarefa mnésica. Por exemplo, apresentar alternativas armazenamento.
de resposta oralmente é uma grande carga para a Conforme discutimos, a noção de que as capaci-
memória de trabalho, enquanto se apresentarmos dades de manipulação se mantêm com o envelheci-
visualmente existe uma menor carga. Tal acontece mento, é contrária aos resultados obtidos por diversos
porque a pessoa, tendo à frente dela todas as alter- estudos. A falta de controlo para as diferenças de
nativas, não tem de fixar e manter disponíveis as que armazenamento na maioria dos estudos, pode ter
lhe são ditas oralmente para que as possa manipular contribuído para uma exacerbação dos reais défices
e decidir qual a resposta que deve escolher. dos idosos em termos das tarefas de manipulação.
Muitas das estratégias que se utilizam em progra- De facto, a questão do desempenho de base é
mas de promoção mnésica baseiam-se na utilização muito importante para discriminar o verdadeiro
de suporte ambiental, aliviando muita carga da impacto das dificuldades em tarefas que exigem
memória de trabalho. É este tipo de argumento que processamento e manipulação, porque se à partida
justifica que os idosos beneficiem mais das tarefas os próprios traços mnésicos em que estas operações
de reconhecimento face às de recuperação do que actuam não forem traços sólidos é evidente que a
os jovens, porque não têm que pesquisar todos os manipulação vai ser mais difícil.
itens de forma auto-iniciada. De qualquer forma, e apesar desta linha alterna-
Apesar desta quase unanimidade relativamente à tiva, na literatura sobre envelhecimento mnésico é
influência da idade na componente de processamento usual considerar que as diferenças são relativamente
da memória de trabalho existem trabalhos muito pequenas nas tarefas que só exigem recuperação
interessantes, mesmo ao nível comportamental, imediata de uma pequena quantidade de material,
numa linha que leva a conclusões substancialmente e substancialmente significativas nas tarefas que
diferentes. Usando uma manipulação da tarefa de exigem processamento. Exemplos das tarefas com
span alfabético, foi apresentada aos sujeitos uma uma maior componente passiva (mais próximo da
sequência aleatória de palavras, sendo pedido aos memória primária) são o digit span e a recência
participantes que as rearranjassem mentalmente e as de uma lista de recordação livre. Uma tarefa com
repetissem em ordem alfabética. Este procedimento uma componente mais activa de manipulação é por
experimental faz apelo à noção de executivo central, exemplo, a reading span task de que já falámos
na medida em que, para conseguir realizar esta tarefa (Daneman e Carpenter, 1980).
correctamente é preciso alterar o input, decompor Assim, de uma forma geral pode considerar-se
a ordem da apresentação, ir buscar o alfabeto à que, apesar de por vezes existirem com o envelhe-
memória a longo prazo, e fazer um scanning da cimento, diferenças estatisticamente significativas
ordem, enquanto os itens estão no loop fonológico, associadas à idade nestas tarefas mais passivas, as
para poder responder. Para além disso, o sujeito maiores diferenças encontram-se nas tarefas mais
tem de verificar o output enquanto está a controlar activas, nomeadamente naquelas em que têm de
todas essas operações. O que Bellevile et al. (1998) reter informação enquanto simultaneamente lhes
acrescentaram a esta tarefa foi o controlo das capa- está a chegar nova informação. Dito de outra forma,
cidades de armazenamento dos participantes antes o envelhecimento parece ser mais prejudicial em
de introduzirem a componente de manipulação da tarefas de memória de trabalho que fazem apelo a
tarefa. Ou seja o span verbal de todos foi avaliado, componentes de processamento do que naquelas
e foi com base nesse span que o comprimento das que fazem apelo à componente de armazenamento
sequências foi ajustado aos sujeitos. No caso do span (Dobbs & Rule, 1989).
alfabético, se o problema fosse efectivamente de Assim, como salientam Reuter Lorenz e Sylvester
manipulação, os idosos deviam ter a performance (2005) a literatura relativa à memória de trabalho
mais prejudicada, o que não se verificou. De facto, tem enfatizado esta distinção, parecendo que as
embora comprovassem que as tarefas que requerem tarefas de memória de trabalho que avaliam apenas
manipulação são mais complicadas do que as que aspectos relativos à manutenção do material não se
requerem apenas armazenamento, o que interpre- correlacionam com medidas de domínios cognitivos,
tam como sendo congruente com o papel que o ao contrário das que enfatizam o aspecto do proces-
executivo central desempenha, a verdade é que o samento e que aparecem altamente correlacionadas
desempenho dos sujeitos idosos nas tarefas que com medidas de outras funções cognitivas, como seja
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a compreensão de textos (Daneman & Carpenter, trabalho propriamente dita, mas como o resultado
1980). Estes autores defendem também, baseando- de haver uma manutenção de material irrelevante,
se em dados de neuroimagem, que não estamos devido a uma incapacidade de o inibir.
perante tipos diferentes de memória mas sim em Embora existindo diferentes teorias, pensa-se que
graus diferentes no que diz respeito às exigências os mecanismos inibitórios são críticos para três fun-
que são colocadas em termos das operações do ções, cada uma delas com relevância para controlar
executivo central. os conteúdos da memória de trabalho, permitindo
Uma perspectiva que, em nossa opinião, acres- o processamento eficiente da informação on-line
centa um aspecto fundamental para a compreensão e a subsequente recuperação da informação alvo.
da organização deste continuum de exigências, A primeira função é a de impedir que informação
tem assim sido levantada por diversos estudos de irrelevante aceda à memória de trabalho, a inibição
neuroimagem comparando jovens e idosos, que serve em segundo lugar para “apagar” informação
revelam que a posição de uma tarefa neste contínuo que acedeu à memória de trabalho mas apenas
de envolvimento executivo não é fixa, dependendo é marginalmente relevante, ou que foi relevante
dos recursos dos sujeitos. Significa isto que uma mas deixou de o ser. A terceira função é a de
taxonomia rígida das tarefas (quaisquer que sejam) inibir activações fortes até que a sua adequação
nestes continuum, baseada apenas em evidências seja avaliada (Yoon et al., 2000).
comportamentais, não tem sentido. A noção de uma função inibitória deficitária pode
ter importância para compreender o comportamento
3.3. Declínio da função inibitória dos idosos em muitas situações do dia-a-dia, e estar
na base de algumas características comportamentais
Um terceiro constructo importante na literatura do e estereótipos que temos dos idosos. Alguns traba-
envelhecimento cognitivo é o conceito de inibição. lhos parecem apoiar a hipótese de que declínios
Hasher e Zacks (1988) num importante trabalho associados à idade nos mecanismos inibitórios estão
em que apreciaram a relação entre processamento associados ao aumento de alguma inadequação do
de linguagem, informação e idade, criticaram a comportamento social (Von Hippel et al, 2005).
perspectiva simplista de redução nas capacidades Uma consequência evidente e directa da dimi-
de processamento. Estes autores salientaram, entre nuição dos mecanismos inibitórios é a de que os
outros aspectos que, por exemplo o reading span, indivíduos ficam mais susceptíveis a diferentes tipos
embora seja um preditor importante da compreensão de distracções quer externas, (por exemplo, ruído
de textos não está tão associado a diversos domínios à volta do que se está a passar numa conversa),
cognitivos como seria de esperar. quer internas (como por exemplo, pensamentos).
Assim, e procurando também integrar elementos Consequências mais indirectas podem advir do
do funcionamento do idoso em contexto real, estes facto de existir uma diminuição da eficácia da recu-
autores propuseram um enquadramento alternativo peração dos itens da memória de trabalho (o que
em que não se focam nas capacidades da memória nesta perspectiva não implica forçosamente que
de trabalho, mas sim nos seus conteúdos. Propuse- o mecanismo de memória de trabalho funcione
ram que, com a idade, temos mais dificuldade em pior, podendo resultar do facto de ter mais material
focar-nos na informação importante e em inibirmos com representações activas, sobretudo mais material
a que é irrelevante. Nesta perspectiva uma das razões irrelevante), pelo que os idosos confiam mais em
para a pior performance cognitiva dos idosos na esquemas e estereótipos para os seus processos
generalidade das tarefas, seria o facto de não se de decisão.
focarem na informação relevante dispersando os seus Em relação à memória de trabalho, a função de
recursos no processamento de informação irrelevante. “apagar” informação que já não é relevante, é um
Nesta perspectiva, o défice ao nível dos processos aspecto da função inibitória especialmente relevante
inibitórios, permite quer a entrada quer a manutenção para o desempenho em tarefas de span mnésico, em
na memória de trabalho de informação, que não é que os participantes tem que aprender, recordar, e
aquela a ser lembrada, prejudicando naturalmente eventualmente manipular itens em tentativas suces-
a recordação do material alvo. De acordo com esta sivas. Assim, a inibição da informação antecedente
perspectiva podemos interpretar o declínio dos é crucial para se conseguir recordar correctamente
desempenhos na memória de trabalho, não como cada lista. A competição entre diferentes respostas
uma diminuição da capacidade de memória de é uma possível fonte de interferência pró-activa.
Envelhecimento Cognitivo: principais mecanismos explicativos e suas limitações 27

Assim, a evidência de défices na memória de trabalho objectivos e soluções intermédias para a tarefa que
associados à idade, parece ser exacerbada por uma temos entre mãos. Finalmente temos o set shitfting
maior vulnerabilidade a interferência pró-activa (i.e. que se refere á capacidade de mudar rapidamente
itens prévios perturbam a recordação da lista actual). as regras e os critérios de decisão. Por exemplo,
A interferência parece ser um mecanismo impor- nesta taxonomia vemos a inibição especificamente
tante através do qual se podem justificar algumas discutida no âmbito dos processos executivos.
diferenças de desempenho associadas à idade. Para Apesar de as fronteiras do constructo não estarem
além de, como já referimos, os idosos estarem mais claramente definidas, a sua riqueza, o facto de
sujeitos a distracções no próprio processo de codi- existirem circuitos inibitórios e as consideráveis
ficação da informação (o que pode ser considerado evidências, quer experimentais quer no âmbito da
como uma falha na atenção selectiva), e de serem literatura das lesões, nomeadamente frontais, dizem-
mais susceptíveis à influência pró-activa, parecem ser nos que é um constructo fundamental a ter em
também mais sensíveis a uma forma de interferência consideração na investigação sobre envelhecimento.
em que, durante o intervalo de retenção, material
irrelevante pode ser inadvertidamente codificado e 3.4. Declínio da função sensorial
interferir com a recordação do material alvo (Hedden
e Park, 2001). Esta última é uma forma de inter- Um outro mecanismo que tem sido avançado
ferência conhecida como interferência retroactiva para explicar o envelhecimento cognitivo tem sido
(Tulving & Craik, 2000). o declínio da função sensorial. Lindenberger e Baltes
Não existem dúvidas que a questão da interferência (1994) obtiveram dados, de certa forma surpreen-
é muito importante na discussão da inibição. De dentes, relativamente às relações existentes entre
facto, embora na literatura sobre envelhecimento a idade, o funcionamento sensorial (i.e. acuidade
cognitivo, as perspectivas relativas à inibição possam visual e auditiva) e inteligência. Numa amostra estra-
ser substancialmente diferentes, consegue extrair-se tificada de velhos e muito velhos do Berlin Age
uma ideia comum, concretamente a de que existem Study demonstraram que, quando consideradas em
mudanças associadas à idade na função inibitória conjunto, a acuidade visual e auditiva explicavam
que aumentam a vulnerabilidade à interferência, 93,1% da variância associada à idade nas medi-
resultando numa diminuição da capacidade de das de inteligência utilizadas (incluía medidas de
memória. velocidade de processamento, raciocínio, memória,
Na literatura é possível encontrarmos a inibição conhecimento e fluência verbal).
discutida como mecanismo de envelhecimento Este resultado foi interpretado como significando
cognitivo per si (por ex. cf. Park, 2000) embora, que a função sensorial é um forte preditor das
muitas vezes o constructo seja discutido no âmbito diferenças individuais no funcionamento intelectual,
dos processos executivos. De facto, à semelhança uma medida em bruto da integridade cerebral, fun-
do que discutimos para os constructos anteriores, damental para o funcionamento cognitivo, e por isso
embora haja um acordo relativo à importância do um importante mediador de todas as capacidades
constructo da inibição, nem sempre estamos a falar cognitivas. Isto reforça a hipótese de uma causa
de constructos rigorosamente iguais. comum a todos os declínios que se encontram com
Existem diferentes taxonomias para as funções exe- o envelhecimento.
cutivas. Por exemplo, podemos considerar que quatro Num estudo posterior (Lindenberger e Baltes,
processos são fundamentais para o funcionamento 1997), de acordo com as suas previsões mostra-
da memória de trabalho (Reuter Lorenz e Sylvester, ram que uma grande proporção das diferenças
2005). Um deles é a atenção executiva, referindo-se individuais no funcionamento intelectual se ligava
aos processos mediados pelo “sistema atencional ao funcionamento sensorial. Nos resultados que
anterior” e que, basicamente, pretende referir-se obtiveram, o declive dos declínios não se alterava
aos processos através dos quais nos focamos na significativamente com variáveis sociais, sugerindo
informação relevante. Um segundo processo, é a que este tem a ver com aspectos biológicos. Esta
inibição, intimamente relacionada com a atenção descoberta reforça a ideia de que as medidas sen-
executiva e que se refere à supressão da informação soriais fornecem um índice de integridade neuronal
irrelevante e à resolução de interferências. Outro, é que, por sua vez, medeia as capacidades cognitivas.
a gestão de tarefas, que se refere à capacidade de Na literatura sobre envelhecimento cognitivo, um
manter um objectivo enquanto organizamos sub- grande corpo de trabalhos aponta para declínios
28 Ca de rno s de S a ú de  Vo l. 2  N . º 2

na função cognitiva com a idade, mas o funciona- trabalho não implicam que esta reflicta apenas o
mento sensorial e às suas relações com a actividade mesmo mecanismo geral, podendo reflectir apenas
intelectual complexa não estão ainda, em nossa que um conjunto comum de processos é posto em
opinião, suficientemente estudados. Assim, tendo marcha (Ribaupierre, 2002).
em consideração que, com a idade, ocorrem quer Outro aspecto a salientar é que estes mecanismos
declínios cognitivos quer declínios perceptivos, é no foram inicialmente concebidos numa tradição de
entanto importante ter presente que a hipótese do procura de um mecanismo geral de envelhecimento
declínio da função sensorial ser uma causa comum (a procura do mecanismo unitário que explica o
é apenas uma de várias possíveis para explicar esta declínio associado ao envelhecimento em diferentes
co-variação, e que é enfraquecida pelo facto de nem domínios cognitivos), o que tem feito com que a
todas as funções cognitivas declinarem do mesmo pesquisa necessária para ligar estes constructos
modo com a idade. i.e. velocidade de processamento, memória de
Para além disso, a hipótese de que o declínio trabalho, função sensorial, inibição continue a ser
na função sensorial possa ser o mecanismo que necessária. De facto, mesmo em trabalhos recentes,
medeia o declínio associado à idade em funções as teorias são testadas umas contra as outras. Esta
cognitivas mais elevadas, fica enfraquecida pelos tradição tem muito a ver com o facto de os efeitos
dados neurobiológicos que nos mostram que as do envelhecimento, (apesar do seu impacto poder
áreas primárias não são particularmente vulneráveis ser diferenciado), serem de certa forma pervasivos
à idade, pelo menos em termos de volumetria. em todos os domínios cognitivos, pelo que parece
intuitivo haver um mecanismo comum, embora tal
4. Conclusão interpretação esteja longe de ser linear.
Como salienta Park (2000), as teorias de envelhe-
Sintetizando, podemos encontrar na literatura sobre cimento cognitivo estão interessadas em explicar a
envelhecimento cognitivo diversas teorias. Alguns parte da variância que é ligada à idade (e apenas
aspectos devem, na nossa opinião ser salientados: essa) e é por isso importante saber se essa parte
um deles diz respeito ao facto de a definição dos da variância é mediada por um ou por estes quatro
constructos ser um motivador da pesquisa mas, mecanismos, tendo bem presente que as provas a
simultaneamente, um obstáculo à interpretação dos favor de um mecanismo para explicar a variância não
resultados obtidos. Por exemplo, mesmo para um são forçosamente provas contra o outro mecanismo,
constructo tão profícuo e trabalhado como a memória para além de que alguns constructos podem ser mais
de trabalho, continua a existir uma controvérsia importantes do que outros em diferentes tipos de
importante relativamente à questão da memória de tarefas ou processos (Park et al, 1996).
trabalho constituir ou não uma entidade estrutural Assim, é fundamental ter presente que os pres-
i.e. um sistema de memória com os seus processos supostos iniciais que fazemos acerca da estrutura
específicos, ou uma combinação de um conjunto da cognição têm importantes consequências para
de processos partilhados por outras funções psi- as conclusões que retiramos acerca da influência da
cológicas. Baddeley, mesmo nas formulações mais idade. Por exemplo, a própria selecção das medidas
recentes, considera-a um sistema com múltiplas para avaliar os constructos influencia, de forma
componentes, mas distinto da memória de longo determinante, a natureza das conclusões que se
prazo. Pelo contrário um número de modelos retiram (para discussão detalhada da relação entre
considera que a memória de trabalho designa um medidas, constructos, modelos e inferências acerca
sub-conjunto activado da memória a longo prazo. do envelhecimento ver Light, 2004).
Muitos investigadores encaram a memória de trabalho Para além disso, outra limitação importante destes
como um mecanismo geral que opera em diferentes constructos é a de terem sido gerados essencialmente
tarefas cognitivas, enquanto para outros a hipótese com base em evidências comportamentais. Em rigor,
de que a memória de trabalho é um mecanismo e até há relativamente pouco tempo, o que sabía-
geral não tem validação empírica, particularmente mos acerca do envelhecimento mental era através
em pessoas idosas. de medidas comportamentais. As descobertas da
A verdade é que, mesmo possuindo estes construc- neuroimagem podem forçar-nos a re-apreciar estas
tos, a interpretação do significado dos resultados de propostas. Derivadas principalmente de estudos
diferentes tarefas está longe de ser linear. Correlações cognitivos, as teorias que vimos oferecem pers-
substanciais entre diferentes tarefas de memória de pectivas concorrentes acerca dos mecanismos de
Envelhecimento Cognitivo: principais mecanismos explicativos e suas limitações 29

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