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6 Blockchain no sistema tributário

Especialistas tributários e em TI discutem o binômio blockchain x tributos.

novembro de 2017

A. ANGRISANO e R. KYRMSE

A
internet revolucionou o modo de trocar informações, e de forma análoga o blockchain está

revolucionando os modos de trocar valores. Os exemplos incluem desde rastreamento de

diamantes na cadeia cliente-fornecedor (certificando não se tratar de “diamantes de sangue”)

até marcar exames clínicos com um timestamp [carimbo de tempo] para criar prova de existência.

Na rede do blockchain, as transações recebem um timestamp – marca de tempo – e são inseridas em

uma cadeia (chain) de blocos (blocks) de transações. Cada bloco contém informações novas e mais um

hash (resumo de controle digital) do bloco anterior. A cadeia de blocos (blockchain) é criptografada em

uma rede de servidores distribuídos.

O conjunto das transações – informações específicas, hashes e regras de consenso – forma um sistema

contábil descentralizado auditável e protegido contra fraude. A criação de “livros-caixa” distribuídos e

imutáveis encontra aplicação em vários setores, sobretudo naqueles que dependem da acumulação e do

uso de dados para executar suas funções. As transações podem ser registradas de modo descentralizado,

criando uma trilha de rastreio e auditagem transparente e praticamente impossível de falsificar.

Uma das características das operações do mercado digital e globalizado é a disseminação e fragmentação

de informações, que representa um problema para as autoridades tributárias em sua tentativa de

monitorar cada transação pertinente. As administrações tributárias precisam enfrentar o crescente

descolamento entre a atividade geradora de valor e o sistema tributário vigente, já que as grandes

empresas operam cada vez mais sem limitações geográficas e em plataformas online, criando

sofisticadas estruturas multinível que tornam difícil identificar as origens das transações.

O blockchain surgiu numa época em que se analisa se o sistema tributário atual – criado nos dias em que

apenas bens físicos eram comercializados – ainda atende ao seu propósito na era digital. Trata-se de um

grande desafio repensar o sistema à luz da economia compartilhada, dos negócios digitais e de novos

modelos negociais. Onde é criado o valor das transações, e como ele deve ser tributado? Ainda faz

sentido arrecadar tributos como no passado?

É verdade que esta é uma pergunta para ser respondida pela política tributária, não pela tecnologia. O
blockchain é visto como possível facilitador, não como uma solução em si. Porém a tecnologia poderá

modificar o modo como os tributos são arrecadados.

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Em fevereiro de 2017, alguns dos especialistas em blockchain do Reino Unido foram convidados para

discutirem com especialistas tributários, dos setores público e privado, sobre o potencial dessa tecnologia

na transformação dos negócios. O debate ocorreu sob o patrocínio da PwC (antiga

PricewaterhouseCoopers). Para o grupo, os atributos do blockchain, como comprovação de origem,

rastreabilidade e transparência das transações, coincidem com as prioridades do moderno sistema

tributário; eles concluem afirmando que, a não ser que os profissionais da área tributária comecem a

explorar esse potencial, não haverá potencial. A recomendação do grupo, expressa em seu relatório, é:

“Gostaríamos de ver um grupo de trabalho apoiado pelo Governo e estabelecido para identificar

algumas áreas-chave para exploração inicial e, potencialmente, pilotos controlados. Não se trata

de resolver tudo ao mesmo tempo, e sim de dar pequenos passos que, pouco a pouco, possam

fazer a diferença.”

A seguir, apresentamos uma síntese do relatório da PwC (pwc.co.uk): How blockchain technology could

improve the tax system – fevereiro/2017, que pode ser acessado pelo endereço:

https://www.pwc.co.uk/issues/futuretax/how-blockchain-technology-could-improve-tax-system.html

How blockchain technology could improve the tax system

Apesar de o blockchain não ser a cura para todo o sistema tributário, ele poderia ser aplicado em

diversas áreas para reduzir a carga administrativa e arrecadar tributos a custo mais baixo, ajudando a

reduzir a lacuna [gap] fiscal.

Os principais atributos do blockchain que tornam atraente seu uso na administração tributária são:

Transparência – comprovação de origem, rastreabilidade e transparência das transações.

Controle – o acesso às redes é restrito a usuários identificados.

Segurança – o livro-razão digital não pode ser alterado nem falsificado após a entrada de dados; a

fraude é menos provável e mais fácil de identificar.

Informação em tempo real – quando os dados são atualizados, isso ocorre simultaneamente para

todos os componentes da rede.

As autoridades tributárias em todo o mundo demandam uma quantidade crescente de dados, fazendo

com que um foco da discussão fosse a maneira como o blockchain poderia ajudá-las em tal ordem de

grandeza. O grupo concordou em que um desafio contínuo consiste no acesso a todo o espectro de

informações, em todo o âmbito de negócios, que possa ser relevante no aspecto tributário. Diagnosticou
que as empresas costumam coletar e organizar enormes quantidades de dados para fins de gestão, mas

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raramente a função tributária está contemplada nesse processo. Por isso, decisões com implicações

tributárias podem, às vezes, ser tomadas tarde demais.

O blockchain pode ser um importante auxiliar nesse processo, já que permite a captura de informações

sob diversas perspectivas – transações confiáveis por serem validadas sem quebra de privacidade por

todos os usuários (inclusive por concorrentes). Um dos principais

benefícios da contabilidade distribuída é a

transparência. Entretanto, registros contábeis

criados pelo blockchain também podem ser

tornados “privados”, de forma que os

dados sejam transparentes

para um grupo, porém

confidenciais para os demais.

“O blockchain pode permitir que

capturemos informações sob muitas https://www.linkedin.com/pulse/blockchain-transform-supply-chain-bipin-reghunathan

perspectivas. O resultado é maior detalhe, mais

visibilidade, informações mais úteis e mais certeza.”

Alguns participantes observaram que, além de ajudar as organizações a coletarem e compartilharem

informações, o blockchain poderia auxiliar as autoridades tributárias no intercâmbio de informações entre

jurisdições, e ainda reduzir a dependência dos relatórios gerados pelos contribuintes, já que contém

informações oriundas de fontes externas independentes.

Os especialistas em tecnologia ressaltaram o uso do blockchain para tributos transacionais: IVA, retenção

na fonte, impostos de selo, tributação de prêmios de seguro. Sob o ponto de vista tecnológico, julgaram

possível e recomendável usar a tecnologia na atribuição de valor agregado aos diferentes componentes

de um mesmo negócio, como consequência de preços de transferência.

Destacaram que é bem verdade que o blockchain é à prova de adulteração, mas isso não impede que as

informações de entrada sejam falsas.

O blockchain, porém, torna mais fácil detectar fraudes e erros, uma vez que o sistema fornece à rede

informações claras e transparentes sobre as transações e seus componentes. Isto poderia ser útil no

rastreio do recolhimento de IVA, por exemplo.

Também pode resultar do uso do blockchain uma mudança comportamental, decorrente dos riscos e das

consequências da não-conformidade. Fica mais provável que o fraudador seja apanhado e excluído

permanentemente da rede. Assim a conformidade poderia ser facilitada pelo uso do blockchain,
proporcionando ao mesmo tempo maior visibilidade das micro-transações.

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O valor do blockchain para as autoridades tributárias e regulatórias decorrerá do fato de que proporciona

informações precisas e compartilhadas, e poderá permitir arrecadação mais célere de impostos sobre

transações. No entanto, não se deve cometer o erro de supor que o blockchain automaticamente

acrescentará valor ao mundo tributário. As autoridades precisam obter informações de todos os

contribuintes, e é prematuro supor que todos eles, principalmente os que não informatizaram seu

negócio, possam fornecer dados digitais.

“Do ponto de vista da autoridade tributária, nada é mais importante que a conformidade quando

se trata de blockchain.”

Por isso, na visão dos participantes, a aplicação do blockchain ao mundo tributário é impelida pelo que

essa tecnologia pode dar aos negócios e pelo que os negócios conseguem fazer com ela.

A tecnologia do blockchain ainda é incipiente, e seu verdadeiro potencial e sua aplicabilidade só serão

plenamente compreendidos em alguns anos. Ainda assim, alguns possíveis usos para discussões e

explorações já se evidenciam:

 Rastrear onde e quando foi recolhido o IVA, com potencial de reduzir a fraude;

 Ajudar as empresas a fornecerem um conjunto consistente de dados a autoridades tributárias

múltiplas;

 Dar às autoridades tributárias e a outros órgãos reguladores maior confiança nos dados que

recebem;

 Verificar, a partir dos registros no blockchain, as premissas envolvidas no cálculo do valor

agregado na cadeia de negócios globais em diferentes jurisdições;

 Proporcionar maior visibilidade a micro-transações, como as realizadas por indivíduos.

O acesso a dados da contabilização distribuída, públicos ou privados, permite sua análise para vários

usos, em especial para monitorar conformidade e detectar evasão fiscal.

Por fim, havia entre os participantes um certo ceticismo saudável sobre o blockchain. Para os

profissionais tributários participantes do grupo, não é realista construir todo um sistema tributário novo

sobre o blockchain; é necessário começar identificando os problemas humanos em busca de solução e

não partir do potencial da tecnologia para ajustar a realidade social.

O painel reconheceu que é preciso aprender e experimentar, uma vez que estamos na etapa inicial de

compreender o que o blockchain pode fazer pelos negócios. Nem tudo precisa dar certo da primeira vez.

“Há muita coisa que o blockchain pode fazer – o grande prêmio é um salto de produtividade.”

A revolução será muito lenta, concluiu a mesa-redonda, se não investirmos tempo e esforço em testar as

aplicações. Blockchain e tributos são muito compatíveis se assumirmos o risco de descobrir como.

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