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INCUBADORA DE EMPREENDIMENTOS POPULARES

INCUBES – UFPB – JOÃO PESSOA

CULTURA – uma visão dialética

É sempre uma dificuldade discutir o conceito de cultura, mesmo entre os


profissionais vinculados a esse campo de atividade. O que existe mesmo
é um cipoal de concepções que mais expressam um “ninho de casaca de
couro”, na acepção viva de Jackson do Pandeiro 1. Apesar desse
elemento complicador, tido por outros como elemento alimentador de
perspectivas culturais, mister se faz a apresentação de uma visão que
retoma o movimento como uma categoria teórica norteadora da
tentativa de um conceito de cultura.

Pode-se observar, ainda, que a multiplicidade conceitual de cultura


também traduz e revela, do ponto de vista político, a visão alicerçada
nas bases explicativas e dominantes da sociedade, em seus variados
modos de produção. Entre os gregos, pode-se destacar que cultura e
religião estiveram interligados, expressando explicações da natureza,
porém, cheias de atributos religiosos. Essa visão de cultura é idealizada
já em Homero, tornando a beleza o ideal educativo e dominante daquela
cultura, presente até os dias de hoje. Contudo, é Hesíodo, outro poeta
grego, que, sem negar o ideal homérico, apresenta uma outra
perspectiva de educação. Elege o trabalho como referência para a
educação grega do homem e da mulher. Entretanto, verifica-se entre os
sofistas2, pensadores gregos, a separação entre a religião e a cultura.
Apesar dessa separação, todavia, só tem significado de totalidade ao
assumir como cultura e como conteúdo da cultura, também, o mundo da
1
Casaca de Couro – pássaro que faz o seu ninho de espinhos. Esta expressão foi
utilizada pelo cantor e compositor paraibano, tido como um dos nomes da trilogia da
música nordestina, juntamente com Luiz Gonzaga e Luiz Vieira.
2
Pensadores gregos que desenvolveram, com destaques, a retórica, a eloqüência e a linguagem.
2

cultura espiritual: “o mundo em que nasce o homem individual, pelo


simples fato de pertencer ao seu povo ou a um círculo social
determinado” (Paidéia, 1995: 354). Tudo isto, entretanto, expressa
visões idealizadas sobre cultura de diferenciados setores dominantes da
sociedade, em suas épocas.

Mas, o que se pretende é a retomada da perspectiva conceitual de


cultura, embalada pela categoria teórica movimento e fruto inerente a
cada modo de produção. Isto é, a perspectiva do conceito de cultura nos
marcos da produção, expressa na visão de Álvaro Vieira Pinto 3. A
produção que se manifesta como expressivo parâmetro de
universalidade, considerando a sua presença em todos os tipos de
grupos sociais, presentes nos mais diferenciados rincões e em qualquer
tempo da história humana. E aí, como produto do processo produtivo,
cultura é criação do próprio homem. É resultante, portanto, das
diferenciadas formas de tentativas do humano no trato com a natureza
material, na medida em que está sempre em luta pela própria
sobrevivência. As capacidades intelectiva e manual humanas
possibilitaram um maior crescimento e intensidade desses fazeres para
a sobrevivência. Os produtos daí gerados constituem-se como produtos
culturais. Dessa capacidade, foram criados os instrumentos de
sobrevivência e todos os tipos de expressão espiritual e, posteriormente,
as religiões. Tudo isso foi sendo transmitido e conservado de geração
para geração.

O início da cultura não é datado, mas coincide com o processo de


hominização. “A criação da cultura e a criação do homem são na
verdade duas faces de um só e mesmo processo, que passa de
principalmente orgânico na primeira fase para principalmente social na
segunda, sem contudo, em qualquer momento, deixarem de estar
presentes os dois aspectos e de se condicionarem reciprocamente”
3
Filósofo brasileiro. Ver: Ciência e Existência – problemas filosóficos da pesquisa
científica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
3

(Pinto, 1979: 122). Como se vê, as dimensões culturais presentes nos


gregos estão mais ampliadas com esta perspectiva. Os produtos
culturais são aqueles gerados dos mecanismos nos mais variados
processos produtivos e aqueles, também culturais, gerados da dimensão
social presente nas relações humanas. Nesse sentido, torna-se ente
cultural o museu, o quadro de famoso e do não famoso pintor, as
esculturas de famosos e não famosos escultores... São expressões
culturais os óculos que se usam no cotidiano, a caneta, a ferramenta de
trabalho, o computador, uma peça teatral, um trator, um ‘software’, as
técnicas educativas de organização social, o processo de produção de
conhecimento e a tecnologia. Todos estes entes são frutos do processo
produtivo e resultantes da dimensão manual e da dimensão intelectiva
da espécie humana.

A cultura, na perspectiva apresentada, isto é, como produto do processo


produtivo, adquire a sua dupla natureza. Cultura, traduzida pelo bem
produzido, torna-se bem de consumo, enquanto resultado expresso em
coisas e artefatos e subjetivado em idéias gerais do mecanismo
produtivo. Cultura se converte, ainda, em bem de produção, subjugando
a realidade e submetendo-a às suas reflexões, gerando novos produtos e
novas técnicas de exploração do mundo, dando-lhes, pelas idéias,
significados e finalidades para as suas ações.

Dessa perspectiva conceitual de cultura, resultam dois fenômenos,


sendo mais explicitados no atual modo de produção – o capitalismo. O
primeiro diz respeito ao acervo cultural que é cheio de máquinas e entes
tecnologizados, além das tantas idéias geradoras dos processos
produtivos. Não se produz sem idéias. Os setores dominantes, por sua
vez, valorizam mais a segunda dimensão, considerando que já
controlam os aspectos materializados. Há, então, a exaltação às posses
das idéias e desvalorização do trabalho próprio da produção daqueles
entes materiais. O segundo resultado é o apoderamento dos bens
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materiais produzidos, frutos das idéias geradoras dos bens culturais.


Assim, é que o trabalhador ou o produtor cultural, além de ter perdido os
bens materiais produzidos por ele mesmo, também, está excluído dos
bens ideais geradores dos produtos culturais.

A partir dessa visão, pautada no marco da produção, torna-se possível


dessacralizar as marcas ideológicas de outras perspectivas de cultura,
quaisquer que sejam, imputando aos mais aquinhoados o ter cultura e
convencendo os “excluídos” de que têm cultura aqueles que estiveram
na escola, pura e simplesmente. Numa sociedade de pouco acesso aos
tantos meios de socialização do conhecimento, certas visões só
aprofundam a “apartação social”, alimentando os mecanismos de
exclusão e fortalecendo a dominação dessas elites.

Assim, cabe aos que produzem os entes culturais - bens materiais e


bens ideais - o resgate da posse de seu próprio processo de se tornarem
humanas(os), edificando os vetores das lutas por trabalho, igualdade,
liberdade e de sua felicidade mesma.

Referências

JAEGER, Werner. PAIDÉIA – a formação do homem grego. Tradução de


Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
PINTO, Álvaro Vieira. Ciência e existência – problemas filosóficos da
pesquisa científica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

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