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Bruno Azevedo e Flávio Duarte

Construção com Hiperadobe - Manual Terra Ensacada


Edição 2018

©Bruno Azevedo e Flávio Duarte

Os autores visam instrumentar e possibilitar aos leitores a construção de ambientes saudáveis e sustentáveis, além de gerar
autonomia e qualidade nas construções de Terra Ensacada - Hiperadobe.

1. Bioconstrução. 2.Construção Civil. 3.Hiperadobe. 4.Superadobe. 5.Terra Ensacada. 6.Sustentabilidade. 7.Meio Ambiente.
8.Salubridade.

Nenhuma parte dessa publicação poderá ser reproduzida, por qualquer meio, sem autorização prévia, por escrito, de seus
autores.
Esse material é um conjunto de informações técnicas compiladas desde
2003 a partir das primeiras experiências profissionais da Biohabitate
com a preservação ambiental e a manutenção da saúde e bem estar
dos trabalhadores e usuários dos espaços projetados e construídos.

A terra como material de construção é dos elementos que, desde nossas


primeiras ações, dispomos para aumentar o potencial de
sustentabilidade e salubridade dos nossos projetos e obras. Além de sua
tradição histórica e flexibilidade de uso, é um material abundante e
disponível na maioria dos locais habitáveis do planeta.

Começamos trabalhando com o adobe em 2004. Em seguida fizemos


obras de pau a pique, e tivemos algumas experiências com taipa de
pilão. Em 2010 executamos nossa primeira obra com superadobe (terra
ensacada), e desde então nos especializando nessa técnica devido seu
apelo estético e sua flexibilidade de formas no projeto e execução.

Publicamos esse material com intuito de apresentar nossas experiências construtivas com terra ensacada e informações
necessárias para execução de uma obra de qualidade. Mesmo com a simplicidade de execução, é importante dar
atenção para os procedimentos corretos em cada etapa das obras de terra ensacada (superadobe ou hiperadobe), e
também para detalhes construtivos específicos, sendo você um profissional da área ou um autoconstrutor. Assim se
garante uma obra segura, com qualidade esperada e durabilidade satisfatória.
Flávio Duarte
Bruno Azevedo

Arquivo Biohabitate
exceto foto Yemen e Teste de retração Fontes na fotografia

Fabiana Scalabrini
Karen Guedes
Fabrício Machado

www.biohabitate.com.br
Biohabitate
@biohabitate
1. Construção com TERRA - Conceituação e contextualização 9
2. Introdução à Bioconstrução e Sustentabilidade 13
3. Iden ficação e escolha de solos 16
Os ítens 3.1 Testes táteis e visuais 19
cortados estão 4 Técnicas Constru vas com Terra 25
presentes 5 Introdução à construção com Terra ensacada 31
apenas no 6 Correção do solo 33
6.1 Solo para construções de terra ensacada 33
6.2 Masseira 34
7 Terra ensacada - Superadobe e Hiperadobe 38
contato@biohabitate.com.br 7.1 Sacaria 38
para mais informações 7.2 Cavalete 41
7.3 Soquete ou Pilão 42
8 Detalhes Constru vos 44
8.1 Fundação 44
8.2 Parede 47
8.3 Vãos e aberturas 54
8.4 Prumo 58
8.5 Chumbadores 59
8.6 Piso 60
9 Reves mentos 63
9.1 Massa de Recomposição - Emboço - Reboco 63
9.2 Assentamento de cerâmica e azulejo 70
10 Tinta 73
11 Manifestações patológicas e erros comuns 77
12 Projetos 83
12.1 Projeto Arquitetônico 83
12.2 Projetos Complementares 94
12.3 Cúpulas 100
Referências 102
9

Conceituação e contextualização

A Construção com Terra é a denominação que damos ao conjunto de técnicas construtivas que conceitualmente
utilizam o solo sem queima como principal material .

A terra é denominada em termos técnicos de solo, que é entendido como o produto da decomposição de rochas,
elementos minerais e/ou orgânicos.

Também é de comum denominar construções onde a utilização da maioria dos elementos construtivos são de Terra ,
como Arquitetura de Terra.
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Em todos os continentes, e ao longo de toda história da humanidade, o solo tem se mostrado, por diversas razões
custo, abundância, trabalhabilidade - o material de construção que mais esteve ao alcance do homem em seus estágios
de evolução, inclusive nos dias atuais. De acordo com Mink (2001), cerca de 1/3 da população mundial vive em
construções com terra e menciona a existência de habitações com terra Tuquestán (Turquia), datadas a mais de 8000
anos AC.
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Registros das mais variadas modalidades de obras (edificações, estradas, barragens, contenções etc), que chegam a
datas de mais de 9.000 anos, são encontrados em sítios arqueológicos e patrimônios históricos de civilizações
anteriores, tais como a chinesa, a egípcia, a romana e até a civilizações americanas pré-colombianas, entre outras.

Dentre obras de destaque histórico podemos citar a grande muralha da China que foi construída há 4000 anos, na qual
parte da obra foi feita com terra e posteriormente revestida com pedras naturais e ladrilhos, dando uma aparência de
muralha de pedra.

É importante ressaltar que, ainda hoje, devido à abundância, o solo é dos recursos naturais mais representativos para
suprir uma importante necessidade básica do homem – a moradia. As zonas com potencial de construção com terra
abrangem 1/3 da área dos continentes. Ver mapa página 10 - fonte CRATerre

No entanto, o bom desempenho recomendado para edificações construídas com terra é essencialmente governado
pelo tipo de tratamento tecnológico direcionado à potencialização de certas propriedades que tornem o solo um
material tecnicamente competitivo com o concreto e o aço, tais como trabalhabilidade, resistência física à esforços de
compressão, disponibilidade e abundância, custo acessível e estética.

Por outro lado também, considerando a importância do aspecto relacionado com a satisfação humana de habitar, o
estigma e preconceito associados à arquitetura de terra devem ser extirpados, a partir de uma arquitetura que busque
não apenas o resgate de processos utilizados por nossos antepassados, mas sobretudo a uma melhoria
e adequação tecnológica à nossa realidade.
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Conceitos básicos
Conforme a Associação Brasileira de Cerâmica - ABC (2005) a indústria de cerâmica vermelha conta com
aproximadamente 7.000 empresas, em sua maioria micro ou de pequeno porte com estrutura simples e familiar.

No Estado de Santa Catarina, segundo o Relatório Parcial I/IV do Centro de Tecnologia, Engenharia Sanitária-
Ambiental da UFSC (2002), o setor de cerâmica consome aproximadamente 1.400.000 m³/ano de lenha, o que
equivale a 8.000 ha de Eucaliptos. Deste total, 78% da lenha é oriunda de mata nativa e apenas 22% de mata
implantada. Fonte Theodozio Stachera Jr (2005); Eloy Fassi Casagrande Jr (2005)

Para o cálculo das emissões para executar as paredes de alvenaria com tijolos cerâmicos, utilizou-se os valores de
referência de Cybis e Santos (2000) e Cruz et al (2003), IDD - INSTITUT WALLON - VITO (2003)
14
Bioconstrução é o resultado de uma maneira de conceber e construir uma obra, considerando este espaço
construído um ser vivo.

As edificações são considerada seres vivos e não segmentadas em partes, um ser integral onde tudo é
relevante, sua cadeia produtiva, consumo de matéria prima, geração de dejetos e bem estar dos ocupantes,
um conjunto de elementos sistêmicos onde tudo é integrado e interage.

A Bioconstrução trabalha para que o projeto de ocupação humana de uma área, ambiente ou edificação
possa nascer das condições e personalidades do local da obra e das pessoas que se inter-relacionam com os
ambientes projetados.

A concepção de uma bioconstrução parte de uma visão ampliada, que a partir do olhar sistêmico para o
movimento energético, de recursos naturais e de necessidades, gerando diretrizes de projeto e ações para
que a integração morador, construção e ecossistema se mantenha viva e em conjunto.Tudo pensado e
sentido para a preservação das condições naturais ambientais, da saúde e do bem estar, aliando às
características e necessidades locais, pessoais, culturais e globais.

A bioconstrução começa com leitura sensível e técnica das condições naturais vigentes que, por sua vez
explicitam as peculiaridades e potenciais de ocupação do local e região. O local já dá os principais indícios e
diretrizes de como a construção e a ocupação possam acontecer.

Após mapear as potencialidades, inicia se a interpelação das informações do terreno com as necessidades,
culturas e expectativas dos futuros ocupantes dos ambientes.
16

A constituição química e mineralógica dos solos está diretamente relacionada com seu processo de origem e formação
que são determinados basicamente pelos fatores naturais de intemperismo, principalmente climáticos.

Para identificação, classificação, escolha do solo correto, escolha da técnica e estabilização adequada é importante
conhecer a composição física, mineralógia e características de trabalhabilidade do solo.

Um estudo adequado de utilização de solos para construção de edificações de terra sugere que sejam investigados
alguns aspectos fundamentais para alcançar o desempenho desejado:

- TIPO DE SOLO A SER USADO;


- TÉCNICAS CONSTRUTIVAS A SEREM ADOTADAS;
- CORREÇÃO GRANULOMÉTRICA E ESTABILIZAÇÃO DO SOLO ESCOLHIDO;
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Um dos pré-requisitos importantes para utilizar a terra como material de construção é escolher a terra sem nenhuma
matéria orgânica, (raízes, galhos, folhas, cipós e materiais em decomposição) portanto a conhecida terra vegetal, rica
em material orgânica e com leve cheiro de mofo ou terra molhada não deve ser usada.

De modo geral podemos evitar a terra com matéria orgânica, que normalmente está na superfície, extraindo-a de uma
profundidade suficiente. Pode-se atestar a incidência de matéria orgânica pelo cheiro característico.
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Para seleção dos solos usados em construções de terra crua devemos analisar as propriedades físicas e mecânicas dos
solos através de análises de granulometria, retração e grau de compactação.

De acordo com a granulometria temos 4 partículas que constituem o solo: pedregulhos, areias, silte e argila, em ordem
decrescente de tamanho.
Conforme NBR 6502 (ABNT, 1995).

Pedregulho – Resistente a compressão, não altera sua forma e resistência em contato com a água e em diferentes
temperaturas. Não plástico, não moldável e não retrai com perda de umidade.

Areia – Resistente a compressão, não altera sua forma e resistência em contato com a água e em diferentes
temperaturas. Pouco plástica, não moldável e pouca retração com perda de umidade.

Silte – Pouco resistente a compressão, altera sua forma e resistência em contato com a água na perda dela, e em
diferentes temperaturas. Pouco plástica e não moldável. Pouca coesão entre as partículas e muita retração com perda
de umidade.

Argila – Pouco resistente a compressão, altera sua forma e resistência em contato com a água na perda
dela, e em diferentes temperaturas. Plástica e moldável. Boa coesão entre as partículas e muita retração
com perda de umidade.
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3.1 Testes táteis e Visuais


Para identificarmos o solo ideal para a construção, devemos começar a análise com testes feitos no local onde teremos
solo disponível. Podemos fazer isso com testes em laboratórios, usando peneiras granulométricas e outros
equipamentos ou fazendo testes táteis e visuais no local. Os resultados dos testes táteis e visuais se relacionam com o
desempenho de acordo com a experiência e conhecimento da pessoa que está realizando os testes. Sugerimos fazer o
maior número de testes possíveis.

Teste do cheiro: pegar um punhado de solo um pouco


úmido nas mãos e cheirar.

– Solo que serve para construção → não tem cheiro,


pois não possuem mátria orgânica.

– Solo que não servem para construção → tem cheiro,


pois possuem matéria orgânica.
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Encher um vidro cilíndrico de base chata com 1/3 de solo.


Completar os outros 2/3 com água. Sacudir energeticamente o vidro tampado por pelo menos 2 minutos.

Depois deixar o vidro descansar por mínimo de 12h. Depois ver proporcionalmente a medida de cada componente em
relação a medida total de solo inicial no teste (1/3 do vidro).

– Solo argiloso → fica em suspensão na água e decanta por último por ser a mais leve e menor das partículas.
Mais de 50% de argila.
– Solo siltoso → deposita-se no fundo do pote depois da areia, pois ele é mais leve que a areia, mais pesado
e maior que a argila. Mais de 50% de silte.
– Solo arenoso → áspero, não suja as mãos depois de batê-las, todo solo sai da mão. Mais de 50% de areia.
*** A margem de erro desse teste é bem alta, devido à dificuldade de se separar os grãos finos - Argilas e Silte

ÁGUA

ARGILA
SILTE

AREIA
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Morder pequena porção do solo.

– Solo arenoso → áspero, sente-se e ouve-se ranger nos


dentes
– Solo siltoso → dissolve na saliva, não range e não
gruda nos dentes, sensação de «enveludamento» da
língua
- Solo Argiloso → Dissolve na língua e cola nos dentes

:
Molhar pequena porção de solo e esfregar até tingir a
palma da mão, depois de seco bater uma mão na outra
(palmas).

– Solo argiloso → macio, suja e mancha as mãos e


depois de bater elas continuam tingidas
– Solo siltoso → macio, suja as mãos, e depois de bater
as mãos sai como uma poeira semelhante a talco,
não mancha a palma da mão.
– Solo arenoso → áspero, não suja as mãos depois de
bater as mãos, todo solo sai da mão.
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Fazer uma pequena bola e cortar a terra com uma lâmina
– Solos argilosos e siltosos - superfícies polidas ou lisas
– Solos arenosos - superfícies ásperas

Fazer bolas de solo com aproximadamente 5cm de diâmetro, deixa-las cair ainda úmidas, sem impulso, de uma altura
de 1m.

– Solos argilosos → achatam, quase não apresentam fissuras, ou apenas algumas pequenas nas laterais
– Solos siltosos → não formam as bolas
– Solos arenosos → espatifam e suas partículas se desprendem, ou seja, a bola desmancha.
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Preencher uma caixa (sem tampa) de


5x5x45cm com uma amostra de solo pouco
úmido (moldável).

Deixar secar por pelo menos uma semana.


Quando secos analisar.

– Solos siltosos e arenosos → trinca(s) grandes e


falta de coesão quando secos;
– Solos argilosos → retração considerável,
maior que 1cm.
Foto Obede Faria
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A terra ensacada compactada é cada vez mais usada como técnica construtiva para execução de projetos e obras
contemporâneas de terra. Essa técnica vem ganhando adeptos devido a sua praticidade, resistência estrutural,
execução sem necessidade de pré-montagem de formas, além de cada fiada já ser executada, uma sobre a outra, no
local onde permanecerá para compor a parede. Desde 1978 já se tem registro do uso da técnica de terra ensacada.
Minke (2001) realizou experimentos com sacos feitos de tecido de algodão com vários formatos e de maneiras
diferentes de dispor as terras nos sacos. Em seus experimentos, usou a técnica na maioria das vezes como vedação e sem
a estabilização por compactação, sendo somente o peso próprio das fiadas superiores o responsável pelo adensamento
do solo dentro dos sacos. Na década de 80, tem-se notícia do desenvolvimento da terra ensacada compactada. Khalili
(1999), depois de patentear a técnica, começou a difundi-la pelo mundo, sendo mais conhecida quando ganhou o
concurso da NASA para construção de possíveis estações lunares com o uso de sacos e solo lunar, sem necessidade de
levar para lua materiais sofisticados e/ou pesados e volumosos. Khalili (1999) nomeou esta técnica de earth-bags,
porém ela foi difundida pelo mundo também com o nome de superadobe. Essa última denominação não é a mais
adequada e o termo gera polêmica, apesar de ser o mais usual. No Brasil, a partir de 2010 houve o uso da terra
ensacada compactada com saco composto por uma malha plástica diferente daquela usada originalmente. A proposta
original para a técnica é o uso de sacos contínuos de ráfia e foi feita uma adaptação, substituindo a ráfia por sacos
contínuos, também de polietileno, porém com malha raschel (mesma malha usada para sacos de laranja e sombrites
usados em hortas e plantações). O uso de saco com malha raschel apresenta algumas vantagens e características
peculiares que ajudam na aderência entre as fiadas, aproximando mais as estruturas de terra ensacada das estruturas
monolíticas, do que das alvenarias, onde se tem o empilhamento de componentes que conformam as fiadas. Com o
uso da malha raschel, além de não ser necessário a retirada dos sacos para aplicar o reboco, também se facilita a sua
ancoragem na superfície da parede pelos orifícios da malha.
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A técnica de terra ensacada, quando criada, foi indicada para construção de paredes estruturais, desde que executada
de maneira adequada, considerando principalmente a sua esbeltez, a umidade ótima da massa de preenchimento dos
sacos e o grau de compactação adequado à terra utilizada. Apesar de ainda não ter uma norma especifica para
determinar a resistência à compressão da terra ensacada, pode-se adotar, como referencia, os valores sugeridos para a
taipa de pilão na norma africana (SADCSTAN, 2014), e para painéis monolíticos de solo cimento compactados (ABCP,
1998), cujas técnicas construtivas apresentam similaridades com a da terra ensacada.
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6.1 Para Construções de Terra Ensacada

As correções são necessárias quando as características naturais do solo não atendem às necessidades da técnica
escolhida. Isso acontece quando não atingimos os níveis de resistência aos esforços solicitados em conformidade às
características específicas de cada projeto e obra.

As principais metodologias de estabilização de solos para construção.

1 - GRANULOMÉTRICA (MISTURA DE SOLOS) - Misturas solos distintos, com partículas de tamanhos diferentes.

2 - POR CIMENTAÇÃO (CIMENTO, CAL E CINZAS, Etc) - Solidificar os grãos do solo.

3 - POR COESÃO OU ARMAÇÃO (FIBRAS) - Agregar materiais que conferem coesão a partir do atrito com as argilas

4 - POR IMPERMEBILIZAÇÃO (BETUME, ÓLEOS DE COCO E LINHAÇA, LATÉX, Etc) - Impregnar o solo com
elemento impermeável para envolver as argilas, tornando o solo mais resistente à água e estável

5 - POR TRATAMENTO QUÍMICO (CAL, SODA CÁUSTICA, URINA E ESTERCO DE VACA, Etc) - Agregar substância
química com o objetivo de formar compostos estáveis junto às argilas.
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6.2 Masseiro
O masseiro é a parte essencial de toda obra de terra. Consiste na preparação da terra para se tornar material de
construção.

A terra é o elemento essencial que tem que estar disponível no canteiro de obras
Essa terra pode vir da própria movimentação de terra da obra ou de outras obras próximas.
Essa terra deve ser armazenada próxima de onde ela vai ser trabalhada ou estabilizada. Deve ser guardada de forma
que ela mantenha sua umidade baixa, para que possa ser trabalhada.

Muitas vezes essa terra terá que ser peneirada, o ideal é fazer uma peneira de tela, que consiga remover os pedregulhos
e também segregar os torrões, deixando a terra bem arejada e fofa. A peneira pode ser dispensada caso a terra não
tenha muitos pedregulhos e também muitos galhos, fragmentos ou impurezas.
A terra para Terra Ensacada deve ter entre 50% a 70% de areia na sua composição granulométrica. O restante dos
elementos Silte e Argila devem ser suficientes para agregar as areias após a compactação.

Quando a terra não apresenta o percentual adequado de areia, argila e silte, ela deve passar por uma correção
granulométrica e ser traçada com uma nova mistura. Para se adicionar areia ou cimento, pode-se usar uma betoneira e
adicionar a água aos poucos. Caso, a terra não esteja muito úmida, quando a terra já está úmida, a betoneira não é
muito indicada, pois a massa não se mistura de forma uniforme e empelota.
Vale ressaltar que não devem ser usadas terra e areia do mar pois é uma terra salobra e deteriora com o tempo
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Para se encontrar o ponto certo de coesão e umidade, fazemos o teste do “capitão”, onde ao se apertar uma
quantidade de massa na mão. Ela deve marcar a forma dos dedos com certa coesão, deve ser possível dividir esse bolo
formado em dois, sem que ele se desfaça e ao se soltar no chão de uma altura de 1m, ele deve se espatifar totalmente.
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7.1 Sacaria
Sacaria de Terra Ensacada – Hiperadobe
Para as Técnicas de Terra Ensacada, Superadobe e Hiperadobe fazem-se necessários ferramentais e características no
canteiro de obras específicas. A sacaria é a primeira delas, costuma ter diâmetro de 35cm,o que reflete em paredes de
33cm de largura e 12cm de altura em média, medidas que possibilitam cálculos preliminares de quantidade de sacaria
necessária para a realização da obra.

Outras medidas encontradas no mercado são sacarias com 40cm de largura e também especiais de 50cm de largura. As
bobinas inteiras vêm com 500m e 1000m de comprimento normalmente.
Existem diferenças entre as malhas nas técnicas chamadas de Superadobe, que utiliza a malha de ráfia, normalmente
uma sacaria branca e de trama fechada e de Hiperadobe, que utiliza a malha Raschel que é feita de PEAD (Polietileno de
Alta Densidade) e tem uma trama com aberturas de 3mm a 5mm.

Usamos, na maioria das obras da Biohabitate, a malha do tipo Raschel, pois apresenta melhor trabalhabilidade.
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O saco de ráfia, Superadobe, se degrada com o tempo e é difícil de armazenagem, exige a queima após a execução das
paredes para a aplicação do reboco. Também na execução das paredes ele desliza muito se fazendo necessária a
colocação de arame farpado entre as suas fiadas. Esse arame tem a função de reter o deslizamento das fiadas durante
sua execução, após a execução, as paredes trabalham a compressão simples e se estruturando por gravidade.
A malha Raschel, por ser mais aberta, permite a aplicação do reboco diretamente sobre as paredes, sem necessidade de
remoção da malha. Também, por ser mais aberta, permite maior contato entre as fiadas, aumentando o atrito e
tornando a execução das fiadas mais fácil e sem a necessidade da colocação dos arames, na maioria dos casos. Os
arames farpados são usados com essa malha nos casos de execução de cúpulas.
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As denominações das técnicas Superadobe e Hiperadobe se diferem em relação à sacaria. Seus nomes remetem ao
tradicional Adobe, porém, na verdade não tem uma relação muito direta entre as técnicas. O Adobe é feito com a terra
em estado plástico, enformada em formas de madeira ou metal e seco, normalmente ao sol. As técnicas de terra
ensacada são feitas com a terra úmida, enformada nas sacarias diretamente nas paredes e compactada com pilões. Nos
meios acadêmicos é mais comum utilizarmos os termos Terra Ensacada Ou Terra Ensacada Compactada para se referir a
essas técnicas e Superadobe e Hiperadobe nos meios dos bioconstrutores e permacultores.
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7.2 Cavalete
Instrumente de sustentação e manejo da sacaria, onde será introduzida a terra para a execução das fiadas.
O cavalete confere ergonomia a quem executa as fiadas de terra ensacada, além de garantir a maior padronização e
homogeneidade no processo de enchimento das mesmas.
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7.3 Soquete ou Pilão

O pilão é uma ferramenta essencial para a compactação das


fiadas da parede de terra ensacada. É feito de madeira,
deve ser ergonômico com um cabo mais leve e a base pesar
entre 5 a 12kg. Há também a possibilidade de utilizar um
pilão feito de ferro, composto por chapas metálicas
espessas, de aproximadamente 1cm, soldadas a um cabo
também de ferro garantindo o peso ideal.
Não precisa ser uma compactação excessivamente forte, o
próprio peso do pilão, quando liberado a uma certa altura
da fiada, compactará a terra. Esse movimento deve ser
repetido no mesmo lugar entre 4 e 6 vezes. A primeira
compactação deve ser devagar para assentar o local
seguindo com um pouco de força. Deve-se prestar atenção
no som emitido ao pilar a terra e quando esse som ficar
mais duro é um sinal de que a área já foi compactada.
O pilão deve ter 1 ou 2 cm a mais do que a largura das
fiadas.
O pilão roliço, composto por um cabo preso a um cilindro
de madeira deitado, é usado para compactar as partes de
vergas, espirais feitas de terra ensacada e partes curvas da
parede, não permitindo que rasgue a sacaria ao compactar.
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8.1 Fundação
O ideal para etapa de fundação é que seja contratado um profissional capacitado para a realização do cálculo da
mesma, além de sondagens que irão analisar a situação do subsolo, quanto a movimentos de terra, humidade,
formações rochosas, etc. Através disso, é possível se chegar em um projeto de fundação especifico para a obra em
questão.

Porém, em situações em que a contratação do cálculo não seja possível, o aconselhado é efetuar uma pesquisa dos tipos
de fundações utilizadas com sucesso no entorno, se são frequentes fundações profundas, como estacas, tubulões, etc.,
ou se ainda a maioria se trata de fundações superficiais, como baldrames e radies. Nessa ideia, é possível apropriar-se
dessas referências para a execução de forma empírica.

Fundação em terra ensacada


Como foi visto, a fundação para construções em terra ensacada, assim como em construções convencionais, é essencial
para a garantia de segurança da edificação, podendo ser executada também utilizando da técnica de terra ensacada a
depender do tipo de fundação exigida.
Em casos que sejam necessárias apenas fundações rasas como um baldrame corrido, é cavada uma vala conforme
cálculo de fundação e compactadas as fiadas em sacaria preenchidas com uma massa de traço forte de solo cimento ou
até mesmo concreto.

Se o solo do local onde estiver sendo executada a fundação se apresentar firme e coeso durante a cavação das valas,
sendo possível que suas paredes permaneçam firmes e não se esfarelem, conformando assim uma forma,
pode-se optar em compactar o traço da terra e cimento diretamente na vala sem a sacaria, em camadas
de 10 a 12 cm.
Para o traço de solo cimento que será utilizado, normalmente se usa uma proporção que varia a partir de 6 de solo
arenoso para 1 de cimento. Onde é fundamental que se garanta a proporção ideal do agregado areia neste traço, já que
o cimento se trata de um estabilizante que reage diretamente com areia.
45

Fundação Concreto ciclópico


e muro de cantaria acima do solo

Fundação de Solo-cimento Fundação Concreto Armado


compactado na própria vala e muro de cantaria acima do solo
46

Preparação do masseiro Fundação Concreto armado

Base da parede de Solo-cimento


compactado na sacaria
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8.2 Parede
- Consiste em cada linha horizontal, compactada individualmente, da parede de terra ensacada com altura
aproximada de 12cm.

- Nos encontros entre paredes se cruzando, é executada a chamada a amarração das fiadas.
A amarração entre paredes de terra ensaca é executada de forma que, em um exemplo do cruzamento entre duas
paredes, a medida que a primeira fiada da Parede 1 continue ou ultrapasse o “nó”, no mesmo nível a primeira
fiada da Parede 2 é interrompida neste encontro, intercalando a partir da segunda fiada, até o topo das paredes,
os encontros e avanços.
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Para execução das paredes de terra ensacada, a compactação deve ser executada assim que cada fiada for preenchida
com a massa de terra. Antes da compactação é imprescindível conferir o prumo da parede e o alinhamento da fiada em
relação à base das paredes e às fiadas de baixo, executadas anteriormente.

Para compactação usa-se um compactador (pilão) manual ou mecânico. O ideal é que este compactador tenha peso
entre 5kg a 12kg, assim só seu peso próprio já trabalha bem o adensamento das fiadas por compactação. Soquetes mais
pesados podem ser usados, porém não são indicados quando o peso interferir na ergonomia do serviço. Soquetes mais
leves que 5kg não são indicados, pois o esforço e numero de batidas na compactação devem ser maior e podem
prejudicar, tanto a ergonomia quanto a eficácia da compactação.

Para saber se as fiadas estão bem compactadas, o ideal é prestar atenção no adensamento superficial. Quando bem
adensadas andamos em cima das fiadas e as pisadas não ficam marcadas e não afundam as fiadas.

Além disso, o principal indício, de que a fiada esta bem compactada, é o som da compactação. Quando mais a fiada fica
adensada o som do soquete batendo tende a ficar mais seco e estralado, pois quanto mais compactada menos espaços
vazios dentro das fiadas e assim o som não perde energia dentro da fiada e é refletido para fora.

Normalmente compactamos uma vez a fiada toda com pouca força, ou somente com o peso do soquete para apenas
acomodar a massa dentro dos sacos, e para esse não rasgar com a compactação devido a irregularidades na superfície
superior da fiada. Depois dessa acomodação com batidas fracas, pode-se pilar com mais força ou soquetes mais
pesados, uma media de 3 compactações por área superficial costuma já ser suficiente, porem o ideal é atentar para o
som e para o adensamento superficial das fiadas para garantir que estão realmente bem compactadas.

Outro detalhe importante é usar soquetes com base cilíndrica para compactação nas ondulações na superfície superior
das fiadas, quando, por exemplo, passamos uma fiada por cima da forma de janelas ou portas conformando um arco.
Dessa maneira, pode se compactar essas curvas sem que o soquete retangular ou quadrado rasgue a sacaria.
51

As paredes de terra ensacada quando executas geram saliências laterais deixando a superfície das paredes com
ondulações que marcam cada fiada.

Quando as fiadas são bem executadas, com masseira sem empelotamento, componentes adequados e compactação
superior bem feita, pode-se escolher se a compactação lateral será feita ou não. Podendo assim, deixar as paredes sem
essa compactação e tomar partido estético das ondulações características nas laterais das paredes de terra ensacada.

Porem, quando não temos boa compacidade, com espaços vazios, pelotas na massa e fragmentos soltos na superfície
lateral, deve-se fazer a compactação lateral, para coesão das partículas soltas junto ao volume da parede. Isso garante
que o reboco e revestimentos tenham boa aderência na superfície da parede, e não fiquem aderidos em partículas
soltas, podendo descolar da parede ou trincar.
Para compactação lateral pode ser usado soquetes de madeira, com formato de raquetes, ou usar martelos com de
borracha.
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Quando necessária a interrupção da fiada, a “boca” da sacaria deverá ser torcida ou dobrada para a parte inferior
de maneira mais justa e firme possível para ser compactada em seguida.

Emenda da fiada (sacaria):


Caso a opção seja garantir uma fiada monolítica sem interrupções, é feita a emenda da sacaria de modo que se
coloque a “boca” de um pedaço dentro do outro, continuando a preencher com o solo.

Finalização da fiada:
Para a finalização de uma fiada torça ou dobre a sobra da sacaria da extremidade para a parte inferior, puxando-a
para o sentido que a fiada vem sendo construída.
Lembrando que a preocupação maior neste momento, é que esta extremidade fique firme e nunca fofa, para que
seja compactada sem a presença de nenhuma patologia posterior.
53

Nos casos de interrupções no meio de fiadas em diferentes níveis de uma mesma parede, por variados motivos como,
fim do expediente de trabalho, fim da sacaria, rasgo, etc., deverá ser considerada uma distância horizontal de
segurança de 1 metro entre a interrupção de uma fiada e as demais das dos níveis superiores. A distância mínima de
segurança recomendada é de 40 cm para que não se crie uma fenda contínua na parede prejudicando a transmissão de
cargas de sua estrutura podendo vir a ruir.
102

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas (1995). NBR 6502 – Rochas e solos.
Terminologia. Rio de Janeiro: ABNT. 18 p

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DETHIER, Jean. “Le Génie de la Terre” in “Des Architectures de Terre”. Centre Georges
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PRÁTICAS DE CAMPO -Célia M. Martins Neves1
Obede Borges Faria2
Rodolfo Rotondaro 3
Patrício Cevallos Salas4
Márcio Hoffmann

Técnicas de construção com terra / Célia Neves e Obede Borges Faria, organizadores. -– Bauru : FEB-UNESP /
PROTERRA, 2011.

UNESCO, UIA, ICCROM, Projeto GAIA, Guetty Foundation CRATerre – Architecture du developpement durable

1. Arquitetura e Construção com terra. 2. Técnicas


construtivas. I. Neves, Célia. II. Faria, Obede
Borges. III. Título.

Sites
www.craterre.archi.fr
www.unesco.org.fr
www.iccrom.org
www.redproterra.org

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