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iO putafeminismo pode ser descrito basicamente, como um movimento que hasce a partir da ideia de que nés, mulheres trabalhadoras sexusis, podemos também cet ferinistas, combatendo o estigma sobre nése fortalecendo nossa luta por direitos, sem que para isso precisemos abrir mao de nosso trabalho ou nos envergonhar dele Maso putafeminismo pode também ser visto como uma possibilidade de repensar toda a estrutura da prostituigéo, identificando e combatendo as opressdes que existem nels, O prostibulo - e vamos considerar aqui 110 0 espaco fisico em particular, mas 0 tniverso da prostituiggo como um todo, ‘0. que nos permitirs também pensar sobre as diferentes faces do trabalho sexual ~ € uma espécie de ultima fronteira. Um lugar que ainda é seguro para.o machismo, ‘onde 2 misoginia faz ninho. Essa porta de ferro precisa ser derrubada e uma bérbara insurreigao de putafeministas decididas jé se faz sentir. Elas impdem seus limites e ‘egras e afirmam: ‘sobre nossos corpos no PassarBol Uma imagem que, no fim das conta, nBo significa mais do que mulheres ®xigindo respeito, Mas que, na prética, pode + afinal, a Gltima coisa que se ‘Pera de uma prosttuta é que ela posse) ‘impor seus limites @ » ‘assegurar seus direitos” PUTAFEMINISTA MONIQUE Be PRADA PREPARAGAO ‘eT MARTINHO: wm : 2 a area KOULNERMEMATZAE ae GRAFICO E CAPA GUSTAVO PIQUEIRA | |CASA mono Dados Internacionais de Catalogagio na Publicac&o - CIP ee eee P806 Prada, Monique os : Putafeminista /Monique Prada. Preficio de Amara Moira. Apresentacio de Adriana Piscitelli.~ Sao Paulo: Veneta, 2018, (Colegio Baderna) 108p. ISBN 978-85-9571-034-4 1 Prostituipio. 2, Prostituico Feminina. 3, Relagdes de Género, 4 Feminismo, 5. Prostitutas. 6. Trabalho Sexual, 7. Vulnerabilidade, 8. Movimentos Sociais. 9. Movimento das Trabalhadoras Sexuais, 10. Lita Feminista. I. Titulo. IL Série, II, Puta, ofensa madre. IV. Uma rosa éuma rosa, nao importa como vocé a chame. V. Empoderamento fnanceiro “eo dinheiro que nao empodera’. VI. Puta — sujeito, ‘io objeto. Refietindo sobre quem somos: (re)pensando feminismos, VIL. “Meu corpo, minhas regras”. VIII. De Gabriela Leite & Putissima Trindade: eminismo em chamas. IX. A puta na internet: dos chats couse BADERNA PROVOS MATTEO GUARNACCIA eel CUD en en APRESENTAGAO Adriana Piscitelli 17 RaW CL es 2: UMAROSA E UMA ROSA, NAO IMPORTA COMO VOCE A CHAME ss Paired tel BoP ek lt ae ed Ue em Kot ares REFLETINDO SOBRE QUEM SOMOS: (oO relay eee Pee GL sc 6. DE GABRIELA LEITE A PUTISSIMA TRINDADE: Teel ea Ce NU a DOS CHATS AO ATIVISMO VIRTUAL 3: Ea LXer 9. UM DEBATE TRUNCADO PELO PANICO MORAL: A REGULAMENTACAO DA PROSTITUICAO NO BRASIL “A divisio das mulheres entre boas e més beneficia a estabilidade do sistema. O estigma da prostituigdo nada tem a ver como que as trabalhadoras sexuais sio ou fazem. Ele representa um potente elemento de controle para as mulheres que nao atuam na industria do sexo. O modelo de esposa e mae abnegada exige muito sacrificio, Ainda que se diga que a mulher é a rainha do lar, sabemos que nao é, que é uma pessoa a servigo de todo mundo. E um modelo tao pouco atraente e com tao pouca recompensa e reconhecimento que atinica forma de conseguir que as mulheres se adéquem a ele é assegurar a elas que a outra possibilidade é pior.” Dolores Juliano! 2 Dolores Juliano (1982) ¢ uma antropéloga argentina professora aposentada da Universidade de Barcelona e estudiosa das questdes étnicas ede género, autora, entre outros livros, de La prostitucién-el espejo, ‘oscuro (Icaria Editorial, 2002) Militante ferinista, ;articipou dos trabalhos da comissio sobre prostituigao ‘do Congresso Argentino, em 2002. Po PREFACIO POR AMARA MOIRA ‘Amara Moira é travesti, trabalhadora sexual, putafeminista, autora do livro autobiografico Ese eufosse puta (Hoo, 2016) e doutora emteoria literaria pela Unicamp. PROSTITUINDO SABERES Ouve-se que politicos se prostitufram para aprovar tal emenda, entao aproveitam para chamar o golpista da vez de filho da puta, e a deputada que bate de frente com machistas tem 0 no: set cargo grafado de forma a ressaltar a palavra “puta”. tos banais mostram 0 quanto estamos presentes 1 Politico nacional - 0 que nao impede que se estr: briela Leite langa sua candidatura, em 2010, com Puta deputada”. E nao para por aja teia compl €m torno da Palavra “prostituigdo”. 2 inha as madrugadas frias atras de clientes, uma cena que conhecemos ae bem, diz-se que leva “vida fa. cil”. Talvez por isso ainda cause ace a ce ia de que ae atividade, j4 reconhecida pela Classificacao Brasileira de Ocupagses (CBO), oe sae até mesmo deva ser regulamentada (“Daqui a pouco vao querer tudo, todos os direitos, vao querer até carteira assinada”, chegou a afirmar um figurao da vel a nossa luta, frequentemente é tratado como se fosse nosso filho). Sim, queremos tudo, todos os direitos, e para ontem. E esse o motivo de nos organizarmos politicamente enquanto categoria Da moga que enfrenta sozi politica que, mesmo ndo se mostrando sensi- ha mais de 30 anos e buscarmos estabelecer didlogos, seja com o governo, seja com a sociedade civil. Para nosso espanto, no entan- to, vamos descobrindo que a luta das mulheres para trabalhar em condigées melhores, impor um protocolo de seguranga inegocia- vel, ganhar melhor e pensar estratégias para combater o estigma que pesa sobre nossos ombros (e que serve para manter todas sob controle) sé é considerada indubitavelmente feminista quando nao envolve prostitutas. Para parte consideravel dos movimentos sociais, prostitui¢do remete diretamente a ideias como exploragio sexual infantil, carcere privado, estupro pago e trafico de pessoas. Como construir uma luta quando, no imaginario social e mesmo para os setores engajados da sociedade, ela esta irremedia- velmente atrelada a tudo o que existe de mais perverso em tel de violéncia? A questao faz com que muitas vezes se discuta a Possibilidade de, seguindo 0 que ja é usual no cendrio internacions iguais e ainda, a condigoes de privagdo extrema de direi- uals . ‘. a. . ai Jangando mao de linguagem sensacionalista para incitar pani- 08, 14 ¥ n a . impedir qualquer possibilidade de didlogo, tem sido formas igualé-las, coe de demonizi tentativas de ajuta que leva nosso nome. transforma pela simples troca de palavras. Pala- ar nao apenas nossa existéncia, mas também nossas nos organizarmos politicamente e protagonizarmos Mas nada se m dera, nao tém es vyras, que e poder e nem conseguem fazer pes- soas que se viraram como prostitutas a vida toda virarem, num estalar de dedos, trabalhadoras sexuais ou “profissionais do sexo”. io que se percebe ai, assim como a impressao de fal- A higieni: seamento e de academicismo ~ além do fato de muitas de nds as- sumirmos ainda hoje a visio oficial, depreciativa, da atividade que exercemos -, explicam a resisténcia a essas propostas de nomen- clatura. Dai nao haver ainda consenso a esse respeito dentro do préprio movimento. E, no meio dessa queda de braco que nos vé ora como vitimas, ora como meliantes, surge a necessidade de buscar uma forma de falarmos por nés mesmas e de convidar as palavras com as quais somos identificadas, e aquelas que usamos para nos identificar a assumir significagdes que contestem essas narrativas engessa- doras, violentas. Assim como se da com “vadia”, “viado”, “bicha”, “travesti”, palavras que nao por acaso convivem lado a sombras da sociedade, com essa que nos ocupa aqui no | Sera possivel pensar outros sentidos para prostituik tuir? Sentidos revoltosos, insubmissos, que desafiem es associagées em que nos querem presas? Talvez esse . mérito do livro de Monique Prada. ; A literatura traz personagens prostitutas des dios, A medicina também vem dedicando muit pos do saber. Mas ainda so poueas as obr: i a sao poucas, pelo menos no Brasil, as prt “4ram a pensar palavras para a propria e» Suiram vé-las Publicadas. “ neira com Eu mulher da vida (Rosa dos avé e puta (Objetiva, 2009), contou bos os livros, mesmo procedimento GaprielaattePIOvS 1992) e Filha, mae, em am! Surfistinha no best-seller O doce veneno Tempos: , um ghostwriter am Bruna O didrio de outros livros, ndas Morri para viver (Planeta, 2015). Fernanda sua vez, escreveu em coautoria com com de que se vale do escorpiao — 2005) e em dois recordista de ve ias de Albuquerque, Por naa a autobiografia A princesa — Depoimentos de lider das Brigadas Vermelhas (Nova uma garota de programa (Panda Books, e Andressa Urach, com o também Maurizio Jannelli su; um travesti brasileiro a um Fronteira, 1995). O fato de serem obras escritas por ghostwriters ou em coauto- 5 é interessante perceber que aos ma forte a vontade de inventarmos nés ria nao diminui seu mérite poucos vai se fazendo mai mesmas palavras, caminhos, perspectivas que falem sobre aquilo a vontade de escrever as pré- que vivemos ou deixamos de viver. E revé-las na historia das produ- prias histérias e reflexGes e de in ual tem uma relagao direta com a ges sobre género e trabalho s intimidade que vamos construindo com as redes. Cresce a cada dia o numero de trabalhadoras sexuais que, brincando ou nao de anonimato, atras ou nao de conqi clientes, inventam de escrever sobre si mesmas e sobre vem em blogs e outros formatos digitais. E dessa e: surgiram os seis livros de Vanessa de Oliveira, sobr ressantissimo Didrio de Marise (Matrix, 2006); O} nosso (Mosarte, 2014), de Lola Benvenutti; e E se eu fosse puta (Hoo, 2016). Eu, Dommeni Dommenique Luxor, obra que explora 0 das sess6es de dominagao, também mer i Monique Prada vem desse unive’ aprimorando no debate das ideias. A miltiplas modalidades do trab: que até entao existiu, Ela faz autobiografia, como : &speraria de nds, Og classicos 1 importantes buscam em nossa cama, taras, confidéncias, as coisas ys imaginam capazes de escrever, nao tém vez em sua obra, ‘o logo nas primeiras paginas. Pouco fala dos homens. ar sua atengdio em uma série de outros debates que nos preender por outra perspectiva o trabalho que exerce que ne eclajdd prefere foc: ajudam a comy 1 lugar na sociedade. eset Aconstrugao do movimento em meio a at. ‘os e articulag6es com os feminismos, com as esquerdas € os demais movimentos sociais; paralclos entre a vida de mulheres prostitutas e ndo pros- titutas; as multiplas realidades do trabalho sexual e as maneiras distintas com que encaramos a atividade; a precariedade que permeia parte considerdvel do seu exercicio; as ideias de escolha e de empoderamento que costumam atravessar essa discussao; e, sobretudo, a necessidade e também o gostinho de falar cada vez , de escrevermos nés mesmas sobre 0 que julgamos Ao, seja da nossa realidade, seja da mais por nd pertinente para a compreen: sociedade ao redor. Engana-se quem acredita que Monique Prada fala somente (nem sei se esse “somente” cabe aqui, alias) de prostituigao. Ela vai além e nos faz ver, antes, que a prostituigdo fala da sociedade e também lhe retira os véus, tornando-se, com isso, uma encial para pensar essa mesmissima sociedade.. tiva es escancara 0 quanto esses ndo-lugares onde nos que! sfo justamente aqueles onde as revolugées vao se meira obra putafeminista em nosso idioma, obra de e puta pensante, obra em que as palavras nao se dao e fazem tudo menos se comportar: eis 0 que Pp. levar a um novo nivel essa prostituigao de sabi [APRESENTAGAO POR ADRIANA PISCITELLI Adriana Piscitelli é antropéloga, doutora ‘em Ciéncias Sociais pela Unicamp e professora do departamento de Antropologia Social s So is da mesma edo Doutorado em Cién universidade. E pesquisadora do Pagu, Nucleo de Estudos de Género da Unicamp ¢ pés-doutora pelas universidades de Barcelona, Universitat Auténoma Rovira e Virgi de Barcelona e de Madrid. Este livro, escrito por uma mulher que se apresenta como “uma puta e uma puta feminista”, adquire uma particular relevancia no momento atual do Brasil. No contexto do sério acirramento das tensdes que permeiam as arenas politicas no pais, Monique Prada se posiciona de maneira brilhante no centro das recentes disputas feministas sobre a prostituigado que fazem eco, tardiamente, as di- vist es dos feminismos sobre o tema na esfera internacional. Nesse movimento, a autora aciona uma pedagogia feminista “descolonial” com potenciais efeitos positivos no que se refere as ivindicagdes de direitos das trabalhadoras do sexo e em termos s correntes de pensamento feministas, Refiro-me a essa pedagogia aludindo a uma reviravolta na produ- cao de conhecimento feminista, ancorada no ae de repensar «, feminismos a partir de processos de descolonizagao. Essa episte- mologia envolve a elaboragao oe um aero api que ng Possibi- lidades para considerar as praticas eee om mais diversos sociais de agao, incluindo praticas que nao tém rrentes de pensamento critico feminista, uldade de considerar as vozes femininas de avancos nas praticas ena locais e espagos sido reconhecidas por co principalmente pela dific subalternizadas (MILLAN, 2014: p. 11). a experiencial, a autora deste livro, uma ista oferece uma substantiva contribui- \dugado de saberes feministas teci- A partir da narrativ: prostituta-ativista-femin ao para a compreensao da pro’ dos em diversos lugares e por diversas vozes. Nesse relato, o “Iu- gar de fala” é acionado em seus sentidos mais produtivos, isto é, remetendo a algo que esti além das experiéncias individuais: as condigées sociais ocupadas pelos grupos sociais (RIBEIRO, 2017). A narrativa de Monique Prada possibilita ao leitor vistumbrar a riqueza da experiéncia como uma porta de entrada para explorar como diferengas e desigualdades, incluindo aquelas engendradas no seio dos feminismos, afetam as trabalhadoras sexuais, abrindo caminhos para compreender os processos que informam 0 posi- cionamento da autora (SCOTT, 1987). Num relato marcado pela honestidade, Monique Prada ob- serva que o elemento que a conduziu como putativista as arenas politicas nao foi a sua expertise sexual, mas “a palavra”, falando e escrevendo sobre feminismo, politica, prostituicdo e militancia. No ambito da intensificagio das tensdes que tem marcado, nos ultimos anos, as discussdes politicas no Brasil, no debate pa- blico, incluindo as discusses nas redes sociais, duras acusagoes tém sido dirigidas a quem reivindica a regulamentagao laboral da Prostituicdo - “quem defende a cafetinagem defende a estupro”; quem defende a “continuidade da p ; sexo defende a perpetuacio do trafico de mu Sages, mobilizando emogées, tém ido além de reivindicados pelas prostitutas como direitos das mulheres: che- garam inclusive a praticamente converter os objetos dessas rei- vindicag6es — a descriminalizacao do entorno da prostituigao e a regulamentagao laboral da mesma -e m causa da violéncia contra as mulheres. Um dos méritos deste livro é que nele a autora desmonta com perspicacia, delicadeza e firmeza, de maneira extremamen- te didatica e a partir da experiéncia, varias dessas acusagoes e os pressupostos que as informam. Nesse movimento, o livro oferece varias contribuigdes para reforcar as reivindicagées das trabalhadoras sexuais. Os argumentos utilizados estao an- corados em uma perspectiva indiscutivelmente feminista, no sentido de estarem baseados no interesse em dar uma resposta politica a conflitos de género (MCCLINTOCK, 2010) e de incre- mentar o poder das mulheres (SHOHAT, 2001). Assim, este li- vro se engaja nas disputas feministas desafiando o feminismo desde “dentro” ~ ¢ esse é um dos pontos mais instigantes desta obra em termos da reflexdo sobre feminismos. E a riqueza da reflexéo da autora, que afirma os direitos das trabalhadoras sexuais nessa 6tica, sem romantizar nem glamourizar a prosti- tuicdo e prestando séria atengao as desigualdades de poder que afetam as prostitutas, nos conduz a pensar sobre os fatores pre- sentes na impossibilidade de ouvir as vozes de mulheres que, por diferentes raz6es, sao tratadas como “outras” por algumas correntes feministas. No Brasil, décadas atras, a oposigao entre feministas e prosti- tutas foi desafiada por Gabriela Leite, num momento em que sua afirmagao como pate era iets comopentocersgroncerarst prada chama aatengdo para relevancia da interne, Monid ve possibilitou a reivindieagso do espago que sem. sea nye trabalhadoras sexuais, amplificado suas vores pre foi nes@ nente tem adquirido significativa importancia ae i t certam cg me r A interne’ formagao do feminismo atual no Brasil. Sonia Alvarez complexa 2 a CO! (2014) ae niece de ago. A autora pereebe esses cam. como cam aeesaon! neste momento, por um fluxo horizontal de pes e praticas plurais que se Ee em diversos setores paralelos da sociedade civil ¢ para além dela, multiplicando os campos feministas, conduzindo a uma proliferagao. geométrica como “lugar mplexidade considerando os feminismos de atoras que com eles se identificam e a um descentramento no interior desses feminismos plurais. De acordo com Alvarez, esses campos sao articulados mediante pontos nodais, através de redes politico-comunicativas e de linguagens, sentidos e visées de mun- do pelo menos parcialmente compartilhadz Ferreira (2015) observa que, manifestagdes feministas re- quer levar em conta as relagdes mediadas entre redes ativistas on e off-line. Segundo a autora, nesse periodo a internet tem tido um papel central na articulagao de pessoas e na traducao de termos, ideais ¢ lutas feministas. A web teria permitido a constituicao de Considerando essa importancii no Brasil, desde 2011, entender as redes que aprofundaram contatos entre grupos ja existentes, bem como no interior destes, e, ao mesmo tempo, teria criado outras redes de comunicagao como instrumento de identificagao e recur- so de aco politica, em agdes que, sem requerer uma militancia ou consciéncia feminista” prévia, ampliaram consideravelmente 0 numero de pessoas atingidas. Avisibilidade e expansao do putafeminismo e as aliangas que ele obteve nao podem ser desvinculadas dessas relagdes. No en- tanto, no Ambito da complexidade da conformacao desses campos discursivos de acdo, as putafeministas também tém sido alvo de ataques e colocadas em situagdes nas quais elas podiam falar, mas nao eram ouvidas no sentido : de que Ihes era negado reco! uma vez submetidas a processos de subalterniza¢a0 2010). Este livro de Monique Prada contribui para desmontar as nogdes acionadas nesse ndo reconhecimento, possibilitando, ao mesmo tempo, perceber as conotagées descoloniais do putafe- praticas feministas das trabalhadoras se- itora -, mulheres muitas vezes pobres e que nfo conhecem teorias, mas que minismo. Refiro-me a da com poucos anos de estudo: praticas libertarias, de “um feminismo bruto”, xuais — nos termos desenvolvem ess para sobreviver. No Ambito da histéria dos feminismos no Brasil, produgdes de conhecimento alternativas e nao necessariamente reconheci- das pelos feminismos hegeménicos foram antecipadas, décadas atrés, por outros feminismos, como é 0 caso dos feminismos ne- gros, registrados no trabalho pioneiro e inovador de Lélia Gonzales 1982; 1988a; 1988b). Essas produgdes oferecem elementos para analisar os processos de subalternizagao e de resisténcia de algu- mas mulheres e de alguns feminismos. No fervilhante contexto politico atual, diversos coletivos de mulheres pouco considerados anos atrds no Brasil reivindicam seu direito 4 diferenga, a igual- s diferencas por dade e a resisténcia em face da colonizagao dess feminismos hegeménicos. Entre esses coletivos, chamam parti- cularmente a atengdo os feminismos indigenas, no seio dos quais alguns grupos denunciam “os coletivos da militancia extremista feminista que interferem com pensamento ocidental eurocéntri- coe avancam no territério indigena”! e as putafeministas, embora essas tiltimas enfrentem maiores dificuldades para obter solida- riedades feministas. Monique Prada afirma que o putafeminismo pode ser en- tendido como uma possibilidade de repensar toda a estrutura da prostituig4o, identificando e combatendo as opressées que nela existem, e também como um movimento potencialmente revo- luciondrio, que traz em si a viabilidade e necessidade de descons- truire reconstruir permanentemente os conceitos. Concordo com 1 Pagina do facebook de Tamikua Txihi, 4 de maio de 2017. essas ponderagées, mas também considero que ele é mente produtivo para desestabilizar os limites dos pep otencial- hoje, ampliando os seus alcances, indo além desse mor “minismos particular. Nisso reside, na minha leitura, um dos Sa em ritos deste livro em termos de sua contribui¢ao aos del ee mé. nistas no momento atual. ates femj_ Adriana Piscitelli, Campinas, _jutho de 2018 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ALVAREZ, Sonia E. Para além da sociedade civil: reflexes sobre 0 campo ' feminista. Cadernos Pagu (on-line), n. 43, pp. 13-56, jan.-jun. 2014. FERREIRA, Carolina Branco de Castro. Feminismos web: linhas de agdoe maneiras de atuago no debate feminista contemporaneo. Cadernos Pagu (on-line), n. 44, pp. 199-228, jan.-jun. 2015. GONZALEZ, Lélia. A mulher negra na sociedade brasileira. In: MADEL, Luz. O lugar da mulher: estudos sobre a condi¢ao feminina na sociedade atual. Rio de Janeiro: Graal, 1982 . ___.Acategoria politico-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 92/93, pp. 69-82, jan.-jun. 1988a. Por um feminismo afrolatinoamericano. Revista ISIS Internacional, Santiago, v. 9, pp. 133-141, 1988b. McCLINTOCK, Anne. Couro imperial. Raga, género e sexualidade no embate colonial. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. MILLAN, Margara. Introduccién - Mis alld del feminismo, a manera de presentacin. In: (coord,). Mds alld del feminismo: Caminos para andar. México, D. Fz Red de Feminismos Descoloniales, 2014, pp. 9-15, RIBEIRO, Djamila. O que é. lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento; Justificando, 2017, SCOTT, Joan W. Experiéncia, American Historical Review, v.92,n. 4, Pp. 879-907, 1987. Tradugao de Ana Cecilia Adoli Lima, disponivel em: SILVA, Alcione Leite da; LAGO, Mara Coelho de Souzae RAMOS, Tania Regina Oliveira (orgs.), Falas de Género 14, Santa Catarina: Editora Mulheres, 1999, Pp. 21-55, Editora UFMG, 2010, 1. PUTA, OFENSA MADRE Puta, substantivo feminino: profissao. Mulher que vende o proprio corpo para a pratica de sexo. Adjetivo: com muita raiva. Pessoa eens , palavras podem ser ressignificadas, e uma algum: verdade que . ae mpre é uma atriz prostituta. Mas geralmente puta atriz nem Se! 1 : esmo (tanto é que uma meretriz atriz ou ge usa como ofensa me ‘uma marafona atriz, Vel modo algum) Pois bem, entao & am s6, nado parecem termos elogiosos de oo que eu sou, eu mesma me apresento assim; eu sou uma puta. Uma puta, e uma pu Meu nome de regi 1d, Monique Prada. Isso conta um pouco sobre a ati- ta feminista. Prazer em conhecé-la! ro nao é Monique, mas é assim que vocé me chamal vidade que exergo e que exerci por um periodo consideravel da minha vida: nés escondemos Nossos préprios nomes, nossa iden- amos viver as sombras. E isso tidade, somos clandestinas, prec apesar de aatividade existir ha em todos os espagos. No comeco dessa historia que vou contar agora, escolhi esse culos. E isso apesar de estarmos nome. Hoje quase todas as pessoas que conhego me chamam assim. Eum nome chique, dizem. Imponente ate. Preciso confessar que 0 escolhi mesmo porque me soava brega, muito brega, bregao suficiente para constar numa lista qualquer de acompanhantes de luxo. Monique como um tipo tosco de homena- gem a Evans, uma das musas da minha adolescéncia. Prada, marca cara... CA pra nds: existe algo mais brega que uma Prada falsa? Estava escolhido meu nome artistico, meu nome de guerra, meu nome de batalha. Mi nombre de clandestinidad, expressio que aprendi anos depois num hostel em Montevidéu, onde par- ticipava do Faccién, encontro de midialivristas, em 2015: 0 mo- torista encarregado de me levar ao aeroporto chegou para me buscar e procurava por “Monique y Luisa”. Eu precisava explicar que éramos uma sé. O recepcionista entendeu e disse: “Ah, es tu nombre de clandestinidad”. — eae is fotos sensuais amadoras, pérolas de plas- fino, escondendo 0 fio ee ee pee barato, de salto Y no tal site de cia eatin Se ear 's de luxo”, cheirando a falso glamour. Na puta niio tem tempo para conferir es: ja que enganasse um observador mais atento, mas cliente de \s coisas. Tem novidade no ? Parece boa? Liga na hora. Um blog, Eu escrevia muito mal no inicio, hoje sei. Mas ter um blog me pareceu uma boa id ia: de algum modo, ele ajudaria a me renciar de dif ntas outras garotas anunciantes, ajudaria muito na triagem de clientes ¢ também era material para puxar assunto na minha chegada. Agendava os encontros direto em motéis, encon- tros As escuras, surpresas interes antes. Algumas acabavam por ser mas, fato. Ainda pé im, apareciam mais surpresas boas do que mas. Um tri balho tranquil. era eu, eu e eu mesma, voltando & prostituigdo, criando novas histérias e reinventando um jeito meigo e cinico de ganhar avida, Nada que eu ja nao tivesse tentado (e conseguido) algumas vezes antes, nenhum caminho que ja nao conhecesse muito bem, novidade alguma ~ no seria a primeira vez que eu recorria ao tra- balho sexual para ganhar a vida. O que eu nao poderia prever quando (re)comecei na fungao de puta, de ser Monique, é que as coisas tomariam um rumo tao inusitado. $6 sei que de repente ld estava Monique entre outras feministas, putas e no putas, entre politicos e ativistas, textos e entrevistas para todo 0 lado, correndo este pais. E isso nao aconte- ceu gracgas as minhas nem tio incriveis habilidades sexuais (0 que, com alguma sorte, teria me dado muita grana). Ah, nao. Foi por conta da palavra, da minha palavra solta e atrevida, que de repen- te me vi agitadora, escritora sem livros, ativista; uma puta ativista, puta-ativista, putativista, aquilo tudo que vocé que me 1é ja sabe. E entao, quando chegou a hora do livro... ai, ai... mais um livro proibido, contando segredos de puta? Algo sobre mim, talvez importante, talvez nao, julguem vocés: sempre adorei escrever, sempre me expressei muito melhor por es- crito do que pela palavra falada, dita assim, de improviso. Mesmo assim, nunca havia levado muito a sério a ideia de escrever um livro. E se alguma vez na vida quase cheguei a ter vontade, vontade mes- mo, de escrever um livro, a ideia de me aventurar pelos caminhos da my 28 _ segura e confortavel. Mas um tipo e falar sobre a minha (a0 menos a stido, aque 7 seu livro; algo quase que obri- um livro, G yarantir uma “aposentadoria” tranquil, te nao acres (a falsa oposigao bumbum dita que seja possivel ser saber escrever precisa parecer “séria” para Nao tod smo tempo, versus cabega pens nte; voc® a meretriz, a acompanhante, aquela que mulheres, aquela que parece do- ‘oso ). Mas se a puta, gos ser lida parece tao di rente das outras minar as artes do sex° e da sedugio, escreve um livro, deve servir mulheres os seus truques, por exemplo, ou, para ensinar as outr alar a reputacao de ho- F apimentar a quem sabe, mens ditos r" Ela tem truques mulher que fode muito, fode com quem que estejamos no século cima cobra por isso. XxX eas pessoas ainda sintam tanto des fechadura sem se deixar respingar; que estejamos no século XXle a prostituicao, tao presente em todos os | milia que nos contratam), ainda parega tao exotica e ra as pessoas, mais que 0 SCxO “nao comercial”, talvez. nante ainda talvez seja perceber, hoje em dia, que moral sexual nao evoluiram e até andaram pra e ainda dizem que falar de sexo, escrever em. As pessoas sempre querem imaginagao ou ab: espeitaveis. © Nao sei, mas ela desperta curiosidade, a quer foder, e ainda por £ impressionante ejo de espiar pelo buraco da ares (jd que sao os di- tos pais de fa’ enigmatica pa’ Mais impressio! tantas coisas sobre a tras. Deve ser por isso qu sobre sexo, sempre vende muito bi saber o que as outras andam fazendo de quatro as escondidas por ai. Entao, nao porque possua algum talento especial, mas por- a puta (seja com suas que acredita-se que venda bem, nesse livro, esta- ee Co ghostwriter) contara historias: est Pa i. osas, tristes ou bizarras. Suas historias exclusi- ae ae vida na prostituigdo, a mais antiga das profissdes: uas palavras. Finalmente ela revelara seus incriveis segredos de sedugao, quem sabe até algumas obscenidades sobre seus clientes supostamente famosos, que estarao ali escondidos atras de pseud6nimos como BMW Prata ou Executivo Doce. Mais um daqueles livros que a gente lé e fica imaginando quem seriam esses homens na “vida real” — os caras ricos ostentando carrao importado e relégio de ouro, os carasricos que fodem mal, mas que nao nos cansamos de elogiar, na tentativa de tirar uma grana extra, um agrado. Os caras que falam muito e muito alto, que nunca dei- xam faltar champanhe e sushi. Espumante barato. Caviar, tal- vez. Picanha e cerveja se for no Sul. Se duvidar, um bom chimarrao. Aqueles caras que fazem questao de pagar, por algumas horas de hospedagem em uma suite luxuosa de motel, um valor incrivel- mente superior 4 mixaria que reservam para os nossos cachés. Essa ideia sempre me causou algo entre 0 desprezo e 0 riso. Inventar uma rotina de putinha de luxo, inventar cendrios paradi- stacos e didlogos pretensamente refinados, inventar fantasias tolas, como se tivesse ajudado a realizd-las, nunca me atraiu. Inventar para mim uma vida de desgracas, humilhagdo e sofrimento me atraia ainda menos. E entao, no meu caminho, surge a Moira, Amara. Quando nos conhecemos, por intermédio da Indianara Siqueira, ela queria comegar a escrever sobre sua rotina e suas vivéncias na prosti- tuic¢do precaria em seu blog recém-nascido. Eu a desencorajei em uma conversa pelo Facebook, e lembro de ter pensado apenas algo como “Nossa, mais uma...”. Logo me surpreendi com aabordagem, a construcao de sua puta identidade travesti, a humanizagao da- queles clientes tortos, questionamentos mil. E o blog virou livro, um livro com relatos incriveis; e quando finalmente terminei de ler 0 livro, dissipou-se em mim a impress4o de que livro de puta precisa ser fake como TD (0 relato do programa em blog) de acom- panhante pra agradar cliente fixo. Sua literatura me encantava encanta —justamente por trazer as minhas narinas 0 cheiro de © que ela vivia, os desconfortos, as inquietagoes, as violéncias ai Durante um voo bastante turbulento — tao tem sido minha vida desde que entrei no ati ek Amara me fez companhia. Mergulhei em suas histérias aeronave mergulbava em nuvens carregadas, tar anavegar firme e tranquilamente. Confesso que tive medo e, por isso, menti: “Sim, sim, a Querida! Devorei o livro em uma noite”. Mas nao, precise; ae oe de um més para ter coragem de abri-lo novamentee mergulharem suas historias — tao intimas e, ao mesmo tempo, tao conhecidag de todas nds. Diferentemente dela, eu nunca procurei sequer uma resp alma ou de humanidade em meus amantes per hour. Era atraida, acima de tudo, pelo sexo sem nomes, sem notar particularidades, sem esse toque tao delicado e profundo de que ela é capaz. A mim como a Paraem seguida vo} | sempre atraiu vé-los do mesmo modo que pareciam me ver: a uma distancia prudente que me levavaa um gozo intenso e sem amarras, muitas vezes sem tomar conhecimento real de sua presenga e mui- to menos respeitar-lhes as vontades. Durante o sexo, eles eram meu objeto de prazer e desejo. Ainda que tenha me tornado amiga de uns ou outros, ainda assim... isso nunca me interessou e sempre i foi algo a ser evitado. A foda sem rosto, sem histdria, sem antes ou depois. Por isso a ideia de relatar esses momentos em livro jamais me atraiu: batia a porta do carro ou do fiat e 14 ficavam eles, para sempre presos num momento passado. Amara e seus relatos me trazem uma outra perspectiva, nada fantasiosa, dolorosamente realista. La estao as fraquezas, a mes- quinhez, os machismos, as misérias. Carinhos e desejos a meia-luz, o cliente pagando a mixaria negociada e Moira roubando-lhe a alma a cada beijo ou timido fio terra. As dores e delicias da prosti- tuigao precaria num dos tantos redutos dedicados a essa atividade ‘40 pouco nobre, ela nada ou quase nada esconde da leitoraatenta. H4, ainda, o desconforto dessa leitura por quem a conhece e tem carinho por ela ~ armadilha, lembro, na qual nao raro eu caia, logo a oe meio e seu fascinio. Fascinio esse me pare oe ‘uitas vezes nos levava a correr determinados Tiscos (nao que nao fossem cal. . . iculados, mas pode garantir que saiado controle?) pie Viajando em Amara, no meio do livro me vi viajando em Mo- nique: algumas tantas portinhas se abrindo, alguns tantos passados me trazendo & realidade: mesmo que nao tenha desejado, percebo que também tenho comigo pedagos daquelas almas. Fecho mi- nhas portinhas: esses retalhos de almas que tomei sem intengao nao pretendo dividir. Ao menos nao neste momento. Amara toca e me toca. Um texto pulsante, pleno de realidade, arrependimentos. Quem sabe um dia também eu me atreva, entao, a trilhar esse caminho tao esperado pelo pu- blico, mas de um jeito muito, muito amaramoitristico? sem glamour e sem Mas nao ainda, nao des Dessa vez, aceitei 0 desafio de escrever sobre feminismo, poli- vez. tica, prostitui¢ao, militancia, puta ativismo. Putativismo. Putafeminismo. ‘Tomar para si a tarefa de escrever sobre prostituigao a partir de um viés feminista, e sobre feminismo a partir da ética da prosti- tuta que costumo ser, é, ao mesmo tempo, prazer e desafio. Desafio irrecusavel num momento em que, se por um lado temos forcas conservadoras avangando ameacadoramente em todos os Ambitos da sociedade, podemos, por outro, perceber populacées historicamente marginalizadas e segregadas esforgando-se para ocupar cada vez mais espagos e amplificar sua voz em um ativismo pulsante, nao raro impulsionado pelo uso massivo das plataformas Sociais e mensageiros virtuais — que encurtam distancias e permi- tem uma producao escrita bruta e coletiva, enquanto ajudam a agi- lizar agdes presenciais. As tens6es estado no ar e podemos respira-las: enquanto a re- Pressao estatal, as opress6es e axenofobia tomam conta do mundo, @revolucao pulsa. Para nés, que falamos em outro mundo possivel erealmente acreditamos que estava sendo gestado um mundo me- Leos mais igualitario e justo, é assustador ver nascer um mundo fascistae intolerante. Mas apesar dos retrocessos impostos por A ce e das (mas) escolhas populares, resistimos. ‘0 feminista mostra seu potencial revolucionario. mulheres de eel ae Promoveram i arcar o Dia Internacional da jmeiragreve Sc vivas, que produzam Sed mulheres polonesas que, diante da ameaga : do em. alizar 0 aborto, legalizado a Pais, ‘ocuparam, ovimento se espalhou por mais de oa Paises. Sag i. : nag ostrando sua forga, ainda que muitas arestas nn feminismos ates precisem ser aparadas ~ e que algumas aan ee sae finalmente, impossiveis de contornar. aan ne a feminismos, e nao “feminismo”, ey estou seas que feminismo nao é tinico, nao é uno. pores 0S fe. rminismos ditos radicais, 0 feminismo negro, 0 ferinismo inter seccional, o feminismo marxista, 0 feminismo Bane eporatvai, Entre os diversos feminismos podemos perceber, ja na superficie, intimeros pontos de tensdo e conflito. Isso é bastante natural; falamos de movimentos de mulheres, mas de mulheres diferentes, que existem e resistem a partir de lugares e realidades diversos, Um desses pontos de conflito — ou, talvez possamos dizer, um dos mais espinhosos - esta hoje justamente entre as prostitutas fe- argo de 2017, Inspira ane mental de crimin: as ruas, ministas e as feministas que se posicionam contra a ideia de que a prostituicéo, apesar de estar presente em nossa sociedade ha tantos séculos, e de ser exercida por um numero consideravel de pessoas, a maioria mulheres, deva ser considerada um trabalho possivel em nosso mundo - e nao pura e simplesmente um tipo de, violéncia contra as mulheres. Ou um tipo de alianga como p cado feita por mulheres pobres que tentam escapar da Nos, feministas, estamos divididas sobre essa questao hoje. De um lado, temos um grande setor de mulheres trab Tas, aimensa maioria de origem humilde, com pouca es quase sempre sem formacao profissional, que se auto-o1 pan a lutar por visibilidade e direitos contra o estigma que NOS € nossas familias, Mulheres trabalhadoras que se 01 também para garantir o acesso a sade integral e a info ic Aids e outras doencas sexualme! e lembrar que, no Brasil, embora 0} itutas tenha comegado a se formar antes dos a epidemia de Aids, elas sem- organizado de pro} contra a prime pre participaram ativamente da construgio de politicas de pre- ao Ministério da Satide. E podemos dizer que, embora movimentos de lute vengiio junto nd pouco tempo tenhamos comegado anos identificar mais anos apropriar do termo feminis- minismo, o movimento de apen, abertamente como feministas mo e a falar do que chamamos pute feminista, Sempre lutou pelos direitos das prostitutas sempre foi mulheres. Ele surge, inclusive, com 0 apoio de grupos feministas formados por mulheres que nao eram trabalhadoras sexuais, nos idos dos anos 1970. Isso 6 0 que temos do lado de c: Do outro lado (e que coisa t ntag6nicos), temos o que no Brasil se cos- 1 separar mulheres te pre em lados, muitas vez tuma chamar de femin: feminismo conservador — ou, mais especificamente, 0 que hoje é denominado radfem. Um feminismo que nos vitimiza e que pre- autonomia e nossa capacidade mo radical, mas que eu prefiro chamar de tende nos resgatar, negando nossa de escolha, e rechacando violentamente a possibilidade de didlogo com aquelas de nés que n&o desejam a salvacdo oferecida e que discordam claramente da ideia, tio propagada, de que esse femi- nismo seria “contra a prostituigdo, mas a favor das prostitutas”. Contesto esse argumento: nao vejo como seria possivel uma pessoa se posicionar simultaneamente contra a prostituicao e a favor das mulheres que a exercem, a nao ser por um erro de interpretacao das nossas necessidades reais, nascido da completa falta de dialo- 80 conosco, ou seja, as pessoas que supostamente pretendem de- fender: Primeiramente, pelo motivo ébvio de que nao existimos ~ nos, as prostitutas — sem a prostituigdo. / Erradicar a prostituigdo seria, portanto, numa légica bem Panes (mas importante a ponto de precisar ser explicitada), ex- teem prostitutas. Exatamente o que as politicas higienistas tém tentado fazer ha séculos, nos expulsando para lugares cada vez mais distantes e isolados e criando leis que servem apenas Para nos jogar em situagdes mais precarias e inseguras. Para nés, 34 & muito dificil ver como aliadas pessoas que defendem a ide; erradicar nosso trabalho, 0 trabalho que nos sustenta e ae de ossos. E ainda que algumas de nés, de fato, desejemos aa bastante comum que 0 trabalho sexual Sejaape lar ca de ocupagao melhor ~, 0 modo como aoa os ni de atividade um atalho na bus soas colocam a questao é violento, preconceituoso e, por que = dizer, estigmatizante. Na tentativa de evitar que mais ee pacsem a exercer a prostituicao, elas reforgam o estigma prope sitadamente, declaradamente, numa estratégia semelhante & a: as igrejas, do machismo, do patriarcado. ‘A ideia de erradicar a prostituigao é uma utopia distépica, B se ssio em vez de simplesmente “distopia” é porque uso essa expr considero até certo ponto valida a utopia de acabar coma prosti tuicao na luta por um mundo com mais igualdade de género. Mas é bastante ébvio que a busca dessa utopia pela implementagao de politicas abolicionistas ao redor do mundo resultou, por exemplo, em grandes prejuizos as mulheres que exercem trabalho sexual, empurrando-as para a clandestinidade ou mesmo para o carcere, A defesa do ideal higienista por algumas mulheres resulta na perda, por outras mulheres, do direito de sustentar a si mesmas e suas fa- milias. E interessante notar que a utopia dita feminista de erradicar aprostituigdo tem imenso apoio do Estado, dos governos, da Igreja e da sociedade em geral, enquanto outras lutas feministas, comoa legalizac4o do aborto oua equiparagao salarial entre homens e mu- lheres, sao duramente combatidas por essas mesmas_ forg¢as. ‘As tensées entre essas duas linhas de pensamento feministas, s da internet - 0 movimento de pros: que ja eram imensas ante nos anos 1970 -, crescem a titutas surge oficialmente na Franga, partir do momento que nés, prostitutas, nao nos limitamos mais a existir apenas em nossos guetos, em NOssos locais de trabalho. Nao somos mais invisiveis. Passamos a ter a possibilidade deinte indicamos® ragdo em tempo real nas redes sociais, nas quais rei A como mulheres, donas de® espaco que sempre nos foi negado, ente olhas, e plenam sas vontades, de nossos destinos, de nossas es capazes de defendé-las. e Putas sfio essas, que OUF nsa sobre elas? Que Putas cousam se expor sem , mas em pessoa, e™ e nfio pode ser dito, sao lugares camas de © estranhamento: d ar tudo 0 que se pe! a por cim: jo, surge atraria am falar e, aind 501 go apenas nas redes Que dizem o que se sabe at 1 perigosos, que nado debates public’ que vive nos lugares tidos com para mulhere otéis, com parceiros div _ Que putas 0 essas, que putas temos S$ i: essas n&o sao as putas que & nao combinam tes, os prostibulos, as as esquinas, as noi desconhecidos ~ © ys e muitas vezes er: m as escure encontro Eu nao sei que putas ido nds, que s uma coisa eu S ousamos tanto. Mi ouvir, Ouler, no ¢: naginario popular criou: mulheres de comida e q . So putas que sociedade quel miseraveis que com o que 0 itt em qualquer coisa por um prato ue nao tiveram nenhuma outra oportunidade na vida a nao ser realizar oS desejos bizarros de homens maus e pervertidos. A sociedade quer ico espaco possivel dade, da exclusao, sexuais fiquemos no lugar que ela nos reservou, © uni que para mulheres como nés: 0 espago da precarie da marginalidade, da clandestinidade, da violéncia. Melissa Gira Grant, jornalista e escritora que exerceu O tra- balho sexual, autora do livro Playing the Whore, criou 0 conceito da “puta imaginada” para se referir a essa imagem estereotipada da prostituta: aquela que é, ao mesmo tempo, a trapaceira, a en- ganadora, a traficada, a oprimida, a louca, a andarilha, a cortesa e a dominatrix. Nunca uma mulher como as outras. Essa imagem acaba sendo usada para manter as mulheres, as outras mulheres. todas as mulheres, na linha: “nao aja c : es, na linha: “nao aja como uma puta se nao quiser parecer uma puta”. O estigma tem si égi Gente a ; sido uma das estratégias mais eficazes de do- patriarcal; Aci a ee para que mantenha sua eficdcia, é preciso palavra das putas que na te imaginaaacan ae ee Pp q : nao se parecem com a “puta crescae - ser ouvidas porque nao seriamos re- maioria das prostitt i canton Pp ‘ cutas. Isso acontece comigo, CO! i iquei Ami m Indianara Siqueira, com Lourdes Barreto, aco i i ntecia com Gabriela Leite, acontece com Pye Jakobsson na Suécia, com Magpie Corvid na Inglaterra, com Mor, teuil na Franga, com Georgina Orellano na Argentina.,, Mas o que seria representativo da maioria? Quem? Seri: mulheres que ndo exercem, nunca exerceram e nunca rae 10 ‘Bane Mer. i exercer a prostituigdo as tinicas vozes que d 2 prostituigao? Se nao posso falar por nés, por que claslondeey a guir falando por nés? E como segurar essa onda agora, an tantas prostitutas, mesmo sem ter frequentado universidade a sequer completado o ensino fundamental, queremos opinar sobre o trabalho que exercemos, usando a forga das redes sociais Para amplificar nossa voz? Sim, porque, embora ainda soe estranho para muitas pessoas que trabalhadoras sexuais tenham acesso 4 internet, nds estamos usando esse recurso com maestria. A questo do uso da internet é reveladora. A ideia, difundida por muitas feministas ditas radicais e outros grupos que se acos- tumaram a pensar o “mundo da prostituigéo” como um mundo & parte, de que prostitutas, em especial as que trabalham em nichos mais humildes, nao tém acesso a internet é um exemplo de precon- ceito e arrogancia. Vivemos em um mundo em que mensageiros virtuais como o popularissimo WhatsApp sao importantes para boa parte das trabalhadoras e trabalhadores auténomos, inclusi- ve profissionalmente, e isso mesmo para quem exerce atividades tidas como precarias, Uma diarista, um pedreiro, um eletricista, as massagistas, as cabeleireiras e outras profissionais muitas vezes sfo contatadas por suas clientes por esse meio. Por que nds, que também precisamos nos comunicar ~ com nossos clientes, com uso des- nossos amigos, com nossa familia —, nao poderiamos fazer ga tecnologia? Pois fazemos. E ainda que muitas pessoas associem 0 uso da internet 0 prostituig&o ao que chamam de prostituigao de luxo e considerem esse fendmeno como algo recente, é preciso lembrar que © primer ro forum de avaliagio de atendimento de clientes de prostitutes completou 18 anos ~ e que os sites de anuncios J existiam quando ele nasceu. E antes dos sites, ja havia 08 ‘A presenga das trabalhadoras sexuais na internet nao é, portanto, fendmeno recente. Usamos sim as redes sociais, e é assim que va- mos nos construindo, putas feministas e ativistas, lendo umas as outras, trocando ideias sobre o que é ser puta aqui, o que é ser puta ali, eo que é ser puta do outro lado do mundo. Eu acredito na importancia de debater essas questdes e acre- dito neste livro como um pequeno resumo do que temos pensado s e aliadas, no Brasil e no mundo, e debatido, trabalhadoras sexuai: sobre (puta)feminismo. Mas, acima de tudo, acredito nele como um apanhado de diividas e inquietagdes sobre as quais precisamos seguir falando. E preciso pensar e repensar os feminismos, aparar arestas, buscar os pontos de convergéncia que nos permiti- ess io de disputa que se coloca. Eu acredito nos rdo avangar no cer feminismos ~ em especial no putafeminismo — como movimentos potencialmente revoluciondrios, que trazem em sia possibilidade (e mesmo a necessidade) de desconstruir e reconstruir permanen- temente os conceitos. Vamos entao falar de putafeminismo? O que é putafeminismo? O que querem as putafeministas? Eu entendo que o (que temos chamado de) putafeminismo =} pode ser descrito, basicamente, como um movimento que nasce a partir da ideia de que nds, mulheres trabalhadoras sexuais, po: demos também ser feministas, combatendo 0 estigma sobre nés e fortalecendo nossa luta por direitos, sem que para isso precisemos abrir mao de nosso trabalho ou nos envergonhar dele. Mas o pu- tafeminismo pode também ser visto como uma possibilidade de repensar toda a estrutura da prostituigdo, identificando e comba- tendo as opress6es que existem nela. O prostibulo — e vamos considerar aqui nao 0 espago fisico em particular, mas 0 universo da prostituiga0o como um todo, o que nos permitira também pensar sobre as diferentes faces do trabalho sexual - é uma espécie de ultima fronteira. Um lugar que ainda é seguro para o machismo, onde a misoginia faz ninho. Essa Porta de ferro precisa ser derrubada e uma barbara insurreigao 38 inistas decididas ja se faz sentir. Elas impéem seus p 5 e afirmam: “(sobre) nossos Corpos nao Passarao!”_ limites © reg'a® © "5 que, no fim das contas, nao significa mais dg Uma imagem ae respeito. Mas que, na pratica, pode descon- iiltima coisa que se espera de uma prostituta é que limites e assegurar seus direitos. dar ou assustar ninguém, a ngo ser de putafem que mulheres € certar: afinal, a ela possa impor seus Ii Isso nao deveria incomo' os opressores. a . : ra, Mas as coisas mudam: se feminismo era, até pouco tempo atras, um termo temido pelas Cae ee a hoje muij- tas de nds nos identificamos como feministas. Ha uns meses, acessando a pagina da Quatro por Quatro — uma das termas mais tradicionais do Rio de Janeiro, gerenciada hoje por um homem trans, segundo informagao de Thaddeus Blanchette, do Obser_ vatério da Prostituigéo da UFRJ —, me surpreendi por encontrar uma publicagio com tons feministas: “Nao é nao” e “Respeitem as mulheres”. Isso na semana seguinte ao Dia Internacional da Mulher. Nada de felicitagdes e rosas. “Minha roupa nao é um convite, mesmo aqui no puteiro temos limites.” Sim, eu sei que o feminismo esté na moda, que o capitalismo se apropria de nos- sas causas para vender mais, e por ai vai — que o digam as grandes marcas de cosméticos e lingerie. Mas quando a pagina de divul- gacdo de uma casa que oferece servigos sexuais publica algo nes- se tom, nao posso negar minha animagao. Para quem, como eu, luta por um feminismo que inclua todas as mulheres, isso repre- senta um avango. O feminismo chegou ao puteiro, sim, e nao foi gragas as feministas conservadoras. AS PUTAS SAO TODAS IGUAIS? Um fenémeno bastante intrigante que tenho percebido pombe de ativismoé que, se uma puta fala algo, é como se tivéssemos falado. Entao, volta e meia as pessoas me por dizer coisas como “o nico risco que corro no meu ozar” Cuma frase jé tradicional de Indianara Siqueira), ou tum trabalho empoderador (coisa que eu nunca s mais tarde). Tem até quem me con- éode prostituigao fe: a qual falaremo ao Senado junto com o deputado Jean que disse, mas funda com a Joyce, que foi Wyllys para denunciar as violagoes dos direitos de prostitutas que iit mm Niterdi (RJ) durante a Copa do Mundo de 2014. astante diferentes fisicamente, ¢ ela é muito aconteceram @ Eu e Joyee somos b: is jovem do que eu. Entao comecei a perceber que, para algu- nm mesma. Todas pensamos e falamos as soas, somos toda 0} A palavra nica da puta. bom, nao, nao é assim que acontece. Temos pensares di- ma s pe mesmas Mas versos. Mesmo dentro do movimento nos damos ao direito (é quase um dever!) de divergir, de discordar. Nem toda prostituta é Moni- que Prada, nem toda prostituta pensa 0 mesmo que Monique Prada ou tem as mesmas vivéncias que Monique Prada. Temos total consciéncia disso, e ai de mim se nao tivesse e tentasse impor meu modo de pensar a alguma colega. Mas é in- teressante que a frase “nem toda puta é Monique Prada” venha sendo usada tantas vezes — por pessoas que nunca exerceram 0 trabalho sexual — para tirar a legitimidade do que digo sobre essa profissao. Como se eu no pudesse sequer falar por mim mesma, e como se essas pessoas, e apenas elas, pudessem falar por todas nés. Nem toda prostituta é Monique Prada, ou Bruna Surfistinha, ou Gabriela Leite; a essa altura do campeonato, alias, eu diria que nema Bruna Surfistinha é mais a Bruna Surfistinha, passada mais de uma década da publicagao de seu primeiro livro. O uni- verso da prostituigaéo é muito amplo. As trabalhadoras sexuais existe em miltiplas realidades e nem todas temos histérias de moa parecidas. Portanto, tenho consciéncia de que nem toda sami oa disfargo que falo, aqui, a partir da minha cue a as, Pon CHE lado, também falo como alguém. ae chee Sines que tem tido a oportuni- achat ae oan ae bem de perto. E sei cam séo comuns a todas nés, nao impo: portando 6 modo, 0 local e o tipo de atuagao de cada uma, 39 ou mesmo seu papel na tensa cumplicidade das stituigao. enBrenagens da pros Ainda que, por muito tempo, eu tenha me a facilidades que os antincios de jornal e, depois, aj porcionaram, nao ha por que negar: a curiosidade Proveitadg d nternet me pro, Sempre me em MO Prostituty MO ativista, Nao 5 COleBaS sip my. ente no precisam purrou para outros ambientes. Em alguns atuei ¢ mesmo; em outros, me conheceram apenas co} estou aqui para falar por todas as putas. Minha: Iheres fortes e de uma sabedoria incrivel. Realm que eu, e nem ninguém, fale por elas. O mundo nao é sobre mim. Aprender a perceber e respelt aoutra eee e suas vivéncias se mostrou essencial para aman meus horizontes sobre a prostitui¢ao, sobre os feminismos, a o ativismo e sobre a vida em geral. ete Falo a partir da minha experiéncia de mulher, filha, mae, ay, Ja sou considerada velha para os padroes patriarcais de mulheres que podem gostar de sexo (e, alheiaa isso, minha sexualidade segue cada vez mais pulsante e exigente). Branca de ascendéncia, e com tracos quase indigenas (“bugra”, se dizia de minha avé materna, que pariu minha mae aos 14 anos), filha de pai bancario e mae dona de casa, nao fui exatamente, na maior parte da vida, uma mulher de classe média. Experimentei nao so a prostituigdo, mas também apobreza. De certa forma, por escolha propria: sai da casade meus pais para o mundo ainda bem jovem, arcando com todas as con sequéncias de ser alguém que, sem formagao, estrutura e apoio adequados, se joga na vida levando uma crianga pequena pela mao. Ea partir desse lugar que eu falo. : Falo também como mulher que, mesmo depois de terentrado ate ” anes du na industria do sexo, nao exerceu a prostituicao © tempo todo rante esses anos. : reZa Falo como uma mulher que tambem provou a aspe paradoxalmente, matriménio na sociedade patriarcal — que, 5 Le a * jninas, € 2 o amor romantico, a devogao e a fidelidade femin» dade e o aparente pragmatismo masculin geral, se esvai ao primeiro par de chifres recebido - Falo também, e talvez principalmente em muitos momentos, a partir do lugar de mae. Uma mae que lutou para livrar suas crias da mochila pesada do estigma, n4o apenas de serem filhos de uma prostituta, mas também de ter uma mie solo, separada, “mae sol- teira”, “mae de filhos de pais diferentes”. Estigmas que nos atin- giam exatamente do mesmo modo violento que o de puta, como pude experimentar nos momentos em que exerci a prostituigao. Falo como alguém que segue lutando para criar mundos me- lhores para receber as crias que o futuro nos trara. Se hoje a noite se mostra incerta e assustadora, sigamos acalen- tando mansamente a utopia de um amanhecer sereno. E feminista. VOCAGAO PARA PUTA Nao comecei na prostitui¢gaéo por vocagao e, por minha vivéncia, nao acredito que exista, na sociedade em que vivemos, algo que se possa chamar de vocagao para a prostituicao. Em um mundo menos preconceituoso e mais igualitario, em que o (livre) exerci- cio da sexualidade possa ocupar um lugar menos marginal e clan- destino, talvez ela pudesse ser uma habilidade a ser treinada, um talento a ser direcionado por pessoas de ambos os sexos, indepen- dentemente de orientacdo sexual (0 que também dispensa voca- ¢40). Mas, numa sociedade como a nossa, vira puta quem precisa. Eee eosin: prostituta, com horario e metas a cumprir. de sexo, algumas tém la seus talentos, e besteira que Nelson falou, certamente no intuito de gerar polé- mica. Com todo o respeito A Gabriela, esse papo de talento para a soa como uma imensa tolice. 10, francamente, m prostitu As mulhere: io como so, cada uma a seu modo, Nenhuma e talento ou vocagao. Algumas pa: mulher nasce, de fato, com sarao a vida toda sem sentir grande afinidade com 0 sexo, e nao ha problema algum nisso. Vivemos numa sociedade em que sexo, sedugao e sensualidade séo supervalorizados, embora talvez o P er nao goze do mesmo status — em especial o prazer femini- no. Afirmar que todas as mulheres nascem com vocagao para ser prostitutas é negar a existéncia de pessoas assexuais. Além disso, nos faz esquecer que a prostituicdo segue sendo um trabalho pre- ario. E hao machismo implicito: teriam todas as mulheres, entao, © dom de agradar aos homens? Sim, porque, embora nao se resu- ma a isso, a prostituigdo passa por isso. E 0 nosso prazer? Quando estaremos de fato livres para busca-lo, e nao vé-lo como algo que necessariamente gira em torno de agradar aos homens? Nesses anos todos, nao conheci nenhuma prostituta que exercesse 0 trabalho sexual por algum tipo de vocacao. Os mo- tivos geralmente sdo necessidade financeira, aliada com fre- quéncia & curiosidade e a praticidade de um trabalho que nao exige formagao e remunera relativamente bem. E bem verdade que algumas tém o dom da comunicagao e da venda, e sempre as considerei especialmente admiraveis por isso. Mas nao pos- so deixar de perceber que poderiam ter direcionado esse dom para qualquer outra atividade. E muitas direcionaram mesmo. Encontrei algumas, anos mais tarde, atuando como étimas ad- vogadas. Outras cumpriam metas consideradas dificeis e ambi- ciosas em concessiondrias de veiculos ou no ramo imobiliario. Outras, ainda, tentarama sorte no que convencionamos chamar de bons casamentos, e tiveram habilidade para construir rela- ges sdlidas e belas familias. Vocés se lembram de quando, umas paginas atrds, falei sobre o trabalho sexual como um atalho para atividades menos precarias? Pois é. Vejam: nenhuma vocacao especifica paraa prostituigao. Para falar em vocag: a tal vocagao para prostituta afinal. Onde ela se revelaria? Na F ¢ Nao seria no gosto por sexo, ja que poderiamos fa ¥ Sexo sem cobrar fo € um trabalho remunerado, Vejam quanto nada, e a pre machismo ha nessa afirmagao de que mulheres que gostam muito de sexo tém talento inato para a prostituigao! Um homem pode io alguma para exercer a pros- ar muito de sexo sem ter voca gost tituigao; ma abe é servir, estar disponivel para satisfazer os desejos alheios a mulher que gosta muito de sexo, 0 tinico lugar que apenas. Essa mulher nao poderia ser, simplesmente... uma mulher que gosta muito de sexo? Ha uma confusao bastante comum entre a mulher que gos- ta de sexo e a mulher que exerce o trabalho sexual remunerado, Vocé pode gostar de foder e nao exercer a atividade, ou porque ndo precisa ou porque nao quer. E vocé pode exercer a atividade porque precisa ou quer, e no gostar de sexo tanto assim. Essa confusao toda, e ainda a ideia de que prostitutas sao sempre pes- soas infelizes com seus trabalhos, usando essa obrigatoriedade da felicidade no trabalho para negar direitos trabalhistas (que é algo lembrado apenas quando se fala em trabalho sexual re- munerado, vejam bem, ninguém se oporia 4 PEC das Domésti- cas usando para isso o fato de que é um trabalho precario e que a maioria das trabalhadoras, se pudesse, o trocaria por outro), podem acabar sendo entraves sérios para as nossas lutas. Tenho pensado muito nisso. Definitivamente, no acredito na existéncia de um talento es- pecifico para a prostituicdo. Eu realmente gosto muito, muito, de sexo; mas, se nao fosse por necessidade financeira, talvez jamais tivesse cobrado por sexo, e de modo regular, com horario, rotina, metas. Se a minha condigao financeira fosse outra, nunca teria me dedicado a viver dele nesta sociedade tio putafébica. E o mesmo se dé coma maioria das mulheres que conhego. © PROSTIBULO, UMA INSTITUIGAO RESPEITAVEL Silvia Federici? diz que, das mulheres, sao trés os trabalhos tomados cebam em troca na sociedade patriarcal capitalis- sem que nada re: balho sexual eo trabalho reprodutivo, ta: 0 trabalho doméstico, 0 t s prostitutas rompem com essa légica patriarcal iferentemente das traba- ‘io do lar. Em certo sentido ao por preco no trabalho sexual e, ainda, di Ihadoras domésticas, ao exercé-lo fora do domi mos em conta que o trabalho sexual remune- Agora, se leva exercido fora do Ambito doméstico, precisamos também rado & xercido ainda num ambien- reconhecer que ele é normalmente e: te de relativa domesticidade: o prostibulo. Apesar de ser ocasio- nalmente confundido com um espago de liberdade, o prostibulo & cheio de regras, frequentado majoritariamente por pais de , 0 que reforca seu vinculo como o ambiente doméstico. fam) O trabalho sexual, ainda que exercido 4 margem, existe nao exata- mente as escondidas. A prostituicao, junto com o matriménio, é uma das instituigdes mais sélidas da sociedade patriarcal. E no prostibulo que aconte- cem reuniées ao final dos dias mais duros de trabalho, negociagoes e negociatas, a comemoragao do sucesso dessas negociagGes e nego- ciatas, a iniciacdo sexual dos garotos e as divertidas despedidas de solteiro masculinas, assim como 0 sexo extraconjugal “sem riscos”. As visitas ao prostibulo sao aquilo que os homens dizem as esposas que “nao significa nada”, mas que estao e estarao para sempre pre- sentes na vida de grande parte dos homens adultos. Eu diria que, mais do que tolerada, essa intimidade dos homens com 0 prostibu- lo é bastante incentivada. O fato de os homens pagarem por sexo fora do lar é visto com naturalidade; nenhum homem é seriamen- te repreendido por isso. Mesmo nos paises onde pagar por sexo ¢ 2 Silvia Federici (1942) é professora da Universidade Hofstra, em Nova York. Intelectual militante do feminismo de tradicao marxista autonomista, é autora, entre outros de Caliba ea bruxa (Elefante, 2017). Em sua producao, costuma defender 0 reconhecimento ea legi- timagio dos trabalhos doméstico e sexual. proibido por lei, a Prostituicgio segue existindo; as t sexuais acabam sendo as tinicas Pessoas atingidas de rs as que areprimem. Talvez esse existir 4 sombra da lej ost cae sencial para a sobrevivéncia da Prostituic&o nesta mode es- sombra que a vida que nao pode ser vista oy faladaacontece. Mas se 0 prostibulo goza de todo xe pode dizer da prostituta. A prostituta e as mulheres ditas decentes nao pode: que a sociedade escolhe condenar e fui escolhida para ser, essa mulher a jogando essas pedras de volta para sse status, o mesmo iio se sta além da fronteira, laonde ™ estar. E é ela, somente ela, apedrejar. E eu escolhi ser, ou quem se apedreja, Hoje, estou vocés. Recebam-nas com carinho. TRABALHO SEXUAL OU PROSTITUICAO: DO QUE ESTAMOS FALANDO AFINAL? Alguns feminismos, e também a maioria dos setores da sociedade, especialmente os mais conservadores, consideram que a pros- tituigdo é o ato indigno de vender 0 corpo. Nés, trabalhadoras e trabalhadores sexuais, a consideramos uma prestacao de servigos. No comego de 2016, tive um debate com uma famosa feminista defensora da aboligao da prostituicdo ~ que, para defender esse posicionamento, chegou a comparar 0 exercicio do trabalho sexual & j venda de rins (suponho que falou de rins porque a maioria de nés ‘tem dois, o que tornaria possivel vender um e seguir vivendo). Nao concordo e nem tenho como concordar com essa definigao: até @ dltima vez que olhei, minha buceta estava aqui, e era eu quem mandava nela. Durante o debate, olhei novamente: puxei minha caleinha para o lado para que todas as pessoas presentes pudessem ‘conferir; estava ali, comigo, a minha buceta. Eu vou para os encon- Jevando comigo todos os meus drgios, ¢ volto dos encontros comparagio me Quando vocé diz que uma mulher vende © corpo, isso é pro. fundamente ofensivo para as trabalhadoras sexuais; mas é também, no fim das contas, uma ofensa que se estende a todas as mulhere, Quando uma mulher nao cobra por sexo, dela se diz que da. Naor. gem dessa expressao estd a ideia machista, e profundamente pa. triarcal, de que nenhuma mulher permanece inteira apés 0 sexo: algo ali nao é mais dela, pois ela deu ou vendeu algo de si. O corpo ou parte dele. Independentemente da natureza da relagao, é como des que naturalizamos, nas quais se algo se perdesse. Sao expre: nao temos quase que pensar. Mas elas estao ai: a posse e 0 poder sobre nossos corpos em jogo o tempo todo. Mas Andrea Dworkin (1946-2005)’, uma das grandes vozes do feminismo antiporn norte-americano dos anos 1980 e guru de muitas das jovens feministas brasileiras, também diz que, na prostituigéo, nenhuma mulher permanece inteira: “E impossivel usar um corpo humano do modo que os corpos das mulheres sao usados na prostituigdo e ter um ser humano inteiro no fim dela, ou no meio dela, ou perto do comego dela. E impossivel. E nenhuma mulher fica inteira de novo mais tarde, depois”. Sinto um arrepio de desconforto quando comego a ler esse discurso, que ela proferiu no simpésio Prostitui¢ao: da academia ao ativismo, na Universidade de Michigan em 1992. Quando ela fala da dificuldade de estar ali, (‘uma quantidade terrivel de confli- to sobre estar aqui”), mas também sobre estar ali com suas amigas e iguais, suas irmas, o contraste é evidente: ela era a winica prosti- tuta no evento. HA tantos anos encarando 0 ativismo como necessidade ¢ tendo-o presente em minha rotina, sei que muitas vezes, talvez na maioria delas, nés, putas, nao estamos falando entre iguais 3 Andrea Dworkin (1946-2005) foi uma das principais vozes do que se convencionou chamar “feminismo radical”. E autora, entre outros, de Woman Hating (Penguin, 1974), Pornograph ‘men possessing women (Women's Press, 1981), Right-wing women: the polities of domesti females (Women's Press, 1983) e Intercourse (Free Press, 1987). nos encontros feministas. Sao es) see pletos de mulheres que penilinen sige eee Rao raro re- fago e falo, e que muitas vezes $6 se dispoem ame eee tipo de condescendéncia ou fetiche. Mulheres que oy eos falar dos sofrimentos que supostamente passo nas maos dos ee com quem ve dormem todos os dias ~ sim, pois o ae mens geralmente € um homem casado e tao respeitavel nessa ouenaee quanto as ee os que estao ali me condenandoe ee um ee de ae Quando se fala do cliente da Prostitui- ee é como se ws ee quem ele é. Acontece um esque- cimento bem poiavemiente: O cliente surge como se tivesse descido 4 Terra ou subido das profundezas do inferno apenas para contratar uma sessao bizarra de sexo pago. Mas nao é assim. Ele esta na mesa de todas as casas nos almogos de domingo. Se alguém tem raz4o de se preocupar conosco, prostitutas, que saimos com esses homens tao cruéis, suas esposas, presas a eles, tém ainda mais razdo para se preo- cuparem. Nosso periodo é medido no reldgi O que quero dizer, portanto, é que Dwor! mente entre iguais, assim como eu, hoje sei, ainda nao estou entre iguais na maioria dos debates feministas, com publico ainda majo- ritariamente composto por mulheres de classe média que muitas vezes nao exerceram nenhum tipo de trabalho precario na vida. Sao grupos no necessariamente hostis, muitas vezes até acolhe- dores, mas ainda assim intimidantes, e eu imagino que, em 1992, isso fosse ainda mais evidente. Sinto nessa fala de Andrea certo constrangimento, como se ela se pusesse a falar, de modo quase pornografico, o que o publico quer ouvir, para poder, assim, ocu- par (ou seguir ocupando) um espago entre nao iguais. As palavras pesadas que usa reforgam em mim essa percep¢ao. E, ao longo desses anos todos, 0 modo como esse discurso vem sendo usado contra nos, trabalhadoras sexuais organizadas, Por feministas que querem abolir a prostituicao, nao contribui Para dissipar essa minha impressao. Enquanto feminista, nao acredito em dogmas. Respeito teo- rias, respeito vivéncias, mas nao me prendo a dogmas. Entao, se delas, nao. nao estava exata- in me diz que nenhuma mulher pode cont} Andrea Dworkin me diz que nenhur ‘pode continuar , ser uma mulher inteira apés ter vivido a prostitui¢ao, esto agy, para diz im, prostitutas, continuar inteirag a quanto exercemos a prostituigdo, e depo! empre. Estou inteirg e senhora de minhas faculdades mentais, de meu corpo, de minha so. Nos, trabalhadoras ee er que podemo; vida, e parece que posso falar sobre i xuais, temos permanecido inteiras € falado sobre isso. da que eu possa compreender que cada mulher é ingular, e que consiga entender o ponto de Dworkin - que, segundo consta, exerceu por um perfodo o chamado survival sex (a troca direta de sexo por pouso e comida), apés um casamento frustrado e vio. lento, e ainda assim voltou a casar-se no final da vida (0 que de al- ituigdo patriarcal que queria gum modo significa que a tinic: derrubar de fato era a prostituigéo) —, ndo posso ignorar o ponto violento e absolutamente machista da ideia de que praticar sexo torne as mulheres de algum modo incompletas. Dworkin e muitas outras teéricas feministas (estamos falan- do aqui de parte do feminismo norte-americano dos anos 1970-90, mas nao apenas) colocam a prostituigao em si como uma violéncia exercida contra a mulher. A principal questao disso é que tomar 0 trabalho sexual como algo abusivo em si mesmo é um modo potencialmente perigoso de pensar as coisas, Porque essa sera, exatamente, a ideia que nos impedira, ali adiante, de denunciar violéncias contra nés. Onde tudo é violéncia, entao nada é vio- lento, eis a quest&o sobre 0 mito de que o trabalho sexual seria um “estupro pago”. Chamamos de estupro as relagdes sexuais nao consentidas, com ou sem violéncia, Qualquer sexo Pago p: res- trabalho sexual consentido equivale a estupro, exercem a atividade ficam expostas a todo tipo d poder de denunciar. Afinal de contas, como uma prostit ria ser estuprada e reclamar se, de acordo com ca a ae Pode- estaria naquela situa¢ao justamente para isso? & com ag Ss questao que acabamos tendo de lidar a todo iMomemen de = oas as mulheres que que, sabemos, téma EEAGIO de nos proteger, mas que acanara nos colocando em umasituagao de vulnerabilidade ainda maior, a partir de teorias aus nao contaram com nossa colaboracao Gira em sua formulagao. ‘A possibilidade de estupro de trabalhadoras sexuais é tema, inclusive, de piadas. H4 uma, bastante antiga, em que 0 Bees pergunta A vitima quando ela soube que estava sendo estuprada, ela responde: “quando 0 cheque voltou”. Sabendo disso, ett que 0 trabalho sexual, no qual todas as praticas séo negociadas antes da consumagao do atendimento, é estupro em si, significa deixar uma categoria inteira de mulheres impossibilitada de se defender da violéncia real. Além de um tremendo desrespeito com aquelas de nos que ja sofreram abusos sexuais e estupros reais. Os chamados estupros “corretivos” teriam, em tese, a “fina- lidade” de ensinar as mulheres como se portar. Mulheres lésbicas sao vitimas frequentes desse tipo de violéncia, mas ela é também pratica comum contra mulheres que sao ou parecem ser prosti- tutas. “Se nao quer ser estuprada, nao se vista como uma puta.” Foi de uma insinuagao desse tipo, feita por um policial, que sur- giu, alias, a SlutWalk, aqui no Brasil chamada de Marcha das Va- dias — um protesto no qual costumamos dizer que podemos nos vestir como quisermos, e que isso nao é convite ou justificativa para sermos estupradas. E muito provavel que as prostitutas tenham ensinado isso as outras mulheres: vocé pode se vestir como quiser sem que isso sirva para justificar agress6es. Parado- xalmente, mulheres que hoje se sentem a vontade para se vestir como quiserem esquecem disso com muita frequéncia. Uma das faixas da primeira Marcha das Vadias de Sao Paulo dizia: “Somos vadias, nao prostitutas”. Como podemos ver, mesmo entre mu- lheres que lutam pelo direito de parecer putas ha w dade de colocar a prostituigao como lugar de inferiorida nenhuma mulher pode pisar. ma necessi- de, onde 0 PENSANDO UM MARCO CONCEITUAL: TRABALHO SEXUAL E TRABALHO De modo reto e descomplicado, podemos dizer que prostituicag consiste no ato, por pessoas adultas e em condigdes de consentir, de trocar sexo por dinheiro ou outros bens, de modo regular ou oca- sional. E basicamente uma prestagao de rvico. As pessoas — homens ou mulheres, cisgéneras ou transgéneras - podem se envolver em trabalho sexual por diversos motivos. Seja por necessidade financeira, pela curiosidade, pela liberdade de ho- rario que esse tipo de trabalho proporciona, ou pela remuneragio que oferece, maior que a de outras atividades que elas poderiam exercer. E um trabalho relativamente facil de comegar a exercer: hoje em dia, basta ter acesso 4 internet ou coragem para entrar em um dos muitos locais destinados ao exercicio da atividade. A sele- ¢do nao é exatamente rigorosa, e o meio aceita bem a diversidade de corpos, ainda que num contexto fetichista. Quase sempre o que se fala sobre esse trabalho e as pessoas que o exercem é permeado por algum tipo de moralismo. E inte- ressante perceber que mesmo Virginie Despentes*, em seu Teoria King Kong, vera uma questo no trabalho sexual: segundo ela, o problema da prostituigao é como o problema das drogas. Uma vez tendo exercido a atividade, vocé nao consegue abandona-la, pois se acostuma a ganhar dinheiro de modo rapido e relativamente facil. O trabalho se torna um tipo de vicio. Eu acredito que nosso “vicio” mesmo, nds que exercemos esse trabalho de modo rotineiro, éem pagar nossas contas e sustentar nossas familias, de preferéncia com algum conforto. Amaldicoar esse dinheiro é uma atitude bas- tante moralista. Ninguém diz que publicitarios, médicos e secre- tarias trabalham porque sao viciados em seu saldrio, e tampouco alguém ousaria condenar qualquer um que troque seu trabalho ° 2016), seu trabalho: > Suma escritorae cineasta francess. Teoria King Kong (n-1edicSes “ncla coms peootiouta cena een rn mutoblogriticn em que cia fala sobre sos ex ‘contemporaineo. por outro em que receba pagamento melhor — a nao ser ro trabalho seja trabalho sexual. Virginie também coloca como problema a vida dupla. cessidade de mentir para namorados ou familia. que esse out! A ne- E um problema real. Muitas mulheres mentem sobre sua atividade por anos, Mas esse problema nao tem a ver diretamente com 0 trabalho sexual, e sim com o estigma sobre ele. Virgi Franga. E ela é uma boa prova de que nao basta ser prostituta para exerceu 0 trabalho sexual por cerca de um ano, na estar livre desse tipo de pensamento. Muitas de nés consideramos nosso dinheiro maldito, porque ele parece voar de nossas mio: gastamos boa parte em roupas, lingerie, maquiagem, tratamentos estéticos e perfumes, essenciais ao exercicio dessa atividade afinal, E muitas vezes nos culpamos por isso, como se estivéssemos jo- gando dinheiro fora. E possivel que a condi¢4o de informalidade, aliada a ideia de que trabalho sexual nao é um trabalho verdadeiro, nos impega de perceber que esses custos s4o um investimento necessdrio para que nossa “firma” siga funcionando e dando um bom lucro, apenas isso. Um tipo de investimento, e nado um modo de desperdigar o que se ganha. 2. UMA ROSA E UMA ROSA, NAO IMPORTA COMO VOCE A CHAME Aquantidade, variedade e origem dos termos usados para designar as pessoas que exercem o trabalho sexual é impressionante. Em al- guns cantos do Parana, por exemplo, ainda se usa a palavra “polaca”, em referéncia as prostitutas europeias que vieram para 0 Brasil no comeco do século XX, muitas delas polonesas de origem (que, como acontece hoje com as brasileiras em Portugal, acabou por es- tigmatizar as polonesas no Parana). Das histérias dessas mulheres, um amigo de ascendéncia polonesa me conta que era comum que as meninas que perdiam a virgindade antes do casamento fossem expulsas de casa, para nao envergonhar suas familias, e enviadas ss da porta da coz . saeco que vinham para ch para fugir da guerra € F575" © Gosto muito do som da palavra“meretriz - [a sma palavra alegre, dancante. Talver ja a minha Proferse Ainda ae ig comego de minha militancia, gostava de me Geclarar Pros. fituta, Percebia que o termo gerava reagbes fortes € me divertia com isso. Muitas amigas e amigos pediam que eu nao o usasse, pois nao era “assim” que me viam. Preferiam que eu usasse “acompanhante”, como 0s sites. Mas nao me viam assim como? Como prostituta. Conside- ravam o termo agressivo. Entdo, na maioria das vezes, eu acabava cedendo e usando “acompanhante” mesmo, embora evitasse sem- pre que possivel o “de luxo”, que nunca me agradou. Também fugia de ser chamada de garota de programa, € mais ainda por sua sigla, GP. Eu jé nao era mais garota; alias, nunca me considerei “garota”, nem quando era muito jovem. Essa expressdo traz um tom de in- fantilizagio bem desagradavel para alguém que fala forte como eu. Essa diversidade semantica mostra que a cultura da prosti- tuigdo é bastante rica, mas ao mesmo tempo parece nao ter con- tribuido muito para conseguirmos nos ver como uma categoria ae eee bee as enieres que atua pelos sites nao se : _vé como prostituta comum ~ que seria aquela que exerce seu tra- _balho nas ruas ou em lugares mais “baratos”. Do mesmo modo, a quino Br spagos politicos organiy: ‘lei conotagiio pejorativa, cai em desuso, 1 o termo. ainda em disputa, Como e esta a Rede Bi pase ados na luta por de Prostitutas e a CUTS (Central Ss), mais recente, direitos, teme alhador abalhadores Sexua; Unica de T s tem uma definigdo consens Je! wadas dl m Nenhuma ‘ : ‘obre qual termo s correto, Temos ainda a Articulacio Nacional de f a al de Pp: on ren ro: do Sexo, que traz 6 termo usado hoje pela Cla : ificagio 4 descrever a atividade ~ ainda que o asileira de Ocupagées pa je de outra: express texto cite uma se Eu, embora nao tenha nenhum problema moral em me id ~ re iden- tificar como prostituta ~ e, assim como Gabriela Leite goste mui to da palavra puta ~, prefiro hoje usar a expressio trabalhadora sexual para definir a atividade que exercemos. Considero seu uso importante politicamente, para deixar bem marcadaa afirmagio de que trabalho sexual é trabalho. Também levo em conta o fato de essa definigio poder englobar uma gama enorme de atividades: a prostituta, a stripper, a cam girl, a dominadora profissional, a atriz porn6, a assistente sexual. Neste livro, falamos principal- mente de prostituigao, atividade que ainda exergo, mas sem es- quecer que esta é apenas uma das atividades englobadas pela denominagao trabalho sexual, mais ampla. Muitas de nés exercemos varias dessas atividades simultanea- mente. Em muitos paises, algumas sdo legais; outras, nado. Na maio- ria dos paises, a prostituicao é¢ ilegal; ser dangarina, cam girl ou atriz porné é legal. Isso estigmatiza principalmente as mulheres mais pobres, que em geral esto envolvidas exclusivamente na prostitui- cdo. A repressao estatal recai mais fortemente sobre as mulheres que captam os seus clientes nas ruas. Além do moralismo, questoes como especulagao imobiliaria e gentrificagao fazem 0 poder local empurrar essas trabalhadoras para locais cada vez mais afastados. : No Brasil, a atividade foi inclufda na CBO (Classificagao Brast leira de Ocupagdes) no comego do século XXI, sob 0 niimero 5198-05. Foi a maior conquista do movimento organizado de prostitutas ate aqui. E importante notar que, embora o ntiimero de pessoas que se re- n como profissionais do sexo e contribuem com 2 Previdéncia 55 jdo grande — justamente por conta do estigma Social ha s' ie. nunca ten! -,ainclusao da atividade na CBO contribuiy que cerca a atividade at edug¢: ttamente para aT" ie sagt dire! ceramento de prostitutas pela policia. As prisoes se baseavam encar sata Lei da Vadiagem para deter mulheres que tinham nag an See asteasignl local de trabalho e captagao de clientes. Hoje See nitioras se valem do fato de a puwidade constar da CRO para garantir seu direito de ocupar as ruas sem risco de detencig iolénci licial. I ie fap de 2016, 0 deputado Flavinho, do PSB de Sao Paulo, apresentou a indicagao 2371-16, que sugere e demanda a re- tirada da ocupagao de profissional do sexo da CBO. A propostaeo PL 377/11, de autoria do deputado Joéo Campos, sao hoje as duas maiores ameagas aos direitos da categoria que tramitam no Con- gresso Nacional. Ambas tém chances consideraveis de aprovacio. Embora a prostituicao seja - e sempre tenha sido — legal no Brasil, todas as atividades que a cercam sao ainda tipificadas como 40 de casos de violéncia institucional e de crime. Quando comego a conhecer e a pensar sobre as leis vigentes que tratam de prostituigdo, logo percebo nelas uma fun¢ao bas- tante dbvia: isolar socialmente a mulher que exerce ou é suspeita de exercer o trabalho sexual. Essas leis nao protegem essa mulher. Pelo contrario, é muito facil usa-las contra as prostitutas,e mesmo contra mulheres que nao exergam a atividade. Isso pode ser per- cebido mais claramente em paises onde a prostituigao é crime: em quase gods portar preservativos pode ser considerado evidéncia de prostituigao. uaa que uma mulher seja suspeita de prostitui- peer a modo (qual?), caminhe pot rminados bairros. 2 eeaenabigeeanel Rae ce etinicto nao seria efi- e estigma Mas as leis fazem 0 con” nos dara a eee yee de oe € da forma como ele Preju- dica todas as ™ 08 dias: vocé encontrar vérios casos de mulheres presas por rg sido confundidas com Prostitutas em lugares onde a prostitui¢do é crime. E bem frequente também mulheres terem problemas na alfandega de determinados pa por essa mesma confusao. O estigma de puta no atinge somente a nds: atinge a todas. De qualquer forma, seja qual for sua opiniao sobre prostitui- gio, é impossivel negar que a atividade é exercida hoje por um ni- mero considerdvel de homens e mulheres ao redor do mundo. Em seu relatério de 2012, a Fundagao Scelles, entidade francesa que combate a exploragao sexual, calculava que entre 40 e 42 milhées de pessoas exercem essa atividade no mundo. Nao me parece um dado totalmente confidvel para falar de prostituigdo, j4 que a pes- quisa nao diferencia trabalho sexual, exploragao sexual de criangas eadolescentes e trafico de pessoas. Isso nos impede de saber com exatidio quantas dessas pessoas realmente exercem o trabalho sexual voluntariamente e quantas estio vivendo situagdes de ex- plorag’o sexual. Mas ¢ 0 dado que temos, e precisamos trabalhar com ele: aproximadamente 42 milhdes de pessoas exercem a ati- vidade ou sao vitimas de explorag’o sexual no mundo. Calcula-se que cerca de um milhao e meio dessas pessoas esteja envolvida na atividade no Brasil. Alei brasileira estabelece que o trabalho sexual nao pode ser exercido por menores de 18 anos ou por maiores de idade que es- tejam sob coagdo ou ameaca. A expressao “prostituicao infantil”, portanto, nao se aplica aqui, mas a exploracao sexual de criangas e adolescentes, sim. O que para alguns pode parecer apenas um ca- essa diferenga reforca o fato de que nosso trabalho é um trabalho, exercido de modo consciente e consensual, e ndo um crime come- ~ uma argumentagio stupro e tr m o fim da prostituigao. . Exploragao sexual, @ ico trabalho. A excegao da exploragiig ue é crime previsto em le} combatida co} trabalho sexual é trabalho. 2 de pessoas so crimes - € N40 sexual de criangas ¢ adolescentes ~ 4 no artigo 244-A do Estatuto da Crianga e do Adolescente (E > : . (ECA) e de trabalho infantil, segundo a Organizagio uma das piores formas nee : Internacional do Trabalho (OIT) -, as leis nao deixam claro 0 que configura exploragao sexual. Ja as leis sobre trafico de pessoas sio as trabalhadoras sexuais migrantes e, no fim heres, considerando que qualquer tituigao e acabar detida na problematicas para das contas, para todas as mu! uma de nés pode ser suspeita de pros' imigragao ao viajar para outros paises. Ou seja: ainda precisamos estabelecer a distingao entre o que é trabalho, o que écrime eo que ¢: q é exploragao - e, em boa medida, entre o que é exploragao sexual © o que é exploragao laboral, considerando que, no sistema capita- lista, a segunda esta presente, em maior ou menor grau, em todas as relagées de trabalho. Algumas falas dentro do movimento feminista cobram forte- mente que o trabalho sexual seja, de algum modo, empoderador; até mesmo algumas trabalhadoras sexuais e ativistas adotam esse discurso. Nao é uma linha que me represente, ja que considero que nenhum trabalho exercido em nossa sociedad: i ciedade, e em especial nenhum trabalho precario exercid i ido por mulheres de baixa escola- ridade e classe social, possa realm realmente ser considerad de- rador ou emancipatério. Nao ha ee . nenhum questionamento sobre poderamento alcancado Dor mulheres que exercem outros Precérios: ninguém se ‘mporta se uma mulher precis@ limpar privadas, ocupar seus dias embalando compras turar oe ipras ou cost ‘Se © Sexo para garantir seu SUS” reinventar constantemente para nao desaparecer tituigdo, se ndo pode ser considerada um traball qualquer ~ definigao que apagaria suas especificid, nao apenas laborais, mas também uma série de t, de vez. A pros- tho como outro lades e questées, ; : . abus, estigmas opress6es ligados & sexualidade humana, em especial feminine tem sido um trabalho possivel para um nuimero imenso de pessoas no lugar de onde venho e em muitos por onde passei, A maioria sao mulheres (cisgéneras, transgéneras, travestis) pobres que buscam alternativas para sobreviver, sustentar sua familia, ter vidas um pouco menos precarias ¢ aleangar alguma mobilidade social. Seja acumulando algum capital e se arriscando em um Pequeno negé- cio, seja pelo estudo e formagao que nao conseguiriam conquistar exercendo outra atividade, seja pelo casamento com alguém de melhor condigao financeira - nao da para negar que muitas mu- lheres abandonam a atividade a partir do matriménio, e que a nar- rativa da puta resgatada pelo casamento com um homem de bem ainda seduza sociedade. Da Antiguidade aos dias de hoje, a puta ora é vista como sa- cerdotisa, detentora de saberes divinos, ora como mulher perdi- da, desprezivel, desqualificada. Dos bordéis estatais de Sélon, na mis6gina Grécia Antiga, & prostituigéo massiva como tinica alter- nativa para a subsisténcia das mulheres em periodos de escassez; da prostitui¢do de luxo em bordéis ditos secretos a seducao e os perigos das esquinas; dos antincios de jornal e adesivos em telefo- nes publicos a internet e a prostituigdo exclusivamente virtual dos Pportais onde homens, mulheres e casais se exibem em webcams, as transformagées sao facilmente perceptiveis. E isso nao impe- de que modos mais tradicionais e “respeitaveis” de prostitui¢ao, como 0 casamento por conveniéncia financeira e os sugar daddies com suas discretas babies (que podemos descrever como uma ver- sao moderna do “tio que ajuda a pagar os estudos”), ainda sejam bastante presentes. Numa sociedade em que uma mulher branca recebe cerca e 80% menos que um homem branco pelo mesmo trabalho ~ a dis- Paridade entre os saldrios de um homem branco e de uma mulher negra para a mesma atividade é ainda maior =, Sem esquecer da dificuldade de insergao e de as trabalho formal, o trabalho sexual costuma ser, entre os trabalhos informais, aquele que melhor remune: estudo ou qualificagio. F reemos, apesar dos riscos e precon- asfio das mulheres no mercado de raas mulheres, mesmo as que tém pouco sse 6 um dos motivos pelos quais muitas de nés ainda o exe de nés, mulheres cisgéneras, acabamos por ter no nica (ou ultima) alternativa para fugir da fome e banir o trabalho sexual da face da Terra é ceitos. Mu trabalho sexual au da miséria. E por isso que uma péssima ideia: seguiriamos expostas 4s mesmas estaria extinta. Nossa luta, necessidades e nossa tinica ou melhor alternativa laboral neste sentido, deve continuar sendo para acabar com a pobreza no mundo. A pobreza ¢é degradante, violenta, humilhante e empurraas mulheres para os trabalhos precarios, dos quais 0 trabalho sexual é apenas um. No entanto, num mundo que nao tem tido sucesso em acabar com a pobreza, no é sensato condenar a clandestinidade as mulheres que precisam recorrer ao trabalho sexual para sobrevi- ver. E imprescindivel defender que possamos exercer a atividade que da sustento a nés e a nossas familias de forma menos precaria ‘¢, 29 mesmo tempo, lutar contra a miséria e por politicas puiblicas que garantam op¢6es melhores para todas as mulheres. A situag4o é outra quando falamos de mulheres trans e tra- vestis. A maioria delas sio expulsas de casa pelas familias bem edo e rejeitadas pelo mercado de trabalho formal. Assim, entre elas, a prostituigdo é quase sempre compulséria, ainda que também seja reconhecida por algumas travestis como seu espaco primeiro de construgio de afetos e de reconhecimento de identidade. Um espago no qual, segundo Amara Moira, “seus corpos sao aceitos nao € necessério existir legislagéo especifica para que tenham seu nome social e género respeitados”. Uma pesquisa da orga nizagao nfo governamental internacional Transgender Europe: ‘due aponta o Brasil como campeaio mundial de assassinatos de ‘travestis e transexuais, revela outro dado assustador: mais da me~ d re 2008 e 2016 no Brasil _ Transexuais (Antra), 90% das mulheres SemeaREsne rec exercem mulheres cisgéneras podem exercer 9 trabalho oe eae boates, 0 espago reservado 4s travestis é quase sexuel em casas iruicas precaria nas ruas, o que Possivelmente sempre 0 da Feetiei tar 0 risco de agressées ea inseguranga, ee t tenha modificado um Pouce 6 modo como ge ee eae, nao chegou ao ponto de evitar 08 niimerog @m, de suas fa xual, todo & aheiro ganho ce + 2s: ar dec din guerre exatamente © mesmo poder de compry odera, ainda f ae ie Powe qinheiro receDid© peloexereicio de qualquer outra atividade eodi que minismos, © relato de uma mulher que terminados fe’ ) na pros T., prostituta ed ida prec e unr implesmente nfo para “para de pode ser levado obtém sucesso financeir¢ nsideragao”, diz Aline 7 gee continuar levando ume v gitimo. Quere 4 ao, por que el em CO! =prostituir ge relato tido como le} se dando bem na prostitul 1? Ah, ela nao te seus filho: acabar com es desse minimo de se prostitui! m escolh para sobreviver mulher nao tem escolha, por due menos nociva?” Aline pros rostitu no é que é ofensivo ganhar rdade que e: e sustenta ssa tinica op¢io, em gue: “Eu nao entendo. vez de torné-la Nunca vi ninguém entrar para 2 P! abeca. A sensacao que tent Jas [as ativistas antiprostituigao] do de sexuali- 5 com uma arma apon- tada para a C dinheiro dispondo de algo que e dicionadas a guardar a sete chaves. Tenho a impre foram con! que elas julgam nosso trabalho facil porque usamos Nos dade e nossos corpos para ganhar dinheiro. Julgam o sexo imoral,e aise apoiam no fato de que algo simples, como transar, niio poderia gerar lucro. E como se estivéssemos trapaceando na meritocracia’ Embora o conceito de meritocracia seja bastante falho, as PAS de Aline sao certeiras. E como se as pessoas Beicescem nos punir por, em vez de nos dedicarmos a trabalhos tao precarios juant x . - on de pone pior, termos encontrado o que conside- espécie de atalho e sem ni . os submetermos ao matrimonio, atalho socialmente aceito. ha Depoi: ‘ doras ee muitas conversas com Aline T. e outras trabalha- a prostituicao — do que elas reclamam: a mulher que exeTc® Oo Sua palavra fea ee or tempo a rechaga jamais ¢ questionad- auccbanaecam contestada. Ela nunca é vista como algué™ Ther que exer nganada sobre como vé 0 trabalho sexual. Jaa mv" ‘ce a prostituica i - dio e que, ainda que nao tenha fantasias recariedade que cerca seu trabalho, a assume como uma re Jepossivel, ae permite sobreviver melhor do que outras, a mulher aparece sempre como algo a ser questionado, Jificado © desmentido. Nao defendo aqui que se desconsi- ual . _ avra de mulher alguma, mas precisamos pensar sobre o dere a pal que, afinal, nos ma, cada uma : : diferente. Eu acredito que o estigma seja parte do que leva as pes- ji 2 soas a desconsiderar essas falas. ‘ Dolores Juliano, antrop6loga argentina, fala sobre o estigma como fator essencial para a manutengao do sistema: “A fungio de ser esposa e mae em nossa sociedade é tao pouco atraente que o faz ouvir essas mulheres que falam sobre o mesmo a partir de sua vivéncia pessoal e com um animo tel tinico modo de convencer as mulheres de que é uma boa escolha seria persuadi-las de que a outra possibilidade é bem pior”. Ela afirma que o estigma é mais danoso as trabalhadoras sexuais do que o proprio trabalho sexual, mas também acha que ele nao esta diretamente ligado ao fato de algumas mulheres cobrarem por sexo, Naverdade, todas as mulheres que de algum modo contrariam aordem das coisas na sociedade patriarcal se arriscam a sofrer por conta desse estigma: a Ofensa Madre, parecer uma puta, ser con- fundida com uma puta, ser chamada de puta. Morgane Merteuil, uma das fundadoras do STRASS, sindicato francés de trabalhadoras sexuais, vai além. Ela fala da perseguigdo astrabalhadoras sexuais no mundo todo como uma maneira radical de formar um exército de reserva para 0 trabalho precario e mal peeete nos convencem de que qualquer outro trabalho melhor € menos degradante que o trabalho sexual, fica mais ee que aceitemos maus trabalhos e péssimos salarios. _ ~~ | TA - SUJEITO, NAO OBJETO. FLETINDO SOBRE QUEM SOmos. REF ENSANDO FEMINISMOS (RE)P Asvozes que a sociedade considera dignas de ouvir: ou se da espaco auma ideia festiva, glamorosa e fantasiosa da Pprostit , Ou a uma visio dramatica da prostituta, como mulher sofrida e viti- mizada. Nao é possivel ou desejavel fugir do cliché, abrir mao do esteredtipo e ouvir as prostitutas como se féssemos pessoas. Em Seral, as pessoas nao conseguem perceber que a prostituta pode sera vizinha que cria os filhos sozinha, a universitaria que mora a0 lado, a moga independente e discreta da casa da frente. Almogamos, jantamos, consumimos. Existimos, por mais ane existirmos também fora do gueto seja inconveniente em yr damente hipécrita © conservadora E ~u ta, mas n4o q! a pelo estigma, que afeta ng da p a No 64 pém suas familias, amigos, fp, s, . las prirmos espago para tratar do, Se S te uma sociedade profun alimen sociedade que nS alime Essa invisibilidade fore! trabalhadoras sexuais mas tam ncia de al uer que sentemos ay," es; s, Ja da urge! a ao trabalho sexual a partir de uma Stica feminis, nao moralista, N40 punitiva endo vitimista. : Precisamos poder pensar sobre nossas vidas, nossas ro aalém dos eSPagos QUE a Sociedage a comunidade - par’ Se ha entre né idade e abandonar 0 meio, que possamog nte melhores e formacao ade. tdes, Noss: : : 5 muita gente interessada en, tem nos reservado. desenvolver outra ativ) caminhos realme: encontrar juntas apenas exercer trabalhos prec. quada. Almejemos mais do que rios fora da prostituigado. Ocupemos capazes. E que possamos, ainda a cendo o trabalho sexual, pois nao errado nisso. Lutar por politicas publicas que melhores opgoes de vida, lutar por & mens e mulheres e lutar pelos direitos das trabalhadoras sexuais nao sao, e nao podem ser, excludentes. ot nee ame i onde possamos lembrar feministas. Existe ee muita ckecs eee EN ar pee ancia eore algumas de nds FEE oe = ager sobre 0 direito dbvio e a necessi- de sermos ee. foo a ee ones O fato é que o cha gee oo co movimento bulo e, quando chega, é ee, convencional nao chega ao prost cu ics i aararticg eo de salvacionismo, ou na de dis prostituigao ~e, sim, contra my aes forma de passeatas contra4 tao direta quanto o . prostitutas, Nem sempre de form mulheres pushin, das Maes de Braganga, grup? de ser capa da revista ee do século XXI, chegou® que trabalhavam na cidade. ao prostitutas brasileir® : chega na forma de agressi0. de as universidades; nés somos m, se quisermos, seguir exer. ha nada de verdadeiramente garantam as mulheres maise quiparagao salarial entre ho- agdes violentas que nos dize pich m 7 olent lizem que os corpos delas, da ~ como se nossos cor, : ee pos adoria e nossa existéncia nos eaeos cm puteiros represent: mer 5 asse 2 tipo de ameaga ou convite, Talve se algum ZO grande perig. presenta paraa sociedade ainda hoje seja arenas te ce por convencer as outras mulheres de que 0 “lado de La” a i nal de contas, to ruim ou perigoso assim, — 0 feminismo chega ao puteiro, entao, como algo que quer nos tirara fonte de renda, o trabalho ~ aquele que muitas vezes é nossa {nica ou melhor opgao de sustento ~, e nunca como um aliado na busca por melhores condigées de vida. Chega como um discurso moralista e moralizante, nunca empoderador. A ideia de que nés, as trabalhadoras sexuais, podemos nos sen- tir parte dessa luta, de que ela também é nossa, tem sido uma cons- trucao delicada e quase timida. Mas muito poderos: : quando uma mulher se dd conta de que tem direitos, todas as mulheres ganham. Lembro de quando comecei a pensar sobre feminismo e prostituigao, a partir de alguns artigos que li no site da Marcha Mundial de Mulheres no Brasil. Era tudo lindo: instrug6es sobre como organizar protestos, agdes, como fazer lambes (colagens feministas nas paredes das cidades). Acima de tudo, a ideia muito simpatica de que mulheres andando juntas se tornam mais fortes. O feminismo me seduzia. No entanto, muitos dos textos sobre prostituigao que en- contrei no site nao fechavam com a minha vivéncia. Precisei de muitas leituras até perceber, por exemplo, que todo 0 sexo pago eraapresentado como estupro. Uma ideia terrivelmente ofensiva: enquanto mulher, eu sabia muito bem diferenciar sexo consensual € estupro. A ideia de que podiamos estabelecer limites nas rela- Ses pagas era ignorada; a possibilidade de sabermos 0 due esta- vamos fazendo era tratada como inexistente. Segundo o due esses textos me diziam, uma prostituta que diz que consentiu em fazer Sexo estaria sempre enganada, iludida pelo dinheiro, forgada por Sua situacdo financeira a aceita-lo. Seu consentimento, portanto, nao deveria ser levado em conta. ° 70 Como mulher, prostituta e ser pensante, aquilo ngo me g, Soaya bem. Aquilo me feria e me afastav conn i stante evidente entre “mulheres decentes» _\° um desnivel bastante & entes” ¢ Pu snivel que dizia que eu era menos inteligente e, Por isg F Bie SSo, az de perceber as opressdes que sofria do que ela : elas estavam estabe] tas; um de: menos cap _ 1 f + que sutras atividades que nao a de cobrar por sexo. Ey sempre viviam deo ; s, mas, entre essas coisas todas se) soube que era muitas col ; : * que era uma mulher inteligente e capaz. De modo que pre soube ptele\ fui em frente. Precisei dissecar esses raciocinios todos para poder seguir vivendo, e com a cabega erguida, puta atrevida que sou Ii interessante: eu percebia que esse pensamento estaya (¢ estd) muito alinhado ao raciocinio dos clientes mais machistas, os mais misdginos, aquele discurso que eu ja conhecia bem dos foruns de avaliagao do trabalho de prostitutas. O discurso dos homens que, ainda que jamais dispensem nossos servi¢gos, nos consideravam (e, na verdade, consideravam todas as mulheres) intelectualmente inferiores. Assim como essas feministas também nos considera- vam, as putas, intelectualmente inferiores apenas porque vivemos de cobrar por sexo, porque exercemos uma atividade na qual usa- mos primordialmente nosso corpo, nossa sexualidade, e nao apenas nossa mente. Entao, como eu sabia que 0 machismo dos féruns nao nos contemplava, eu também sentia a necessidade de situar nosso lugar nesta sociedade. Mas onde poderia ser esse lugar, se eu me sentia num limbo entre a opressio machista e o discurso antiprostitui¢ao? Foi a partir dai que comeceia pensar o lugar das trabalhadoras sexuais na luta feminista. Algum tempo depois, conheci pela internet outras trabalha- doras sexuais, mulheres de outros paises. Foi a partir delas que acabei chegando ao site da Aprosex, associagdo espanhola de ta ulhadoras sexuais. Também pela internet soube da existénci® eat de eee Plercizizes da prgentins * ey ee eer lhoso de Georgina Orellano, ae em Montevidéu. Tive isaac: yeepermente ance “as como Montse Neira, Metice me B textos de trabalhadoras sexu = ‘ira Grant, Pye Jakobsson, Mors?” Merteuil & outras tantas que me traziam a possibilidade real deme nsiderar, também, uma feminista. col i : Meu horizonte se ampliava, Comecei ecei a mergulhar em leituras poderosas, aexplorar outras pewbecuvas que me permitiam conti- nuar sendo uma mulher feminista, trabalhadora, sem ter de higie- nizar a puta mulher que eu era. Primeiro em minha cidade, depois em todo 0 pais, comecei a participar de encontros nao apenas do movimento de prostitutas, mas de outros, o que me permitiu co- ahecer a realidade de outros trabalhadores e colocar minha pers- pectiva como trabalhadora sexual. E conheci outras prostitutas, lideres em suas comunidades, mulheres fortes e influentes. Assim, vio nosso putafeminismo se construir, aos trancos, entre mulheres que, sem conhecer teoria alguma — muitas mesmo sem jamais ter ouvido falar de feminismo -, faziam ja um feminismo bruto, essen- cial, para se manterem vivas nos lugares agrestes de onde vinham. Um feminismo verdadeiramente radical, radicalmente libertario, autonomo, estava se forjando e acontecendo ali, entre mulheres pobres e de pouco estudo formal. Nessa caminhada para identificar onde o feminismo se en- caixava em nossa luta, e vice-versa, um dos momentos que mais me marcaram foi quando Célia Gomes, mulher, prostituta, negra e nordestina, uma das fundadoras, e hoje presidenta, da CUTS, me mandou a arte de nossa primeira camiseta, que ela criou com Diana Soares, presidenta da Asprorn (Associagao de Prostitutas e Congéneres do Rio Grande do Norte), e que na época fazia parte da coordenagao da Central. A imagem era de um armario, do qual salam, escritas em letras alegres, as palavras: “Tirando 0 nosso feminismo do armario”. A frase, escolhida por elas em conjunto com outras ativistas da Aprospi (Associagao de Prostitutas do Piaui) eda Articulacaio Norte-Nordeste de Prostitutas, falava de "m direito que nenhuma pessoa, nenhuma mulher, nos tiraria a Partir dali: o direito de sermos putas e feministas. Preciso lembrar que os movimentos de prostitutas, surgi- 4 partir do final dos anos 1970, sao movimentos de mulheres t que lutam por seus direitos e, portanto, claramente ah n as 2 sito de existir sem esti. feministas. Lutamos por ant oe a ae sem , = , uena loja de roupa: Jo, Eu, que era cria da zona sul, s6 entao aprendi a ama Pe’ Jo fim do mune racidade. atrave Vera me contata sa onde eu estagiava. “No motel do Gruta ao meio-dia, pode empre om alguma antecedéncia pelo telefone da Além de internet, também ainda nao existiam no Brasil os Fess celulares, ou pelo menos a nao beviau se populari- sado, Usivamos fax, telex e calgas de cintura baixissima. E foi exa- tamente o que comprei com o dinheiro do meu primeiro programa: uma blusinha vermelha e uma calga jeans horrorosa, justissima, de cintura muito baixa e perna boca de sino. Nas poucas vezes em que atendi pela agéncia da Vera, tudo sempre aconteceu como combinado: o cliente pagava 0 caché e reembolsava minha despesa com o taxi (mais tarde, descobri que usar transporte ptiblico e cobrar a despesa como se tivesse usado taxi podia me trazer um ganho extra consideravel, dependendo do numero de atendimentos no dia). Trabalhar com Vera foi uma boa oportunidade de conhecer melhor meu corpo, me sentir uma mulher desejada, gozar quase Sempre e ainda voltar para o escritério com algum dinheiro — ga- nhava o equivalente 4 quase um quarto do meu salario mensal por nem duas horas daquilo que, para mim, se apresentava também como uma grande diversao, Eengracado, Pensando aqui, como os primeiros clientes que Por intermédio da Vera “nao é massagem” nao tenham fica- Foran a = minha meméria como sendo, de fato, os primei- 4 ntros furtivos, Ppoucos, em motéis baratos. Para o 0, lembro, menti que era escultora — olha isso! Nao achei melhor para encaixar na historia minhas unhas rofdas e mos maltratadas. O segundo foi ao meio-dia, Tempo curtoe cas palavras; talvez eu tenha até deixado as men tiras de lado, se Mas sempre que fico lembrando da minha pri k Meira experién. cia na prostituigao, acabo pulando alguns homens. Talvez Porque sé a partir de uma certa altura eu tenha entendido, Consciente_ mente, que aquela seria minha ocupagao principal Por boa Parte dos anos que viriam. O homem que guardei na meméria como se tivesse sido meu primeiro cliente me recebeu em seu apartamento, carinhoso e educado. Nao lembro o que menti. Ele me imaginava inexperiente, enquanto eu mesma me imaginava muito experiente, Naoeranem uma coisa nem outra. Apenas fomos nos deixando levar. E eu deci- di para mim mesma que, dali em diante, seria sempre assim: sexo Pago parecido com o sexo casual, aquele que nao envolvia dinheiro, Eu nao estaria ali para cumprir roteiros, tabelas ou dar aos outros nada além daquilo que me desse prazer. Nao estaria ali para abrir mao do meu prazer. Pareceu natural e, mais que facil, foi gostoso. Quando cheguei a casa de Rejane, a segunda cafetina, minha situag4o ja era mais complicada, com o contrato de estagio encer- rando. O antincio oferecia um salario minimo e meio por dia, e quase sempre cumpria, ao menos nos dias uiteis. Governo FHC, filas quilométricas de gente em busca de emprego, advogados disputando vagas de gari. E o poder de compra do salério minimo era simplesmente ridiculo, Até descobrir a Prostituigdo, eu preci- Sava viver 0 més todo com pouco menos que um saldrio minimo, due era o que o estdgio me Pagava. O prédio era antigo, daqueles prédios antigos do Bom Fim. O apartamento era quase grande. As meninas se produziam sche “Martinho que ambicionava ser camarim: muitas luzes, maquia- gem em abundancia, perfumes, bijuterias baratas, musica animes painie resmungos variados sobre os clientes. Todas eram muito Jovense belas, Era animador: eu, que antes disso nunca havia pensado — ™im como uma mulher bonita, que nunca me encaixei perfeita- _ mente naquele padraio — meus tragos sfio quase indigenas, minhas riavelmente mal combinadas, quase todas velhas, * desajeitada ~ estava Id entre clas, ovens, belase legaria stura | em que podem ser elegantes meninas de origem humild oss da adolescéncia € conhecendo um poder de i, ado). a ae até ali acreditava que era requisito basico para a prostituigao gostar bastante de sexo, me chocava frase oss te delas: 0 negocio parecia ser fazer o cliente gozar o a roupas inva mais rapido possivel e cair fora. Minha inadequacao e minha falta de traquejo paraa Prostitui- ao mainstream come¢garam Ree manifestar poe queria ganhar bem, mas queria prazer também. Se os corpos diferentes nao che- gavamame atrair, tampouco podia dizer que me desagradavam to- talmente. Sempre me parecia possivel extrair algo de bom de cada toque, € a ideia de desvincular sexo da possibilidade de prazer me soava como 0 maior dos absurdos. Centenas de clientes e alguns casamentos depois, ela ainda me espanta. Tampouco me atrafa a ideia de que 0 sexo no casamento precisasse ser uma “obrigacao conjugal”, sexo feito “para agradar”, quase como se vocé precisas- se comprar o amor e a fidelidade do outro com “o melhor sexo que ele pode ter”. Alias, esse tipo de estratégia logo se mostrou com- pletamente ineficaz para mim, mesmo depois de exercer a pros- tituigao e conhecer muito bem os homens. Por melhor que sejao Sexo, por mais que vocé se dedique, eu hoje posso garantir que isso jamais evitard traigao. Acultura da masculinidade venera e exige a fidelidade femi- nina. A cultura da masculinidade abominae despreza a fidelidade asculina, A cultura da masculinidade ainda é a cultura da mo- "ogamia unilateral. Nenhuma novidade nisso, mas escrevo para ndo esquecer, Sou marginalizada pela mesma cultura que permite ue eu exista, Por nao ser fiel, sou a mais infiel das mulheres: cobro pelo pro- mas fago sexo pelo prazer, Daf vem 0 conceito da mulher de- @ que goza com todos e com nenhum em especial. Ou i hunea goze, que finge orgasmos. Ese ela finge que N40 878" Na prostitui¢do, a liberdade sexual — ficou 6 desde 0 inicio - é algo que s6 contempla os homens. anos depois, a ideia da mulher como consumidora servigos sexuais ainda é muito incipiente. Ao mesmo tempo, nig g, confirma na pratica a suposigao de que a prostituta é umamulhe a Interessante que essa experiéncia (e muitas que se ram) conflite com o discurso que eu conheceria Pouco depois no movimento de prostitutas, nas falas maravilhosas de Gabriela Leite, fundadora da Rede Brasileira de Prostitutas e idealizadora da marca Daspu. Coisas muito lindas e festivas sobre liberdade e bvio pa aa © Para mim inte © poucos de Produtos ¢ Tlivre, segui- prazer, que sem duvida me encantaram e ainda me encantam, em- bora nao chegassem a conquistar a jovem prostituta que eu era e tampouco batessem com 0 que eu ouvia no meio em que trabalhava, De um modo ou de outro, porém, Gabriela me trazia uma vi- sao interessante de mim mesma: se ela podia ser puta e falar, es- crever e atuar politicamente, entao eu, puta como ela, também podia. Por que nao? Se odiscurso ousado e provocante com 0 qual o movimento de prostitutas tentava (e conseguia) se impor muitas vezes me soava vazio, pensando nele como prostituta, confesso que o panico que ‘essas ideias causavam na sociedade me mostrava seu potencial re- voluciondrio. A ideia de que putas pudessem ser mulheres livres, Pensantes e senhoras de si aterrorizava e aterroriza ainda hoje desde os conservadores de direita até as feministas ditas radicais de esquerda ~ e no é a toa. Uma mulher que enfrenta toda a cultura de uma sociedade - Violentamente machista, que se apropria de seu corpo e de sua ide a ponto de fazer deles seu meio de vida, e que nao se " pelo contrario - mete muito medo. Um da sociedade patriarcal é que a palavr@ 10 sexo, e nfio esconde que faz, deve S°T mulher, ela mesma, a ‘As pessoas que se acostumaram a nos ver como objetos estra- ese perguntam: que mulher é essa afinal? ‘Aindalembro da primeira vez que fui exposta como Prostituta, Foi uma amiga, uma grande amiga, minha melhor amiga, que co- mhecia todos os meus segredos, frequentava os mesmos homens que ev, compartilhava comigo as mesmas fantasias. Foi ela a pri- meira a contar ao mundo que eu estava me prostituindo aos meus 20 anos. Procurou minha familia e contou do pager que eu tinha alugadoe da agéncia que eu estava frequentando. Quase 20 anos se passaram, sai e voltei muitas vezes do meio, mas sempre me preservando. Entaéo novamente uma amiga - dessas em quem a gente confia tanto que vai a festas de swing juntas e con- vida para madrinha de casamento ~ me denunciou. Ela encontrou fotos minhas em um site de acompanhantes e mostrou para todas as nossas amigas e amigos em comum. Eu nao era mais uma pessoa confiavel para ela: eu passara a cobrar por sexo. Cansada de viver com medo, e tendo ainda nesse meio-tempo que lidar com ameagas e chantagem, decidi que nao esconderia - maisnada de ninguém. DEBATE TRUNCADO pELO PANICO MORAL. AREGULAMENTACAO Da PROSTITUICAO NO BRasi, 0 a dos efeitos desastrosos que as politicas de repressio ‘tém na vida das pessoas que a exercem - em sua rizar a vida das prostitutas - e atividade, desde que exercida de modo independent one iy crime. A grande questo: 6 possivel exercer alyumy en” Se aeaasste completamente independente? Apa rentemente Outra questio se refere 4 completa impossibilid, guir uma atividade apenas a partir de le’ rofundamente desempoderadoras pa e O debate recente sobre a regulamentagao do trabalho Sexual no Brasil, suscitado a partir da apresentagao do projeto de let 4211/12, que 0 deputado Jean Wyllis (PSOL-RJ) propés, trouxe 4 tonaevidéncias da violéncia de alguns setores do movimento femi- nista em relacgao as trabalhadoras sexuais e a sua luta por direitos, Em dezembro de 2013, pouco menos de dois meses depois da morte de Gabriela Leite, o setorial de mulheres da CUT (Central Unicade Trabalhadores) langou uma nota posicionando-se contra a regu- lamentagao do trabalho sexual como trabalho, no que foi seguido pela Marcha Mundial das Mulheres, num ato de claro desrespeito Aautonomiae A luta de uma categoria de trabalhadoras e trabalha- dores historicamente estigmatizada. Em resposta a esse posicionamento nasce, em dezembro de 2015, a CUTS, organizacao em rede que agrega diversas associagées de prostitutas de todo o Brasil. Se a CUT diz que nosso trabalho nao éum trabalho, nds estamos aqui para afirmar: nds somos, sim, tra- balhadoras. Somos uma classe imensa de trabalhadoras que segue -4margem de qualquer reconhecimento ou direito. _ Otrabalho sexual, entre outros que sio exercidos por mulheres, , ne al nterrompidos na paralisag’o mundial de 10 de 2017. Como é possivel, entao, con 10 sexual remunerado nao 6, de fato, mesmo em pai, para precal 8 &, nig » Nilo, lade de extin. , ainda que ‘leis sejam prostitutas, e o projeto de lei 4211/12 que i éjustamente o fato de lo deputado Jean Wyllis © naquele moment das trabalha” sexuais. 1660, POF Si 56, 54 torn. ; eet. Apesar disso, foi sins ee Fespeitavel ¢ res mais conservadores do feminismo, que cel Por seto- conta 0 risco envolvido em uma atividade como ee a levar em que, apesar de legal, € exercidaem €spacos que wee E da lei. Seria mais seguro para todas nés se Prince eae estabelecimentos legalizados e regulamentados. Remionare porém, nossa seguran¢a enquanto pessoas trabalhadoras ae uma preocupagao real. Se o projeto de lei fosse aprovado, ae riamos a contar com mecanismos legais para cobrar 0 que nos é devido tanto pelo dono (ou dona) do estabelecimento quanto pelos clientes. A regulamentacao nos traria nao apenas seguran- ga financeira, como também protecao contra o assédio e outros tipos de violéncia. Uma questao que gera controvérsia é a clausula que define 0 que é ou nao explorag¢do, e permite que o estabelecimento retenha até 50% do valor do programa. Bom, é importante lembrar que, para o programa acontecer, a casa investiu em antncios, conforto, seguranca. Viu-se nisso uma espécie de regulamentagao da explo- tag4o; seria interessante, ent4o, pensar no conceito de exploracao do trabalho, sempre presente nas relacées laborais. Na pratica, quantos e quais trabalhadores sabem qual percentual do lucro da empresa sobre seu trabalho chega as suas maos? Para ficar no tema das profissionais aut6nomas, costumo usar o exemplo das _ manicures ou cabeleireiras, que ficam, em média, com entre 40% _ € 60% do valor cobrado por seu trabalho (¢ normalmente levam o material e até sua propria agenda de clientes, usando disponibilizado pelos saldes). O modo como os | espacos negociam com suas colaboradoras € gesse percentual ~ que normalmente gira em torno de 50%, meg es 2 1 mo -, cobram multas. Sim, multas. Voe¢ pode ser multada po, atraso, por falar palavrio, se o cliente fizer alguma reclamacaio go. , ou por qualquer coisa que a geréncig pre sua higiene, por falta: decida que merece puni¢ao. Como boa parte do lucro dessas casag vem desse tipo de cobranga, nao é impossivel que algumas venham a fechar as portas se forem regulamentadas. O projeto nao prevé vinculo trabalhista real para as traba- Ihadoras sexuais, e sim que elas possam atuar como auténomas ou em cooperativas. Algumas trabalhadoras com quem conversej consideram positivo que nao haja vinculo com as casas porque costumamos trocar de casa - ou mesmo de cidade - conforme o movimento. Outras, e cito como exemplo as mulheres da Articu- lagao Norte-Nordeste de Profissionais do Sexo, consideram que seria muito importante o vinculo empregaticio, j4 que muitas tra- balham longos periodos na mesma casa, 0 que gera compromissos como frequéncia minima e horario a cumprir. O PL peca por nao levar em conta tais situag6es, frequentes em clinicas de massagem, termas e saunas de cidades menores ou das grandes metrépoles. Mesmo nas casas onde passamos poucas horas, temos um horario limite para entrar e um horario minimo de saida, o que ja caracte- riza uma obrigacao maior da parte da trabalhadora do que da casa ~ que nos garante um lugar quentinho e seguro para trabalhar, mo- vimento e publicidade, mas nao paga um valor minimo pela pre- senga na casa (antigamente, em noite de movimento zero, alguns estabelecimentos bons Ppagavam a trabalhadora um valor basico, suficiente para ela pegar um taxi de volta para casa). A legislagao brasileira atual nado permite que nos organize- mos para trabalhar em cooperativas. Embora a Constituigao de 1988 garanta que todo trabalhador pode se organizar legalmente m cooperativas (artigo 174, pardgrafo 22), esse tipo de associagao € vetado as trabalhadoras sexuais pelo Cédigo Penal (artigo 228, que trata de exploragao sexual e facilitacd i at io da prostitui¢ao, em outros). Se duas esas ier joebar waicie Nemal tatorommerey: io mrass pasieeste w Cir 16H CBE cing sg pe qareimalaed onto. poerrlto ae bode tea, a — epeorahiea, sreuduadhes A rerestttiaiicte pasa a Te epee pueng a mer AAT. in gies ees Poeidercary| Se tikka: wpe ata ee iiitit WrlaCivite ate tredativcs a Ale eeirwers.eveaiirtinriec» He Obie Pesiat ewig ate n, = derelh Ieuan eomnagens Clos neniacay esis compralinde He noltae ecuatiegs Petal. crtaride 290i reveitte aay eal ben i iene Quiet sees cyte cries Seg iuletormer ite yori din : ae preteens echelon Gq), WoUTT prc udisiin swatulnee Grete mules Daas ini ceca Tho vlan ened vewcoctey pH Considerar quem Iegidisaui der wlinarte AL em behets pers que mullsy mits met lieris aborimeseni ~ umiemeipenic ejtie ju ase mROsiron Rela dir palsies cide oh aber lay Bo lyyisiltzentis - rh wyabee dais Begalienrarsisn mo Uriaytts, viverra todem periuemntorente litem ine OMe Epes acer lamenmibads | atte otis yes tiierns, natlearenun ppedide mithercs de avintay eset raballhe: ihverdade due nritas mulhe: Militar oni pemcrcem fuse para Guu Ville; por cemat WAS SHMUEL [iter diuedenpecitllnecin, Roche PTE Tat clas eq ich ie Perstemottyr minis do: que sufi chan mulheres, nao hd luta pelos direitos das mulheres que re resolver a questao do trabalho sexual. Continuar apoiando Pe tornam a atividade ainda mais pre stigmatizam ainda Mais as prostitutas nao beneficia mulher nenhuma, Embora eu possa reconhecer que a utopia de banir o trabalho sexual seja valida e, em certo sentido, bela, nio posso deixs perceber a distopia nela contida quando aplic que vivemos hoje. Em um momento em que politicas de auste ridade sufocam as pessoas pobres mundo afora c desemprego é ameaga constante e as mulheres continuam preci. sando sustentar suas familias haja o que houver, banir a prostj tuicdo do planeta sé fara empurrar mais e m clandestinidade e para condic6es cada vez ma e trabalho. Nao é delirio imaginar que, em tempos de c: e mais mulheres recorrerdo ao trabalho sexual como forma de fugir da miséria. De algum modo, é preciso garantir a essas pes- soas um minimo de seguranga. Defender a legalizacado total das relagées envolvidas na in- dustria do sexo nao exclui deixar de cobrar dos governos politicas publicas que garantam mais e melhores opgées para todas as mu- theres e salario igual para trabalho igual. Significa apenas que, por um momento, deixaremos de punir mulheres por terem tido poucas escolhas na vida. Basicamente, o que quero dizer é que nds, trabalhadoras se- xuais, na maioria das vezes somos, apenas, mulheres de origem hu- milde tentando escapar da pobreza. Em algum momento de nossa vida, o trabalho sexual ~ com todas as suas questées e a opressio que lhe é inerente ~ nos surgiu como uma boa opgio, como a me- thor possivel entre as poucas disponiveis. Cada uma de néso exerce Por motivos diferentes, ea maioria deles esta sim ligado a quest0es ride 1 a0 Mundo em Ja dia mais, o mulheres para a s precdrias de vida mais . shamos para @ escola; amparamos e cuidamos de nossos os. Gostamos do cheiro da grama molhada e do ba- as ondas- O sorriso de nossas criangas quando vamos bus- fim do dia sao exatamente iguais ao sorriso das criangas pessoas que nao exercem 0 trabalho sexual. Compar- smas angustias: a violéncia urbana, a desigualdade crescente, OS icebergs gigantes que se desprendem dos polos, os atentados terroristas, a furia dos neonazistas. Pouca coisa nos se- umas das outras. Somos humanas. Eu sou como vocé. sidere parar e ouvir o que uma trabalhadora sexual diz tiJhamos as Me Con: como se estivesse ouvindo qualquer outra pessoa. Ninguém perde com isso. Aocontrario: ganhamos todas. piBlocRArie Fernanda Farias de; JANNELLI, Maurizio. A princesa- ae tos de um travesti brasileiro a um lider das Brigadas Vermelhas, See amjaneiro: Nova Fronteira, 1995. Rio vpeepy//wewwrarnmar.oreat/ Mapados assassinatos de travestis ¢ transexuais no Brasil ANTRA- ‘em 2017. 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Faz parte do Grupo Assessor da Sociedade Civil da ONU Mulheres no Brasil. “Entao, surge o estranhamento: que putas sao essas, que ousam falar e contrariar tudo o que se pensa sobre elas? Que putas sdo essas que ousam falar e, ainda por cima, ousam se expor sem tarjas e disfarces nado apenas nas redes sociais mas em pessoa, em debates publicos? Que dizem © que se sabe que nao pode ser dito, que vivem nos lugares tidos como perigosos, que nao sao lugares para mulheres: as esquinas, as noites, os prostibulos, as camas de motéis, com parceiros diversos e, muitas vezes, desconhecidos — 9 encontro as escuras. Que putas sao essas? Eu nao sei que putas s&o essas, que putas temos sido nés, que ousamos tanto. Mas uma coisa sei: essas nado sao as putas que a sociedade quer ouvir. Ou ler, no caso So putas que nado combinam com o que 0 imagindrio popular criou: mulheres miseraveis que fazem qualquer coisa por um prato de comida e que nao tiveram nenhuma outra oportunidade na vida a nao ser realizar @s desejos sexuais bizarros de homens maus e pervertidos. A sociedade quer que fiquemos no lugar que ela nos reservou, 0 Unico espago possivel para mulheres como nés ‘© espaco da precariedade, da exclusao, da marginalidade, da clandestinidade, da violéncia.” MONIQUE PRADA 7 _ SIM, QUEREMOS TUDO, TODOS OS DIREITOS, E PARA ONTEM! — Amara Moira, no prefacio para este livro ~ NO ATIVISMO DE MONIQUE PRADA, PROSTITUICAO E FEMINISMO CAMINHAM JUNTOS PELO DIREITO DA MULHER A SEXUALIDADE. —

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