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A agricultura irrigada

Uma contribuição para a recuperação da economia de Angola

- Isaac dos Anjos - *

Seria pretencioso, fazer em jornadas desta natureza um exautivo


diagnóstico da situação do sector agrário nacional, para justificar ou
fundamentar uma proposta para a saída da crise económica em que se
encontra Angola.
Consideramos que todas as propostas poderão vir a ser
enquadradas num plano master de recuperação da economia e, por
conseguinte, não pretendemos a hierarquização de cada uma delas.
Na formulação desta intervenção, admitimos que a recuperação
económica deve ter em atenção uma estratégia sustentável e
consequente e não apenas uma intervenção paliativa e inconsequente,
baseada na velha teoria da massificação a custos praticamente nenhuns,
ou suportada apenas pelas doações de carácter pontual da comunidade
internacional.
A diversidade do mundo agrário e os seus problemas estruturais
são entre nós abordads geralmente de modo superficial e esta talvez seja
uma das razões pelas quais este sector não dá o seu melhor contributo à
formação da renda nacional.
A crise política e administrativa que Angola vem suportando, de
modo mais acentuado desde 1975, e os cenários de guerra e
instabilidade que se reconhecem e podem de certo modo ser expressos
em mapa-quadro, denunciam regiões agrícolas importantes onde a
duração dos tempos de instabilidade são nitidamente superiores a outras
regiões tidas até certa altura como menos aptas à agricultura.
Portanto, a presente instabilidade nestas regiões faz delas regiões
cujo desenvolvimento está adiado pelo menos 5 anos e mesmo que se
venham a recuperar em tempo record, o peso económico que
representará o investimento nas áreas sobre as quais converge a nossa
abordagem nestas Jornadas, começará a dar de modo evidente os seus
frutos no mesmo período e a projecção dos resultados económicos,
sociais, de desenvolvimento industrial e estrutural a encontrarem
projecções para os próximos 15 a 20 anos com indicadores económicos
verdadeiramente encorajadores.
Projectar uma agricultura economicamente viável não é possível,
se não forem tomados em linha de conta factores tais, como:
investimentos infra-estruturas fortes, formação de profissionais
qualificados e competentes, a selecção de culturas de alto rendimento e
susceptíveis de serem industrializadas ou exportadas, a selecção de
culturas de alto rendimento e susceptíveis de se tornarem produtos da
“bolsa de valores”, culturas de grande procura no mercado interno mas
também susceptíveis à compra de tecnologias adequadas com
reembolsos dilatados, a mobilização de investidores nacionais e
estrangeiros e a aceitação da terra como valor de penhora para os
créditos, a utilização de fertilizantes e pesticidas para que se produza
com qualidade para o mercado.
Devemos olhar o empresário agro-pecuário como um cidadão que
não espera viver de caridade seja de quem fôr e que trabalha com o
objectivo de obter lucros e sustentar o seu agregado. É uma entidade que
deve ser reconhecida como tal e as suas debilidades não o podem
transformar numa classe à partida excluída dos processos de
crescimento económico. Parece-nos que se não fôr salvaguardada a
estabilidade patrimonial e finaceira das empresas agrícolas, elas jamais
conseguirão estruturar-se e milhares de contribuintes deixarão de
participar da formação do PIB. (...)

FUNDAMENTO DA OPÇÃO

As condições naturais definem, por si só, as áreas a desenvolver


tendo em vista uma agricultura moderna, produtiva e intensificadora. A
irrigação é, para o caso, a única saída técnica recomendável, podendo
ficar em aberto a discussão das opções técnicas a adoptar e dos
métodos a utilizar para cada um dos casos que se se venham a eleger.
A guerra civil que o país conhece desde a independência nacional,
mediada por invasões estrangeiras dos exércitos da África do Sul (no sul
do país até 1987) e do Congo (no norte, até 1980) e a desestabilização
político-militar motivada por ingerências estrangeiras, definem as regiões
do Planalto, Leste e Sudoeste como as de maior instabilidade presente. A
presença de uma guerrilha fortemente armada no Planalto, Leste e
Nordeste fazem dessas regiões, zonas com as quais não podemos
verdadeiramente contar nos próximos dez anos, para contribuir com todo
o seu potencial para a saída da crise em que o país se encontra.
Do ponto de vista das estratégias militares e sem ilusões ofuscadas
por optimismos mais ou menos exagerados, há que conseguir
estabelecer uma linha tampão, dentro da qual o país não pode parar,
sejam quais forem as dificuldades.
Por imperativos de soberania e de Estado, essa zona tem de ser
capaz de produzir para alimentar as populações, criar as bases para o
desenvolvimento da nação e gerar recursos financeiros que sustentem a
nação no seu todo, enquanto dura a guerra e depois que ela termine.
O desenvolvimento, quer da guerrilha (entre 1976 e 1992), quer da
guerrra pós-eleitoral (1992-1994) mostra que a faixa litoral conseguiu por
várias razões de natureza política, climática, fisiográfica e logística, ser
mais estável que a região planáltica. Embora a capacidade defensiva do
Estado venha aumentando progressivamente, a extensão do território
não permite uma cobertura plena e eficaz apenas com meios militares.
A reduzida população que o país possui e a sua concentração à
volta dos príncipais centros urbanos, definirá provavelmente uma política
de reordenamento populacional e (estamos certos) uma política de

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emigração ordenada, com vista a uma efectiva ocupação do território,
com o surgimento de pólos de urbanização e desenvolvimento.
A inventariação sistematizada das disponibilidades em solos com
elevado potencial de irrigação, já foi efectuada por Castanheira Diniz,
Barros Aguiar e outros estudiosos que calcorrearam o país de lés a lés e
as suas obras estão disponíveis para consulta.

CONSTRUÇÃO DE PERÍMETROS IRRIGADOS

Para dar início ao surgimento de um plano de acção concreto,


identificamos áreas onde deverão ser concentrados investimentos, com
vista a termos polos de desenvolvimento com intensificação agrícola e a
alta produtividade esperada.
É importante consolidar o conceito de “perímetro irrigado”, como
superfícies limitadas onde se desenvolvem projectos de irrigação,
podendo ser combinados vários métodos de rega. Numa mesma região
podem ser desenvolvidos diversos projectos de rega, desde que o
conjunto de infraestrturas seja comum ou completamentar e a
proximidade dos mesmos permita definir uma superfície mais ou menos
continuada de aproveitamento hidráulico. Podem ainda ser criadas
estruturas administrativas de coordenação, para facilitarem uma
sistematização de práticas de uso e maneio da água, do solo e do
equipamento.
Por exemplo, o Gabinete de Aproveitamento Hidráulico do Kikuxi é
uma estrutura administrativa que tem por fim gerir o aproveitamento das
águas transportadas do rio Kwanza através de sistemas de bombagem,
condutas elevatórias, canais, torres de elevação, estações de tratamento
de água potável e venda ao utilizador. Dentre os utilizadores de água,
uma importante superfície agrícola compreendendo cerca de 6.000 ha
pode ser irrigada. A esta área sujeita à influência destas infra-estruturas,
chamaremos “perímetro”. Para efeitos de localização, atribuiremos o
nome da aldeia ou povoação mais próximas, ou ainda um nome que as
populações da região (se as houver) sugerirem.
As áreas identificadas para a implantação de projectos com grande
fiabilidade, são a região de Luanda, a região do Sumbe, a região de
Benguela e a região do Cunene.
Comecemos por abordar a região de Luanda, que se estende ao
longo dos rios Kwanza e Bengo, de 8-10 km da foz até ao Zenza do
Itombe (1ª fase) e do Zenza a Cambambe (2ª e 3ª fases).
Para o aproveitamento desta região, de todas a mais difícil e cara,
sugerimos a localização de áreas preferencialmente ao longo do rio
Kwanza, procurando fugir às baixas fluviais de argilas expansivas e com
riscos elevados de salinização, optando pela transição para os platós ou
mesmo na utilização preferencial destes, residindo aqui o factor que torna
esta a região mais cara. As diferenças de cota entre o nível médio do
Kwanza e os platós atinge em alguns casos os 185 metros, sendo essa
diferença mais acentuada em relação ao Bengo, o que exige a instalação

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de complexos sistemas de bombagem, canais de condução de água ou
construção de tanques para posterior distribuição às áreas a irrigar.
Na região, a implementação de projectos de irrigação conhece
grande desenvolvimento e algumas tecnologias vêm sendo introduzidas
com muito sucesso. É o caso da rega por micro-aspersão na Fazenda
Lussumbo, a rega com pivot central nas Fazendas Kala-Kala e Neves e
Neves, no Kikuxi onde várias propriedades têm implantado tanques
reservatórios revestidos com venil e fazem uso da rega por aspersão
clássica. Também no Calumbo, onde se podem encontrar vários
sistemas de rega: pivot central na Fazenda Kissama, micro-aspersão na
Agropecind e sistemas clássicos de rega por inundação.
O projecto Kala-Kala (Mazoso - Catete), levado a cabo pela
Odebrecht, é um exemplo do que deve ser feito em matéria de agricultura
para produção em escala.
Foram aí implatados três pivot centrais, sendo dois de 70 ha e um
de 100 há. Em consequência disso, colhe-se aí já, duas vezes ao ano,
milho, batata e feijão, com rendimentos de 4 tn/ha de milho que, em
condições normais, não passaria dos 300 kg/ha.
Na Fazenda Lussumbo, leva-se a cabo um projecto frutícola para
45.000 pés de mangueiras irrigadas com micro-aspersão, estimando-se
uma produção média por pé ao 3º ano, de 450 kg. Para esta fazenda
estão projectados dois pivots, aguardando por financiamento.
O Kikuxi, onde tem lugar um forte programa de venda de plantas
fruteiras, começa a dar ao surgimento de uma futura área frutícola por
excelência, prevendo-se que venham a ser comercializadas nos próximos
dois anos 185.000 pés de mangueiras, estimando-se uma produção
média de 350 kg/pé. A particularidade do Kikuxi é que as propriedades
são de 6 a 11 há e há maior diversidade de culturas. Introduzir nesta área
a micro-aspersão para uma melhor optimização da rega das fruteiras,
será um desafio dos próximos tempos. Alargar os sistemas de
distribuição de água ao longo dos 12 km do canal do Kikuxi, viabilizaria
mais 1.500 a 2.000 ha de terras, o que equivale a dizer 16.000 tn de grão
por ano, 45.000 tn de fruta, 2.000 empregos fixos e 155 empresas
agrícolas, para além de 108 milhões e 500 mil dólares de facturação, se
admitimos que cada empresa anualmente facture 700 mil dólares.
A Região do Sumbe está enquadrada no perímetro das
Cachoeiras à Escarpa do Amboim, ao longo do rio Keve ou Kuvo.
Para aproveitamento desta área, sugere-se a combinação do
sistema de rega mecânica com a rega por gravidade ou a pé, de que há
prática da região. Referem-se, por exemplo, as fazendas Kissute e
Canembe, com canais construídos pelos próprios.
A reabilitação dos canais existentes, fazendo integrar a iniciativa
privada bastante bem estabelecida, permitiria viabilizar 45.000 ha de
terras agricultáveis.
A introdução do pivot central na localidade denominada Zâmbia
faria surgir um polo de intensificação para a produção em escala e um
perímetro irrigado de grande soberba para as culturas da cana-de-

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açucar, palmar, milho, algodão, girassol, soja, feijão, citrinos, maracujá,
goiaba e outras tropicais, com boas condoções de desenvolvimento.
A construção de um canal com cerca de 6 km a partir da derivação
a montante das quedas das Cachoeiras permitiria a cultura regada do
Vale do Chole-Chole. Para esta região, a introdução de matrizes de
fruteira devidamente seleccionadas com particular realce para os citrinos
e palmar, faria desenvolver uma zona de considerável especialização,
utilizando-se a rega por micro-aspresão para expandir as plantações para
fora dos vales onde actualmente são praticadas, aproveitando melhor as
encostas e os relevos ondulados.
Investir num mínimo de 8 pivot centrais para 70 ha cada um,
representaria uma área de produção anual de 560 há, o que equivale a
dizer 33.600 tn de grão, 1.120 tn de feijão, 11.200 tn de forragens, 1.560
tn de batata, 1.120 empregos fixos e mais de 110 milhões de dólares em
facturação, considerando aqui as produções de óleo de palma e banana.
Na Região de Benguela, o desenvolvimento dos vales da
Catumbela e do Cavaco disponibiliza uma área de 8.000 ha de terras
agrícolas entre duas grandes cidades (Lobito e Benguela), com uma
expansão demográfica e assentamentos humanos ao longo de todas as
montanhas que dlimitam o vale, desde o Liro à Nossa Senhora da Graça.
O Vale da Catumbela, antes explorado unicamente pela açucareira
da Catumbela, está em reconversão, começando a ser loteado e cedido a
várias entidades para exploração. Possui um conjunto de infra-estruturas
hidráulicas, antes utilizadas para a rega de cana-de-açúcar em regime de
monocultura e propriedade de uma mesma entidade.
Estas infra-estruturas, que compreendem um açude de derivação,
um canal principal com cerca de 45 km, obras hidráulicas de regulação
de níveis e comportas, vertedores, pontes suspensas, bay passes para
passagem de veículos, sifões, canais secundários e terciáreos, redes de
drenagem num intrincado sistema que tem só 275 km (a distância que
cobre Luanda a Ndalatando), precisam de trabalhos de engenharia para
a sua reabilitação e adaptação ao novo sistema de exploração, que se vai
pondo em prática de modo desordenado.
Caso esta intervenção não seja feita, corre-se o risco muito sério (e
quero deixar aqui bem expressa a adevetência) de se salinizarem os
solos e de se forçar a subida do nível friático em mais de um terço do
vale, tornando inviável a prática de culturas com tradição. Por outro lado,
a não a não optimização do sistema de rega não permite a irrigação dos
blocos mais distantes do ponto de captação, forçando os agricultores a
abrir furos para a rega, com as consequências que daí advêm pela
utilização de água salobra com elevados índices de Na Cl+.
A intervenção neste vale permitiria o assentamento de pelo menos
100 agricultores, com áreas de até 2,5 ou 3 ha.
Poderia esperar-se uma colheita anual de 6 mil toneladas de
cereais, 40 mil tn de banana, 10 mil tn de mamão e 80 a 100 mil tn de
hortícolas diversos.
Estariam assim garantidos 12 mil postos de trabalho fixos e uma
renda anual de 180 milhões de dólares americanos.
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O Vale do Cavaco, que se estende desde a zona das Bimbas (na
cidade de Benguela), implantada na margem esquerda do rio Cavaco,
tem cerca de 2.500 ha de terras agricultáveis e mais de 1.000 ha no
conjunto de pequenos vales subsidiários.
Está praticamente todo parcelado e ocupado com propriedades
agrícolas, que utilizam poços de captação de água subterrânea para a
prática da agricultura irrigada. Tem problemas inerentes a esta prática
que põe em risco a salinização dos solos, em consequência do
abaixamento da toalha freática. O rio Cavaco é de carácter sazonal,
tendo por isso construída a barragem do Dungo no rio Coporolo e uma
conduta de derivação de caudais com cerca de 8 km, com um débito de 5
m3/s, garantindo desta forma o regular reabastecimento da napa freática.
Esta obra de engenharia, absolutamente necessária ao
aproveitamento agrícola da região, vem decaindo de modo assustador.
Adicionalmente, é necessário realizar obras de controlo das cheias que
sobrevêm durante a época das chuvas no Planalto Central e provocam
enornes prejuízos às culturas e uma importante redução dos solos
aráveis, que são arrastados pelas enxurradas e transportados para o
mar. Estes fenómenos erosivos decorrem de falta de investimento em
obras de regularização do rio Cavaco, nos três últimos troços.
Encontravam-se registados no Gabinete de Desenvolvimento do
Cavaco, 265 agricultores com parcelas variáveis, sendo as mais
expressivas de 50 ha.
O Cavaco pode proporcionar colheitas anuais que se estimam em
65.000 tn de banana, 15.000 tn de mamão, 125.000 tn de hortícolas,
6.600 empregos fixos e uma renda anual de 115 milhões de dólares.
Quer o Vale do Cavaco, quer o Vale da Catumbela, exigem uma
gestão técnica adequada do maneio da água e dos solos e uma prática
de rotação de culturas, para que se consiga uma redução da população
de nemátodes do solo, cuja infecção atingui níveis preocupantes devido à
prática de longos anos de nomencultura. Estas áreas, entre dois grandes
polos urbanos e com um porto internacional, um aeroporto capaz de
receber aviões de grande porte e sendo uma porta para o interior servida
de redes viárias e uma linha férrea transafricana, são como um autêntico
oásis no enquadramento paisagístico para quem desce a cadeia marginal
de montanhas.
A Região do Cunene, servida essencialmente pelo rio Cunene, é
de longe a área com as melhores condições para o estabelecimento de
ambiciosos projectos de irrigação, que podem encontrar espaço desde a
Barragem da Matala à fronteira com a Namíbia.
É também a região com maior número de estudos de
aproveitamento hídrico, pelo interesse que despertou às autoridades
portuguesas e sul-africanas no período que antecedeu a Independência
Nacional, com o intuito de construirem aí o cinturão branco. Previam os
portugueses alojar na 1ª fase 500.000 famílias e vários perímetros
irrigados começaram a ser estabelecidos na região. O potencial pecuário
da região detido pelo sector tradicional ronda o milhão de animais, que

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anualmente percorre mais de mil quilómetros em busca de água e
pastos.
Não é possível descrever esta região no espaço que me é
reservado nesta comunicação, pois correria o grave risco da omissão de
factores e elementos de que hoje disponho - por muito ter discutido com
as populações e com as autoridades locais, a melhor estratégia para o
Cunene.
Recordo apenas que um dos grandes argumentos da invasão sul-
africana foi a protecção da barragem hidroeléctrica do Luacana e da
barragem do Calueque, esta última, construída para a derivação de água
do Cunene para o norte da Namibía ao longo de um canal de mais de 30
km e o grande aproveitamento agrícola denominado “Etunda”. O projecto
“Etunda”, na Namibía, compreende sistemas de rega de pivot central,
micro-aspersão e gota-a-gota, em mais de 1.600 ha. Uma parte
importante dos caudais, vem sendo armazenado em grandes albufeiras e
vales especificamente construidos para o efeito.
O perímetro da Matala, já construído e com assentamentos
estabelecidos, parece-nos ser demasiado importante para não ser
referido, até porque a sua defesa do ponto de vista militar é justificada
pela presença da estação hidroeléctrica que abastece as províncias da
Huíla e do Namibe. A sua reabilitação exige intervenção nas obras de
engenharia, já estabelecidas e de certo incontestáveis do ponto de vista
técnico e económico. A sua limitante de momento é de natureza militar,
pois situa-se na fronteira das terras altas e do complexo do milho de
sequeiro (Quipungo, Caconda, Gove), bastante fustigadas pela guerra,
que de tempos em tempos promove assaltos para roubar gado e
alimentos das populações.
Na região do Humbe-Quiteve, vários estudos de ordenamento
começaram a ser elaborados e ensaios experimentais foram realizados
no Matunto, com utilização de vários sistemas de rega e de culturas, com
resultados francamente animadores.
Elegeria esta região que faz fronteira com o Cafu e se estende até
Xangongo, para implantar os primeiros sistemas de rega para a prática
da agricultura intensiva, demarcando-se aí um perímetro não superior a
2.000 ha.
Ouso propor que para aí se dirijam os grandes projectos florestais
que permitam instalar polígonos de até 65.000 ha de eucalipto, na
perspectiva de industrialização da pasta de papel e de produção de
postes para as cercas de propriedades agro-pecuárias e de condutores
de electricidade para as áreas rurais. Pode destinar-se 45.000 ha para
produção de cana-de-açúcar (que encontra condições climáticas
extraordinárias ao seu desenvolvimento), para além de 2.000 ha de
fruteiras tropicais e asiáticas - que têm mercado na região da Ásia, para
onde se dirigem os futuros mercados de competição se quisermos ter na
agricultura um forte contribuinte das finanças públicas no próximo futuro.
A associação de cereais (milho, massango, massambala) em rotação
com algodão, girassol, amendoim e feijão, dariam volumes de produção

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interessantes para circulação de mercadorias, o que daria um impulso ao
desenvolvimento do corredor internacional do Namibe.
No nosso conceito, o gado é um factor de estabilização financeira
da propriedade agrícola, como o são as fruteiras. O gado deverá utilizar
os sub-produtos das culturas alimentares, principalmente dos cereais,
mas (no dizer dos zootecnistas), sem competir com o homem.
Por isso, é absolutamente imprescindível começarmos a considerar
a sua intensificação através da plantação de pastagens melhoradas e
mais produtivas, capazes de gerar volumes de massa verde que possam
ser traduzidos em carne convertida. Assim se conseguirá uma maior
sedentarização dos povos pastores, uma melhoria da sua condição de
vida e da educação para os seus filhos, a protecção do ambiente e uma
maior disponibilidade de terras.
O Cunene merece isso e muito mais. Pode inclusivamente tornar-
se na versão angolana do Nordeste Brasileiro - que de exportador de
mão-de-obra para a Santa Catarina e regiões então mais promissoras,
passou a ser importador de capitais e de investidores dessas regiões e
até mesmo do estrangeiro, com o grande desenvolvimento induzido pelos
grandes projectos de aproveitamento hidro-agrícola dos Vales de São
Francisco e outros que exportam hoje os seus produtos para os Estados
Unidos e Europa. Como se vâ, do Brasil, país irmão, onde facilmente se
pode ir beber, aprender, discuitir e inquirir em língua portuguesa, pode-se
ir buscar muita experiência.

CONCLUSÕES

Do dispendido se pode concluir que não é possível nas condições


limitantes presentes, esperar da agricultura um contribuito para saída da
crise económica, se para ela não forem canalizados importantes recursos
finaceiros que viabilizam os grandes investimentos.
Quem investe, espera obter o retorno dos capitais investidos num
período determinado de tempo, o que no conceito empresarial moderno
deve acontecer a partir do terceiro ano do ínicio de funcionamento do
projecto. Se é verdade que o Estado angolano enfrenta inúmeras
dificuldades de ordem financeira, não é menos verdade que o investidor
nacional ou estrangeiro não efectuará sozinho investimentos de monta
em sectores cujo período de retorno se tende a dilatar, até pela natureza
quase definitiva de uma grande parte desses investimentos na terra.
Acreditamos, aliás, ser possível o desenvolvimento dos
investidores, desde que sejam concedidos empréstimos e créditos para
compra de tecnologias modernas em condições favoráveis, isto é,
créditos com períodos de reembolso de pelo menos três anos com um
período de graça de dois anos e taxas de juro que não estejam acima
dos 7,5% ao ano, como aliás é prática onde se promovem investimentos.
Investir em tecnologia é, na agricultura de mercado, a única via
para se obterem resultados financeiros ou, se se preferir, “lucros”.
Uma proposta para estes investimentos traduz-se no conceito
actual de contratação de grupos empresariais motivados, para
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organizarem a gestão dos financiamentos, construção dos projectos,
manutenção e transferência para os utilizadores de modo progressivo,
com a amortização dos equipamentos.
Algumas vozes dirão que não há cultura empresarial para o fazer,
mas diremos apenas que os argumentos não se sustentam, quando não
se experimentam.
Um projecto mais caro no estabelecimento, mas de utilização mais
rápida, pode ser mais rentável que outro menos oneroso, mas de
utilização menos intensiva ou mais protelada.
A vida útil das obras de rega é em geral muito grande, devido a que
é mínimo o desgaste provocado pela sua utilização. Ricardo Serralheiro
(1981) refere que uma barragem ou rede primária podem ter uma vida útil
de até 75 anos, enquanto que construções, rede secundária e
canalizações aterradas - 40 anos. Já a vida útil das tomadas, motores,
material eléctrico de alta tensão ou transformadores, é de 20 anos.
Resulta daqui que a rentabilidade global dos projectos de rega não
poderá ser determinada pela simples comparação do aumento de
rendimento das culturas regadas, com os custos de construção somados
às despesas de exploração. Há investimentos que permanecem
improdutivos durante um certo número de anos, devendo por conseguinte
ter-se em conta o valor residual actual de cada uma dessas obras,
podendo fazer-se incidir sobre elas uma estrutura de juros de
imobilização.
É preciso que invistamos com seriedade, numa perspectiva de
futuro, para um crescimento real e estruturado da nossa economia,
fazendo participar o sector privado - concedendo-lhe créditos que
viabilizem os grandes investimentos e ajudando a consolidar a
propriedade.

NOTAS

* Isaac dos Anjos é engenheiro agrónomo, sendo assistente no Ministério da


Agricultura e Desenvolvimento Rural.

BIBLIOGRAFIA

• Ário Lobo AZEVEDO et al. 1972. Caracterização sumária das condições ambientais
de Angola, Nova Lisboa: Universidade de Angola
• Castanheira DINIZ & F. Barros AGUIAR. 1969. “Inventariação das potencialidades
para o regadio no Centro-Oeste de Angola”, IIA, série técnica, nº 7
• Castanheira DINIZ & F. Barros AGUIAR. 1998. Zonagem Agro-Ecológica de Angola.
Aptidão agrária das terras
• Castanheira DINIZ. 1970. “Zonas seleccionadas para a instalação de novas
açucareiras”, IIA, série técnica, nº 17

9
• Castanheira DINIZ. 1974. “Os solos do Vale do Cavaco. Sua aptidão e utilização
com o regadio”, IIA, série científica, nº 36
• ICID Question 42. 1990. “The influence of irrigation and drainage on the environment
with particular emphsis on waters”, 14th Congress on Irrigation and Drainage (Brasil)
• Ricardo SERRALHEIRO. 1981. Hidráulica Agrícola, vol. I, s/l: Faculdade de Ciências
Agrárias

Irrigar para desenvolver


as
Esta é a terceira das comunicações apresentadas no decurso das «1
Jornadas sobre Economia de Angola», realizadas em Luanda, de 3 a 5 de
Setembro de 1998, pela Associação de Economistas Angolanos.
A comunicação trata o desenvolvimento agrário, dando-se particular
ênfase a um aspecto que lhe é particular: a irrigação.
O autor faz uma abordagem minuciosa a respeito do aproveitamento de
uma parte das terras cultiváveis do solo angolano, tendo em conta o clima de
instabilidade política e militar que se vive actualmente em Angola. Um dos prós
da comunicação, é exactamente o de o autor considerar ser possível investir
no desenvolvimento agrícola e pecuário, mesmo considerando o actual clima
de guerra.
Mas Isaac dos Anjos vai mais longe: depois de situar o leitor, geográfica
e demograficamente, propõe a criação de polos de desenvolvimento agrícola.
São quatro polos, nomeadamente o de Luanda, o do Sumbe, o de Benguela e
o do Cunene. Em cada caso, sugere géneros de cultura e de regadio,
adiantando inclusivamente valores que o projecto pode vir a movimentar, em
benefício de produtores e consumidores.
Trata-se de um trabalho sério, mas acima de tudo pragmático. A
intenção do autor, é apresentar soluções. Elas aí estão, para eventual
utilização pelos órgãos estatais de direito e pelo empresariado.
O «Angolense» recomenda a leitura da comunicação, sobretudo por
parte de profissionais e estudantes das ciências agrárias, da ciência
económica, da sociologia rural e da antropologia.

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