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Cristianismo e Budismo

As semelhanças entre os ensinamentos de Buda e de Jesus Cristo são imensas; não apenas os
ensinamentos, mas também os métodos. Os dois Mestres superaram os doutores de sua época,
venceram os tentadores e partiram para ensinar; tiveram suas missões profetizadas, nasceram
miraculosamente, eram seguidos por discípulos, viajavam pregando suas doutrinas, criticaram os
religiosos ortodoxos de suas épocas (Jesus aos fariseus e Buda aos brâmanes), falaram através de
parábolas e comparações ou símiles, e nada deixaram por escrito. Esclareço que não defendo a ideia
de que são doutrinas idênticas. As diferenças existem, é claro, mas, aqui, o foco está nas similitudes,
que são surpreendentes e inumeráveis.

Convém fazer uns poucos esclarecimentos a respeito das escrituras budistas. Alguns meses
após a morte do Buda, ainda cerca de 483 a.C., houve o primeiro concílio budista, em Rajagarra, e
seus discípulos fizeram a primeira compilação de suas palavras, que naquele tempo não eram
escritas, mas decoradas, embora a escrita já existisse. Por volta do segundo congresso de discípulos,
em 383 a.C., as palavras de Buda foram traduzidas para várias línguas, a partir do páli (língua
utilizada pelo Buda, uma forma popular do sânscrito, que por sua vez é uma língua utilizada na
Índia), e transmitidas oralmente até o século I a.C., quando foram pela primeira vez escritas, em
páli, passando a ser conhecidas como “cânon páli”.

Para a completa compreensão das citações a seguir, faz-se necessária a explicação de uns
poucos termos páli utilizados:
Arahant: literalmente “indivíduo nobre”, é aquele que trilhou o caminho budista até o fim e
realizou o nibbana.
Bhikkhu: um monge ou monja (bhikkhuni) budista; um homem ou mulher que desistiu da
vida em família para viver uma vida santa.
Bodisatva: literalmente “ser-sabedoria”; o termo utilizado para descrever o Buda antes de ele
se tornar um Buda (no budismo Mahayana identifica o indivíduo que, embora iluminado, por
vontade própria se mantém no ciclo de nascimentos/renascimentos até que todos os seres
sencientes atinjam a iluminação).
Devas: são divindades que se situam entre os seres divinos superiores e os homens; há quem
os compare aos anjos.
Dhamma: ou Darma, do sânscrito dharma; na maioria dos contextos significa a doutrina do
Buda, o comportamento ético baseado nos ensinamentos do Buda.
Gotama: o Buda também era chamado de Gotama, ou contemplativo Gotama.
Nibbana: palavra páli que significa nirvana; o Buda o atingiu em vida e nesse caso é tido
como uma felicidade suprema; no entanto, é indescritível com palavras, pois não é uma
sensação, já que tudo se extingue; por isso, é experiência pessoal, impossível de ser
transmitida.
Parinibbana: é uma palavra da língua páli que significa falecimento.
Sutta: do sânscrito, sutra; são os discursos e sermões proferidos pelo Buda ou pelos seus
discípulos contemporâneos.
Tathagata: é o epíteto que o Buda empregava com mais frequência para referir a si mesmo.

Passemos às falas desses dois grandes Iluminados e ao que disseram sobre eles.

Maria, mãe de Jesus, recebeu a visita de um anjo na concepção do Mestre. O anjo entrou onde
ela estava, e disse: “Alegra-te, cheia de graça! O Senhor está contigo!” (Lc 1, 28). Já Maya, mãe
do Buda, acolheu visita semelhante no nascimento do Mestre: Os quatro jovens devas o recebem e
o colocam à frente da sua mãe dizendo: ‘Alegre-se, rainha, um filho com grande poder acaba de
nascer’ (Mahapadana Sutta, DN.14).
Conta a tradição, pois está escrito no evangelho de Lucas, que alguns prodígios aconteceram
quando Jesus nasceu. Vejamos: E de repente juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste a
louvar a Deus, dizendo: “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens que ele
ama” (Lc 2, 13-14). Alguns séculos antes, a tradição budista já relatava maravilhas semelhantes na
ocasião do nascimento do Buda: Quando o Bodisatva saiu do ventre da sua mãe, então uma grande
e imensurável luminosidade superando o esplendor dos devas apareceu no mundo com as suas
divindades, Maras e Brahmas, com os seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo
(Acchariya-abbhuta Sutta, MN.123).

Muito conhecidas são as passagens onde Jesus estimula e aconselha que compartilhemos
nossos bens. Exemplifico com a seguinte. Cristo disse: Quem tiver duas túnicas, reparta-as com
aquele que não tem. E quem tiver o que comer, faça o mesmo (Lc 3, 11). Não é nem um pouco
estranho que Buda tenha dado os mesmos conselhos. Buda disse: Se os seres soubessem, como eu
sei, os resultados de dar e compartir, eles não comeriam sem antes ter dado, nem permitiriam que a
mácula do egoísmo tomasse conta das suas mentes. Mesmo se fosse o seu último bocado, a sua
última mordida, eles não comeriam sem ter compartido, se houvesse alguém com quem compartir.
Mas porque os seres não sabem, como eu sei, os resultados de dar e compartir, eles comem sem ter
dado. A mácula do egoísmo toma conta das suas mentes (Dana Sutta, It.26).

Buda disse: Fácil é ver erros nos outros, mas difícil os nossos próprios (Darmapada, Cap.
XVIII, verso 18). Cristo disse: Por que olhas o cisco no olho de teu irmão, e não percebes a trave
que há no teu? Como podes dizer a teu irmão: ‘Irmão, deixa-me tirar o cisco do teu olho’, quando
não vês a trave no teu próprio olho? Hipócrita! Tira primeiro a trave de teu olho, e então verás
bem para tirar o cisco do olho de teu irmão (Lc 6, 41-42).

Aqui é atacado o ato de falar de forma vazia, sem as ações esperadas e pertinentes. Buda
disse: São como uma flor atraente, cheia de cor, mas sem perfume, as boas palavras, sem fruto, de
quem por elas não agiu (Darmapada, Cap. IV, verso 8). Cristo disse: Este povo me honra com os
lábios, mas o coração está longe de mim (Mt 15, 8).

Não é difícil imaginar que tanto Buda como Jesus tiveram a mesma fonte de inspiração ao ler
os seguintes textos. Buda disse: Poucos aqueles entre os homens que passarão a outra margem
[nirvana] (Darmapada, Cap. VI, verso 10). Criando outra imagem, Buda mais ainda enfatizou sua
mensagem: Este mundo tornou-se cego, poucos aqui veem com clareza. Como aves que escapam da
rede, poucos são os que vão aos céus (Darmapada, Cap. XIII, verso 8). Cristo disse: Estreita,
porém, é a porta e apertado o caminho que conduz à Vida. E poucos são os que o encontram! (Mt
7, 14).

Maravilhosa a semelhança entre as seguintes citações. Buda disse: Mil vezes um milhar de
homens pode alguém vencer em batalhas; mas quem vencer-se uma só vez, este é o vencedor de
batalhas (Darmapada, Cap. VIII, verso 4). Cristo disse: Com efeito, que aproveita ao homem
ganhar o mundo inteiro, se ele se perder e arruinar a si mesmo? (Lc 9, 25).

O mal sempre tem consequências. Buda disse: Quem pratica o mal contra os bons, contra o
inocente, contra os puros, contra esse tolo o mal se volta, como o pó atirado ao vento (Darmapada,
Cap. IX, verso 10). São Pedro disse: Porque os olhos do Senhor estão sobre os justos e os seus
ouvidos estão atentos à sua prece, mas o rosto do Senhor se volta contra os que praticam o mal (I
Pd 3, 12).

Nas seguintes citações, vemos um importante mandamento colocado pelos Iluminados. Buda
disse: Todos têm medo do chicote, Todos se apavoram com a morte. Fazendo de ti um exemplo, não

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mates, nem causes a morte (Darmapada, Cap. X, verso 1). Cristo disse: Tu conheces os
mandamentos: Não mates. (Mc 10, 19).

Qual o real valor dos bens materiais? Nossos Mestres respondem. Buda disse: Mesmo os ricos
carros reais se desgastam e também o corpo se torna decrépito, mas o darma dos bons não se
deteriora. Os sábios, pois, aos sábios isso transmitem (Darmapada, Cap. XI, verso 6). Cristo disse:
Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e o caruncho os corroem e onde os ladrões
arrombam e roubam. Mas ajuntai para vós tesouros nos céus, onde nem a traça, nem o caruncho
corroem e onde ladrões nem arrombam nem roubam (Mt 6, 19-20).

Aqui, Buda e Cristo afirmam serem felizes as pessoas que efetivamente praticam os
ensinamentos. Buda disse: Correto e sem ser negligente, o darma adota bons hábitos. Viver o
darma é ser feliz, aqui neste mundo e nos próximos (Darmapada, Cap. XIII, verso 2). Jesus disse
(após uma mulher haver lhe falado “Feliz o ventre que te carregou, e os seios que te
amamentaram”): Felizes, antes, os que ouvem a palavra de Deus e a observam (Lc 11, 28).

Amor e bondade, a mensagem renitente. Buda disse: Dizer verdades, não se irar, dar, se
pedem, mesmo se pouco (Darmapada, Cap. XVII, verso 4). Cristo disse: Dá ao que te pede e não
voltes as costas ao que te pede emprestado (Mt 5, 42).

Incrível a semelhança. Os dois transmitem a mesmíssima ideia, utilizando-se de formas


completamente diferentes. Buda disse: Se ao infligir dor aos outros, o seu próprio bem conseguir,
quem conspurcar-se com o ódio, do ódio não se vai livrar (Darmapada, Cap. XXI, verso 2). Cristo
disse: Guarde a tua espada no seu lugar, pois todos os que pegam a espada pela espada perecerão
(Mt 26, 52).

A riqueza material denota egoísmo, mostra-nos sem nenhum disfarce que estamos presos às
necessidades exclusivas deste nosso (e dos muito próximos) fugidio e efêmero corpo físico,
enquanto irmãos passam por grandes dificuldades. Não é sem razão que encontramos críticas ao
acúmulo de bens materiais nas palavras de quase todos os grandes Iluminados que estiveram entre
nós. Buda disse: Enamorados pelos prazeres e riqueza, cobiçosos, deslumbrados pelos prazeres
sensuais, eles não se dão conta que foram longe demais como o gamo que cai na armadilha. Mais
tarde o fruto amargo será deles, pois deveras ruim é o resultado (Appaka Sutta, SN.III.6). Jesus
disse: Mas, ai de vós, ricos, porque já tendes a vossa consolação! (Lc 6, 24). Um outro Sutta relata
o seguinte diálogo com o Buda: Nós lhe perguntamos Gotama, sobre o declínio do homem. Qual é
a causa para a ruína? ... Ele tem muita riqueza, muito ouro e comida, mas desfruta disso tudo
sozinho – essa é uma causa para a sua ruína (Parabhava Sutta, Snp I.6). Voltando a palavra para
Jesus, ele disse: Como é difícil aos que têm riquezas entrar no Reino de Deus! (Lc 18, 24).

Aqui, ainda com o foco na riqueza, vemos a abordagem de outro ângulo. Buda disse: Aquele
que deseja diferentes objetos dos sentidos, como terras, casas, jardins, ouro, dinheiro, gado,
cavalos, serviçais, empregados, mulheres, parentes, será subjugado pelas paixões, os perigos o
esmagarão, e a dor irá segui-lo, igual à água entrando num barco naufragando. (Kama Sutta,
Snp.IV.1). Jesus, na parábola do semeador, fala sobre as sementes que caíram no meio dos espinhos
e foram sufocadas por eles. O Mestre disse: Aquilo que caiu nos espinhos são os que ouviram, mas,
caminhando sob o peso dos cuidados, da riqueza e dos prazeres da vida, ficam sufocados e não
chegam a maturidade (Lc 8, 14).

Relacionado à riqueza, temos a ganância, mais um sentimento combatido. Buda disse:


Inebriados por prole e posses, esses homens de mente ávida, como a enchente, a vila dormida, a
morte leva de roldão (Darmapada, Cap. XX, verso 15). Cristo disse: Precavei-vos cuidadosamente
de qualquer cupidez [segundo o dicionário Aurélio, cúpido é o ávido de dinheiro ou bens materiais,

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cobiçoso], pois, mesmo na abundância, a vida do homem não é assegurada por seus bens (Lc 12,
15).

Aqui podemos perceber a ênfase dada ao problema do acúmulo de bens materiais, ao acúmulo
de riqueza. São incompatíveis as escolhas entre o caminho que leva ao nirvana ou ao Reino de Deus
e o caminho que leva à riqueza material. Buda disse: Um caminho leva ao acúmulo, outro é o que
conduz ao nirvana. (Darmapada, Cap. V, verso 16). Jesus disse: Ninguém pode servir a dois
senhores: com efeito, ou odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Não
podeis servir a Deus e ao Dinheiro (Lc 16, 13).

Com relação aos sentimentos negativos, que trazem consequências ruins, especial atenção é
dada à raiva, ao ódio e à cólera. Buda e Jesus, reiteradas vezes, recomendam atenção e esforço para
que essas emoções sejam subjugadas. Buda disse: Quando surge a raiva em relação a uma pessoa,
ele deve desenvolver o amor bondade para com aquela pessoa. Dessa forma a raiva por aquela
pessoa deve ser subjugada (Aghatapativinaya Sutta, AN.V.161). Cristo disse: Todo aquele que se
encolerizar contra seu irmão, terá de responder no tribunal (Mt 5, 22). Quais algumas possíveis
consequências da raiva? Buda nos responde: A raiva, meu amigo, deixa você cego, faz com que
você perca a visão, faz de você um ignorante. Ela conduz à cessação da sabedoria, conduz a
problemas, e não conduz a nibbana (Channa Sutta, AN.III.71). A título de curiosidade, observo
que, neste mesmo sutta, Buda atribui essas mesmas consequências à ‘paixão’. E finalmente, como
enfrentar a raiva? Buda disse: Sem ira, os irados vencemos, com o bem, vencemos os maus,
vencemos os avaros dando, e com a verdade, os mentirosos (Darmapada, Cap. XVII, verso 3). São
Paulo, ressaltando um dos grandes ensinamentos de Jesus, disse: Não te deixes vencer pelo mal,
mas vence o mal com o bem (Rm 12, 21).

Buda muito lutou contra o sistema de castas existente na Índia, e buscou vincular os bons às
suas práticas e ações. Ele disse: Não é devido ao nascimento que alguém é um pária; não é devido
ao nascimento que alguém é um brâmane. Através das ações alguém se torna um pária, através das
ações alguém se torna um brâmane (Vasala Sutta, Snp.I.7). Buda complementou: São as ações que
distinguem os seres entre inferiores ou superiores (Culakammavibhanga Sutta, MN.135). Jesus
também buscou ligar a Salvação às práticas e ações, reduzindo a importância de ritos e palavras
vazias. Ele disse: Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, mas
sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus (Mt 7, 21).

Em vários Suttas o Buda descreve alguns poderes supra-humanos, que ele possui. No exemplo
a seguir, coloco um pequeno extrato: Ele caminha sobre a água sem afundar como se fosse terra
(Iddhadidesana Sutta, SN.LI.19). Jesus também caminhava sobre a água: Na quarta vigília da noite,
ele dirigiu-se a eles, caminhando sobre o mar (Mt 14, 25). Será que eles realmente tinham este
poder? Não acho que a resposta seja importante, mas sim seus ensinamentos.

Uma palavra-chave da doutrina budista é ‘impermanência’, que significa “Tudo que está
sujeito ao surgimento está sujeito à cessação” (Ambattha Sutta, DN.3). Muito foi falado por Buda
sobre este assunto. Cito como exemplo: Aquilo que alguém imagina ser seu irá desaparecer com a
morte. Compreendendo isso, um sábio não terá apego a nada (Jara Sutta, Snp.IV.6). Jesus
transmitiu a mesma mensagem quando contou a parábola do homem que teve uma grande colheita e
passou a fazer planos para o acúmulo dos seus bens, acrescentando ao final: Mas Deus lhe diz:
‘Insensato! Nessa mesma noite ser-te-á reclamada a alma. E as coisas que acumulaste, de quem
serão?’ (Lc 12, 20).

Visando o bem de todos, Buda e Jesus enviaram seus discípulos em pregação pelo mundo.
Buda disse: Peregrinem, bhikkhus, pelo bem-estar de muitos, para a felicidade de muitos, por
compaixão pelo mundo, para o bem, bem-estar e felicidade de devas e humanos. Que dois não

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sigam pela mesma estrada. Ensinem, bhikkhus, o Dhamma que é bom no início, bom no meio, bom
no final com o correto fraseado e significado. Revelem a vida santa que é perfeita e imaculada. Há
seres com pouca poeira sobre os olhos, que estão decaindo por não ouvir o Dhamma. Há aqueles
que entenderão o Dhamma (Marapasa - Dutiya Sutta, SN.IV.5). Cristo disse: Dirigindo-vos a elas
[às pessoas], proclamai que o Reino dos Céus está próximo. Curai os doentes, ressuscitai os
mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios. De graça recebestes, de graça dai. (Mt 10, 7-
8).

Quando Jesus enviou os apóstolos em missão, disse: Não leveis ouro, nem prata, nem cobre
nos vossos cintos, nem alforje para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado, pois
o operário é digno do seu sustento (Mt 10, 9-10). Buda foi ainda mais radical; falando do
comportamento correto do monge, disse que Ele se abstém de aceitar ouro e dinheiro (Kandaraka
Sutta, MN.51), completando, neste mesmo sutta com: Igual a um passarinho, aonde quer que ele
vá, voa com as asas como seu único fardo, assim também, o bhikkhu está satisfeito com os mantos
que protegem o seu corpo e com os alimentos esmolados que mantêm o seu estômago, e aonde quer
que vá ele apenas leva essas coisas consigo. Seriam essas recomendações seguidas hoje em dia?

Buda fala em recompensa para os generosos: Na dissolução do corpo, após a morte, aquele
que é generoso, um mestre da generosidade, renasce num destino feliz, no paraíso (Siha Sutta,
AN.V.34). Jesus também fala em recompensa para os generosos: Amai vossos inimigos, fazei o bem
e emprestai sem esperar coisa alguma em troca. Será grande a vossa recompensa (Lc 6, 35).

Conforme já vimos, a palavra-chave das mensagens de Buda e de Jesus é ‘amor’. Vejamos um


exemplo de cada. Buda disse: Então, você deve treinar assim: ‘O amor bondade, como libertação
da minha mente, será desenvolvido e cultivado, farei dele o meu veículo, a minha base, estabilizá-
lo-ei, me exercitarei nele e o aperfeiçoarei’. Assim é como você deve treinar (Sankhitta Sutta,
AN.VIII.63). Cristo disse: Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como eu
vos amei, amai-vos também uns aos outros (Jo 13, 34).

Buda e Jesus aconselharam em várias áreas da vida, inclusive sobre a alimentação e, uma vez
mais, de forma semelhante. Buda disse: E como, bhikkhus, um bhikkhu é moderado no comer?
Neste caso, refletindo de maneira sábia, um bhikkhu não toma o alimento como forma de diversão
ou para embriaguez, tampouco com o objetivo de embelezamento e para ser mais atraente; mas
somente com o propósito de manter a resistência e continuidade deste corpo, como forma de dar
um fim ao desconforto e para auxiliar a vida santa, considerando: ‘Dessa forma darei um fim às
antigas sensações (de fome) sem despertar novas sensações (de comida em excesso) e serei
saudável e sem culpa e viverei em comodidade’ (Rathopama Sutta, SN.XXXV.239). Jesus disse:
Cuidado para que vossos corações não fiquem pesados pela devassidão [há traduções da Bíblia
onde esse termo é substituído por gula, glutonaria ou excesso no comer], pela embriaguez pelas
preocupações da vida. (Lc 21, 34). Ainda ressalto um momento em que Buda fala “Dos Dignos” e
reforça sua mensagem: Dos livres de todo veneno, da gula também já libertos (Darmapada, Cap.
VII, verso 4).

Ambos os Iluminados preveniram sobre os riscos advindos de pessoas que possam querer se
passar por Mestres. Buda disse: Porém seguindo um mestre inferior e tolo, que é invejoso e que não
realizou o Dhamma, você irá encontrar a morte sem ter compreendido o Dhamma e sem ter se
livrado da dúvida (Nava Sutta, Snp.II.8). Após quinhentos anos, Cristo disse: Pois hão de surgir
falsos Cristos e falsos profetas, que apresentarão grandes sinais e prodígios de modo a enganar, se
possível, até mesmo os eleitos (Mt 24, 11).

Não é nem um pouco estranho que as mensagens de Buda e de Jesus sejam muito
semelhantes. Trata-se de ensinamentos atemporais, que são perfeitamente aplicados em qualquer

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época da epopeia humana. Um ótimo exemplo para essa afirmação são as seguintes citações. Buda
disse: Um homem não é conhecido com facilidade pela forma externa nem se deve confiar numa
rápida avaliação, pois com a aparência de bem controlados, homens descontrolados se apresentam
neste mundo (Sattajatila Sutta, SN.III.11). Jesus disse: Não julgueis pela aparência, mas julgai
conforme a justiça (Jo 7, 24).

Já mencionei a semelhança entre as doutrinas no que tange ao sentimento de ‘raiva’. Aqui, o


foco está na vingança. Buda disse: Quem retribui a um homem enraivecido com a raiva, desse
modo faz com que as coisas piorem para ele mesmo. Não repagando a raiva com a raiva, ele sai
vitorioso numa batalha difícil de ser vencida (Akkosa Sutta, SN.VII.2). Cristo disse: Eu, porém, vos
digo: não resistais ao homem mau; antes, àquele que te fere na face direita oferece-lhe também a
esquerda (Mt 5, 39). Ainda falando sobre vingança, enfatizando ainda mais sua posição, Buda
disse: Não será algo de pequena importância ter-se livrado do prazer de vingar-se. Quando cessar
toda violência na mente, todo sofrimento apaziguar-se-á (Darmapada, Cap. XXVI, verso 8). De
forma simbólica, Buda disse: Se, golpeado, não ressoares, como gongo roto, quebrado, então o
nirvana atingiste, onde as brigas não te acharão (Darmapada, Cap. X, verso 8). São Pedro, falando
de Jesus, disse: Quando injuriado, não revidava; ao sofrer, não ameaçava (I Pd 2, 23).

Tendo a convicção de estar ensinando a verdadeira doutrina, Buda disse: No Dhamma bem
proclamado por mim, dessa forma, que é claro ... livre de remendos, aqueles bhikkhus que possuem
fé suficiente em mim, amor suficiente por mim, estão todos destinados ao paraíso (Alagaddupama
Sutta, MN.22). Com a mesma convicção, Jesus disse: Quem tem meus mandamentos e os observa é
que me ama; e quem me ama será amado por meu Pai. Eu o amarei e me manifestarei a ele (Jo
14,21).

Observamos que Buda e Jesus tinham o poder de conhecer os pensamentos de outras pessoas.
Encontramos nas escrituras budistas uma fala de um dos seus discípulos, o Venerável Anuruddha:
Sabendo os meus pensamentos, o Mestre, insuperável em todo o cosmo, veio até mim através do seu
poder num corpo feito pela mente (Anuruddha Sutta, AN.VIII.30). Encontramos nas escrituras
cristãs: Mas Jesus, conhecendo os seus pensamentos, disse: “Por que tendes esses maus
pensamentos em vossos corações?” (Mt 9, 4).

É bastante popular a “regra de ouro” da moral, vista nos evangelhos. Jesus disse: Como
quereis que os outros vos façam, fazei também a eles (Lc 6, 31). Proporcionou-me grande
contentamento encontrá-la em um sutta do Buda: Aquilo que é desprazeroso e desagradável para
mim também é desprazeroso e desagradável para outrem. Como posso impor a outrem aquilo que é
desprazeroso e desagradável para mim? (Veludvareyya Sutta, SN LV.7).

Com relação ao comportamento sexual, a postura preferível é o celibato, segundo Buda e São
Paulo. Buda disse: Um homem sábio deve evitar a luxúria como (se ele evitasse cair em) um buraco
cheio de brasas ardentes. Se não for capaz de conduzir uma vida celibatária, ele não deve buscar a
mulher do outro. (Dhammika Sutta, Snp.II.14). É bastante curiosa a semelhança entre esse conselho
de Buda e as seguintes palavras de São Paulo: Contudo, digo às pessoas solteiras e às viúvas que é
bom ficarem como eu [celibatário]. Mas, se não podem guardar a continência, casem-se, pois é
melhor casar-se do que ficar abrasado (I Cor 7, 8-9).

É muito conhecida a passagem onde Jesus diz: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos
perseguem (Mt 5, 44). Até onde deve ir este amor? Utilizando uma contundência crua e chocante,
Buda nos responde: Bhikkhus, mesmo se bandidos decepassem com selvageria os seus membros,
um a um, com uma serra, aquele que fizer surgir uma mente cheia de raiva em relação a eles não
estará praticando os meus ensinamentos. Neste caso, bhikkhus, assim é como vocês deveriam
treinar: ‘Nossas mentes não serão afetadas e nós não diremos palavras ruins; nós permaneceremos

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compassivos pelo bem-estar dele, com a mente plena de amor bondade, sem raiva.
Permaneceremos permeando aquela pessoa com a mente imbuída de amor bondade e começando
com ela, permaneceremos permeando todo o mundo com a mente imbuída de amor bondade,
abundante, transcendente, imensurável, sem hostilidade e sem má vontade.’ Assim é como vocês
deveriam se treinar, bhikkhus (Kakacupama Sutta, MN 21).

Não raras vezes tentavam refutar as doutrinas de Buda e de Jesus. Exemplificando, retiro das
escrituras budistas a seguinte passagem: Outra vez, venerável senhor, eu vi alguns nobres
instruídos, expertos, conhecedores das doutrinas dos outros, astutos como franco-atiradores
precisos; eles andam por aí, por assim dizer, demolindo as ideias dos outros com a sua inteligência
arguta. Ao ouvirem: ‘O contemplativo Gotama irá visitar tal e tal vilarejo ou cidade’, eles
elaboram uma questão assim: ‘Iremos até o contemplativo Gotama e faremos esta pergunta. Se ele
for perguntado assim, ele irá responder assim e portanto, iremos refutar a sua doutrina dessa
forma; ou se ele for perguntado assado, ele irá responder assado e portanto, iremos refutar a sua
doutrina dessa forma’ (Dhammacetiya Sutta, MN.89). Com relação ao cristianismo, exemplifico
com a seguinte citação: Quando eles partiram, os fariseus fizeram um conselho para tramar como
apanhá-lo [a Jesus] por alguma palavra (Mt 22, 15). Não é necessário dizer que nunca tinham
sucesso. Muitas vezes os detratores se tornavam seguidores de Buda ou de Jesus.

É inegável que tanto Buda como Jesus foram homens especialíssimos; sem nenhuma dúvida
eles enxergavam e sentiam bem mais e muito além do que a grande maioria da humanidade; e
ambos tinham a perfeita convicção desse fato. Vemos Buda dizer: Eu sou o Consumado no mundo,
eu sou o Mestre Supremo (Ariyapariyesana Sutta, MN.26). Jesus disse a mesma coisa: Vós me
chamais de Mestre e Senhor e dizeis bem, pois eu o sou (Jo 13, 13). Ambos sabiam que estavam
trazendo luzes para as trevas da ignorância reinante entre os homens, como vemos nas seguintes
palavras de Buda: Eu sozinho sou um Perfeitamente Iluminado cujo fogo está saciado e extinto
(Ariyapariyesana Sutta, MN.26). E ainda em Jesus: Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não
andará nas trevas, mas terá a luz da vida (Jo 8, 12). Ambos sabiam que eram líderes. Buda disse: O
Abençoado é um arahant, perfeitamente iluminado, ... um líder insuperável de pessoas preparadas
para serem treinadas (Ananda Sutta, SN.LV.13). Jesus disse: Não permitais que vos chamem
‘Guias’, pois um só é o vosso guia, Cristo (Mt 23, 10). Como, para a grande maioria dos seres
humanos, o ensinamento destes grandes homens é lido, mas não praticado; aprendido, mas não
apreendido; estudado, mas não infundido; a ignorância ainda impera.

Buda insiste repetidamente nos três tipos de ações que podem ser tanto benéficas como
prejudiciais, que são a ação corporal, a ação verbal (as palavras) e a ação mental (os pensamentos) e
cada uma dessas ações é tratada com bastante detalhe. Com relação às ações verbais transcrevo este
pequeno excerto: Bhikkhus, não se envolvam em conversas frívolas... Por qual razão? Porque,
bhikkhus, esse tipo de conversa não traz benefícios, não pertence aos fundamentos da vida santa e
não conduz ao desencantamento, ao desapego, à cessação, à paz, ao conhecimento direto, à
iluminação, a Nibbana (Tiracchanakatha Sutta, SN LVI.10). Foi com satisfação que encontrei este
paralelo no evangelho de Mateus: Eu vos digo que de toda palavra inútil, que os homens disserem,
darão contas no Dia do Julgamento (Mt 12, 36).

Muitos dos que conviveram com o Buda não seguiram o caminho indicado por ele. Muitos
dos que conviveram com Jesus não seguiram o caminho indicado por ele. Os Mestres indicaram o
caminho, mas obrigaram ninguém a segui-lo. Buda disse: Da mesma forma brâmane, nibbana
existe e o caminho que leva a nibbana existe e eu estou presente como guia... O Tathagata é apenas
quem mostra o caminho (Ganakamoggallana Sutta, MN.107). Cristo disse: Eu sou o Caminho, a
Verdade e a Vida (Jo 14, 6).

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Sabemos que para alcançar algum desejo não basta desejar, mas também é preciso agir para a
sua consecução. Quem nunca ouviu a frase “faça a sua parte”? A esse respeito Buda disse: Não é
adequado que o nobre discípulo que deseja a felicidade reze para isso ou se delicie agindo assim.
Ao invés disso, o nobre discípulo que deseja a felicidade deveria seguir o caminho da prática que
conduz à felicidade (Ittha Sutta, AN.V.43). Jesus também se manifestou sobre este assunto: Assim,
todo aquele que ouve essas minhas palavras e as põe em prática será comparado a um homem
sensato que construiu sua casa sobre a rocha (Mt 7, 24). Muito interessante e didático o seguinte
símile feito por Buda: Suponham que uma galinha tenha oito, dez ou doze ovos. Se ela não cobri-
los corretamente, aquecê-los corretamente ou incubá-los corretamente, então mesmo que ela tenha
o desejo, ‘Que as minhas crias rompam as cascas dos ovos com suas garras afiadas ou bicos e
saiam dos ovos com segurança!’ ainda assim não será possível que os pintos rompam as cascas
dos ovos com suas garras afiadas ou bicos e saiam dos ovos com segurança. Por que ocorre isto?
Porque a galinha não cobriu-os corretamente, aqueceu-os corretamente, incubou-os corretamente
(Nava Sutta, SN.XXII.101).

Tanto as escrituras budistas como as cristãs registram que Buda e Jesus tinham o
conhecimento antecipado de suas mortes. Buda disse: Não tardará muito até que ocorra o
parinibbana do Tathagata. Daqui a três meses o Tathagata realizará o parinibbana (Cetiya Sutta,
SN LI.10). Jesus disse: De fato, ele será entregue aos gentios, escarnecido, ultrajado, coberto de
escarros; depois de o açoitar, eles o matarão (Lc 18, 32-33). No momento em que chegou a morte
de ambos, portentos ocorreram. Quando Buda morreu ocorreu um grande terremoto, assustador e
aterrorizador e o estrondo de trovões sacudiram o céu (Mahaparinibbana Sutta, DN.16). Já quando
Cristo morreu, a terra tremeu, e as rochas se fenderam (Mt 27, 51). Algumas coincidências (?)
chegam a ser inquietantes.

Acho que as semelhanças apresentadas já são suficientes para comprovar o quão imensamente
estes dois sábios se igualam quanto aos seus ensinamentos e a alguns fatos acessórios. Não receio
afirmar que a moral budista e a moral cristã são quase idênticas, apresentando pequenas e pouco
significantes diferenças. Seria verdadeiramente benéfico para todos se, ao invés de desejarmos boas
coisas para nós, passássemos a desejar boas coisas em nós, ao invés de nos perder em discussões
metafísicas e teológicas, de pouca utilidade prática, tentando convencer outras pessoas de que nossa
religião é a melhor ou é a verdadeira – normalmente apunhalando uns aos outros usando palavras
como adagas, como diria o Buda – buscássemos simplesmente seguir os preceitos morais de nossa
própria religião, seja ela budista, cristã, hinduísta, taoísta, jainista, ou qualquer outra, pois todas elas
possuem uma moral semelhante no que tange ao amor, à bondade, à renúncia, à caridade e à
compaixão.

***

Ramakrishna foi um sábio-místico da tradição hindu que viveu de 1836 a 1886 e sobre quem o
Mahatma Gandhi disse certa vez: A vida de Ramakrishna permite-nos ver Deus frente a frente.
Aqui, Ramakrishna é citado por Philip Novak e fala sobre a verdade nas religiões: A Natureza
Divina pode ser realizada e colocada em prática plenamente na vida cotidiana, trilhando-se com
sinceridade qualquer dos caminhos revelados... Kali, Krishna, Buda, Cristo, Alá – todos eles são
expressões plenas da mesma Consciência e Êxtase indivisíveis. Vejamos mais uma pertinente
citação de Ramakrishna: Não vos preocupeis com as doutrinas, com os dogmas, seitas, templos,
nem igrejas. Nada valem, comparados com a essência espiritual do homem, que quanto mais
espiritualizado for, maior poder terá para o bem.

Há milênios, os grandes “iluminados” vêm falando, essencialmente, a mesma coisa; faltam


ouvidos que verdadeiramente os escutem. Aqui cabe ouvirmos mais uma vez o sábio hindu
Ramakrishna: Quando a renunciação, o altruísmo, o amor ao próximo e a caridade estiverem nas

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obras e não nas palavras, facilmente se conciliarão em harmonioso laço todas as religiões do
mundo. Não custa lembrar que o próprio Ramakrishna, assim como Jesus, Buda e todos os grandes
“instrutores”, não apenas falou, mas viveu seus ensinamentos. Muitos dizem (apenas palavras) que
Deus é nosso Pai, mas poucos reconhecem (e agem de acordo com essa constatação) um verdadeiro
irmão em cada semelhante. Falando por diferentes palavras, podemos afirmar que é muito frequente
ouvirmos excelsas teorias a respeito de fraternidade, igualdade e direitos humanos. Mas, e a prática?
Essas teorias, provavelmente não saem da superfície mental, mais se prestando como acréscimo à
bagagem intelectual e cultural. Neste ponto peço ajuda ao grande poeta bengali Rabindranath
Tagore, que alerta: Despertai, ó despertai! Não deixeis que o tempo passe em vão!

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