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1903

Descentralização e regionalização: dinâmica

TEMAS LIVRES FREE THEMES


e condicionantes da implantação do Pacto pela Saúde no Brasil

Decentralization and regionalization: dynamics and conditioning


factors for the implementation of the Health Pact in Brazil

Luciana Dias de Lima 1


Lúcia F. N. de Queiroz 2
Cristiani Vieira Machado 1
Ana Luiza d‘Ávila Viana 3

Abstract Decentralization and regionalization Resumo A descentralização e a regionalização


represent constitutional guidelines for the organi- representam diretrizes constitucionais de orga-
zation of the Unified Health System, which in the nização do Sistema Único de Saúde que exigiram,
last 20 years has required the adoption of mecha- nos últimos vinte anos, a adoção de mecanismos
nisms to coordinate and accommodate federative de coordenação e acomodação das tensões federa-
tensions in Brazil’s healthcare sector. This paper tivas em saúde no Brasil. O artigo analisa a im-
analyzes the national implementation of the plantação nacional do Pacto pela Saúde, estraté-
Health Pact between 2006 and 2010 involving a gia que reconfigura as relações intergovernamen-
strategy that reconfigures intergovernmental re- tais no setor, de 2006 a 2010. A pesquisa envolveu
lations in the sector. The study involved the anal- análise de documentos, de dados oficiais e realiza-
ysis of documents, official data and interviews with ção de entrevistas com dirigentes federais, estadu-
federal, state and municipal managers in the Bra- ais e municipais nos estados brasileiros. Inicial-
zilian states. The content of the national proposal mente discorre-se sobre o conteúdo da proposta
is initially discussed, including its implications for nacional e seus desdobramentos para a política de
health policy. The different rhythms and degrees saúde. A seguir, analisam-se os diferentes ritmos e
of implementation of the Health Pact are then re- graus de implantação do Pacto pela Saúde, no que
1
Departamento de
viewed, with respect to adherence by states and concerne à adesão dos estados e municípios e à
Administração e
Planejamento em Saúde, municipalities and the formation of Regional conformação de Colegiados de Gestão Regional.
Escola Nacional de Saúde Management Boards. Lastly, the conditioning fac- Por fim, sistematizam-se os fatores condicionan-
Pública Sergio Arouca,
tors for the multiplicity of experiences observed in tes da multiplicidade das experiências observadas
Fundação Oswaldo Cruz.
Rua Leopoldo Bulhões the country are identified and the challenges fac- no país e discutem-se os desafios para o avanço da
1480/Prédio da ENSP/sala ing progress toward a decentralized and regional- descentralização e da regionalização no sistema
715, Manguinhos. 21041-
ized health system in Brazil are discussed. de saúde brasileiro.
210 Rio de Janeiro RJ.
luciana@ensp.fiocruz.br Key words Decentralization, Regional health Palavras-chave Descentralização, Regionaliza-
2
Departamento de Ciência e planning, Health policy, Unified Health System, ção, Política de saúde, Sistema Único de Saúde,
Tecnologia, Secretaria de
Federalism, Health pact Federalismo, Pacto pela saúde
Ciência, Tecnologia e
Insumos Estratégicos,
Ministério da Saúde.
3
Departamento de Medicina
Preventiva, Faculdade de
Medicina, Universidade de
São Paulo.
1904
Lima LD et al.

Introdução dução e coordenação12-14, permitindo a acomo-


dação das tensões federativas nos processos de
A Constituição Federal de 19881 e a Lei Orgânica descentralização e regionalização do SUS. A re-
da Saúde de 19902 estabelecem a descentralização gulação desses processos foi realizada pelo Mi-
e a regionalização como princípios norteadores nistério da Saúde, por meio da normatização,
dos processos de organização político-territorial consubstanciada pela edição anual de dezenas de
do Sistema Único de Saúde (SUS). portarias, em geral, associadas a mecanismos fi-
A descentralização redefine responsabilidades nanceiros15.
entre os entes governamentais e reforça a impor- De caráter transitório, estas normas foram
tância dos executivos subnacionais na condução sendo complementadas e sucessivamente substi-
da política de saúde. Ela envolve a transferência tuídas, apresentando diferenças, mas também
de poder decisório, da gestão de prestadores e de elementos de continuidade entre si16,17, sendo
recursos financeiros, antes concentrados na es- marcadas por intenso debate envolvendo as três
fera federal para estados e, principalmente, para esferas de governo e o Conselho Nacional de Saú-
os municípios. Informado por matrizes ideoló- de. Nos anos 90, foram publicadas quatro Nor-
gicas e experiências diversas3,4, o fortalecimento mas Operacionais Básicas (NOB) e, em 2001, a
desses governos se justifica como forma de pro- Norma Operacional da Assistência à Saúde
mover a democratização, melhorar a eficiência e (NOAS, reformulada em nova versão em 2002).
os mecanismos de accountability nas políticas A partir de 2006, foi instituído o Pacto pela Saú-
públicas, respeitando o desenho federativo e aten- de, conformado pelo Pacto de Gestão, Pacto pela
dendo aos interesses territoriais da nação5. Vida e Pacto em Defesa do SUS18,19.
Entretanto, frente à concentração geográfica No plano nacional, os contextos históricos e
de serviços de maior complexidade, às diferenças político-institucionais relacionados à formula-
de porte populacional e condições político-insti- ção e à implementação das políticas federais de-
tucionais dos entes federativos no Brasil, há ne- senhadas ao longo dos anos 90 e 2000 tensionam
cessidade de conformação de arranjos regionali- e atualizam procedimentos em vigor e permitem
zados de atenção à saúde que não se restringem identificar diferentes ciclos da descentralização no
aos seus limites administrativos, sendo a inter- SUS, com menor ou maior ênfase na regionali-
dependência entre os governos bastante signifi- zação8. Mas é preciso reconhecer a complexidade
cativa6,7. Admitindo múltiplos partícipes, a regi- e a diversidade desses fenômenos no Brasil. As
onalização na saúde é um processo político, con- múltiplas realidades territoriais existentes e a
dicionado pelas relações estabelecidas entre dife- importância adquirida pelas instâncias estadu-
rentes atores sociais (governos, organizações, ci- ais e municipais na condução da política de saú-
dadãos) no espaço geográfico8,9. Inclui, ainda, o de, influenciam os processos de descentralização
desenvolvimento de estratégias e instrumentos e regionalização do SUS nos estados brasileiros.
de planejamento, integração, gestão, regulação e Partindo desses pressupostos, a presente inves-
financiamento de uma rede de ações e serviços tigação tem como objeto de análise a implantação
no território. do Pacto pela Saúde no período de 2006 a 2010,
Por outro lado, ressaltam-se as especificida- considerando os diferentes ritmos e graus de ade-
des da implantação de políticas públicas em con- são dos governos subnacionais ao Pacto e a in-
textos federativos. Sob regimes democráticos, o fluência de contextos específicos nestes processos.
desenho institucional das federações garante a Inicialmente, discorre-se sobre a formulação
repartição do poder do Estado, de modo que e o conteúdo da proposta, destacando-se seus
diferentes esferas de governo possam participar desdobramentos para as relações entre os go-
do processo político e defender seus direitos ori- vernos nos processos de organização político-
ginários10. Nesses casos, a implantação de siste- territorial do SUS. Em seguida, apresentam-se a
mas nacionais e universais como o SUS supõe o metodologia do estudo e seus resultados em dois
entendimento entre autoridades políticas dota- eixos principais. Em um primeiro eixo, enfatiza-
das de vários tipos de poder e legitimidade, que se a dinâmica da implantação do Pacto, no que
agregam e empregam recursos diversos. Obser- se refere à adoção pelos governos estaduais e
vam-se relações de cooperação e competição, municipais das estratégias e instrumentos pre-
vetos e decisões conjuntas entre atores com pro- conizados pela política federal; em um segundo,
jetos políticos frequentemente divergentes11. sistematizam-se alguns fatores condicionantes
Estudos sugerem que a política de saúde bra- destes processos, identificados a partir de fontes
sileira desenvolveu mecanismos próprios de in- primárias de pesquisa, que ajudam na configu-
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ração dos contextos e na compreensão da multi- dos no âmbito setorial. Posteriormente, vários
plicidade das experiências investigadas. Nas con- documentos são publicados com o objetivo de
clusões, à luz dos resultados e da discussão ante- detalhar algumas propostas e instrumentos ope-
rior, destacam-se alguns limites e desafios para o racionais do Pacto pela Saúde, bem como de for-
avanço da descentralização e da regionalização necer orientações para a negociação intergover-
do SUS evocados pelo Pacto. namental e a implantação de estratégias e políti-
cas em áreas específicas. As proposições do Mi-
O Pacto pela Saúde nistério da Saúde assumem a feição de compro-
missos pactuados reunidos em quatorze Cader-
O debate que culminou na publicação das nos da série Pactos pela Saúde publicados até
diretrizes do Pacto pela Saúde em 2006 foi desen- dezembro de 2010.
cadeado a partir de 2003 com a entrada de novos O Pacto pela Vida corresponde à definição de
dirigentes no Ministério da Saúde, que identifi- prioridades, que se traduzem em objetivos e me-
caram a necessidade de mudanças nas formas de tas de melhoria das condições de saúde da popu-
relacionamento estabelecidas entre as esferas de lação, a serem acordadas pelas três esferas de go-
governo na política de saúde. Havia, à época, uma verno. Já o Pacto em Defesa do SUS,, indica a ne-
forte crítica ao modelo de condução federal da cessidade de um movimento político mais am-
descentralização no SUS no período anterior plo, explicitando algumas iniciativas e ações para
(1998-2002) que, devido à intensa normatização a garantia dos princípios e diretrizes da reforma
atrelada aos incentivos financeiros, teriam gera- sanitária, que transcendam os limites setoriais e
do, entre outros fatores, a burocratização das aumentem a base de apoio à política de saúde nos
relações intergovernamentais e uma fragmenta- governos e na sociedade. Por sua vez, o Pacto de
ção acentuada dos mecanismos de transferência Gestão, estabelece diretrizes para o aprimoramen-
de recursos federais. to da gestão do SUS em oito aspectos: descentra-
Assim, durante a primeira gestão ministerial lização, regionalização, financiamento, planeja-
da saúde no governo Lula (2003 a meados de mento, Programação Pactuada e Integrada (PPI),
2005), a discussão sobre a descentralização teve regulação, participação e controle social, gestão
como foco a necessidade de substituição dos pro- do trabalho e educação na saúde.
cessos e instrumentos adotados para a habilita- O Pacto pela Saúde diferencia-se dos instru-
ção dos estados e municipios por novas práticas, mentos anteriormente adotados no âmbito do
que induzissem a ação coordenada e cooperativa SUS por propor a formalização de acordos in-
entre os três gestores do SUS. Dentre os desafios tergovernamentais em diversos âmbitos da ges-
mais relevantes, destacavam-se: a necessidade de tão e atenção à saúde. A adesão ao Pacto é feita
adoção de critérios de repartição mais justa entre por meio do preenchimento e assinatura de Ter-
as unidades federadas e de formulação de mo- mos de Compromisso de Gestão (TCG) pelos
dalidades inovadoras para as transferências dos gestores, que devem ser aprovados e homologa-
recursos financeiros; a formulação de metas e dos nas respectivas Comissões Intergestores em
objetivos sanitários para a regulação e avaliação âmbito estadual e nacional, substituindo os an-
das ações de saúde oferecidas pelo SUS; a formu- tigos processos de habilitação às Normas Ope-
lação de estratégias para a organização da gestão racionais do SUS.
regional do sistema; e a definição de uma pro- Os Termos compreendem atribuições e res-
posta de organização das redes de atenção, ten- ponsabilidades sanitárias, objetivos e metas de
do a atenção primária como ordenadora. melhoria associados a um conjunto de indica-
Após amplas discussões, o documento con- dores voltados para o monitoramento e avalia-
tendo as diretrizes do Pacto pela Saúde 2006– ção do Pacto de Gestão e pela Vida. Há um mo-
Consolidação do SUS foi aprovado na Comis- delo especifico para cada ente federativo - muni-
são Intergestores Tripartite e no Conselho Naci- cípio, estado, Distrito Federal e União – justifica-
onal de Saúde e consolidado por meio de duas do pelas diferentes responsabilidades previstas
portarias ministeriais, incluindo três dimensões: para cada um deles, estando organizados em sete
pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão18,19. eixos prioritários: i) responsabilidades gerais de
Apresentado como uma inovação capaz de gestão do SUS; ii) responsabilidades sobre a re-
fortalecer a gestão descentralizada do sistema, o gionalização; iii) responsabilidades sobre o pla-
Pacto propõe a redefinição das responsabilida- nejamento e a programação; iv) responsabilida-
des coletivas dos três entes gestores e a pactuação des da regulação, controle, avaliação e auditoria;
de prioridades, objetivos e metas a serem atingi- v) responsabilidades sobre a participação e con-
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trole social; vi) responsabilidades sobre a gestão Formados por representação do estado (do
do trabalho; e, vii) responsabilidades na educa- nível central ou das estruturas de representação
ção em saúde. regional das Secretarias de Estado de Saúde) e do
O mecanismo de adesão ao Pacto reconfigu- conjunto de municípios em regiões específicas22,
ra as relações do Ministério da Saúde com os esses Colegiados constituem canais de negocia-
estados e municípios, até então instituídas por ção e decisão intergovernamental, com regras
meio de requisitos formais associados a incenti- próprias e funcionamento estável, que visam for-
vos financeiros. Sob o aspecto da transferência talecer a governança regional do SUS9. Enquanto
de responsabilidades e recursos federais, não al- instâncias privilegiadas para identificação de pro-
tera de imediato o volume de recursos repassa- blemas, definição de prioridades e soluções para
dos pela União para o custeio do SUS, nem am- organização da rede assistencial, podem favore-
plia a autonomia no gasto descentralizado des- cer a constituição de objetivos compartilhados e
tes recursos. o estabelecimento de uma lógica voltada para as
De fato, as mudanças no que se refere aos necessidades regionais de saúde na provisão dos
mecanismos de financiamento envolvem a unifi- serviços (visão regional).
cação das centenas de repasses realizados anteri- Em síntese, o Pacto pela Saúde representa uma
ormente, por meio da criação de cinco grandes inflexão nas relações federativas por enfatizar a
blocos para transferência de recursos federais necessidade de articulação de ações e cooperação
vinculados ao SUS: (1) atenção Básica; (2) aten- intergovernamental em vários âmbitos da polí-
ção de média e alta complexidade ambulatorial e tica de saúde e tentar ampliar as funções dos en-
hospitalar; (3) vigilância em saúde; (4) assistên- tes subnacionais na condução do processo de
cia farmacêutica; (5) gestão do SUS. Posterior- descentralização e regionalização no SUS. Man-
mente, foi criado um sexto bloco referente aos tidos o poder regulatório e de indução de políti-
investimentos. cas nacionais por meio das transferências fede-
Em que pese a redução do parcelamento e da rais, os distintos ritmos e graus de implantação
fragmentação das transferências, é preciso con- do Pacto pela Saúde refletem, em última instân-
siderar que os dispositivos que regem a distri- cia, o modo de condução da política de saúde em
buição de grande parte dos recursos permane- âmbito estadual, bem como a diversidade de
cem inalterados. Cada bloco é constituído por amadurecimento das relações federativas em cada
componentes que agregam antigos e novos in- um dos estados brasileiros.
centivos financeiros federais, e que, por sua vez,
seguem critérios e condicionantes para transfe-
rência e usos definidos em portarias específicas. Metodologia
Assim, mesmo que tenha havido o propósito de
alterar a capacidade de gestão orçamentária dos O estudo se apoiou no referencial de análise de
governos municipais e estaduais20, os repasses políticas públicas que tem como objeto o conteú-
permaneceram sendo efetivados mediante sua do e o curso da ação proposta por um ator ou
certificação ao referido programa e a implemen- grupo de atores, seus determinantes, suas finali-
tação das ações a que se destinam, mantendo o dades, seus processos e suas consequências23,24.
caráter indutório das transferências federais do A análise também incorporou as contribui-
SUS e o poder regulatório do Ministério no con- ções do institucionalismo histórico25,26, tendo em
texto do Pacto pela Saúde. vista o propósito de identificação e sistematiza-
No que concerne à regionalização, destaca-se ção dos fatores condicionantes do processo de
o resgate de seu conteúdo político, ao admitir implantação do Pacto pela Saúde. Valorizou-se
que a organização do sistema de saúde deva le- nesse sentido a noção de dependência de trajetó-
var em conta a diversidade dos elementos que ria (path-dependence), relacionada à idéia de que
caracterizam e distinguem o território brasileiro acontecimentos do passado podem dar vazão a
e buscar a complementaridade entre as regiões21, uma cadeia de determinações que influenciam as
enfatizando a importância da condução e da decisões políticas no presente27.
adaptação estadual e restringindo as determina- Foram considerados dois eixos de análise in-
ções federais nesse processo. Propõe-se, ainda, a terligados: a caracterização da dinâmica de im-
implantação de instâncias colegiadas de gestão plantação do Pacto no conjunto do país; a iden-
permanente dos espaços regionais definidos nos tificação dos condicionantes da adesão ao Pacto
Planos Diretores de Regionalização: os Colegia- nos estados brasileiros, considerando os contex-
dos de Gestão Regional (CGR). tos políticos, econômicos e sociais específicos.
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Para realização da pesquisa empírica adota- A exemplo do que ocorreu com os estados,
ram-se fontes primárias e secundárias, bem os acordos formalizados pelos municipios tam-
como métodos quantitativos e qualitativos para bém apresentaram ritmos diversos. No periodo
processamento das informações. compreendido entre 2006 a setembro de 2010,
Um amplo conjunto de dados foi obtido jun- foram homologados na Comissão Intergestores
to à Secretaria Executiva da Comissão Interges- Tripartite 3.789 adesões ao Pacto, que represen-
tores Tripartite e do Departamento de Apoio a tam 68,1% do total de municipios existentes no
Gestão Descentralizada do Ministério da Saúde. país. A maioria das homologações se concentrou
As informações foram consolidadas para o perí- no ano de 2008 (66,2%); em 2009, ano em que
odo de 2006 a setembro de 2010 (última infor- varias administrações municipais passaram por
mação disponível) e agregadas de modo a per- mudanças de governo em função dos resultados
mitir a compreensão da dinâmica (ritmos e eleitorais, houve decréscimo nas adesões muni-
graus) de implantação do Pacto nas distintas re- cipais (8,5%), seguido de uma retomada em 2010
giões e estados brasileiros. (18,5%). Contudo, dados os milhares de muni-
Foram analisados, ainda, documentos pro- cipios existentes no país, o ritmo de adesão mu-
duzidos nesse período, entre outros, atas das reu- nicipal ao Pacto não pode ser comparado ao dos
niões da Comissão Intergestores Tripartite e das estados no mesmo período.
Comissões Intergestores Bipartites estaduais, re- Esses acordos têm obedecido às dinâmicas
latórios, planos e normativas do Ministério da loco-regionais e ocorrido de modo mais ou me-
Saúde e das Secretarias de Estado de Saúde, bem nos articulado e complementar às adesões esta-
como as portarias que regulamentam as diretri- duais. Embora haja uma elevada dispersão geo-
zes do Pacto pela Saúde. Também foram realiza- gráfica dos municípios que aderiram ao Pacto, a
das 70 entrevistas semiestruturadas com dirigen- observação da Figura 1 permite constatar que
tes federais, estaduais e membros dos conselhos nas regiões do centro-sul do país este processo
de Secretários Municipais de Saúde. O cotejamen- ocorreu de forma mais intensa, concentrando o
to dessas diferentes fontes (documentos e entre- maior numero de estados com percentual de ade-
vistas) à luz do referencial teórico numa perspec- são municipal superior a 70%.
tiva crítico-reflexiva28,29, permitiram a identifica-
ção de condicionantes que conformam contex-
tos específicos e influenciam a implantação do
Pacto pela saúde em âmbito estadual.
A pesquisa foi aprovada pelos Comitês de
Ética das organizações acadêmicas envolvidas.
Todos os entrevistados assinaram um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, cujo conteú-
do assegurava-lhes o direito de recusa de partici-
pação e de sigilo das informações fornecidas.

Resultados

Dinâmica de implantação
do Pacto pela Saúde nos estados brasileiros
Legenda
100%
A adesão dos governos estaduais ao Pacto Entre 70 e 99,9%
ocorreu de modo gradual no período compreen- Entre 50 e 69,9%
dido entre 2006 e 2010. Assim, em 2006, apenas o Inferior a 50%
Tocantins formalizou sua adesão; em 2007, qua- Não se aplica
torze estados e, em 2008, nove estados. Os esta-
dos do Piauí e Amazonas foram os últimos a
aderir ao Pacto e tiveram seus processos aprova-
dos pela Comissão Intergestores Tripartite em Figura 1. Proporção de adesões municipais ao Pacto pela
Saúde nos estados Brasil, 2010.
2009 e 2010, respectivamente. Desse modo, em
quatro anos, todos os estados formalizaram Fonte: Brasil30.
acordos intergovernamentais no âmbito do SUS. Nota: Os dados se referem ao mês de setembro de 2010.
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Os dados possibilitam a agregação dos esta- sociar, no momento da sua adesão em 2007, 100%
dos brasileiros em quatro grupos, segundo a si- dos municipios.
tuação de adesão municipal ao Pacto em setem- A Tabela 1 informa sobre a dinamicidade dos
bro de 2010: processos de adesão municipal em cada estado,
Grupo 1: Estados com baixo percentual de evidenciando uma tendência geral à elevação en-
adesão muncipal (abaixo de 50%): Acre, Amazo- tre os anos de 2007 a 2010. Assim, se em 2007, 24
nas, Amapá, Bahia, Pernambuco, Piauí, Rio de estados apresentavam um percentual de adesão
Janeiro, Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins. municipal inferior a 50%, em 2008 houve decrés-
Grupo 2: Estados com percentuais médios de cimo para 17 estados nesta condição, em 2009,
adesão municipal (entre 50% e 70%): Maranhão, para 15 estados, e, em setembro de 2010, para 10
Paraíba e Roraima. estados. Cabe ainda destacar que, no período de
Grupo 3: Estados com alto percentual ade- 2006 a 2010, dos 26 estados, 19 alteraram positi-
são municipal (acima de 70% até 99%): Alagoas, vamente a situação do percentual de adesão mu-
Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Gros- nicipal, sendo que quatro estados apresentam
so, Pará, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo. atualmente 100% de adesão municipal.
Grupo 4: Estados com adesão total dos mu- Já o Quadro 1 oferece alguns elementos para
nicípios (100%): Ceará, Mato Grosso do Sul, a análise das relações existentes entre as adesões
Paraná e Rio Grande do Norte. estaduais precoces (2006 a 2008) e tardias (após
Destaque-se que o estado do Mato Grosso 2009) com o percentual de adesão municipal re-
do Sul, na região Centro-Oeste, foi o único a as- gistrados nos estados até setembro de 2010, clas-

Tabela 1. Sintese dos dados sobre a implantação do Pacto pela Saúde por estado – Brasil, 2006 a 2010.
Estado Ano de Nº de Percentual Percentual Percentual Percentual Percentual
adesão municípios Adesão Adesão Adesão Adesão Adesão
estadual existentes Municipal Municipal Municipal Municipal Municipal
2006 2007 2008 2009 2010
AC 2008 22 Nenhuma Inferior a 50% Inferior a 50% Inferior a 50% Inferior a 50%
AL 2007 102 Nenhuma Inferior a 50% Inferior a 50% Entre 50% e 70% Acima de 70%
AM 2010 62 Nenhuma Nenhuma Inferior a 50% Inferior a 50% Inferior a 50%
AP 2007 16 Nenhuma Nenhuma Nenhuma Nenhuma Inferior a 50%
BA 2007 417 Nenhuma Inferior a 50% Inferior a 50% Inferior a 50% Inferior a 50%
CE 2007 184 Nenhuma Acima de 70% Acima de 70% Acima de 70% 100 %
ES 2008 78 Nenhuma Nenhuma Entre 50% e 70% Acima de 70% Acima de 70%
GO 2007 246 Nenhuma Inferior a 50% Inferior a 50% Inferior a 50% Acima de 70%
MA 2007 217 Nenhuma Inferior a 50% Inferior a 50% Inferior a 50% Entre 50% e 70%
MG 2008 853 Nenhuma Inferior a 50% Acima de 70% Acima de 70% Acima de 70%
MS 2007 78 Nenhuma 100 % 100 % 100 % 100 %
MT 2007 141 Nenhuma Inferior a 50% Entre 50% e 70% Entre 50% e 70% Acima de 70%
PA 2008 143 Nenhuma Nenhuma Nenhuma Nenhuma Acima de 70%
PB 2008 223 Nenhuma Inferior a 50% Inferior a 50% Inferior a 50% Entre 50% e 70%
PE 2008 184 Nenhuma Inferior a 50% Inferior a 50% Inferior a 50% Inferior a 50%
PI 2009 224 Nenhuma Nenhuma Nenhuma Inferior a 50% Inferior a 50%
PR 2007 399 Nenhuma Inferior a 50% Acima de 70% Acima de 70% 100 %
RJ 2007 92 Nenhuma Nenhuma Inferior a 50% Inferior a 50% Inferior a 50%
RN 2007 167 Nenhuma Nenhuma Acima de 70% Acima de 70% 100 %
RO 2008 52 Nenhuma Nenhuma Entre 50% e 70% Acima de 70% Acima de 70%
RR 2007 15 Nenhuma Inferior a 50% Inferior a 50% Entre 50% e 70% Entre 50% e 70%
RS 2007 496 Nenhuma Nenhuma Nenhuma Nenhuma Inferior a 50%
SC 2008 293 Nenhuma Inferior a 50% Inferior a 50% Inferior a 50% Acima de 70%
SE 2008 75 Nenhuma Nenhuma Nenhuma Nenhuma Nenhuma
SP 2007 645 Nenhuma Inferior a 50% Acima de 70% Acima de 70% Acima de 70%
TO 2006 139 Nenhuma Inferior a 50% Inferior a 50% Inferior a 50% Inferior a 50%

Fonte: Brasil30.
Nota: Os dados de 2010 se referem ao mês de setembro.
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sificando-os em baixo, médio ou alto. Observa- Embora obedecendo a dinâmicas diversas,
se que não há casos que combinem percentual de contata-se que, em 2007, houve maior associa-
adesão municipal alto ou médio com processos ção entre os processos de adesão estadual ao
de adesão estadual tardia, fato que sugere a rele- Pacto, expansão das adesões municipais e im-
vância do papel indutor e coordenador do ges- plantação dos Colegiados.
tor estadual na implantação do Pacto. Os Colegiados mantêm correlação com pro-
Por outro lado, há estados que adotaram um cessos de regionalização previamente existentes,
ritmo aparentemente mais lento nos processos sendo influenciados pela prática de revisão e atua-
de adesão estadual e municipal. Alguns desses lização do desenho regional adotado no âmbito
estados optaram por atualizar os recortes regio- estadual. Em alguns estados, essa atualização
nais vigentes em seus Planos Diretores de Regio-
nalização, bem como por aprofundar as negoci-
ações intergovernamentais no âmbito dos Cole-
giados de Gestão Regional, de modo a favorecer
a adesão conjunta dos municípios ao Pacto em
regiões específicas, indicando uma preocupação
em qualificar o processo de descentralização da
gestão. São conduções que revelam as expectati-
vas dos gestores em relação ao fortalecimento
dos processos de regionalização, num contexto
de implantação ou reconfiguração de instâncias
de pactuação regional.
Os Colegiados de Gestão Regional vêm sen-
do instituídos gradativamente no Brasil como
instâncias de planejamento, pactuação e gestão
intergovernamental da saúde nos espaços regio-
nais, assumindo caráter complementar às Co-
missões Intergestores já existentes no SUS. Legenda
A exemplo do que se verifica em relação aos 2006
2007
processos de adesão estadual e municipal ao Pac-
2008
to, a implantação dos Colegiados teve seu inicio
2009
no ano de 2006 e tem obedecido a ritmos diver- 2010
sos, cuja determinação se relaciona às condições Não se aplica
especificas da gestão e da organização do SUS em Não há CGR
cada estado. Entre 2006 e setembro de 2010, fo-
ram implantados 417 Colegiados de Gestão Re- Figura 2. Ano de Implantação dos Colegiados de Gestão
gional no país, que abrangem 5.332 municípios Regional nos estados. Brasil, 2006 a 2010.
em 24 estados, dado que Roraima e Maranhão
não instituíram Colegiados (Figura 2). Fonte: Brasil31.
Nota: Os dados de 2010 se referem ao mês de setembro.

Quadro 1. Síntese da situação de adesão estadual e municipal ao Pacto pela Saúde nos estados – Brasil,
2006 a 2010.
Adesão estadual Alto Percentual de Médio Percentual Baixo Percentual
e municipal adesão municipal de adesão municipal de adesão municipal
ao Pacto pela Saúde (superior a 70% em 2010) (entre 50% e 70% em 2010) (inferior a 50% em 2010)
Adesão Estadual AL, CE, ES, GO, MG, MS, MA, PB, RR AC, AP, BA, PE, RJ, RS,
Precoce MT, PA, PR, RN, RO, SC, SP SE, TO
( 2006 – 2008)
Adesão Estadual
—— —— AM, PI
Tardia (após 2009)
Fonte: Brasil30.
Nota: Os dados de 2010 se referem ao mês de setembro.
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considerou os conteúdos das propostas contem- ção desses processos, vários são os modelos ado-
pladas no Plano Estadual de Saúde, o que indica tados para lidar com a diversidade de contextos
um esforço de alinhamento prévio entre instru- e lugares existentes.
mentos de planejamento que orientam as deci- Além disso, diversos são os fatores e a natu-
sões gestoras no contexto do SUS. reza dos fenômenos que condicionam e particu-
Por outro lado, há situações nas quais os es- larizam as experiências estaduais, influenciando
tados definiram seus Colegiados de Gestão Regi- os ritmos e os graus de adesão ao Pacto pela
onal após 2007, sem que tenha havido uma pre- Saúde e a implantação dos Colegiados de Gestão
cedente revisão dos planos de regionalização. Em Regional. A pesquisa permitiu a identificação e a
muitos casos, os processos de constituição dos agregação destes fatores em três dimensões sis-
Colegiados e o debate nestas instâncias não fo- tematizadas no Quadro 2.
ram suficientes para nortear a adesão articulada A análise conjunta destes fatores nas três di-
entre os governos ao Pacto. Por vezes as dificul- mensões propostas configura os contextos de
dades evidenciadas por estas instâncias para se implantação do Pacto nos estados. Assim, fato-
constituirem como fóruns permanentes de ne- res de natureza histórico-estrutural, ligados à
gociação intergovernamental devem-se à falta de história de conformação dos estados, às dinâ-
sua correspondência com regiões reconhecidas e micas socioeconômicas e às características dos
acordadas pelo conjunto de gestores do SUS nes- sistemas de saúde (complexidade, perfil e distri-
tes estados. Tal situação dificulta a consolidação buição da oferta de serviços) foram determinan-
de uma cultura de debate e negociação e fragiliza tes para os avanços e as dificuldades enfrentados
a governança regional na saúde. no processo de descentralização e de regionaliza-
ção. Também se identificaram aspectos de or-
Condicionantes estaduais dem político-institucional, entre os quais se des-
da implantação do Pacto pela Saúde tacaram: o legado de implantação de políticas
prévias que enfatizam a descentralização e a regi-
As informações referentes à implantação do onalização; o aprendizado institucional acumu-
Pacto pela Saúde nos estados sugere a multiplici- lado pelas instâncias colegiadas do SUS (entre
dade das experiências de descentralização e regi- elas a Comissão Intergestores Bipartites e os Con-
onalização em curso no país. Isso porque, dado selhos de Representação dos Secretários Munici-
o importante papel adquirido pelas instâncias pais de Saúde) e pelos governos estaduais e mu-
subnacionais (estados e municípios) na condu- nicipais nos diversos campos e funções gestoras

Quadro 2. Fatores condicionantes da implantação do Pacto pela Saúde nos estados – Brasil, 2006 a 2010.

Dimensões Condicionantes

Histórico-estrutural - Histórico de conformação do estado e de suas regiões (antiguidade do processo,


presença de identidade regional)
- Dinâmica socioeconômica
- Características do sistema de saúde (complexidade, perfil e distribuição da oferta
de serviços)

Político-institucional - Legado de implantação de políticas prévias de descentralização e regionalização


da saúde
- Aprendizado institucional acumulado pelas instâncias colegiadas do SUS e pelos
governos estaduais e municipais nos diversos campos e funções gestoras da saúde-
Existência de uma cultura de negociação intergovernamental
- Qualificação técnica e política da burocracia governamental
- Modos mais ou mesmo democráticos de operação e condução das políticas de saúde

Conjuntural - Perfil e trajetória dos atores políticos


- Dinâmica das relações intergovernamentais
- Prioridade do Pacto na agenda governamental dos estados e municípios
Fonte: Elaboração dos autores.
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da saúde (principalmente no que se refere às fun- pios cujos territórios se relacionam com outros
ções de planejamento e regulação); a existência estados). Há também situações de ingerência do
de uma cultura de negociação intergovernamen- poder político eleitoral (os chamado bolsões elei-
tal; a qualificação técnica e política da burocracia torais de determinados políticos) em certas re-
governamental, e; os modos mais ou menos de- giões e pesadas heranças centralizadoras em al-
mocráticos de operação e condução das políticas guns estados da federação (como refletem as ex-
de saúde nos estados. Da mesma forma, fatores periências dos estados do Nordeste).
conjunturais, particularmente aqueles relaciona- Outras razões que tensionam a consolidação
dos à ação política, como o perfil e a trajetória desses espaços vinculam-se à concentração de
dos atores políticos, a dinâmica das relações in- recursos e tecnologias em algumas regiões (prin-
tergovernamentais e a prioridade do Pacto na cipalmente, áreas metropolitanas ou sede de ca-
agenda governamental, repercutiram no proces- pitais em sua maioria situadas no litoral), às di-
so decisório e nas escolhas realizadas. nâmicas próprias de alguns territórios (caso dos
Alguns estados brasileiros, por exemplo, fo- estados da região Norte) e às desigualdades socio-
ram conformados ainda no período colonial e econômicas das regiões.
apresentam processos muito antigos de descen- Além disso, a atuação de interlocutores com
tralização e regionalização na saúde, iniciados na forte representatividade político-institucional, na
primeira metade do século passado, incluindo a negociação e na mediação de conflitos, se consti-
conformação de estruturas de representação re- tuiu como fator distintivo entre os estados nos
gional das Secretarias de Saúde (tais como Mi- processos de implantação do Pacto pela Saúde.
nas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia Essa atuação foi identificada tanto entre os gesto-
e Pernambuco). Outros foram formados mais res municipais, quando agem de forma organiza-
recentemente, sendo sua identidade estadual ou da e participativa, quanto no âmbito das secreta-
regional ainda muito incipiente. Neste caso, res- rias estaduais de saúde, pela sua capacidade de
saltam-se: o Rio de Janeiro, que se constituiu em diálogo, coordenação e condução dos processos.
1975 por meio da fusão entre o estado da Gua- A presença de atores públicos com legitimi-
nabara (antigo Distrito Federal) e o estado do dade e poder político necessários para a supera-
Rio de Janeiro; o Tocantins; e os antigos territóri- ção de conflitos – comuns em momentos de re-
os brasileiros transformados em estados (Ama- novação de práticas gestoras – quando associa-
pá, Roraima e Rondônia). dos, no âmbito institucional, à existência de equi-
Além disso, também atuaram como elemen- pes técnicas qualificadas, foi decisiva em alguns
tos decisivos na implantação do Pacto pela Saú- casos para a adoção de novas experiências de pla-
de, a experiência acumulada no planejamento nejamento e gestão em saúde (como sugere a ex-
governamental, as formas de organização e a cul- periência de Sergipe).
tura de negociação intergovernamental adquiri- Por outro lado, identificaram-se situações nas
das pelas secretarias estaduais e municipais de quais a adesão estadual bem como os processos
saúde e instâncias colegiadas no estado, a experi- que a ela se relacionam, como as adesões muni-
ência com estratégias de formalização de parceri- cipais e a implantação dos Colegiados de Gestão
as (por exemplo, consórcios de saúde e contratos Regional, foram conduzidas de modo burocráti-
de gestão). Nessa situação, encontram-se os esta- co e cartorial, sem que tenha havido a necessária
dos do Ceará, Mato Grosso, Mato Grosso do disposição para o debate por parte dos gestores,
Sul, Minas Gerais, Paraná e São Paulo. Cabe des- resultando em baixa ou nenhuma repercussão
tacar que, em alguns estados, a implantação do nas praticas institucionais vigentes.
Pacto foi potencializada pela articulação de políti- Em síntese, a implementação do Pacto pela
cas governamentais que, ao contemplarem a des- Saúde se associou, em cada estado, aos proces-
centralização de estruturas e processos como li- sos de descentralização e regionalização anterio-
nha estruturante da ação do governo estadual, res, ao desenvolvimento das capacidades de ne-
ampliaram o alcance das proposições do setor gociação loco-regionais e ao grau de articulação
saúde. existente entre os representantes do Conselho de
Algumas dificuldades de constituição de es- Representação das Secretarias Municipais de Saú-
paços de representação regional nos estados de- de e da Secretaria Estadual de Saúde, no sentido
correm do fato de que, muitas vezes, a integra- de gerar consensos sobre a divisão de responsa-
ção dos serviços de saúde obedece a lógicas terri- bilidades gestoras e os desenhos regionais ado-
toriais que extrapolam suas fronteiras (municí- tados em cada estado.
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Conclusões no bojo da proposta. Tentativas recentes de arti-


culação entre as estratégias de pactuação intergo-
Nas duas últimas décadas, observam-se sucessi- vernamental e a elaboração dos instrumentos de
vos aprimoramentos das relações intergoverna- planejamento setoriais (os Planos de Saúde, a Pro-
mentais na implementação do SUS. O Pacto pela gramação Anual de Saúde e o Relatório Anual de
Saúde representa um movimento de inflexão nos Gestão) visam minorar este problema33.
mecanismos de coordenação federativa na polí- Em terceiro lugar, cabe mencionar a fragilida-
tica de saúde brasileira, com valorização das es- de do modelo de intervenção federal embutido na
feras estaduais e municipais e a criação de novas proposta do Pacto. A relação entre a celebração
instâncias regionais. dos pactos e o papel federal nesse processo pode-
No entanto, a pesquisa realizada sugere a per- ria ser aprimorada, com maior valorização do
manência de alguns desafios, sendo as estratégi- planejamento nacional, que não se restringe à co-
as e instrumentos propostos no âmbito do Pac- ordenação de um processo “de base local e ascen-
to insuficientes per se para prover os avanços dente”, visto que existem atributos próprios do
necessários à condução da descentralização e da planejamento em cada âmbito territorial.
regionalização da saúde nos estados brasileiros. As experiências revelam que falta avançar na
Em primeiro lugar, não estão claras as rela- configuração de estratégias e instrumentos de
ções entre os processos de regionalização e a as- planejamento, regulação e financiamento que
sinatura dos Termos de Compromisso de Ges- possam apoiar a conformação de sistemas pú-
tão, que formalizam os acordos intergoverna- blicos de saúde regionais em diferentes recortes
mentais no Pacto. As informações consolidadas territoriais (nos espaços definidos pelos Colegi-
neste estudo permitem constatar que, nas bases ados de Gestão Regional, nas regiões de frontei-
atuais, a adesão dos governos subnacionais ao ra, áreas metropolitanas, reservas indígenas e
Pacto pode ocorrer sem que a regionalização seja áreas de proteção ambiental, entre outras). Tam-
de fato fortalecida e sem que esta represente qual- bém é preciso desenvolver mecanismos que fa-
quer avanço para a descentralização do sistema voreçam a participação de uma ampla gama de
em âmbito estadual. atores e o estabelecimento de relações coordena-
Os Colegiados de Gestão Regional, em pro- das e cooperativas entre governos, organizações
cesso de implantação, apresentam funcionamen- e cidadãos nos espaços regionais.
to irregular e incipiente em muitas regiões e, em Por outro lado, problemas de ordem estru-
geral, não possuem estrutura e recursos suficien- tural como as desigualdades territoriais dificil-
tes que permitam o desenvolvimento de parcerias mente podem ser resolvidos somente pela ação
e a resolução de conflitos federativos. Além disso, articulada dos estados e municípios, sem uma
há a necessidade de assegurar a implantação de efetiva atuação do governo federal. As múltiplas
novos fluxos e de modalidades de relacionamen- realidades regionais exigem o fortalecimento da
to entre tais colegiados e as comissões intergesto- lógica territorial no processo de planejamento e
res nos estados, no sentido de superar dificulda- formulação de políticas de saúde, bem como um
des que possam existir no exercício descentraliza- esforço financeiro adicional da União e dos esta-
do do poder de negociação e de decisão. dos, de modo a permitir uma diversificação de
Em segundo lugar, tal como já sugerido em políticas e investimentos que relacionem as ne-
outros estudos32, permanece o risco de desarticu- cessidades de saúde às dinâmicas territoriais es-
lação entre os processos de planejamento e de pecíficas. As políticas setoriais, particularmente a
pactuação intergovernamental em curso nos es- descentralização e a regionalização, só poderão
tados, devido à pouca valorização dos instrumen- ter viabilidade se articuladas a políticas de desen-
tos e recursos relativos ao planejamento regional volvimento regional de médio e longo prazo.
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Ciência & Saúde Coletiva, 17(7):1903-1914, 2012


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Artigo apresentado em 10/03/2011


Aprovado em 10/04/2011
Versão final apresentada em 20/04/2011

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