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EduCação dE JoVEns E adultos (EJa)

Maria Nalva Rodrigues de Araújo

A educação de jovens e adultos (EJA) é uma modalidade1 específica da educação básica,


destinada aos sujeitos do campo e da cidade aos quais foi negado ao longo de suas vidas o
direito de acesso à e de permanência na educação escolar, seja na infância, na adolescência,
ou na juventude. As razões para esta negação estão ligadas a vários fatores, como condições
socioeconômicas, falta de vagas, sistema de ensino inadequado e outros. A Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), lei nº 9.393/1996, em seu artigo 37, deixa claro que “A
educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade
de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria” (Brasil, 1996). Conforme
legislação em vigor atualmente, a EJA compreende o processo de alfabetização, cursos ou
exames supletivos nas suas etapas fundamental e média. A EJA constitui um direito
assegurado pela Constituição em seu artigo 208, quando afirma que: “O dever do Estado com
a educação será efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental obrigatório e
gratuito, assegurada, inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso
na idade própria”. Os direitos garantidos por lei no Brasil não são suficientes para que os
adultos brasileiros tenham de fato acesso à educação escolar, e os movimentos sociais do
campo e da cidade têm lutado ao longo da história para mudar essa situação .

Este texto trata singularmente da EJA na perspectiva da Educação do Campo, como fruto das
lutas camponesas para assegurar aos trabalhadores do campo o acesso à educação. No campo
brasileiro, caracterizase como educação de jovens e adultos as práticas educativas escolares e
não escolares desenvolvidas com e para os trabalhadores jovens e adultos que habitam no
campo brasileiro e que, nas suas trajetórias de vida, não tiveram a oportunidade de entrar na
escola, ou, ainda, os que entraram e não puderam nela permanecer na idade regular. A EJA é
ainda uma resposta às demandas por escolarização colocadas pelos sujeitos sociais do campo,
demandas estas fruto de um longo período histórico de exclusão dos trabalhadores do acesso
à educação escolar. A EJA é mais do que alfabetização apenas (embora esta seja a condição
fundamental). As práticas desenvolvidas pelos movimentos sociais camponeses apontam uma
perspectiva de EJA para além da escolarização, considerando os aprendizados que os
trabalhadores vão adquirindo por meio de suas experiências de lutas e de trabalho, sem negar
a importância fundamental da educação escolar como espaço privilegiado de acesso aos
conhecimentos socialmente produzidos pela humanidade. A educação de jovens e adultos no
contexto das lutas sociais do campo surge como necessidade de prosseguimento das lutas
sociais em várias dimensões desenvolvidas pelas organizações e movimentos sociais do
campo. Observando a situação do acesso à educação de jovens e adultos no campo e nas
cidades do Brasil, constata-se um quadro de exclusão e marginalização, evidenciando uma
realidade marcadamente desfavorável à população camponesa. Dados do censo do ano de
2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010) indicam que, no meio rural
brasileiro, de forma global, a taxa de analfabetismo entre os adultos é de 23,2 %, enquanto nas
regiões urbanas chega a 7,3%; ou seja, no campo, a taxa de analfabetismo é três vezes maior.
A escolaridade média das pessoas com mais de 15 anos no meio rural é de 4,5 anos; no meio
urbano, chega aos 7,8 anos. As maiores taxas de analfabetismo estão em municípios do Norte
e do Nordeste brasileiros. Tal situação demonstra que a garantia do ensino fundamental,
obrigatório e gratuito, inclusive para os que não tiveram acesso na idade própria – conforme
fixado no inciso I, artigo 4º, da LDB –, não vem sendo cumprida
no campo. O alto índice de analfabetismo no Brasil não é por acaso. Ele tem raízes históricas
nas contradições econômicas e sociais profundas que remontam ao período colonial,
perpassam a Primeira República e continuam na atualidade. O Brasil vive uma situação social
que exclui 18 milhões de pessoas do direito de conhecer as letras, de ter acesso ao
conhecimento. Há uma vinculação direta da condição de pobreza, do latifúndio e da
desigualdade social com a existência de pessoas que não sabem ler e nem escrever. Portanto,
o analfabetismo e o semianalfabetismo são expressão da pobreza que resulta de uma
estrutura social altamente injusta. Combatê-los sem entender suas causas seria um ato
superficial, ingênuo. Pinto (1989) adverte que o adulto analfabeto ou precariamente
escolarizado não é culpado pela sua ignorância, não é voluntariamente analfabeto, mas é feito
analfabeto pela sociedade, nas condições de sua existência, posto que o tipo de homem que
cada sociedade de- seja formar é aquele que serve para desenvolver ao máximo as
potencialidades econômicas e culturais de uma dada forma social vigente. Numa breve
retrospectiva sobre as políticas públicas de educação para as pessoas adultas no Brasil, pode-
se constatar que o período colonial, o Império e a Primeira República (1500 a 1930)
caracterizaram-se praticamente pela inexistência de ações direcionadas à educação de jovens
e adultos. É importante ressaltar que a população brasileira, na sua grande maioria, era
analfabeta (cerca de 67%, em 1890, e, até 1920, cerca de 60%). Em um contexto formado
essencialmente por escravos que trabalhavam na extração de minérios, na monocultura
canavieira e, posteriormente, na cafeeira, e por uma elite agrária, além dos quadros da
administração pública, essas elites pouco se esforçavam em implantar uma educação para as
populações trabalhadoras. A preocupação com o ensino de adultos aparece com a
Constituição de 1934 e, posteriormente, com o Plano Nacional de Educação (PNE). O fim da
Segunda Guerra Mundial em 1945 e a pressão de organismos internacionais, como a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco),
desencadearam um processo de recomendações aos países com alto índice de analfabetismo
para que dessem respostas efetivas a esses indicadores por meio de campanhas de massa.
de
fora a EJA. No Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) surge, em 1995, o programa
Comunidade Solidária, com políticas sociais de combate à pobreza que envolveram estados,
municípios e atores da sociedade civil – como universidades, empresas e organizações não
governamentais (ONGs). Entre essas políticas, está o combate ao analfabetismo de jovens e
adultos, mediante o programa Alfabetização Solidária (Alfasol). Esse programa caracterizouse
por uma perspectiva assistencialista, sem continuidade e ineficiente, principalmente em razão
dos poucos recursos destinados pela União e por uma metodologia que exigia altos gastos na
formação dos educadores do programa. Foi também no Governo FHC que, sob pressão dos
movimentos sociais do campo, entre eles o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), foi criado o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), para
atender à educação de adultos nas áreas de Reforma Agrária. O Governo Lula (2003-2010) deu
continuidade aos programas iniciados no Governo FHC e, no campo da alfabetização, trocou o
Alfasol pelo programa Brasil Alfabetizado (BA). Tal programa não difere em sua essência dos
demais desenvolvidos em governos anteriores: propõe um processo de alfabetização em
poucos meses sem propósitos de continuidade dos estudos, com verbas restritas, falta de
investimentos nos educadores e falta de materiais. 2

Assim, as políticas que nortearam a educação de jovens e adultos no Brasil pouco se


preocuparam com os homens e as mulheres trabalhadores do campo. Desse modo, não
tivemos, até hoje, um sistema de ensino adequado às especificidades no que diz respeito aos
modos de vida dos adultos trabalhadores do campo com a qualidade necessária para que
tenham possibilidades de acesso aos conhecimentos mais avançados e plenos que a
humanidade produziu. O que tem ocorrido, na maioria das vezes, são campanhas, programas e
projetos descontínuos, não existindo uma política de ações efetivas para a educação de jovens
e adultos. A ausência do Estado brasileiro na implantação de políticas públicas para a educação
de jovens e adultos é respondida pela sociedade civil organizada (a exemplo do Movimento de
Educação de Base da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB) ainda no início da
década de 1960, com ações de alfabetização e capacitação em associativismo e
cooperativismo para as comunidades rurais. Mais recentemente, os movimentos sociais, ao
seu modo, vêm buscando possibilidades de alfabetização e de escolarização para os
trabalhadores do campo. Pode-se dizer que, na atualidade, a EJA no meio rural constitui
resposta às demandas por escolarização dos trabalhadores organizados em seus movimentos e
organizações sociais. Assim, a EJA, como parte do movimento de lutas sociais, tem origem nas
experiências isoladas de luta e permanência na terra em várias partes do país. Primeiro,
tratava-se apenas de iniciativas no campo da alfabetização, que foram inauguradas pelas
forças populares; posteriormente, os próprios movimentos de lutas sociais se organizaram e
ampliaram o seu processo de educação de adultos, numa perspectiva mais ampla, que envolve
outros níveis de escolarização e que visa às necessidades que surgem da própria luta social.
Desse modo, pode-se perceber que a EJA no meio rural começa quando as pessoas se
conscientizam da necessidade de educação. Relatos de experiências dos movimentos sociais
do campo mostram que as experiências de EJA têm início na própria comunidade que se
organiza, cobra dos poderes públicos e, ao cobrar, faz isso como forma de luta. Assim, as
comunidades organizam as turmas, escolhem os seus educadores, os educadores também se
propõem a participar e, nesta sintonia, em lugares onde a educação não fazia parte do
cotidiano, começa-se a viver uma riqueza não outorgada, e sim, conquistada. Na atualidade, as
experiências de EJA desenvolvidas pelos movimentos de lutas sociais e sindicais envolvem
desde os níveis da alfabetização até o nível médio. São inúmeras experiências desenvolvidas
pelo Brasil afora, por meio de convênios e parcerias com várias organizações populares
(movimentos e sindicatos) e governamentais, como prefeituras, secretarias estaduais de
Educação, ministérios e universidades. Algumas marcas destas experiências podem ser
enumeradas: Utilização de várias alternativas 1) metodológicas de alfabetização e organização
das turmas: como enfatizado anteriormente, no intuito de superar o problema do
analfabetismo, os movimentos sociais do campo têm desenvolvido uma multiplicidade de
experiências metodológicas de alfabetização de adultos.

As referências teórico-metodológicas buscaram de alguma forma apoiar-se na vertente


pedagógica da educação popular, mas é importante enfatizar que em cada lugar, as
comunidades rurais e/ou o professor/alfabetizador, no processo de organização das turmas,
desenvolveram experiências de alfabetização utilizando-se de diversos meios para propiciar
aos jovens e adultos o acesso às primeiras letras. Assim, desde o processo organizativo das
turmas até a organização do trabalho pedagógico nas salas de aula ou círculos de cultura,
constata-se que a alfabetização tem sido desenvolvida nas casas dos próprios estudantes, nos
barracos de lona, com pouca estrutura. Quando não possuem giz, nem quadro-negro,
improvisam escrevendo com carvão em tábuas de madeira; no lugar de cadernos, usam
canhotos recolhidos nos estabelecimentos bancários; quando não possuem carteiras e
assentos, usam cepos (toras de madeira cortadas em pedaços); quando não há salário para o
professor, trabalha-se voluntariamente. Esses gestos constituem uma luta, ou seja, quando
cada comunidade leva as suas reivindicações aos poderes públicos, já mostram uma
organização possível. Assim, percebe-se que, ao lado do improviso, brota a criatividade na
difícil tarefa de organizar a EJA para os trabalhadores do campo. Formação por alternância sem
precarização do conhecimento: a formação por alternância no campo brasileiro foi inaugurada
pela Escola Família Agrícola (EFA) para atender especialmente aos filhos dos agricultores. Os
movimentos sociais do campo, ao constatar as demandas dos jovens e adultos para
continuarem seus processos formativos por meio da educação escolar, buscam, nesta forma
de organização pedagógica, uma possibilidade de elevação da escolaridade dos jovens e
adultos do campo brasileiro, especialmente com a conquista do Pronera, em 1998. A partir
desta data, contabilizam-se inúmeros camponeses que puderam completar sua trajetória na
educação escolar por meio da EJA/Pronera. Cabe salientar que muitos desses jovens e adultos
chegaram a concluir a educação superior e encontram-se atualmente em programas de pós-
graduação. Combinação entre a EJA e a formação profissional: no campo brasileiro, a
dimensão do trabalho passa a fazer parte desde muito cedo da vida das pessoas. Com isso, os
camponeses têm experiências no que diz respeito aos saberes da experiência, porém esses
saberes por si só são insuficientes para dar conta, na atualidade, da complexidade a que estão
submetidos nas relações socioeconômicas no campo. Nesse contexto, percebe-se que os
mesmos trabalhadores que foram alijados do acesso à escola também foram alijados de uma
formação profissional consistente e coerente com as suas demandas. Assim, a EJA
desenvolvida pelos movimentos sociais do campo buscou combinar formação geral com
formação profissional. Cabe salientar que os cursos desenvolvidos nessa modalidade não
tiveram relações com as perspectivas impostas pelo mercado capitalista. Ao contrário, foram
demandados pelas necessidades das lutas sociais. Cursos como os de técnico em Agroecologia,
técnico em Administração Cooperativista, técnico em Enfermagem, técnico em Saúde
Comunitária, Curso Normal Médio, foram desenvolvidos, combinando-se formação geral e
formação profissional. Tais atividades educativas, embora encharcadas de contradições, têm
produzido algumas possibilidades no âmbito dos movimentos sociais do campo: colocaram na
agenda da política pública as demandas para a educação dos jovens e adultos do meio rural;
inseriram nos currículos das temáticas pertinentes à vida e à luta social camponesa;
vincularam a EJA às demandas da luta social e à profissionalização dos trabalhadores do
campo; avançaram nos processos de alfabetização, chegando mesmo a reduzir
significativamente os índices de analfabetismo, como indica a Pesquisa Nacional de Educação
na Reforma Agrária (Pnera), realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em 2004, acerca da situação educacional nos
assentamentos e acampamentos. A pesquisa revela que a taxa de analfabetismo no campo de
forma geral era de 28,7% e, nos assentamentos, de 23% (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007). Esses dados nos levam a considerar que o
trabalho realizado pelos movimentos sociais mesmo sob condições adversas tem contribuído
para a diminuição dos índices de analfabetismo no campo. A EJA, no campo brasileiro, tem
como desafio instrumentalizar/armar os trabalhadores para que eles possam estabelecer
ligações entre as várias áreas do conhecimento e sua relaçãocom a luta de classes. No
contexto atual da questão agrária e dos embates com as transnacionais, a apropriação do
conhecimento é imprescindível para compreender os nexos da luta de classes no campo. Ao
ousar alfabetizar os adultos e elevar a sua escolaridade tendo como horizonte não apenas a
qualificação para a força de trabalho, os movimentos de lutas sociais no campo demonstram
que a emancipação não se dará apenas por meio da conquista econômica, mas, ao lado das
conquistas econômicas, é necessário também haver elevação cultural e qualificação de
consciência, demonstrando, assim, a função da educação e da escola para o movimento.

O termo modalidade é diminutivo do latim modus (modo, maneira), e expressa uma


medida dentro de uma forma própria de ser. Ela é, assim, um perfil próprio, uma feição
especial diante de um processo considerado padrão. Essa feição especial se liga ao princípio da
proporcionalidade para que este modo seja respeitado (Brasil, 2000).

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