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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PROCESSUAL E
PROPEDÊUTICA

Fichamento – Medidas Cautelares Patrimoniais1


(BADARO, Gustavo Henrique. Processo Penal. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 1111-1141)

Por tratar-se de um instrumento que tem como objetivo efetivar um provimento


jurisdicional a ser prolatada em “outro” processo, a tutela cautelar precisa ser entendida a partir
do seu conteúdo e de sua finalidade. Desta forma, faz-se necessário uma análise a forma que
uma eventual sentença penal condenatória irá impactar na “reparação” do dano causado pelo
delito.

Mesmo que não seja a principal finalidade da tutela penal condenatória, a reparação do
dano causado pelo delito assume papel importante no contexto da mesma. Desta forma, é
necessário que o sistema processual penal possua mecanismos eficazes para garantir a
alcançabilidade do resultado esperado, nas hipóteses em que há a eminência de uma insolvência
do investigado, o que comprometeria o provimento final, dada a morosidade que se observa no
andamento dos processos. Estes mecanismos seriam as medidas cautelares.

A doutrina costuma elencar como medidas cautelares patrimoniais penais o sequestro,


a especialização e registro da hipoteca legal e o arresto prévio à especialização e registro da
hipoteca legal.

Já o Código de Processo Penal prevê as seguintes medidas assecuratórias: sequestro de


bens imóveis (CPP, arts. 125 a 131); sequestro de bens móveis (CPP, art. 132); especialização
e registro da hipoteca legal (CPP, arts. 134 e 135); arresto de bens imóveis prévio à
especialização e registro da hipoteca legal (CPP, art. 136); arresto subsidiário de bens móveis
(CPP, art. 137).

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Pode-se constatar que as medidas cautelares elencadas pelo Código de Processo Penal
podem assumir duas finalidades distintas. A medida de sequestro, por exemplo, teria como
objetivo assegurar o cumprimento do efeito da condenação consistente na perda do produto do
crime, enquanto a inscrição e registro da hipoteca legal e o arresto prévio visam reparar o dano
provocado pelo delito. Desta forma, essas duas modalidades se diferenciariam pela sua
essência, buscando a primeira impedir o enriquecimento sem causa, no passo que as duas outras
proporcionam a reparação do prejuízo causado à vítima.

No que diz respeito ao sequestro, o mesmo ocorrer tanto com bens móveis como com
bens imóveis, tendo o CPP previsto os dois praticamente sobe o mesmo regime. A única
diferença reside no fato de que o sequestro de bens móveis possui um pressuposto negativo que
vem a impedir a busca e apreensão da coisa sequestrada.

Grande mudança no instituto do sequestro foi a promovida pela Lei nº 12.964/2012, que
passou a prever a possibilidade da “perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou
proveito do crime” (art. 91, § 1°), assim como permitiu que “as medidas assecuratórias previstas
na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou
acusado para posterior decretação de perda” (art. 91, § 2°). Criou-se, portanto, uma espécie de
“sequestro solidário”, no qual há a possibilidade, no insucesso da apreensão do produto ou
proveito do crime, se atingir bens lícitos que possuam valor equivalente àqueles.

Mais especificamente sobre o sequestro de bens imóveis, este possui como objeto o
imóvel que seja produto indireto do crime, como pode ser extraído do art. 125 do CPP: “caberá
o sequestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda
que já tenham sido transferidos a terceiro". Neste contexto, os proventos da infração seriam o
produto indireto, como, por exemplo, o imóvel comprado com dinheiro roubado.

Constata-se, também, que o dispositivo supracitado não tratou sobre o sequestro do


produto direito da infração, como, por exemplo, a coisa roubada. Contudo, a doutrina
majoritária tem entendido que, na ausência de normativa expressa, é possível que o sequestro
do art. 125 do CPP tenha por objeto o produto direto da infração, nos casos de bens imóveis.
Na prática forense, isto se mostra bastante relevante para os crimes de estelionato no qual a
vítima enganada transfere o imóvel para o estelionatário.

À vista disso, por se tratar, o sequestro, de meio que assegura a eficácia de uma eventual
sentença penal condenatória, esse só poderá incidir sobre bens que tenham relação com o

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próprio crime que está no centro da investigação criminal ou da ação penal. Busca-se, aqui,
atender a uma das principais características das medidas cautelares, que é a referibilidade,
devendo a tutela cautelar se referir a uma situação substancial acautelada. Deste modo, não é
possível sequestrar bens que integrem de forma ilícita o patrimônio do acusado, mas que
emanaram da prática de um crime diverso daquele que é objeto da persecução penal.

O art. 126 do CPP prelecionado que o único requisito para que esta medida seja
decretada é a “existência de”, não podendo o conjunto probatório apenas se basear em mera
especulação, mas sim na em indícios veementes de que aqueles bens possuam origem ilícita.

A legitimidade para requerer o sequestro é bastante extensa, podendo ser pleiteada tanto
pelo Ministério Público como pelo ofendido, mesmo o ofendido não habilitado. O Código de
Processo Penal, em seu art. 126, ainda prevê que a medida pode ser decretada ex officio pelo
juiz ou mediante representação da autoridade policial. Em relação à última hipótese, cabe
ressaltar que esta foi tacitamente revogada com o advento da Lei nº 11.403/2011, que não mais
permite ao juiz decretar medidas cautelares ex officio na fase do inquérito policial.

O sequestro poderá ser expedido em qualquer fase do processo ou ainda antes de


oferecida a denúncia ou queixa, nos termos do art. 127, CPP, com a ressalva de que, na fase do
inquérito policial, só é possível seu requerimento se as investigações já tiverem reunidos
elementos robustos que sejam capazes de demonstrar os indícios veementes da proveniência
ilícita dos bens, como mando o art. 126 da mesma Codificação.

Como já abalizado, a principal finalidade do sequestro é permitir que os bens objetos da


persecução penal não se percam antes do final do processo, o que colocaria em xeque a eficácia
do provimento judicial. Todavia, secundariamente também busca reparar o dano causado pelo
delito.

A partir disto, surgem questionamento que encontram, no âmbito doutrinário, ambiente


fértil para se desenvolver. Uma dessas questões diz respeito à posse nos casos de sequestro de
bem imóvel. Há doutrinadores que entendem que o titular da coisa ficará dela desapossado,
encontrando fundamento no art. 139 do CPP, que dá a possibilidade que o depósito e a
administração dos bens sequestrados se sujeitem ao regime do processo civil, ficando a guarda
e a conservação do bem será de responsabilidade de um depositário ou administrador. Contudo,
nada impede que fique o proprietário na posse das coisas constritas que terão como fim o leilão
judicial. Há aqui, portanto, uma interação entre o regime jurídico do Código de Processo Penal
com o Código de Processo Civil.

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O levantamento do sequestro, prevista no era. 131 do CPP, pode se dar de diversas
formas. A primeira delas se dá na hipótese em que o sequestro foi determinado no decorrer do
inquérito policial, e a ação penal condenatória não for intentada no prazo de 60 dias, sendo este
prazo de eficácia da medida cautelar. Não se mostra a razoável que o investigado tenha uma
constrição sobre o seu patrimônio por tempo indeterminado sem que haja a instauração formal
de uma ação penal.

A segunda hipótese em que se dá a constrição é quando o terceiro, a quem o bem


sequestrado tiver sido transferido, prestar caução que garanta a reparação do dano (art. 131, II).
O referido dispositivo só tem aplicação nos casos em que o bem sequestrado tenha pertencido
ao acusado, mas foi transferido de boa-fé ao terceiro.

A última hipótese é trazida pelo inciso III do art. 131 do CPP, sendo o sequestro
levantado “se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o réu, por sentença transitada em
julgado”. Cabe ressaltar, contudo, que a Lei n° 11.690/2008, que modificou o inciso II do
parágrafo único do art. 386 do CPP, acabou a exigibilidade do status de “transitado em julgado”
da sentença, posto que, segundo a mudança acarretada por tal dispositivo, na sentença
absolutória o juiz “ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas”.

Superada a questão do levantamento, um último ponto que merece destaque no âmbito


do sequestro de bens imóveis é a influência do resultado do processo condenatório. O simples
fato de existir sentença condenatória não implicará, necessariamente, a perda do proveito da
infração. Para decretação do sequestro, bastam “indícios veementes da proveniência ilícita”. Já
para que a sentença condenatória tenha como efeito a perda, em favor da União, “do produto
do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática
do fato criminoso” é o contrário: exige-se juízo de “certeza” quanto à proveniência ilícita de
tais bens.

A partir deste entendimento, se, ao final do processo que condenou o sujeito que teve o
seu bem sequestrado, não restar comprovado que este bem foi proveniente daquele ilícito, não
haverá o perdimento do bem.

Por outro lado, se, ao final do processo, a dúvida razoável tiver sido superada, havendo
provas de tratar-se de produto ou proveito da infração, e tenha havido o perdimento do bem, o
art. 133 do CPP prevê que: “Transitada em julgado a sentença condenatória, o juiz, de ofício
ou a requerimento do interessado, determinará a avaliação e a venda dos bens em leilão

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público". A quantia arrecada em eventual leilão deverá ser destinada ao lesado ou ao terceiro
de boa-fé, devendo o saldo restante, se houver, ir para os cofres públicos.

Após a análise dos principais aspectos referentes ao sequestro de bens imóveis, o estudo
do sequestro de bens móveis se mostra, a princípio, simples. Isto porque este segundo segue,
basicamente, o mesmo regime que o primeiro. É evidente que o objeto do sequestro serão os
bens móveis que sejam produtos indiretos do crime.

Outra diferença reside no fato do não cabimento, no sequestro de bens móveis, da busca
e apreensão. Na ocorrência de bens que seriam facilmente apreendidos, deve-se proceder com
a apreensão. Por este motivo, dificilmente será objeto de sequestro o produto direito da infração
penal. A coisa furtada, por exemplo, deverá ser apreendida tanto por se tratar de coisas obtida
de forma ilícita quanto por servir de prova da realização do ato criminoso.

Elucidado os principais pontos sobre o sequestro, tanto de bens imóveis como de bens
móveis, faz-se necessário, em consonância com o princípio constitucional da ampla defesa,
discorrer sobre os meios de defesa contra o sequestro que estão à disposição do acusado.

De uma forma geral, o Código de Processo Penal prevê como instrumento de defesa
contra o sequestro, em seus arts. 129 e 130, os embargos. Já estes, se subdividem em três
modalidades distintas: (1) embargo do terceiro, estranho ao processo (CPP, art. 129); (2)
embargo do acusado, para defesa de bens lícitos (CPP, art. 1 3 0 ,1); (3) embargo do terceiro de
boa-fé. que adquiriu o bem do acusado (CPP, art. 130, II). Não há, contudo, menção ao
procedimento a ser adotado nos referidos embargos.

Apesar da previsão expressa das defesas cabíveis, há quem entenda que o sequestro
possa ser atacado por meio de apelação, por se tratar de uma decisão que teria força definitiva.
Muitos defendem, ainda, que seria possível a interposição de mandado de segurança contra o
ato judicial. Contudo, a defesa deverá ser realizada, via de regra, por meio dos embargos.

No que concerne, especificamente, aos embargos de terceiro, estes serão disciplinados


subsidiariamente pelos artigos 1.046 a 1.054 do Código de Processo Civil. Assim, por se aplicar
o procedimento do CPC para suscitar o embargo, o regime recursal contra o mesmo embargo
também será regido o sistema do Código de Processo Civil, a fim de evitar a ocorrência de um
procedimento híbrido.

Quanto ao prazo de interpelação, o CPC, em seu art. 1.048, define que é de dez dias,

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tendo legitimidade para figurar como polo passivo dos embargos o ofendido, nas situações em
que ele tenha requerido o sequestro. Se determinado de ofício pelo juiz, caberá ao Ministério
Público contestá-la.

Os embargos de terceiro estranho ao processo, deverão ser julgados prontamente, sendo


a competência para conhece-los julgá-los o juiz penal que decretou o sequestro.

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