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TRANSCRIÇÃO ENTREVISTA TONI MORRISON

Do vídeo “Toni Morrisson se recusa a privilegiar pessoas brancas em seus romances”

ENTREVISTADOR ​– Uma vez você foi perguntada se conseguia se imaginar


escrevendo um romance que não é sobre raça. E você disse “com certeza”. Você vai
escrever?
TONI MORRISON – ​Tolstoi escreve sobre raça, assim como Zola, James Joyce. Veja
bem - a pessoa que faz essa pergunta não entende que também possui uma raça. Então,
quando me perguntaram quando vou parar de escrever sobre raça, ou se eu consigo… A
pergunta é a própria resposta. Sim, eu consigo escrever sobre pessoas brancas. Pessoas
brancas conseguem escrever sobre pessoas negras. Tudo pode acontecer na arte, não há
limites. Precisar fazer isso, ou precisar provar que eu consigo fazer isso, que é ofensivo.
E​ ​– ​O que foi ofensivo?
TONI ​– ​A pergunta foi colocada como se fosse algo desejoso escrever sobre pessoas
brancas ou não escrever sobre raça, que é o que significa para mim. Como se fosse algo
difícil de se fazer, artisticamente superior, ou que fosse mais importante e que eu ainda estava
escrevendo sobre pessoas marginalizadas e não sobre o ​mainstream​.
E – ​Você não está exagerando na interpretação da pergunta?
TONI – ​Talvez. Mas o que mais seria? O que isso significa? O que essa pergunta
significa? Me fala. Só funciona se eu posso abordar algum grande autor branco e dizer, como
uma jornalista, “você consegue escrever sobre pessoas negras?”, como se isso fosse uma
pergunta legítima para um autor branco. Não é uma pergunta legítima para mim. Não é uma
pergunta literária, não tem nada a ver com a imaginação literária. É uma pergunta
sociológica. Eu nunca poderia perguntar isso. [...] Talvez eu esteja respondendo assim porque
fizeram resenhas sobre mim no passado me acusando de não escrever sobre pessoas brancas.
Eu lembro de uma resenha sobre “Sula” que dizia “isso está bom, mas um dia ela terá que
enfrentar responsabilidades reais, amadurecer, e escrever sobre os confrontos reais para as
pessoas negras - que são pessoas brancas”. Como se nossas vidas não tivessem significado e
profundidade sem o olhar branco. E eu passei minha vida de escritora inteira tentando ter
certeza que o olhar branco não era o dominante em nenhum dos meus livros. E as pessoas que
mais me ajudaram chegar nesse tipo de linguagem foram escritores africanos ​- ​Chinua
Achebe, Bessie Head. Aqueles escritores que podiam assumir a centralidade de suas raças
porque eram africanos, e eles não explicavam nada para pessoas brancas. Essas perguntas
eram incompreensíveis para eles, essas perguntas que fariam a mim, como uma minoria
vivendo em um país branco como os EUA. Quando eu li a poesia de Cesaire ou a poesia de
Senghor, os romances particularmente... “​Things Fall Apart​” [de Achebe] era mais
importante para mim que qualquer outra coisa, porque havia uma linguagem, uma postura,
parâmetros. Eu podia agir agora, e eu não precisava ser consumida pelo olhar branco, estar
preocupada com isso, e essa foi minha libertação.

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