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Revista Ciencia & Inovação - FAM - V.2, N.

1 - DEZ - 2015

História Oral: uma estratégia


utilizada no desenvolvimento de projetos

Maria Terezinha Müller


Doutora em História da Educação pela Faculdade
de Educação da Unicamp; Professora dos cursos de
Letras e Pedagogia da Faculdade de Americana -
FAM.

RESUMO ABSTRACT
Este artigo aborda a História Oral como uma estratégia This article is about Oral History as a contribution to
interessante para o desenvolvimento de projetos, em the development of projects in any educational level,
todos os níveis de ensino. Os profissionais que optam in every area, using the strategy of listening, retrieve,
por esse caminho, abrem possibilidades de analisar as compile and analyze (carefully) data which, for various
relações entre história e memória, entre o imaginário reasons, do not exist in other media. Professionals who
e mentalidades individuais, porém, devem conservar choose this way of researching, create the possibility
sempre um olhar crítico e científico, de modo a dar- for analyzing the relationship between history and
lhes um sentido mais amplo. Sem desprezar ou ignorar memory, imagination and individual mentalities,
outras abordagens históricas, a História Oral pode however, they must have critical and scientific view, to
suprir ausências, completar documentos, integralizar give the information a broader sense. Without denying
informações incompletas, sempre, porém, levando-se or ignoring other historical approaches, the Oral History
em consideração que as memórias são individuais e can supply absences, complete documents and data,
dizem respeito a uma visão apenas do todo, sendo complete incomplete information, always, however,
que os dados obtidos por essa técnica devem ser taking into consideration that memories are individual
analisados detidamente, ligando-os à totalidade da and relate to only a vision of the whole, and the data
História, sob o risco de, caso isso não ocorra, termos obtained by this technique should be analyzed carefully
uma pesquisa empobrecida. by connecting them to the whole of history, under the
risk - if it does not occur, to have an impoverished
search.
Palavras-chave: História Oral; Pesquisa; Historiografia.

Keywords: Oral history; Research; Historiography.

O estudo da História vem passando por pessoas comuns, dos trabalhadores, das mulheres, a
importantes e significativas mudanças desde que não ser em tempos de crise ou quando algum evento
Heródoto lançou a sua versão da invasão persa na especialmente inoportuno os envolvesse. Mesmo que
Grécia, no início do século VI a.C. Como uma ciência alguém quisesse escrever sobre esses anônimos das
desapegada da oralidade, a História teria surgido classes populares, teria encontrado muita dificuldade,
apenas a partir do século XVII (JOUTARD, 1998). pois os documentos não eram preservados ou, caso
fossem, tinham acesso restrito, perdidos ou guardados
Até os anos finais do século XIX, o estudo
em gavetas, mal conservados e em arquivos
da História tinha um enfoque eminentemente político,
empoeirados e sem catalogação.
sendo considerados “históricos” apenas os documentos
em suporte físico – escritos e imagéticos, entendendo- Os registros de nascimento, casamento,
se aqui as fotografias, filmes, iconografia, cartografia e históricos escolares, jornais, atas de reuniões, diários
outras formas de preservação concreta da memória e de bordo, de viagens e conquistas, dentre outros, eram
de fatos históricos. produzidos pelos indivíduos letrados e representavam
exclusivamente as classes dominantes. Quanto mais
Os historiadores pertenciam às elites, às classes
um documento fosse pessoal, menor o interesse nele
que governavam e que voltavam, evidentemente, seu
despertado, menor a possibilidade de que continuasse
interesse para o registro relativo às lutas pelo poder.
a existir. Por outro lado, os papéis tidos como “oficiais”
Não mereciam atenção os problemas e a vida das
permaneceram, fazendo com que a estrutura do poder
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funcionasse, nas palavras de Thompson (1992) “como que preservem sua cultura, essas sociedades orais
um grande gravador, que modelava o passado à sua dependem exclusivamente da memória e do quanto
própria imagem” (THOMPSON, 1992: 23). conseguem transmitir às gerações vindouras para
sobreviver como grupo social. Como não dispõem de
A metodologia da História Oral se desenvolveu
registros físicos – escritos – para cristalizar os feitos
mais amplamente a partir da invenção do gravador,
transmitidos às futuras gerações, os indivíduos dessas
ainda nos anos de 1950, nos Estados Unidos, e logo
sociedades não se preocupam em “conferir” ou “buscar
se difundiu pela Europa, não adquirindo, nos países
provas” de veracidade dos fatos narrados. O que
europeus, o mesmo reconhecimento alcançado em
atesta a legitimidade e credibilidade das narrativas é
terras norte americanas. Porém, foi na Itália, nos finais
a permanência do saber nela contido. Ao transmitir
da década de 1960 - quando o mundo se surpreendia
suas informações, o indivíduo seleciona ou emite
com os movimentos a favor dos direitos civis, do
dados, e essa seletividade ou omissão também tem o
feminismo e do sindicalismo - que o sociólogo Franco
seu significado. A cada nova geração, a transmissão
Ferrarotti e os antropólogos Ernesto De Martino e
vai sendo enriquecida com a versão do então
Gianni Bosio tornaram-se precursores de toda uma
narrador, influenciado pelos fatos ocorridos no seu
geração de historiadores orais, tendo como objetivo
próprio tempo de vida, com sua visão subjetiva sobre
não apenas utilizá-la como uma metodologia, mas
os acontecimentos. Ao longo dos anos, a narrativa
sim, considerando-a como “uma nova forma de se
passa a ser uma composição social, representativa da
fazer História”. Eles pregavam, como norma, o “não-
coletividade que a mantém ao longo dos anos.
conformismo sistemático”, ou seja, a busca por uma
história alternativa, que não constasse dos compêndios Nessas sociedades sem escrita, evidentemente
historiográficos então existentes, nos quais seria o poder está associado ao saber e à capacidade de
impensável o aproveitamento, como fonte de saber lembrar. Normalmente os mais idosos são os guardiães
acadêmico, de dados colhidos através da oralidade, dos saberes da comunidade, uma vez que, tendo vivido
de entrevistas e de conversas com pessoas comuns, muito, podem apropriar-se dos conhecimentos de
sobre sua experiência de vida. As poucas biografias várias gerações. Isso não significa que a função cabe
até então existentes, na maioria sobre a vida dos reis apenas a ele, pois, sendo idoso, por outro lado, resta-
ou dos santos, interessavam aos estudiosos apenas do lhe pouco tempo de vida para transmitir aos demais.
ponto de vista literário e ficcional, sem lhes ser atribuído Assim, toda a comunidade é responsável por ouvir,
valor histórico algum. Mas como separar ou ignorar a saber, lembrar para, depois, transmitir.
ligação, os elos indissolúveis entre memória e história?
Entre o ouvinte e o narrador nasce uma relação
Como nos ensina Thompson (1992) “a memória de
baseada no interesse comum em conservar o
um pode ser a memória de muitos, possibilitando a
narrado que deve poder ser reproduzido. A memória
evidência dos fatos coletivos” (THOMPSON, 1992: 17).
é faculdade épica por excelência. Não se pode
Para os historiadores que se debruçam sobre perder, nos desertos do tempo, uma só gota da
a História Oral, a memória não pode ser desprezada, água irisada que, nômades, passamos do côncavo
já que a oralidade antecede a escrita, sendo uma de uma para outra mão. A história deve reproduzir-
forma de preservação da história muito mais antiga se de geração a geração, gerar muitas outras, cujos
que esta. Desde tempos imemoriais e ainda em nossos fios se cruzem, prolongando o original, puxados por
dias (especialmente em comunidades tribais), existem outros dedos (BOSI, 1995).
povos sem um sistema de linguagem escrita, porém
com uma grande riqueza cultural, transmitida oralmente
Os estudiosos que se debruçaram sobre a
de geração a geração, através do tempo, constituindo o
História Oral, apresentam argumentos interessantes
que há de mais autêntico dentro daquele determinado
para considerá-la como uma metodologia legítima:
grupo social: sua memória e sua história.
Jacque Le Goff (1996) nos lembra que Memória e
Muito antes do surgimento da escrita, o imaginação têm a mesma origem, sendo que os gregos
relato oral constituiu-se na maior fonte humana de antigos fizeram da Memória uma deusa (Mnemosine),
conservação do saber, sendo que a educação, através mãe de nove musas inspiradoras, dente elas a História
dos séculos, baseou-se principalmente na narrativa. (Clio), a Poesia (Polimnia), a Astronomia (Urânia) e a
Grandes obras hoje apresentadas em suporte escrito, Eloquência (Calíope). Por esse olhar, a História seria a
como A Odisséia e a Ilíada (de Homero) e Eneida filha da Memória, o que lhes dá aproximação e afinidade.
(Virgílio), foram transmitidas oralmente através das Ainda segundo esse autor, a memória e o passado
gerações até serem escritas muito tempo depois. são “motores para o desenvolvimento da História”.
Mesmo na pré-história, acredita-se que pinturas Já Peter Burke (1992) descreve a memória como
rupestres tenham sido feitas a partir de narrações de uma reconstrução do passado, uma vez que lembrá-
caçadas e de eventos cotidianos (QUEIROZ , 1998) lo e escrever sobre ele não são atividades ingênuas
e inocentes, mas sim um olhar relevante ao grupo
Nos povos ágrafos, a memória é transmitida
ao qual pertencemos, e que incorporamos – depois
através de suas lendas, mitos e rituais e serve para
de “filtrarmos” todos os acontecimentos vivenciados.
manter a própria estrutura grupal. Sem meios físicos
Portanto, a memória é sempre uma construção feita no
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presente a partir de vivências ocorridas no passado. Assim, como em qualquer pesquisa, com
Memórias individuais e coletivas se confundem já que qualquer tipo de fonte, é necessário muita seriedade,
vivemos em sociedade e estamos sujeitos a influências olhar científico e submissão da técnica a uma minuciosa
(e a influenciar) os grupos a que pertencemos e com reflexão crítica e metodológica, de forma a conhecer
os quais nos identificamos. Joutard (1998) acrescenta as críticas e os aspectos polêmicos que envolvem
que o progresso e difusão da história oral possuem o uso da fonte oral, de forma a explicitar sua opção
intensidades distintas em cada país, onde pode haver metodológica na trajetória de pesquisa, armando-se de
resistências ou incentivos. Para esse intelectual, a suporte teórico referente ao fenômeno estudado.
resistência apenas priva os historiadores de abrir
Os aspectos críticos mais comuns que envolvem
sua mente a novas perspectivas, afirmando que a
a utilização da fonte oral são aquelas relacionadas
História Oral é “um campo de amplo desenvolvimento
à confiabilidade da fonte, pois muitos dizem que os
nos estudos históricos”. Além disso, afirma que se
depoimentos orais são subjetivos, relativos à memória
deve levar em conta que a história oral utiliza a
individual, às vezes falível ou fantasiosa. Paul Thompson
memória como fonte primária para a compreensão
(1992) uma das maiores autores em História Oral do
da sociedade, o que lhe dá um campo de pesquisa
mundo, argumenta que nenhuma fonte está livre da
bastante considerável. Partindo dessas definições,
subjetividade, seja ela escrita, oral ou visual. Todas
muitos historiadores voltaram-se à valorização das
podem ser ambíguas, tendenciosas ou até mesmo
fontes memorialísticas, sendo legítimo afirmar que a
passíveis de manipulação. Apesar da subjetividade
História Oral pode contribuir para o desenvolvimento
a que a fonte oral está sujeita, o autor afirma que “a
de projetos, sejam eles de que área forem, levando-
evidência oral pode conseguir algo mais penetrante e
se em consideração a estratégia de ouvir, recuperar,
mais fundamental para a história. [...] transformando os
analisar e compilar dados que, por motivos vários,
‘objetos’ de estudo em ‘sujeitos’ (THOMPSON, 1992:
não existem em outro suporte. Atividades com história
137). Assim, no processo apontado por Thompson de
oral, quando desenvolvidas em escolas do Ensino
transformação dos objetos estudados historicamente
Fundamental e Médio, mas também nos últimos anos
em sujeitos, é necessário olhar o depoente com outros
da educação infantil, são extremamente interessantes
olhos, fazendo, no decorrer da pesquisa, um movimento
e, se bem preparadas e com objetivos bem definidos,
dialético entre a documentação escrita já existente e a
podem surpreender pelos resultados, principalmente
fonte oral. O importante é que o historiador perceba o
porque – para as crianças - o ato de perguntar parece
que a testemunha quer expressar e quais seus motivos
inerente à idade.
para o que relatou.
Como procedimento metodológico, a História
Outra crítica que permeia a utilização das
Oral procura ouvir e registrar – e, portanto, perpetuar
fontes orais é que elas só podem responder a
– impressões, vivências, lembranças de indivíduos
questionamentos contemporâneos, porém, essa
que se dispõem a compartilhar sua memória com a
crítica que parece se fundamentar em um primeiro
coletividade, transmitindo um conhecimento vivo e rico
momento, cai por terra quando se compreende que as
que, de outra forma, não seria possível conhecer. De
transcrições e entrevistas se constituem em importante
acordo com estudos de Alberti (1989) a História Oral
documentação a futuros investigadores, fornecidos
pode ser entendida como
por sujeitos que efetivamente vivenciaram o momento
(...) um método de pesquisa histórica, filosófica, testemunhado, do mesmo modo como hoje nos
antropológica, sociológica, política, etc que privilegia voltamos aos jornais e revistas antigos como fontes de
a realização de entrevistas com pessoas que pesquisa.
participaram de, ou testemunharam acontecimentos,
De acordo com Pierre Nora (1993), a memória é
conjunturas, visões de mundo que se aproximam
do objeto de estudo. Trata-se de estudar (...) um fenômeno sempre atual, um
acontecimentos históricos, instituições, grupos elo vivido no eterno presente; a história, uma
sociais, categorias profissionais, movimentos, etc. representação do passado. Porque é afetiva e
(ALBERTI, 1989: 52). mágica, a memória não se acomoda a detalhes que
a confortam: ela se alimenta de lembranças vagas,
telescópicas, globais ou flutuantes, particulares
Muitas são as divergências entre os próprios
ou simbólicas, sensível a todas as transferências,
especialistas em História Oral pela busca de uma
cenas, censuras ou projeções. A história, porque
definição que a conceitue. Philippe Joutard e Alessandro
operação intelectual e laicizante, demanda análise
Portelli (AMADO; FERREIRA, 2004), a defendem como
e discursos críticos. A memória instala a lembrança
uma metodologia abrangente e complexa, muito mais
no sagrado, a história a liberta e a torna sempre
do que uma simples técnica de entrevista. Já um outro
prosaica [...] (NORA, 1993: 9).
grupo de pesquisadores estabelece que História Oral
seria apenas uma metodologia de coleta de dados,
sendo mais interessante e profícua a análise que se Portanto, a partir de todos esses pressupostos,
deve fazer a posteriori. podemos afirmar que, do ponto de vista pedagógico,
a utilização da história oral em projetos propicia
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o desenvolvimento de uma série de habilidades, assinar um termo concordando que sua entrevista seja
sendo que os envolvidos são levados, por exemplo, utilizada e, mais importante, devem ser convidados
a desenvolver interesse por pesquisas, a respeitar a para participar do resultado final em que sua entrevista
memória dos idosos, a respeitar a experiência de vida foi aproveitada. Essa devolutiva pode se expressar
dos indivíduos. através do convite dos depoentes para a apresentação
pública do resultado da pesquisa (no caso de uma
A técnica, relativamente simples, requer
dissertação ou tese); de uma exposição, de um livro, de
o levantamento dos critérios para escolha dos
uma peça de teatro, um sarau, uma apresentação de
entrevistados. Normalmente orientam-se os
canto, um filme (no caso de ser um projeto elaborado
entrevistadores a optarem por pessoas que possam
e desenvolvido no Ensino Fundamental e Médio)
contribuir com o trabalho que se pretende realizar,
ou qualquer outra forma que o entrevistador defina
seja por terem participado de eventos considerados
previamente. Também é relevante lembrar que a
relevantes ao processo ou, mesmo, pela idade
história oral reconhece a confluência multidisciplinar e
(acima de uma faixa etária estabelecida pelo grupo).
valoriza a contribuição da psicologia, da sociologia, da
Preferencialmente é interessante que disponha de
antropologia, da política, da linguística, da semiótica,
um gravador de som, que pode ser pelo celular, ou
se constituindo numa forma de intercâmbio entre a
por modernos equipamentos tecnológicos, desde
história e outras ciências.
que a qualidade seja boa o bastante para facilitar a
posterior transcrição. Essa mídia deve ser deixada No caso da aplicação da técnica com alunos
perto do entrevistado, sem maiores atenções, meio que do Ensino Fundamental e Médio, o desenvolvimento
esquecido, para não constranger ou mesmo intimidar cognitivo é notável. Na maioria das vezes, assim que
o depoente. Se o depoente não for bastante íntimo o tema é definido e começam as entrevistas, os alunos
do entrevistador (algum parente ou amigo da família, sentem uma tendência natural a conhecer melhor
por exemplo), é interessante uma visita prévia, sem o assunto pesquisado, buscando mais informações
o aparelho de gravação, apenas para apresentação, nas bibliotecas ou diferentes fontes, o que convalida
exposição dos motivos pelo quais se requer a o que nos ensina Tourtier-Bonazzi (1998) que afirma
entrevista e, em última instância, uma aproximação que deve ser estimulada a leitura de livros sobre o
entre o pesquisador e o depoente, criando um laço, assunto, consulta de arquivos, enfim, o entrevistador
por mais sutil que seja, antes de se partir diretamente não pode começar a entrevista sem entender o
para as perguntas. As perguntas devem ser enviadas assunto sobre o qual está pesquisando. Outro aspecto
com antecedência, de modo que o depoente possa se incrementado em atividades de história oral são as
preparar e não lhe causar estranheza ou dúvidas na habilidades linguísticas, tanto em relação à fala quanto
hora das respostas. As perguntas não precisam ser à escrita. Para entrevistar e, depois, transcrever,
sistematicamente seguidas durante a entrevista, como os entrevistadores interagem num processo de
se participasse de um processo interrogatório, devendo comunicação muito rico, uma vez que o vocabulário, as
apenas servir como um roteiro para uma conversa expressões, as gírias e o próprio registro linguísticos
tranquila, descontraída e o mais informal possível, que são bastante diversos, pela própria diferença de idade
possa levar às respostas. e de vivência entre os interlocutores. O entrevistador
deve, primeiramente, ouvir, o depoente, conhecê-lo e
Como lidamos com lembranças e essas
respeitá-lo. Deve estar preparado para um resultado
nem sempre são indiferentes ou felizes, existe a
positivo, mas também estar ciente de que poderá surgir
possibilidade de, durante a entrevista, o depoente se
também uma entrevista entediante e sem importância
emocionar, chorar ou dar sinais de frustração ou raiva.
para a pesquisa propriamente dita. Há, ainda, o
Nesses casos, é previdente que a entrevista seja
desenvolvimento de habilidades técnicas no manejo
interrompida e, consultado o entrevistado, prosseguida
dos instrumentos necessários à coleta de dados, como
um pouco mais tarde ou mesmo em outro dia.
a mídia de gravação – pode ser um minicomputador,
Ao final da entrevista, sempre é importante um celular ou outro equipamento eficiente para essa
perguntar se o depoente tem fotos ou documentos tarefa - e o computador para a transcrição, desejável,
relativos ao assunto em questão, que enriquecerão mas não imprescindível.
e complementarão o depoimento e o resultado do
Porém, o principal incremento nas habilidades
trabalho.
adquiridas pelos envolvidos em projetos com História
Toda entrevista deve ser transcrita, Oral no Ensino Fundamental e Médio se dá no âmbito
literalmente, para posterior análise e tratamento de das relações humanas e sociais: o entrevistador
dados. Ao transcrever, não se devem manter erros de aprenderá a ter paciência ao ouvir, dando importância ao
concordância, interjeições e incorreções gramaticais, narrador, valorizando sua história de vida e respeitando
já que o interesse é pelo conteúdo e não pela forma o indivíduo idoso, muitas vezes se admirando de seu
do texto, além, principalmente, de se evitar exposição conhecimento pessoal. Além disso, se for um projeto em
desnecessária do depoente e do seu jeito de falar. grupos, o sucesso do trabalho dependerá da cooperação
entre os colegas do grupo, sendo que a capacidade de
Toda atividade com história oral pressupõe uma
trabalhar em equipe será também propiciada.
devolutiva aos envolvidos, ou seja, os depoentes devem
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Concluindo, falar de uma história verdadeira QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Relatos Orais: do
a partir da História Oral (ou de qualquer outra indizível ao dizível, in SIMSON, Olga R. de Moraes Von
metodologia historiográfica empregada) seria muito (Org) Experimentos com Histórias de vida: Itália-Brasil.
ingênuo, mas podemos afirmar que se trata de uma São Paulo: Vértice, 1988.
percepção verdadeira do real, emitida pelo depoente,
THOMPSON, Paul – A Voz do Passado: História Oral
que assim compreende e se apropria do mundo ao
Rio de Janeiro:Editora Paz e Terra, 1992.
seu redor. Ao tornar pública sua percepção, está, de
alguma forma, contribuindo para a elucidação parcial TOURTIER-BONAZZI, Chantal de. Arquivos: propostas
de alguma situação. No entanto, como já afirmamos, metodológicas. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J.
existe muito preconceito quanto ao uso da fonte oral. (Org.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro:
Em contrapartida, através de movimentos de renovação Fundação Getúlio Vargas, 1998
metodológica, realizados pelas escolas britânicas,
norte americanas e francesas, o campo de pesquisa se
alargou para o historiador, fazendo com que esse tipo de
fonte passasse a ser explorado com mais regularidade,
vencendo de certa forma os preconceitos, levando-nos
a perceber que nem tudo o que nos interessa está em
documentos escritos.
Há, por outro lado, investigações para as quais
a pesquisa oral é inviável, e as fontes oral sequer
permitem que sejam colocadas.
Enfim, dados obtidos pela metodologia da
História Oral não devem ser vistos apenas como
um calhamaço de entrevistas, um passatempo ou
curiosidade sem sentido, mas sim como um material
rico, a ser analisado detidamente, a ser comparado e
confrontado com outras fontes, ligando os depoimentos
à totalidade da História, sob o risco de, caso isso não
ocorra, termos uma pesquisa cansativa, empobrecida e
que em nada contribui ao tema analisado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBERTI, V. História oral: a experiência do CPDOC.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1990.
AMADO, J. e FERREIRA, M. M. (Orgs.). Usos e abusos
da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1998.
BOSI, Ecléa – Memória e Sociedade – Lembranças de
velhos. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 7ª
edição, 1995.
BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo: Ed. da UNESP, 1992.
JOUTARD, Philippe. História oral: balanço da
metodologia e da produção nos últimos 25 anos. In:
FERREIRA, M.; AMADO, J. (Org.). Usos e abusos da
história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
1998. LE
LE GOFF, Jacques. História e memória. 2. ed.
Campinas: Ed. da Unicamp, 1996. LODI, João Bosco. A
entrevista: teoria e prática. 3. ed. São Paulo: Pioneira,
1977.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática
dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, p.
7-28, dez. 1993.

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