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Publicado em Slate Magazine

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Se você se comportar bem, eu te compro um brinquedo


A diferença entre subornar e recompensar o seu filho

Por Alan E. Kazdin e Carlo Rotella (atualizado em 26/03/2010)


Traduzido livremente para o português por Felipe Pereira Gomes

A ideia de recompensar as crianças por bom comportamento desagrada muitos adultos. Mesmo
quando eles aceitam o fato de que o reforçamento positivo muda o comportamento de forma muito
mais eficaz do que a punição, eles ainda se opõem ao uso de recompensas de forma geral e, mais
especificamente, para comportamentos que consideram nada além da obrigação de uma criança. Eles
simplesmente não conseguem elogiar uma criança de sete anos e lhe dar pontos em uma tabela de
pontuação1 ou uma pequena recompensa porque ela não fez birra no supermercado.

Recompensar o comportamento desejado é apenas um dos elementos do reforçamento positivo, o


qual foi estabelecido por um corpo substancial de pesquisas respeitadas, realizadas ao longo de
décadas, como a forma mais eficaz de mudar comportamentos. Mas muitos pais (e professores e
babás) razoavelmente desaprovam essa prática, alegando que dar recompensas à criança equivale a
suborná-la. A criança está fazendo apenas pela recompensa, eles alegam. Eles querem que a criança
se comporte por outros e melhores motivos: porque ela deveria, porque é sua responsabilidade, porque
eles mandam. As famílias que chegam ao Centro de Pais de Yale frequentemente resistem ao uso de
recompensas, o que leva a alguns típicos debates com os treinadores de lá.

Objeção: Não quero recompensar um comportamento que a criança deveria apresentar de


qualquer forma porque é parte de suas responsabilidades.

Essa é uma alegação razoável. No entanto, se a criança não está apresentando esse comportamento
atualmente, ou com frequência suficiente, ou não sem uma briga, parece prático questionar: “Qual é
a melhor forma de fazer esse comportamento aparecer?” Repreensões e ameaças não funcionam
muito bem, e frequentemente trazem efeitos colaterais que aumentam a desobediências e diminuem
a probabilidade de a criança fazer o que se quer. Tipicamente, repreensões e ameaças funcionam
exatamente como subornos. Elas podem produzir o comportamento desejado momentaneamente, mas
a criança não continuará com esse comportamento quando não estiver sob ameaça. Ou seja, o
comportamento não vai se estabelecer como um hábito ou expressão de uma característica geral que
gostaríamos de desenvolver, como honestidade, bondade ou generosidade.

Objeção: Se usarmos recompensas para produzir o comportamento, esse comportamento


cessará quando pararmos de dar as recompensas, o que significa que teríamos que dar as
recompensas eternamente para que o comportamento continue ocorrendo.

Esse é um cenário de pesadelo – o tipo de obrigação perpétua que as pessoas que tomam determinados
remédios, como os que servem para diminuir o colesterol, se encontram. Você terá que dar para a sua

1
São tabelas em que os comportamentos adequados da criança são definidos e pontuados sistematicamente quando ela
age de acordo. A pontuação acumulada pode ser trocada posteriormente por outras recompensas.
filha dois adesivos numa tabela de pontuação por ter usado o vaso antes dela entrar no carro que a
levará até o baile de formatura dela? Felizmente, não é assim que funciona quando você usa
recompensas de uma maneira eficaz para aprimorar um comportamento.

Você elogia sua filha pequena por usar o vaso, por dizer “obrigado” e por não usar a toalha de mesa
para limpar seu nariz, mas no estágio do baile de formatura (e, espera-se, aproximadamente 14 anos
antes disso) ela já tem esses hábitos bem estabelecidos e não precisa mais ser reforçada por eles. O
período relativamente breve durante o qual você elogiou esses comportamentos já passou há um bom
tempo. Se um comportamento será mantido e se ele se tornará um hábito tem muito a ver com como
as recompensas são dadas. A questão principal não está nas recompensas em si, mas em uma maneira
consistente de fazer com que a criança apresente o comportamento e em elogiar ou recompensar de
outra forma quando isso ocorre (Não esqueça: atenção e elogios são recompensas e são, na verdade,
suas recompensas mais confiáveis). Incentivos dados uma única vez e não sistemáticos levarão à
dependência pela recompensa, e o comportamento tenderá de fato a parar de ocorrer quando você
parar de recompensá-lo.

Da perspectiva da mudança de comportamento, essa é a diferença crucial entre suborno e recompensa.


Um suborno, mesmo nos casos em que já vem ocorrendo há um longo período, não faz parte de um
esforço sistemático para desenvolver um comportamento que continue ocorrendo mesmo depois de
interrompido o suborno. Por mais que você pague alguém por vários anos no Detran para sumir com
suas multas, se você parar de pagá-lo, ele deixará de resolver suas multas. Uma recompensa, por outro
lado, quando usada de maneira apropriada e combinada com antecedentes (o que você fala e faz para
que um comportamento ocorra) e modelagem (recompensar acertos parciais para instalar um
comportamento) e outros elementos em um esforço sistemático para mudar o comportamento de
maneira duradoura, é uma medida temporária que pode ser removida depois que o comportamento
estiver estabelecido. O comportamento continuará sem a recompensa, assim como um prédio
finalizado continua em pé após a retirada das escoras.

Objeção: Recompensas destruirão a motivação interna do meu filho de fazer as coisas pelo seu
próprio interesse.

Não, não destruirão, desde que usadas adequadamente. Uma única tentativa, improvisada de “faça
isso para ganhar aquilo” não desenvolverá o comportamento desejado e pode destruir a motivação
intrínseca, mas recompensas usadas sistematicamente para desenvolver um comportamento podem
estabelecer hábitos que se tornam independentes de qualquer recompensa. Um exemplo que muitos
adultos podem relacionar com o seu próprio comportamento é fazer exercícios físicos. No começo
pode ser uma briga para fazer os exercícios regularmente. Quando está na hora de praticar a atividade
física, você sente uma enorme necessidade de dormir ou de assistir novamente aquela série até que o
momento passe, e você não irá à academia a menos que seu(sua) parceiro(a) ofereça uma recompensa
adequada (você é um adulto; use sua imaginação). Mas a repetição do comportamento estabelece o
hábito e o comportamento por si só se torna a recompensa. Você pode até se tornar um fanático que
fica meio ou muito irritado se uma doença, o trabalho ou outro obstáculo irritante te impede de ir à
academia num determinado dia. Não há mágicas nas recompensas. Elas são apenas auxílios para fazer
com que o comportamento ocorra repetidamente, para que o hábito possa se desenvolver.

Objeção: Recompensas não são consequências naturais. Quando meu filho crescer, ele vai
perceber que o mundo não está lá esperando para lhe dar elogios ou deixá-lo jogar videogame
por fazer o que é esperado que ele faça.
Um argumento justo, mas alguém pode se deixar levar pela ideia de que o lar deveria ser exatamente
igual a outras situações pelas quais a criança passará quando adulta. A casa é um lugar especial onde
a criança desenvolve resiliência, competências, vínculos, e tem suporte de maneiras que tem pouco a
ver com suas experiências posteriores, exceto que preparam a criança para lidar e aprender com a
vida. Além disso, a maneira adequada de dar recompensas tem algumas outras características
positivas, que serão apresentadas adiante.

Objeção: Recompensas não funcionam. Eu tentei fazer uma daquelas tabelas de pontuação e
não mudou nada.

Uma tabela de pontuação – se de fato você precisar de uma – pode funcionar muito bem. Inclusive,
quase todas as famílias que chegam até o Centro de Pais de Yale já tentaram tabelas de pontuação e
as recompensas que as acompanham. Esses esquemas não funcionaram, obviamente, ou eles não
iriam até o Centro para falar de suas dificuldades. Mas isso não justifica a conclusão de que programas
de recompensa não funcionam, ponto. Seria a mesma coisa que dirigir com o carro no neutro e com
o freio de mão puxado e dizer que o carro não funciona. Há pesquisas sobre como fazer esses
programas funcionarem e essas mesmas pesquisas explicam porque muitos deles falham:

1. Improvisar. Alguns pais improvisam recompensas e disparam elas em direção ao alvo móvel do
comportamento da criança. “Carlinhos, vá buscar minha bolsa lá no quarto e você poderá ver mais
cinco minutos de TV”... “Carlinhos, vamos até a loja; se você pegar seu tênis e seu casaco
imediatamente, você pode ganhar um chocolate na volta”... “Carlinhos, se você fizer companhia
para a sua irmã por alguns minutos, você pode dormir um pouco mais tarde.” Esses pais estão
improvisando, juntando recompensas de maneira improvisada para encorajar uma ampla variedade
de comportamentos. Essa abordagem confirma a veracidade de cada objeção que acabamos de
considerar acima. Ela não desenvolverá motivação intrínseca ou hábitos, ou pelo menos hábitos
desejados pelos pais. A criança pode fazer cada comportamento desejado, mas apenas pela
recompensa específica naquele momento – ou seja, pelo suborno. Assim que a recompensa deixar
de ser dada, cada um dos comportamentos tenderá a parar de ocorrer também.

2. Sistema de recompensas “Ave Maria”2. Alguns pais dão recompensas por um grande resultado
que ocorre ao final de um longo período. Prometer um super-prêmio no final do ano por boas notas
talvez seja o exemplo mais comum. Pais que querem que seu filho estude, faça as tarefas e tire
boas notas – e que aprenderam que pedidos firmes, castigos e ameaças não funcionam muito –
frequentemente recorrem ao “Ave Maria”. Em geral, eles prometem uma grande recompensa ao
filho – uma viagem para a Disney, ou o uso do carro – se ele tirar 10 em todas as matérias no final
do semestre. Esse é um uso errôneo das recompensas e é quase garantia de fracasso.

O objetivo de um programa de recompensas deveria ser a construção de comportamentos, ações e


hábitos específicos: trazer para casa e fazer as tarefas regularmente, estudar com um dos pais e
depois sozinho e conversar um pouco na mesa de jantar sobre uma ou duas coisas que foram
estudadas. Todos esses são comportamentos específicos que desejamos desenvolver e estabelecer
e que podem de fato contribuir para boas notas, além do aprendizado. O foco apenas em resultados
a longo prazo – o 10 no final do ano – coloca ênfase na coisa errada e coloca um intervalo crucial
entre o comportamento adequado no dia-a-dia e a recompensa que deveria reforçá-lo. Mesmo que

2
Na cultura norte-americana, o termo “Ave maria” nesse contexto pode significar um tipo de feito que “somente por
um milagre” ocorreria da maneira esperada.
a criança consiga as notas, esse resultado pode acontecer por diversas razões (incluindo colar) e
não ajudam necessariamente a desenvolver os bons hábitos que desejamos estabelecer.

3. Sistemas complexos de recompensas. Alguns pais que chegam ao Centro de Pais de Yale já
criaram sistemas complexos de pontos, envolvendo muitos prêmios que podem ser obtidos com
diferentes pontuações, além de muitos prêmios de bônus. Eles também fazem tabelas de pontuação
muito bonitas nas quais cada ponto ganho é representado, por exemplo, por pintas de um leopardo
ou de uma joaninha, ou por planetas no espaço. Não há motivo para ser contra o uso tabelas de
pontuação que são mais criativas e divertidas – desde que você tenha em mente que elas não são
necessárias ou mais efetivas. Mas, se você fizer um sistema de recompensas muito extravagante,
pode acabar destruindo seus próprios resultados.

Quanto mais complexo for o sistema, mais difícil é se manter fiel a ele e aplicá-lo adequadamente.
Sim, se feito da forma correta, pode muito bem funcionar. Sim, variações de sistemas como esse
tem um nome técnico – uma economia de fichas – e têm sido usadas em treinamento básico no
exército, em contextos educacionais desde a pré-escola até o ensino médio, em asilos para
aumentar as atividades sociais e a interação entre os mais velhos, e em locais de trabalho para
promover hábitos de segurança em áreas de produção. Em todos esses contextos, até sistemas de
recompensa bastante complexos se mostraram eficazes. Eles podem funcionar em casa também,
mas você provavelmente não precisa usá-los. Os pais podem modelar a maior parte dos
comportamentos que eles desejam oferecendo como recompensas nada além de atenção, elogios e
alguns pequenos privilégios.

A atenção dos pais é bastante recompensadora para uma criança, e o elogio é até melhor. Os pais
dão atenção o tempo todo, assim como consideráveis formas de elogios, verbais e não verbais (um
sorriso, um toque, um olhar aficionado ou impressionado). Atenção e elogios são nossas principais
recompensas e frequentemente são suficientes para mudar o comportamento por si só, sem a
necessidade de recorrer a pontuações, privilégios ou prêmios.

Mas atenção e elogios podem ser utilizados com mais precisão do que eles habitualmente são. É
natural cometer o erro de dar mais atenção aos comportamentos inadequados, do que aos bons
comportamentos, e os elogios são frequentemente esporádicos, não muito específicos (o genérico
“muito bem” não está relacionado precisamente ao que a criança fez corretamente), não
particularmente entusiásticos e não sistematicamente ligados a algum comportamento que os pais
gostariam de desenvolver.

Quando você está conscientemente usando elogios para mudar comportamentos, o fator principal
é perceber e elogiar o comportamento logo após sua ocorrência, de maneira específica e precisa,
para que ele ocorra de novo e possa ser novamente elogiado. Nós queremos a repetição da prática
para fixar o hábito, e o elogio ajuda isso a acontecer.

Para fazer com que os elogios tenham efeito:

1. Seja específico a respeito dos comportamentos que deseja. Explique primeiro para você
mesmo e depois para o seu filho qual é o comportamento que você quer desenvolver. Ordens
vagas como “seja legal” ou “mostre respeito” são muito genéricas. Em vez disso, diga “Quando
estiver brincando com sua irmã, mantenha sua voz baixa e não pegue os brinquedos dela” ou
“Quando falar com a vovó, fique parado e não faça aquele gesto obsceno que o vovô te
ensinou”. Quando você vir o comportamento desejado, elogie especificamente e com
entusiasmo (quanto mais jovem a criança, mais entusiástico você deve ser): “você ficou na sua
cadeira durante todo o jantar e falou baixo. Isso é ótimo!”.

2. Identifique um pequeno número de comportamentos. Comece com não mais que dois ou
três comportamentos que você deseja desenvolver na criança. Você poderá substituí-los mais
tarde com novos comportamentos uma vez que os primeiros se desenvolverem. Lembre-se, a
recompensa não produz os resultados – em vez disso, você quer encorajar a prática repetida
dos comportamentos, ou de amostras ou aproximações desses comportamentos. Você quer
manter o foco em fixar um ou dois comportamentos como hábitos e depois seguir em frente
para os próximos.

3. Dê modelos dos comportamentos desejados. Mostre à criança exatamente como é o


comportamento. Mesmo que ela “saiba”, ajudará se você demonstrar. Em seguida, deixe a
criança fazer e a elogie por qualquer parte que ela copiar corretamente de você. Se você vir
outras pessoas no dia-a-dia – quando você está em uma loja com o seu filho, ou saiu para jantar
ou passear – mostre para ele os comportamentos adequados que você acabou de ver. Outras
pessoas podem ser usadas como modelo se você apontar o que você vê, por meio dos seus
comentários e aprovação.

4. A chave é a repetição, então pratique. Nós recompensamos comportamento para encorajar


a repetição, o que é chamado de prática reforçada. Se o seu filho já apresenta ocasionalmente
o comportamento que você deseja, o elogio sistemático pode fixá-lo como um hábito. Se a
criança ainda não apresenta o comportamento nas situações do cotidiano, pratique ele em
brincadeiras de “faz de conta”. Você faz, deixa ele fazer e em seguida elogia.

Praticar o comportamento em situações de “faz de conta” vale como prática e constrói o


comportamento. Lembre-se, pilotos de avião praticam o tempo todo em situações de “faz de
conta” (chamados simuladores) e essa prática é estendida a situações reais. Boxeadores
praticam e treinam na academia para desenvolver hábitos que eles precisarão usar na noite da
luta. É o mesmo com comportamentos que você quer desenvolver em casa.

5. Modele o comportamento desejado recompensando aproximações graduais. Se o


comportamento ainda não ocorre da forma como você quer – ainda não ocorre uma hora
completa de prática de flauta, ou uma hora completa de tarefa por dia – elogie durações
menores e sucessos parciais, aumentando com o tempo.

O uso de elogios para desenvolver comportamentos da maneira que descrevemos aqui é


sistemático, temporário, e um acréscimo com um propósito à atenção que você normalmente
já dá para seus filhos por amá-los. Por que não testar por um breve período? Digamos, três
dias. Por três dias, tente usar o elogio como uma recompensa de acordo com as formas descritas
acima. Você deverá ver uma diferença no comportamento do seu filho e no clima emocional
do seu lar.

O elogio é um elemento no conjunto maior de experiências positivas que constroem o


relacionamento entre um pai (ou uma mãe) e a criança. Muitos pais ou outros em posição de
autoridade se apoiam, no entanto, em ameaças, castigos físicos, e punições em geral,
especialmente quando tentam ensinar respeito. Mais punição leva a criança a escapar e evitar
o punidor; mais elogios efetivos fazem relacionamentos melhores e mais próximos. Uma vez
que o elogio a comportamentos positivos diminui a necessidade de punição, ele ajuda a tornar
a família mais unida e calorosa. Na busca pelo equilíbrio entre eles, a regra geral quando se
tenta mudar comportamentos é que o elogio a bons comportamentos deve ser muito mais
frequente do que a punição para comportamentos que você quer eliminar.

Nada disso se parece nem um pouco com suborno. Recompensas tendem a se tornar suborno
quando são não sistemáticas, desconectadas de expectativas claras dos pais, e utilizadas para
tentar fazer com que seus filhos façam algo de forma diferente do que você apresenta como
modelo no seu próprio comportamento.

Alan E. Kazdin, que foi presidente da Associação Americana de Psicologia em 2008, é


professor de Psicologia e psiquiatria infantil na Universidade de Yale e diretor do Centro de
Pais de Yale e da Clínica de Comportamento Infantil. Carlo Rotella é diretor de estudos
americanos no Boston College.

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