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Acesso em 15/07/2014, disponível em: <http://planetasustentavel.abril.com.

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EDUCAÇÃO ÉTICA

6 princípios que a escola e os pais devem ensinar


Responsabilidade, autonomia, altruísmo e gratidão são algumas noções fundamentais para
garantir que as crianças saibam se colocar no futuro que as espera de maneira a conseguir
transformá-lo

Bel Moherdaui

John Morgan/Creative Commons/Flickr

Muito se repete que as pessoas se preocupam demais em deixar um mundo melhor


para os filhos e se esquecem de deixar filhos melhores para o mundo. Provavelmente,
não é o seu caso. Não deveria ser o de nenhuma mãe ou nenhum pai. Afinal, quem
construirá uma sociedade melhor se não aqueles que a compõem? E, em um futuro
nem tão distante, serão justamente as nossas crianças esses construtores. Para que
cumpram bem a função, cabe a nós ensinar a elas princípios como responsabilidade,
capacidade de se colocar no lugar dos outros e autonomia.
A missão exige uma aliança ampla e irrestrita. "Antigamente, cobrava-se que a escola
passasse às crianças apenas competências técnicas, enquanto a família ficava com os
valores e as questões de afetividade. Só que, cada vez mais, pai e mãe têm que
trabalhar muito para dar conta da sobrevivência, e seus filhos acabam ficando grande
parte do tempo na escola. Portanto, mais do que nunca, a tarefa precisa ser conjunta",
observa o psiquiatra Augusto Cury, que está lançando o livro Pais Inteligentes Formam
Sucessores, Não Herdeiros (Editora Saraiva). Como fazer isso? No treino diário.

"Ninguém constrói valores sem praticá-los. Só o discurso e o sermão não são


suficientes. Além disso, a postura do adulto de referência tem que estar de acordo
com o que se defende", ressalta a educadora mineira Flávia Vivaldi, do Grupo de
Estudo e Pesquisa em Educação Moral formado pelas universidades estaduais de
Campinas (Unicamp) e de São Paulo (Unesp). A seguir, detalhamos seis atitudes que
todos devem querer ver em seu filho. Aí é só dar o exemplo e incentivá-lo a praticar.

1. SER RESPONSÁVEL
A mãe chega em casa exausta de um dia de trabalho e, em vez de sentar para jantar e
conversar com os filhos, começa uma interminável catação dos brinquedos que estão
espalhados pela sala. Soa familiar? Embora à primeira vista pareça ser a atitude mais
lógica a tomar, estamos falhando como pais quando fazemos esse tipo de coisa, alerta
o psiquiatra Içami Tiba, de São Paulo, que acaba de lançar o livro Educação Familiar
Presente e Futuro (Integrare). É que perdemos a chance de ensinar às crianças um dos
primeiros grandes valores: responsabilidade. "Filhos não nascem folgados, são os pais
que os fazem assim. Às vezes porque querem ter a casa em ordem, em outras por
pressa, eles não se preocupam em ensinar organização. E nem falo de responsabilizar
os filhos por cuidar do que é de todos, mas apenas do que é deles", diz o especialista.
"Crianças capazes de pegar o brinquedo da prateleira têm condições de guardá-lo de
volta."

Aos poucos, esse ensinamento pode ser expandido para a arrumação da cama, do
quarto até que a criança aprenda a cuidar do que está à sua volta. Na escola, em geral,
a responsabilidade é cobrada em relação à entrega da lição, mas pode ir além
também. "Há situações que estimulam esse princípio de forma mais completa. Por
exemplo, delegando aos alunos pequenas responsabilidades na organização de
atividades comuns, como a quadrilha da festa junina", indica Flávia. Quando se
compromete com esse tipo de tarefa, a garotada costuma cumprir o combinado, pois
há um grupo esperando aquilo. "O jovem não quer romper o contrato feito com a
turma." Construir valores em situações significativas para a criança ou o adolescente é
ainda mais efetivo.

2. PENSAR E AGIR SEM AJUDA EXTERNA


É quase irresistível - e, de longe, pode até ser interpretado como maldade: a criança,
sem saber como montar o brinquedo ou errando ao soletrar uma nova palavra, e os
pais em volta olhando, mudos. Se você se vê na cena, antes de assumir a culpa, pare e
pense no bem que fará ao seu filho se deixar que ele aprenda por conta própria. E até
que erre sozinho - especialmente o exercício da lição de casa, que precisa ser corrigido
pelo professor para que ele saiba as dificuldades de cada aluno e o que falta ser
reforçado em sala.

"Os pais, mais do que dar as soluções, devem perguntar: ‘O que você acha?', ‘O que
faria?'.

Dar conhecimento pronto e respostas rápidas é uma forma de superproteção


intelectualque promove, apenas, a lei do menor esforço. Bons educadores devem ser
provocadores do raciocínio por meio da pergunta para que as crianças adquiram
consciência crítica e saibam se colocar melhor no mundo", recomenda Cury.

Devolver a dúvida para o filho instiga a um desafio. Ele pode até reclamar de ter que
resolver, mas, no fim, vai adorar perceber que consegue fazer aquilo sozinho. E,
conforme for vencendo etapa após etapa, se sentirá fortalecido para confiar mais na
própria capacidade, adquirindo cada vez mais autonomia. As mães devem colocar na
cabeça que elas não precisam ser úteis aos filhos o tempo todo. Ok, é difícil cortar esse
cordão, uma vez que não queremos ver nosso pequeno tropeçando ou sofrendo no
caminho. Mas só assim ele vai aprender realmente e conseguir se virar em situações
difíceis, tanto agora quanto quando forem adultos - em um mundo que não economiza
na distribuição de obstáculos.

3. COLOCAR-SE NO LUGAR DO OUTRO


Vivemos em um mundo cada vez mais individualista, em que mal sabemos quem é
nosso vizinho, muito menos por quais dificuldades ele passa - assim, é muito mais fácil
reclamar por ele ter largado as malas atrapalhando a entrada no hall comum do que
oferecer ajuda, cogitando se ele está enfrentando algum problema, como perdeu ou
esqueceu a chave de casa. Nós nos restringimos ao nosso universo (que pode se limitar
à tela do celular), não vemos mais nada do que acontece ao nosso lado.

Se nós, adultos, somos assim, como cobrar das crianças que aprendam a notar o que
está em volta e, mais, colocar-se no lugar do amigo? Como mostrar que ninguém é
pior por ter tido uma dificuldade em português ou ter errado o gol no jogo de futebol?
E que pode, sim, ficar chateado ao ouvir os colegas rindo de suas falhas? "Os jovens de
hoje são muito autocentrados. Eles pensam apenas no que diz respeito a eles e seus
amigos ou familiares", aponta Flávia, que é também coordenadora pedagógica da
Escola Municipal Wilson Hedy Molinari, de Poços de Caldas (MG), considerada por
especialistas em educação um exemplo no ensino de valores.
"Para se colocar no lugar do outro, é preciso se exercitar. A escola deve criar situações
para que o aluno pense nisso. Por exemplo, assembleias para discussão de questões do
grupo, reuniões para construção de regras de convivência e trabalho comunitário."
Ouvindo os colegas, fica mais fácil entender que o outro é diferente e tem
necessidades que também precisam ser atendidas. "Ter empatia é perceber as
intenções do outro, se ele está feliz ou sofrendo, se aquela sua atitude vai prejudicá-lo
ou não. E isso é fundamental na vida", analisa Tiba.

4. FAZER POR MERECER


Não é uma situação rara: no aniversário do filho mais velho, a mãe bem-intencionada
compra também uma lembrança para o caçula - o coitadinho ia ficar só vendo o irmão
com brinquedos novos? "Um filho que faz aniversário merece, pela data, ganhar
presente. O outro tem de aprender que o aniversário não é dele e pronto, vai ficar
bem. Mas os pais viciam os dois a receber sempre", alerta Tiba. "Da mesma forma,
criou-se o costume de dar um carro para o jovem que faz 18 anos. Que esforço ele fez
para ganhar essa recompensa?", pergunta o expert.

Ao premiar sem mérito, corremos o risco de criar uma geração de mimados que não
sabe o valor do empenho e vai cobrar, lá na frente, que a promoção recebida pelo
colega de trabalho seja estendida a ele também. Ou, então, não vai saber lidar com a
frustração de não ter sido agraciado. É a postura do "herdeiro", que vive de mesada,
sem suor próprio, e só gasta o legado recebido - muito diferente da atitude do
sucessor, que se preocupa em multiplicar e expandir o que ganhou porque entende o
valor que aquilo embute.

Flávia, entretanto, atenta para um cuidado que a questão exige no meio escolar:
"Reconhecimento pelo esforço é uma coisa, premiar grandes resultados é outra.

Existe uma tendência nas escolas de dar destaque ao aluno que se sai bem em
determinada matéria. Como mostrar a importância do conhecimento para aquele que
nunca conseguiu chegar em primeiro? Isso desestimula", questiona. E diz: "Acaba-se
sempre trabalhando o fim, não o meio". Por isso, ela recomenda uma avaliação do
processo e ensinar o aluno a ver e comparar como estava no início e aonde chegou.
Assim, fica mais clara a evolução - que, aí sim, pode ser premiada.

5. SENTIR E MOSTRAR GRATIDÃO


A questão tem sido debatida à exaustão: os pais, com pouco tempo (e muita culpa),
atolam as crianças com presentes e tudo que elas desejam. Os filhos, por seu lado,
exigem cada vez mais. "No passado, os pais erravam sendo autoritários. Atualmente,
erram sendo permissivos e ausentes. Se antes diziam `não' constantemente, agora,
com raras exceções, se deixam explorar por filhos bombardeados por uma indústria
que estimula o consumo desenfreado", avalia Cury. Por isso, é urgente ensinar às
crianças e aos adolescentes a importância da gratidão. Do ato de olhar no olho do
convidado que chega para a festinha de aniversário e, no lugar de já ir perguntando
"Trouxe o que de presente?", agradecer pela presença, pelo abraço e, por fim, pelo
pacote que ele oferece - seja o que for que tiver dentro, pois demonstra que ele
pensou em você.

Não basta apenas um "obrigado" educado - é preciso ter um sentimento sincero.


"Hoje, tudo é tão rápido e descartável que os jovens nem vivem a expectativa do
desejo, são atendidos imediatamente. Por isso, a gratidão fica no esquecimento", diz
Flávia. Para construí-la, é preciso retomar lá de trás as tais palavrinhas mágicas
ensinadas aos menores (por favor e obrigado). "Não há caminhos que não a prática e o
exemplo - o próprio professor tem que estar atento para agradecer quando um aluno
pega sua caneta do chão", explica ela. O estímulo continua na proposta de trabalho em
dupla ou em grupo, momento em que o aluno pode perceber a utilidade do auxílio
prestado pelo amigo e ficar sinceramente grato a ele.

6. SABER LIDAR COM AS PRÓPRIAS EMOÇÕES


De maneira geral, transmitir um conteúdo técnico, como uma regra de gramática ou
uma fórmula de matemática, é até mais simples do que lidar com as fragilidades
emocionais e sociais. Tanto as dos adultos como as das crianças. Nada mais natural,
portanto, que os pais, com cada vez menos tempo para dedicar à família, negligenciem
essa área, formando crianças menos preparadas a administrar seus medos, suas
expectativas e frustrações. "Pais que são manuais de regras sobre o certo e o errado
estão aptos a lidar com máquinas, não a formar mentes brilhantes. Grande parte deles
nunca dialogou com os filhos sobre suas emoções", aponta Cury.

Agora, se é assim em casa, o que dirá no ambiente escolar, acostumado a entupir os


alunos de informações e conceitos. Pensando nisso, algumas instituições têm
incorporado dinâmicas para facilitar esses cuidados. O Colégio Singular, no ABC
paulista, por exemplo, adotou o método de Escola da Inteligência, criado por Cury.
Com ele, são propostas atividades que facilitam as percepções emocionais - um
exemplo é contar histórias em que os personagens vivem conflitos semelhantes aos
das crianças. "O professor cultiva um ambiente em que o aluno sente que está sendo
entendido e consegue ver uma saída para as próprias frustrações", conta a diretora,
Rosanella Gambogi. Mas para que o processo seja sedimentado é importante que a
troca entre a escola e os pais se mantenha constante - por meio de reuniões e até
grupos de estudo.

PARA SABER MAIS


- Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros- Augusto Cury (Saraiva).
- Educação Familiar Presente e Futuro - Içami Tiba (Integrare)

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