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Org. Marcos Anténio Alexandre Representacoes . Performaticas Brasileiras: Teorias, praticas e suas interfaces NK533 “AL R47 Qn7 ‘ight © 2007 by Marcos AntOnio Alexandre (0s direttas reservados Oliveira amaca0 Guimaries to iia de Carvalho Representagées performsiticas Drasileiras:teoras, piticas © ‘suas interfaces / Marcos AntSnio Alexandre (organizadon)— Belo Horizonte : Mazza Bdigbes, 2007 224 ps 16x23 cm, ISBN 978-85-7160-4346 1, Sociologia ~ Antropclogia. 2. Cultura popular. 5. Cultura Alro-Brasleira. 4. Religito-Pesquisa, DD: 301.2981 DU: 36181) ‘a0 grafico-editortal 2 Edigdies Lida, lraganca, 201 ~ Bairro Pompia ~ Telefax: (1) 3481-0591 “410 Belo Horizonte ~ MG Fedmazzattuaicombe + www.mazzacdicoes.combe 1517 PO 335575 AGrapecimentos Agradeco o apéio financeiro da Fundacto de Amparo & Pesqui- ‘sa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) ¢ da Pesquisa regisrada 'Pr6-Reitoria de Pesquisa — Universidade Federal de Minas Gerais (PRPq- 'UFMG), sem o qual este projeto no poderia ter sido realizado, ‘A todos 06 autores e autoras que compartilharam as suas pesqui- ss comigo durante o desenvolvimento do projeto e que colaboram para a concretizagao deste livro: Adélcio de Sousa Cruz, Angzio Vianna, Conceicio Evaristo, Denise Mancebo Zenicola, Eduardo de Assis Duarte, Florentina Souza, jussara Santos, Zeca Ligiro ¢ Zoraide Portela Silva. -Aos membros da familia AlcSntara ~ especialmente, Cassimira ‘Tomé Alcantara, Ivone de Fatima Alcintara e Pedro Alcantara, que, «gentilmente, me acolheram em sua sede para me conceder a entrevis- ‘a aqui publicada. Agradecimentos especiais a Graciela Ravetti ¢ Sara Rojo, pela amizade, companheirismo, por se fazetem constantes na minha vida pessoal e académica e, principalmente, pela escrita generasa dos tex- tos que abrem e fecham este livro. Parte | — Menon & Excrermévca {DA GRAFA-DESEHO DE MINKA Mi, UM DOS LUGARES DE NASCIMENTO DE MINKA ESATA... 16 onc Earito 2.0 DUNES ARO SISUERO DE CONCELO EAD en tani esi ae 23, MEMORIA E PERFORMACE WAS CULTURAS AFRO-BRASIEIMS eee 30 -Rereia Sora Parte II —O Corpo en Penronmance, x ARTE ‘Poesia: 0 Proravo & 0 Sachapo 4. ARTES 0 CORPO: DESENUNOO UM ESPACOSAGRDO Tea igi 5.0 VERDE DE OXASS! AO OURD DE ONUME © RITUAL REIGIOSO NA POETICA De ose amos UME. Tonite Pola __ 6 PALAYEA POETIC TRARSEHANSITO:MAMFESTACOES PELs SET BURACOS et Parre III —Teamo, Dana, Misica~ Poverr Penronance NDE MALOROS E MULATS Mane esi ASIUDADE URBANA; POETIC DA DUSPORA EM PERFOREACE.. de Sous Cr 2RHANCE-CADA ‘Nia 19 QUE TE QUERO NEGRO": FORHAS DE REPRESENTACAO DO AFRO-BRASIEIRO.... 159 Andere ESTA COM MEMBHOS DA aU ALC ‘Apresentagio Exe liv € 0 resultado de um projto de pesquisa de reoém- “doutor, desenvolvide entre marco de 2005 a fevereiro de 2007. O _proetose propts realizar uma investgagio sobre as distntas formas de apropriagio e represensacdo da cult, dos mitos e dos ritunis “alrobasileros em manifestagbes pecformticas nas suas distntas cepts, tendo como foco de fonte de pesquise os seguintescenos Uurbanosbraslitos: Belo Horizonte (assim como uma cklade do inte- _tior de Minas Gerais, Jodo Monlevade), Rio de Janeiro ¢ Salvador. | __Exe trabalho srg dentro de wm contexto academico que busca "esabelecer um diilogo com a sociedide brasiei,retratando aqueles _sxttos que se véem, na nossa contemporaneidade, enentados 20 “mundo globalizado e dito pés-modemo, com toda a sua falta de utopias € descrencas no conceto de ttalidade, nas grandes narcti- “vas, nas verdades absolutas e nos fundamentossidos para a existén- Ci humana, © foeo de andlise dos textos que inciuem ovo 60 afro- brasileiro - independentemente da nomenclatura utilizada: negro, afrodescendente © a sua representacio em cistintas priticasaristcas “(artes plisticas, danga, literatura € misica) e religiosas. Neste sentido, “no se preocupou em definir uma postura crtica unilateral para se | discutire defini a questto do negro e da sua euler, mas sim houve a preocupacto em fazer dessesujeito ~ marcado pela “ciferenga® € pela “subalteridade” ~e de seu discurso cultural, corporal e ideol6gi- «co elemento identirio, | _Asteoras da performance, em suas diferentes acepg6es tesrcas, asim como os conceios de meméria ~ individual, coletiva, corpora, | escreviéncla (conceito proposto por Conceigto Evarito) ~ ritual + estveram presentes como recursos tetrcos fomentadores dos textos que compbem Representagées Performaticas Brasileiras:teorias, ° (O texto de Anizio Vianna, Performance cidada, tem como cixo 4, entendido pelo autor como uma performance gerada pela “essio de uma palavra, um som © um corpo reprimidas que pro- 1m redefinir seu espago a panir de suas proprias necessidades. © comunica a seus espectadores-corpos esse novo referencia e, +, transforma-se numa estética afirmativa Finalmente, temos 0 texto do organizador do livo “Negro que te “2 negro": formas de representacdo do ajro-brasleire, acompanha ‘© ume entrevista com a familia Alcantara, Marcos Alexandre reali 1m percurso por diversas expresses artisticas: poesia, teatro, ‘tismo religioso € performance em fungao de assinalar @ impor. 4 das manifestagdes culturais que resgatam a cultura afto-brasiet- ols pemitem, entre outras coisas, questionar a idéia de uma iden. {e brasileira coesa. Mesmo com uma “ascendéncia negra que se ‘pas mulscigenagves” (p. 196), essas priticas e suas anilises "fo. ‘am a questo da inchusio que, sem sombra de dividas, € muito ue social, € diaspérica, lingUistice, ideniica, police ¢,princh vente, humana" (p. 196), Este ultimo capitulo, a partir de produydes artsticas espectficas, fiona nosso olhar para a Arte exclusivamente a partir dos ‘ettos ocidentais, O cinone de autores como Harold Bomm niio " Ser nosso referencial como criticos latino-americanos Temos a ‘sidade de constmir nossa cftica nas trocas Violentas ou dialgicas sonstroem nossa cultura. Este livro nasce como um aporte funda. al dentro dessa linha de pensamento, Sara Rojo Professora Assaciada ‘URMG/CN A PARTE | Memoria & Escevvéwca ‘A GRAFIA-DESENHO DE MINHA MAE, UM DOS LUGARES 'E NASCIMENTO DE MINHA ESCRITA (ance Frarsto ‘Talvez o primeiro sinal grifico que me foi apresentado como ‘a tenha vindo de um gesto antigo de minha mie. Ancestral, 1 sabe? Pois de quem ela trix herdado aquele ensinamento, 2 ser dos seus, 0s mais antigos ainda? Ainda me lembro:o lapis era 3raveto, quase sempre em forma de uma forquilha, eo papel era rm lamacenta, rente as suas pemnas abertas, Mae se abainava, mas 3 cuidadosamente ajuntava © enrolava a saia, para prendé la en. 'S coxas € 0 ventre. E de c6coras, com parte do compo quase ‘ado a umidade do chao, ela desenhava um grande sol, cheio de itas pemas. Era um gesto solene, que acontecia sempre acompa lo pelo olhar ¢ pela postura cimplice das flhas, eu e minhas 5, todas nés ainda meninas. Era um ritual de uma escrta compos. + mltiplos gestos, em que tode 0 corpo dela se movimentava € 86 08 dedos, F s nossos corpos também, que se deslociva no 0 acompanhando os passos de mae em dlirecio 2 pagina-chao, [ue 0 sol seria escrito. Aquele gesto de movimento-grafla era una atia para chamar o sol. Fazia-se a estrela no chao. ‘Na composicio daqueles tragos, na arquitetura daqueles simbo- ilegoricamente cla imprimia todo © seu desespero. Minha mie slesenhava, no escrevia somente um sol, ela chamava por ele, } como os artistas das culturas tadicionaisafricanas sabem que as imiscaras alo represeniam uma entidade, elas sao as entidades tulpidas ¢ nomeadas por eles. E no citculo-cho, minha mae colo- 1 sol, para que © astro sc cagrandeccasc no infinito ¢ 4e materi ‘em nossos dias. Nossos corpos tinham urgéncias, O ftio se ja em nossos estOmagos. Na nossa pequena casa, roupss motha- ‘poucas as nossas e muitas as alleia, isto é, das patroas, corriam retardava 0 trabalho € pouco dinheiro, advindo dessa tarefa, morava mais € mais no tempo. Precisivamos do tempo seco para 2 preocupagio dda mulher que enfeitava 2 madrugada com arrumados um 2 um nos varais, na corda bamba da vida. Foi talvez, que eu descobria fungio, a urgéacia, a dor, a necessidade ‘esperanca da escrita. E preciso comprometer a vida com a escrta © inverso? Comprometer a escrta com a vida? . ‘Mais um momento, ainda bem menina, em que a escrita me em sua fungio utlitriae, as vezes, até constrangedora, era ‘momento da devoluso das roupas limpas. Uma leitura solene do acontecia no espaco da covinha das senhoras: das roupas, ali diante do olhar conferente das patroas, naquele enlo se tomavam trémulas, com receio de terem perdido ou tro- jguma pega. Maos que obedeciam a uma voz-conferente. Uma ‘pedia, a outra entregava. E quando eu, menina, testemunhava has antes embebidas de sangue, ¢ depois, ja no ato da entre- de qualquer odor ou nécloa, mais a minha incompreensto mulheres brancas ¢ rcas crescia, As mulheres de minha familia, v seit no munusculo espago em que viviamos, segredavam. ne intmos. Bu io cone o sungpuncat sete nie ie om meio 38 roupas suas, vindas pare a lavage, ets penchie 'sde mulheres ¢ mindsculas toalhas, nao vermclhas,e sim singradn oro das madamcs, durante muito tempo, pensei que as mulheres ‘rinassem sangue de vez em quando, Foram, ainds, essas maos lavadeiras, Das mos lavadeias, recebi ainda lists de smantines ' lfradas, precos calculados para no ultra ee al nd, ina de mis das, «que me on 8 ve me cro, tha por ab "sunidamen, em foas de pps, dos cae antes, desde aos elon Coonan ener et sss cu egos Anaages ng a A nossa cima galinhadangola fu sad, igi semana passada Isto 6 no final do més de novembro." pene "No dia 13 de dezembro, pus a gain i 12.0¢ dezembro, pus a galinha gamisé para chocar “Dona Etelvina de Seu Basilio votou para Sao Paulo no dla 15 de agosto de 1965." "A paguel duas mensalidades para ajudat na festa da Ca- pela do Rosirio” Maria Inés, minha sobrinha, ficou noiva no dia 22 de ju- Aho de 1969." BA medida que eu crescia ¢ os meus conhecimentos também, alguns desses eventos passaram a ser registrados por mim, como tant ‘bem passou a ser de minha responsabilidade cuidar de meus irmaos ‘menores na escola, acompanhar seus deveres, ir s reunioes escolares| ‘etransmitir os resultados para minha mile, De meus ismaos, passei a acompanhar os deveres das criancas menores vizinhas. No pequeno {quintal de nossa casa, debaixo das drvores, improvisel uma sala de aula, Das moedas que me eram dadas pelas maes gratas pelo desen- volvimento de seus filhos na escola, surgiam meu primeiro salariozinho, [Riqueza que me permitia comprar ora o pao diftio, ora agticar, ora 0 leite do irmaozinho menor, ora um cademo para mim, ¢, a8 vezes, algum livrinho (revistinhas infantis, gibis, que no sei por que ev considerava como sendo livro) ou ainda cbter uma alegria maior doces, doves, doves. Mas digo sempre: creio que a génese de minha escrita esti no actiulo de tudo que ouvi desde a infincia, © actinulo das palavras, das hist6rias que habitavam em nossa casa e adjacncias. Dos fatos contados a meia voz, dos relatos da noite, segredos, histrias que as criangas nto podiam ouvir. Eu fechava os olhos fingindo dormir ¢ acordava todos os meus sentidos. © meu corpo por inteiro recebia ppalavras, sons, murmirios, vozes entrecortadas de goro ou dor de- ppendendo do enredo das historias. De olhos cerrados, eu construia as, {faces de minhas personagens reais ¢ falantes, Era um jogo de escrever -no escuro. No corpo da noite Na origem da minha escrita, ougo 0s gritos, os chamados das vvitinhas debrugadas sobre as janelas, ou nos vios das portas contan- ddo em voz aka uma para as outras as suas mazelas, assim como as suas alegrias. Como ouvi conversas de mulheres! Falar e ouvir entre | ——_ nds era talvez a tinica defesa, 0 tinico remédio que possuiamos. Venho de uma familia em que as mulheres, mesmo nao estando totalmente: 9 lum ato empreendido por mulheres negas, que historicamente ran- ppor espacos culturais diferenciados dos lugares ocupados pela tara das lites, estrever alquire umn sentido de Insubordinacao. ibordinaglo que se pode evidenciar, muitas vezes, desde uma ta que fere “as normas cultas" da Iingua, caso exemplar o de ‘Maria de Jesus, como também pela escolha da matéra nasrada, ‘A nossa escrevivéncia nao pode ser lida como historias para (os da casa-grande” e sim para incomodé-los em seus sonos Injustos. ie ; a

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